Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1651/20.2T8PTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
CONTRATO DE TRABALHO
PRAZO
FALTA
CONTAGEM DO PRAZO
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- A contagem do período experimental do contrato de trabalho inicia-se com a execução da prestação do trabalho e deve ser contínua, não se interrompendo nos dias de descanso semanal e complementar do trabalhador, nem nos dias feriados.
II- Na contagem do período experimental não são considerados os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.
III- Tendo a trabalhadora estado incapacitada para o trabalho durante 11 dias, por prescrição médica, no seguimento de acidente que sofreu, tais dias não contam para o período experimental.
IV- Na alínea d) do n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho, o legislador utiliza a palavra “acidente”, que abrange quer os acidentes qualificáveis como de trabalho, quer os que não são caracterizáveis como tal. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
O…, com o patrocínio do Ministério Público, intentou a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “P…, Ldª”, pedindo que se reconheça a ilicitude do seu despedimento e que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 6.559,84, sendo € 6.326,66 a título de indemnização em substituição da reintegração, € 390,00 relativa a retribuição de 18 dias do mês de julho de 2019, € 66,78, relativa a subsídio de alimentação do mês de julho, € 122,80, respeitante a proporcionais de subsídio de férias e subsídio de Natal, referentes ao período compreendido entre 14 de junho e 18 de julho de 2019, € 60,00, relativa a férias não gozadas e € 12,56, relativa a formação profissional não prestada – devendo deduzir-se a quantia de € 418,96 depositada pela ré na conta da autora.
Alegou, em breve síntese, que celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a ré, o qual ficou sujeito a um período experimental de 30 dias, sendo que a ré lhe comunicou a rescisão do contrato no 38º dia desde o início da execução do mesmo, ou seja, depois de decorrido o período experimental, configurando, tal declaração extintiva da relação contratual um despedimento ilícito – por ausência de fundamento legal e incumprimento das respetivas formalidades.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.
A ré veio apresentar contestação, pugnando pela improcedência da ação, na medida em que, segundo alegou, o contrato de trabalho celebrado com a autora cessou durante o período experimental, já que o respetivo decurso se suspendeu enquanto a autora esteve ausente do trabalho, devido a ter sofrido um acidente (que a ré não aceita que deva ser qualificado como acidente de trabalho), pelo que, à data em que foi comunicada à autora a decisão de pôr termo ao contrato de trabalho, ainda esta não havia prestado 30 dias de trabalho efetivo ao serviço da ré. Concluiu que a denúncia do contrato foi, por isso, lícita.
Aceitou a ré que a autora é credora da quantia de € 159,78, relativa ao trabalho prestado entre 12 e 18 de julho de 2019.
Foi realizada audiência prévia, na qual, mais uma vez, se frustrou a conciliação das partes, tendo a autora tido oportunidade de responder à matéria de exceção alegada na contestação, o que fez,
nos termos que constam da respetiva ata.
Foi proferido saneador-sentença com a seguinte decisão:
«Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julga-se a presente ação parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provada, e em consequência:
- Julga-se não provada a ilicitude do despedimento da autora O…, absolvendo-se a ré “P…, Ldª” dos pedidos contra a mesma formulados relacionados com o referido despedimento;
- Condena-se a ré “P…, Ldª” a pagar à autora O… os créditos laborais vencidos e não pagos, correspondentes a retribuição do mês de julho de 2019 (18 dias), no montante ilíquido de € 390,00 (trezentos e noventa euros), subsídio de refeição do mês de julho de 2019 (14 dias), no montante de € 66,78 (sessenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato, no valor global ilíquido de € 181,38 (cento e oitenta e um euros e trinta e oito cêntimos), e créditos de horas por falta de formação profissional, no montante de € 10,95 (dez euros e noventa e cinco cêntimos). Às quantias em dívida há a descontar o valor já pago pela ré, no montante global de € 408,26.
- Sobre as quantias em dívida são devidos juros de mora, à taxa supletiva legal, contados desde a data do vencimento de cada uma das prestações e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
No mais, improcedem os pedidos formulados.
Fixa-se o valor da causa em € 6.559,84 (cf. artigo 297º, nº 1, do Código de Processo Civil).(…)».
Inconformada, veio a autora interpor recurso de apelação, extraindo das suas alegações as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1. No dia 14 de junho de 2019 foi celebrado, por escrito, entre a Autora e a Ré, um contrato de trabalho a termo, pelo prazo de seis meses, com início naquela mesma data e termo previsto para 13 de dezembro de 2019.
2. Tal como consta da cláusula nona desse contrato, o período experimental da Autora teria a duração de 30 dias.
3. No dia 18 de junho de 2019, quando se encontrava a conduzir um veículo da propriedade da Ré, na E.N. n.º 125, na zona de Lagoa, a Autora foi interveniente num acidente de viação – despiste.
4. Na sequência do referido acidente de trabalho, a Autora ficou de baixa por um período de 11 dias com incapacidade temporária absoluta.
5. Após o termo da baixa médica, a Autora trabalhou para a Ré até ao dia 18 de julho de 2019.
6. Nessa data – 18 de julho de 2019 – a Autora recebeu, em mão, uma carta proveniente da Ré, datada de 12 de julho de 2019, com o seguinte teor: “Por referência ao contrato de trabalho a termo certo celebrado com V. Exa. no dia 14 de junho de 2019, a vigorar pelo período de 6 meses, considerando que a sua execução ainda se encontra na fase do período experimental, serve a presente para comunicar a V. Exa. a rescisão do mesmo nesta data, 12 de julho de 2019 e com efeitos imediatos, o que fazemos nos termos das disposições conjugadas previstas no n.º 1 do art. 111.º, n.º, al. a) do art. 112.º e n.º1 do art. 114.º, todos do Código do Trabalho.”
7. O Tribunal considerou que, tendo-se iniciado a contagem do período experimental na data em que a Autora começou a trabalhar para a Ré, ou seja, em 14.06.2019, essa contagem veio a suspender-se entre 19 e 29.06.2019 (dias em que a Autora esteve impossibilitada de prestar trabalho por facto não imputável à mesma, configurando faltas justificadas – cf. artigo 249.º, n.º2, alínea d), do Código do Trabalho), pelo que o período experimental atingiu o seu termo em 24.07.2019.
8. Sendo assim porque, de acordo com o disposto no art.º 113.º do Código do Trabalho, a contagem do período experimental começa com o início da execução da prestação do trabalhador, não sendo considerados nessa contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.
9. Como em 18.07.2019 a Ré comunicou à Autora a intenção de fazer cessar o contrato de trabalho, com efeitos imediatos e, de acordo com o disposto no art.º 114.º, n.º1, do Código do Trabalho, “durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização”, concluiu o Tribunal que a Ré comunicou a sua intenção de denunciar o contrato ainda dentro do período experimental, contendo-se a respetiva produção de efeitos também nesse período.
10. Consequentemente o Tribunal concluiu que o despedimento da Autora não foi ilícito, já que, no período experimental, a Ré estava dispensada da invocação de justa causa, ou do cumprimento de quaisquer outras formalidades, pelo que a pretensão formulada pela Autora, quanto à ilicitude do despedimento e, em consequência, quanto aos pedidos que dependem do reconhecimento de tal ilicitude, foi julgada improcedente.
11. A Autora reconhece que esteve um período de 11 dias de baixa, mas esse período de baixa foi em consequência de um acidente de trabalho que sofreu quando prestava serviço para a Ré.
12. Efetivamente, a lei considera que devem ser descontados no período experimental os dias de falta, ainda que justificadas, sendo que, as faltas por doença e por acidente são tipicamente faltas justificadas – art.º 249.º, n.º2, alínea d), do Código do Trabalho).
13. Portanto, se a Autora tivesse estado de baixa em consequência de uma doença de causa natural ou resultante de um acidente (distinto de acidente de trabalho), o referido período de baixa médica devia ser considerado como faltas justificadas e, como tal, abatido à contagem do período experimental, tendo em consideração o disposto no n.º2 do art.º 113.º do Código do Trabalho.
14. Mas o referido preceito legal não refere que na contagem do período experimental também não devem ser considerados “os dias de incapacidade temporária absoluta por acidente de trabalho”.
15. O referido período de baixa da Autora, que o Tribunal considerou que devia ser descontado no período experimental, não foi a consequência de uma doença natural, nem de um acidente normal. A Autora não prestou trabalho naqueles dias devido a incapacidade temporária absoluta para o trabalho em consequência do acidente de trabalho que sofreu no exercício das funções que prestava para a Ré.
16. A Lei dos Acidentes de Trabalho nunca se refere a faltas mas sim a períodos de incapacidade, esclarecendo, para além do mais, que o empregador mantém o dever de ocupação dos sinistrados, o que significa que, se por acaso, a incapacidade temporária atribuída à Autora não fosse absoluta mas parcial, a Ré mantinha a obrigação de ocupar a Autora, ainda que em funções e condições de trabalho compatíveis com o respetivo estado, adaptando se necessário o posto de trabalho (art.º 155.º e segs. Da LAT).
17. Portanto, se um trabalhador fica incapacitado em consequência de um acidente de trabalho, deve considerar-se que não está a faltar ao trabalho, não devendo essa incapacidade implicar qualquer desconto no seu tempo de serviço.
18. A circunstância de no art.º 113.º, n.º2, do Código do Trabalho, não estar prevista a incapacidade por acidente de trabalho como causa de suspensão do período experimental, não significa que se deva interpretar a norma como contendo uma lacuna e concluir que também essa impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho lá está prevista.
19. Quando a lei gera dúvidas, deve ser interpretada de acordo com o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico (art.º 9.º do Código Civil), sendo que as lacunas devem ser integradas segundo norma aplicável a cassos análogos (art.º 10.º do Código Civil), considerando-se que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
20. Se no Código do Trabalho o legislador não foi claro, podemos e devemos recorrer ao disposto no “Regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública” para determinar quais são as implicações das faltas em consequência de acidentes de trabalho (por analogia com as faltas resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente em serviço).
21. Resulta do n.º1 do artº 19.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que aprovou o referido regime jurídico dos acidentes em serviço que «as faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito».
22. Embora na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), também esteja previsto, no art.º 50.º, que “para efeitos da contagem do período experimental, não são tidos em conta os dias de faltas, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, bem como de suspensão do vínculo”, tendo em consideração o disposto no citado n.º1 do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 503/99, as faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente não podem ser descontadas no tempo de serviço durante o período experimental.
23. Com esta interpretação, também as faltas ao trabalho resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente de trabalho não devem implicar o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito, sendo que “qualquer efeito” deve envolver o período experimental.
24. O período de incapacidade deve ser considerado como exercício efetivo de funções para todos os efeitos e, consequentemente, também como exercício de funções no período experimental.
25. Por isso, o Tribunal fez uma incorreta interpretação do texto legal quando considerou que os dias de incapacidade temporária absoluta em consequência de um acidente de trabalho são faltas justificadas para efeitos do disposto no art.º 113.º, n.º2, do Código do Trabalho.
26. É possível denunciar o contrato durante o período experimental, ainda que o trabalhador esteja sem trabalhar por incapacidade em resultado de um acidente de trabalho, mas se o empregador deixar decorrer todo o período experimental, como aconteceu com a Ré, deve entender-se que precludiu esse direito de denunciar o contrato.
27. Todas as razões que não sejam ações de formação que excedam metade da duração do período experimental (n.º1 do art.º 113.º do Código do Trabalho), faltas, ainda que justificadas, licenças, dispensas ou suspensões do contrato (n.º2 do art.º 113.º do Código do Trabalho), não cabem naquele preceito legal, a não ser que a analogia o permita. Consequentemente, deve considerar-se que o tribunal não fez a correta interpretação da referida norma.
28. Assim, ao admitir que, de acordo com a factualidade apurada nos autos, a Ré comunicou a sua intenção de denunciar o contrato ainda dentro do período experimental, o Tribunal violou o disposto na lei, designadamente no disposto nos artigos 112.º a 114.º, 340.º, 381.º, alínea c) e 393.º, todos do Código do Trabalho.
Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida:
1. Considerar que a comunicação efetuada pela Ré à Autora, no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho que haviam celebrado, ocorreu depois de integralmente decorridos os 30 dias do período experimental.
2. Considerar que o despedimento da Autora pela Ré foi ilícito.
3. Condenar a Ré a pagar à Autora, para além das restantes quantias já decididas na douta sentença recorrida, uma indemnização por a Autora ter sido despedida ilicitamente, num montante de € 6.326,66 (seis mil, trezentos e vinte e seis euros, e sessenta e seis cêntimos).»
Contra-alegou a ré, propugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi mantido o recurso.
Com a anuência dos Exmos. Adjuntos, foram dispensados os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se ocorreu o invocado despedimento ilícito.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. A ré tem como objeto social a vitivinicultura, explorando para o efeito uma quinta, denominada Quinta …, localizada …, em Silves.
2. A autora começou a trabalhar para a ré como «promotora de vendas», sob as ordens, direção e fiscalização daquela, com um horário de trabalho de 40 horas semanais, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 650,00, acrescida de subsídio de alimentação, no valor de € 4,77, por cada dia de trabalho efetivo.
3. No dia 14 de junho de 2019 foi celebrado, por escrito, entre a autora e a ré, um contrato de trabalho a termo, pelo prazo de seis meses, com início naquela mesma data e termo previsto para 13 de dezembro de 2019.
4. Consta da cláusula nona desse contrato, sob a epígrafe «período experimental», que o período experimental da autora teria a duração de 30 dias, podendo qualquer das partes, no decurso desse período denunciar o contrato sem aviso prévio, nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnizações.
5. No dia 18 de junho de 2019, quando se encontrava a conduzir um veículo da propriedade da ré, na E.N. nº 125, na zona de Lagoa, a autora foi interveniente num acidente de viação – despiste.
6. A ré não aceitou que a autora tivesse sido vítima de um acidente de trabalho e não participou o sinistro à respetiva seguradora.
7. Foi a autora quem, em 16 de outubro de 2019, participou a situação ao Juízo do Trabalho de Portimão, dando origem ao processo de acidente de trabalho nº 2472/19.0T8PTM.
8. Na sequência do referido acidente, a autora ficou de baixa por um período de 11 dias.
9. Após o termo da baixa médica, a autora trabalhou para a ré até ao dia 18 de julho de 2019.
10. Nessa data – 18 de julho de 2019 – a autora recebeu, em mão, uma carta proveniente da ré, datada de 12 de julho de 2019, com o seguinte teor: “Por referência ao contrato de trabalho a termo certo celebrado com V. Exa. no dia 14 de junho de 2019, a vigorar pelo período de 6 meses, considerando que a sua execução ainda se encontra na fase do período experimental, serve a presente para comunicar a V. Exa. a rescisão do mesmo nesta data, 12 de julho de 2019 e com efeitos imediatos, o que fazemos nos termos das disposições conjugadas previstas no nº 1 do art. 111º, nº, al. a) do art. 112º e nº 1 do art. 114º, todos do Código do Trabalho.”
11. A ré não pagou à autora qualquer valor relativo a compensação ou indemnização por ter posto termo ao seu contrato de trabalho da forma acima referida.
12. Enquanto trabalhou para a ré a autora não gozou qualquer dia de férias.
13. Desde o início do contrato que a vinculava à ré, a autora não recebeu qualquer formação profissional.
14. Em 27 de dezembro de 2019, a ré efetuou uma transferência bancária para a conta da autora no montante de € 418,96.
15. De acordo com os recibos emitidos pela ré que constam a fls. 55, 56 e 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a ré pagou à autora as quantias de € 260,00, a título de retribuição (12 dias), € 47,70, a título de subsídio de alimentação (10 dias), € 50,00, a título de subsídio de assistência médica (12 dias), € 50,48, a título de subsídio de Natal (2,33 dias) e € 50,48, a título de subsídio de férias (€ 2,33 dias).

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IV. Do invocado despedimento ilícito
A recorrente não se conforma com a decisão recorrida na parte que julgou improcedente o invocado despedimento ilícito.
Para tanto, vem invocar que o tribunal a quo andou mal ao considerar que o prazo do período experimental foi suspenso durante os 11 dias em que a autora se encontrou incapacitada para o trabalho em razão do acidente de trabalho sofrido.
Para melhor compreensão do “thema decidendum”, transcreve-se, seguidamente, o segmento da sentença recorrida que aprecia a controversa questão.
«Mostra-se suficientemente demonstrado que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho, em conformidade com a noção legal veiculada pelo artigo 11º do Código do Trabalho (questão que, aliás, não suscita qualquer divergência entre as partes).
Tal contrato foi reduzido a escrito, corporizando-se no documento de fls. 20 a 23 dos autos, resultando do mesmo que foi fixado um período experimental de 30 dias (cf. cláusula 9ª do aludido contrato).
O «período experimental», tal como dispõe o artigo 111º, nº 1 do Código do Trabalho, corresponde “ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”. E, de acordo com o disposto no artigo 112º, nº 2, alínea a), tal período tem a duração de 30 dias, nos casos de contrato a termo com duração igual ou superior a seis meses.
Assim, em face da previsão legal, há que concluir que o período fixado se mostra em conformidade com a mesma, devendo por isso considerar-se tal estipulação válida.
De acordo com o disposto no artigo 113º do Código do Trabalho, a contagem do período experimental inicia-se com o início da execução da prestação do trabalhador, não sendo considerados nessa contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.
Assim, no que se refere ao caso dos autos, tendo-se iniciado a contagem do período experimental na data em que a autora começou a trabalhar para a ré, ou seja, em 14.06.2019, a mesma veio a suspender-se entre 19 e 29.06.2019 (dias em que a autora esteve impossibilitada de prestar trabalho por facto não imputável à mesma, configurando faltas justificadas – cf. artigo 249º, nº 2, alínea d) do Código do Trabalho), pelo que atingiria o seu termo em 24.07.2019.
Não subscrevemos, pois, o entendimento expresso pela autora, no sentido de que o período de incapacidade decorrente das lesões sofridas no acidente (cuja natureza, enquanto acidente de trabalho, está ainda em discussão) deve ser considerado como prestação efetiva de trabalho, dada a especial natureza dos acidentes de trabalho.
Na verdade – e deixando de lado a circunstância de não ser pacífico entre as partes que o referido acidente deva caracterizar-se como acidente de trabalho – não vemos razão objetiva para distinguir tais ausências do serviço das que são determinadas por outras causas geradoras de impossibilidade da prestação de trabalho não imputável ao trabalhador (v.g., doença ou acidente, não qualificado como acidente de trabalho). Afigura-se-nos, de resto, que a razão de ser da suspensão do período experimental – que radica na impossibilidade de as partes avaliarem a execução do trabalho enquanto tal ausência do serviço se mantiver – mantém inteira justificação nos casos em que a ausência do trabalhador se deve a acidente de trabalho, nada havendo na lei que imponha conclusão diversa.
Note-se que, no limite, um tal entendimento poderia levar a que um empregador que tenha contratado um trabalhador que sofra um acidente de trabalho no primeiro dia de execução do contrato e cuja incapacidade temporária se prolongue durante mais de 30 dias (no que ao caso importa), veja esgotar-se o período experimental sem nunca ter tido a oportunidade de avaliar as competências e capacidade do trabalhador para o desempenho das funções para as quais foi contratado. Com todo o respeito por opinião contrária, entendemos que tal solução não encontra apoio na letra da lei.
Assim, como decorre do que acima se disse, é de considerar que o período experimental do contrato de trabalho firmado entre autora e ré se suspendeu enquanto aquela primeira esteve ausente por força do acidente sofrido, ocorrendo o seu termo apenas a 24.07.2019, como referido.
Sucede, porém, que em 18.07.2019 a ré comunicou à autora a intenção de fazer cessar o contrato de trabalho, com efeitos imediatos.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 114º, nº 1 do Código do Trabalho, “durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização”.
Nesta conformidade, e de acordo com a factualidade apurada nos autos, vemos que a ré comunicou a sua intenção de denunciar o contrato ainda dentro do período experimental, contendo-se a respetiva produção de efeitos também nesse período.
Não pode, pois, concluir-se pela ilicitude do despedimento da autora, já que, no período experimental, a ré estava dispensada da invocação de justa causa, ou do cumprimento de quaisquer outras formalidades.
Assim, tem de concluir-se pela improcedência da pretensão formulada pela autora, quanto à ilicitude do despedimento e, em consequência, quanto aos pedidos que dependem do reconhecimento de tal ilicitude.»
Desde já declaramos que concordamos com a decisão proferida, que procedeu a uma correta subsunção jurídica dos factos provados.
Subscrevemos mesmo, sem reservas ou dúvidas, todos os fundamentos explanados na sentença, acrescentando, somente, algumas notas de reforço.
Mostra-se pacífico nos autos que o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes processuais estava sujeito a um período experimental com a duração de 30 dias – artigo 112.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho.
A contagem do aludido período experimental iniciou-se no dia 14 de junho de 2019, que foi a data do início da execução da prestação do trabalhador – artigo 113.º, n.º 1 do mesmo compêndio legal.
Estando o período experimental fixado em dias, a contagem dos mesmos deve ser contínua, conforme decidiu esta Secção Social, por acórdão proferido em 26-10-2017, no processo 645/16.7T8FAR.E1[2].
A contagem do período experimental não se interrompe nos dias de descanso semanal e complementar do trabalhador, nem nos dias feriados[3].
De harmonia com o preceituado no n.º 2 do mencionado artigo 113.º, não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.
No caso vertente, resultou demonstrado que no dia 18 de junho de 2019, ou seja, no quinto dia do período experimental, a recorrente teve um acidente de viação, na sequência do qual ficou de baixa médica por um período de 11 dias, após o qual retomou as suas funções profissionais.
Tais faltas são consideradas justificadas, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho, uma vez que foram motivadas por impossibilidade de a recorrente prestar trabalho devido a facto que não lhe era imputável, designadamente por terem sido determinadas por prescrição médica no seguimento do acidente que sofreu.
Na referida alínea, o legislador utiliza a palavra “acidente”, que abrange quer os acidentes qualificáveis como de trabalho, quer os que não são caracterizáveis como tal.
Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir[4].
Nessa medida, mesmo que o acidente sofrido pela recorrente venha a ser qualificado como acidente de trabalho no processo n.º 2472/19.0T8PTM, os 11 dias de incapacidade temporária para o trabalho, são sempre considerados como faltas justificadas, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do referido artigo 249.º.


Destarte, o referido período de 11 dias por faltas justificadas não conta para o período experimental, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do Código do Trabalho.
Ora, tendo a recorrente regressado ao trabalho no dia 30 de junho de 2019 e tendo-lhe sido comunicada a denúncia do contrato de trabalho pelo empregador no dia 18 de julho de 2019, isto é, no 24.º dia do período experimental, bem andou a 1.ª instância ao considerar que a tal comunicação unilateral extintiva da relação contratual, configurava uma válida e legal denúncia do contrato durante o período experimental – artigo 114.º do Código do Trabalho – e não um despedimento ilícito.
Concluindo, o recurso mostra-se totalmente improcedente, pelo que a decisão recorrida deverá ser confirmada.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isenta a recorrente.
Notifique.
Évora, 15 de abril de 2021

Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)
_______________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Acessível em www.dgsi.pt.
[3] V.g. Acórdão da Relação do Porto de 17-01-2005, P. 0412672, publicado em www.dgsi.pt.
[4] V.g. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 08-06-2012, P. 01901/10.3BEBRG, acessível em www.dgsi.pt.