Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
41/13.8TXEVR-M.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A liberdade condicional pressupõe um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente em liberdade. E não restando dúvida quanto ao seu propósito de efetiva reinserção social, não pode deixar de se ponderar, aquando da sua concessão ou denegação, a personalidade do condenado, a sua vida anterior, a sua evolução durante a execução da pena de prisão e as circunstâncias concretas do caso que conduziram à imposição da pena de prisão.
E da ponderação destes elementos tem de se esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem voltar a cometer ilícitos criminais.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora


I. RELATÓRIO
Nos autos que, com o n.º 41/13.8TXEVR-M, correm termos pelo Tribunal de Execução das Penas de Évora [Juiz 2], foi proferida decisão negando a concessão de liberdade condicional ao recluso (…).

Inconformado com tal decisão, o Recluso dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«
O recorrente após cumprimento de 2/3 da sua pena em 11 de Janeiro de 2021, viu ser-lhe negada a concessão de liberdade condicional, por no entender do Tribunal apresentar total ausência de autocrítica o que associado à sua problemática psiquiátrica levou a considerar muito elevado o risco de recidiva criminal, e concluindo não ser possível fazer um juízo positivo quanto ao futuro comportamento do recluso em sociedade, conforme à lei, considerando assim não se encontrar preenchido o requisito da al. a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal.

Não pode o recluso concordar com tal decisão e fundamentos invocados, atendendo a que estes, no presente momento, não se verificam, e isto, desde logo pela informação constante dos autos e posições assumidas no conselho técnico maioritariamente contrárias aos fundamentos alegados, como também da sua audição, do seu percurso prisional e comportamento adotado nas licenças que já gozou, todas com avaliação positiva, e, que, por isso, deveria, ter sido formulado juízo positivo quanto ao seu futuro comportamento em sociedade, conforme à lei, e consequentemente concedida a liberdade condicional.

Ora, se é bem verdade, que aquando da sua avaliação para aferir da concessão da liberdade condicional ao 1/2 da pena ocorrido em 11 de Janeiro de 2019 e posteriormente em sede de renovação da instância, a informação constantes dos autos respeitante ao recluso, deu conta de que todas as entidades envolvidas no processo de liberdade condicional, manifestaram-se, unanimemente, de forma desfavorável à sua concessão;

Já o mesmo não aconteceu, em sede desta última avaliação.


O que deveria ter levado o Tribunal a efetuar juízo positivo, quanto ao futuro comportamento do recluso em sociedade, conforme à lei.

Assim e por forma a demonstrar que os fundamentos invocados pelo Tribunal, não se verificam, desde logo pela informação constante nos autos, passamos a analisar as informações, relatórios e pareceres referentes ao primeiro desses fundamentos, e após, a respeitante ao segundo.
Desta forma:
A – QUANTO À INVOCADA AUSÊNCIA DE AUTOCRÍTICA

Cremos e salvo melhor opinião, que contrariamente ao considerado pelo Tribunal, quanto ao 1º fundamento invocado da ausência de autocrítica do recluso face ao crime cometido e dano provocado, que o recluso apresenta esse juízo crítico, conforme também já o considerou a DGRSP (serviços de reinserção social) no seu relatório respeitante à avaliação por referência à renovação da instância após o meio da pena e neste último, circunstância que procuraremos demonstrar a este Tribunal.

Apenas, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável, considerando que o recluso apresenta falta de juízo crítico sobre a censurabilidade, o desvalor e a gravidade da sua conduta mas também a circunstância de padecer de perturbação delirante crónica, indissociável dos declarados motivos da sua atuação delituosa, que persistem no seu espírito, não suportam
expectativa favorável sobre a capacidade de reinserção social responsável do recluso em liberdade, sem cometer crimes, como já tinha referido nos anteriores pareceres.

Cremos que este parecer do MP, vai de encontro ao relatório dos Serviços prisionais relativamente à informação do recluso datado de 10 de Novembro de 2020, uma vez que dos autos, nada resulta nesse sentido, nomeadamente, do comportamento do mesmo, tanto no Estabelecimento prisional, como nas LSJ (licenças da saída jurisdicionais) e LSCD (licenças de saída de curta duração) de que já beneficiou ou da audição do recluso.
10º
Efetivamente, os serviços prisionais, consideraram neste relatório, à semelhança do já anteriormente sustentado, aquando da renovação da instância por referência ao meio da pena, que o recluso continua a evidenciar falta de consciência crítica que lhe permita fazer reconhecer o ilícito cometido e o dano causado, posição que, contudo, viriam a alterar, com a votação de voto favorável à concessão de Liberdade condicional, aquando da reunião do conselho técnico efetuada posteriormente, em 21 de Janeiro de 2021, conforme se expõe de seguida.
11º
O conselho técnico, no dia da audição para apreciação da liberdade condicional em 21 de Janeiro de 2021, emitiu por unanimidade parecer favorável à concessão de liberdade condicional, e aqui destacamos o facto do conselho técnico reunido ser também constituído por membros dos serviços prisionais, designadamente, de entre outros, pela sua Diretora e pelo técnico gestor do caso e subscritor do referido relatório- Dr. (…)-, da área dos serviços de reeducação Social que consignou a aludida “falta de consciência crítica” do recluso, que acabam também eles e ao arrepio dessa informação, por emitir voto favorável quanto à concessão da Liberdade condicional- cfr. Ata do Conselho Técnico de 21 de Janeiro de 2021.
12º
Cremos que, nunca poderiam os representantes dos serviços prisionais em boa, livre, consciente e responsável atuação, votarem favoravelmente à concessão da liberdade condicional ao recluso, se considerassem que este não tem consciência crítica que lhe permita reconhecer o crime cometido e os danos daí resultantes, conforme antes foi exarado no referido relatório prisional.
13º
Acreditamos que, esta aparente contradição, porque declarada livremente em momento posterior à elaboração do referido relatório, traduz a sua real apreciação das condições favoráveis, no momento, que assistem ao recluso, para que lhe seja concedida a tão almejada liberdade condicional.
14º
Por sua vez, também a DGRSP (equipa de reinserção social) no seu relatório de 24 de Novembro de 2020, emitiu parecer favorável à concessão de liberdade condicional, exarando, como já o havia feito antes (no relatório da renovação da instância por referência ao 1/2 da pena), na sua Conclusão (parte final), pág. 5 e 6, que:
“(…) reúne condições externas favoráveis a nível sócio-habitacional proporcionadas pelos familiares que reiteram a sua disponibilidade para o apoiarem, fatores reconhecidos como facilitadores a uma inserção social adequada.
A nível económico dispõe de uma situação favorável que permite assegurar a sua subsistência.”;
15º
Reafirma, uma vez mais, à semelhança do que já havia também consignado no último relatório (renovação da instância por referência ao 1/2 da pena) que:
“(…) reconhece “ o ilícito e dano da sua conduta na vitima e seus familiares e das repercussões do presente processo, em si próprio e na sua família, causam-lhe grande perturbação e angústia que procura amenizar internamente justificando o seu ato como defesa pessoal perante o receio em ser agredido, protegendo-se assim da perturbação interna que assunção plena da sua conduta lhe traria.”;
16º
E por fim, considera que:
“Perante a sua problemática de saúde mental (perturbação delirante crónica) cremos ser imprescindível que (…) retome o seu acompanhamento a nível psiquiátrico, de forma a manter a estabilidade emocional.
Numa avaliação global das condições internas e externas que (…) reúne aos 2/3 da pena, somos de parecer favorável à concessão de liberdade condicional.”
17º
Consignando no ponto 4, pág. 4 daquele relatório, respeitante às características pessoais do recluso que:
“(…) revela consciência do ilícito, com perfeita noção do dano causado à vítima e seus familiares e das repercussões e impacto causado à sua própria família e meio social.”
18º
Ora, esta autocrítica que é exigido ao recluso e por ele assumida, prende-se diretamente com o reconhecimento do ilícito ou desvalor e consequências dos seus atos.
19º
Esta tal consciência do ato ilícito por si perpetrado, vai de encontro às suas declarações aquando da sua audição em 21 de Janeiro de 2020, na renovação da instância por referência ao meio da pena em que refere “…não quer voltar a ter armas…”.
20º
Aqui chegados, parece-nos, salvo melhor entendimento, que os elementos constantes dos autos, são no sentido do recluso ter juízo crítico sobre o crime por si cometido e o dano provocado à vítima e seus familiares, não se verificando o fundamento invocado pelo Tribunal.
Por outro lado:
2 - QUANTO À PROBLEMÁTICA PSIQUIÁTRICA:
21º
De igual forma, quanto ao 2º fundamento, invocado pelo Tribunal, o da problemática psiquiátrica do recluso, entendemos, salvo melhor entendimento, que infra expomos (respeitante à situação de saúde do recluso), que tal não deve constituir fundamento ou impedimento para ser feito um juízo positivo quanto ao seu futuro comportamento conforme à lei, o que a entender-se de outra forma, nunca ao recluso seria concedida a liberdade condicional; esse instituto tão importante e sempre condicionado às obrigações que no caso se façam sentir, por forma a permitir a sua adaptação à liberdade.
22º
Não deve constituir fator discriminatório ou estigmatizante, o problema de saúde do recluso, na apreciação da concessão da liberdade condicional, a não ser que resulte da conduta deste ao longo dos anos de reclusão algum fator indicativo que possa pressupor que por virtude dessa doença o recluso não terá bom comportamento ou conforme à lei, quando posto em liberdade.
23º
No processo, nada existe nesse sentido, nem no que respeita ao comportamento do recluso no estabelecimento prisional, nem quanto aos períodos de licenças de saída jurisdicional (LSJ) e licenças de saída de curta duração (LSCD), que já gozou, no Porto, em casa da sua cunhada, e sempre com avaliação positiva.
24º
Quanto ao seu problema de saúde do foro psiquiátrico, o recluso encontra-se medicado e estável, nada constando do seu processo que indique o contrário, aliás, quanto ao seu problema de saúde, apenas o que consta é a indicação do mesmo, e não por exemplo qualquer problema causado pelo recluso e com ele relacionado, sendo acompanhado desde o seu ingresso, pelos serviços clínicos dos serviços prisionais, conforme é referido no ponto 4, pág. 3 do relatório dos referidos serviços.
25º
E é o próprio que manifesta intenção de manter o acompanhamento com a sua psiquiatra no Hospital de Santa Maria em Lisboa, conforme consignado no relatório da DGRSP no ponto 3, pág. 4.
26º
Veja-se que os serviços sociais (DGRSP) que acompanham o recluso, no ponto 6 da Conclusão, pág. 6 do referido relatório, não obstante reconhecerem e equacionarem o problema de saúde do recluso, referindo a necessidade deste retomar o acompanhamento a nível psiquiátrico por forma a manter o seu equilíbrio emocional, não considerou tal facto impeditivo de emitir parecer favorável à concessão de liberdade condicional, tendo expressamente referido que:
“Perante a sua problemática de saúde mental (perturbação delirante crónica) cremos ser imprescindível que (...) retome o seu acompanhamento a nível psiquiátrico, de forma a manter a estabilidade emocional.
Numa avaliação global das condições internas e externas que (...) reúne aos 2/3 da pena, somos de parecer favorável à concessão de liberdade condicional.”
27º
Por forma à sua boa integração na sociedade, o recluso, que tem contado, desde sempre com o apoio da sua família, que durante os vários anos de reclusão lhe tem prestado amparo, continuará a beneficiar desse apoio, bem como também de acompanhamento psiquiátrico, que o próprio quer retomar na especialidade no Hospital de Santa Maria (cfr. Ponto 3 do relatório da DGRSP), e se crê ser imprescindível, mas mais atualizado e de proximidade.
28º
Acresce ainda o seguinte, e que cremos, salvo melhor entendimento, militar a favor do recluso, o seguinte:

29º
Esta é a primeira vez que o recluso se encontra preso, tendo iniciado o cumprimento da sua pena, em 11 de Janeiro de 2013, quando tinha 52 anos de idade, e no seu percurso prisional, embora registe três infrações disciplinares, nenhuma delas mereceu punição grave, tendo ocorrido as duas primeiras no ano de ingresso no E.P.E e punidas a 1ª com advertência e a 2ª com repreensão escrita, e a terceira no ano de 2017 punida com repreensão escrita (cfr. Ponto 5.2 , pág. 4 do relatório dos serviços prisionais).
30º
Conforme informação já constante dos autos, o recluso aquando da concessão da liberdade condicional, propõe-se ir viver para uma casa da sua cunhada, que se disponibilizou para tal, localizada no Porto, na Rua (…).
31º
Contará com o apoio da sua família, como até aqui contou, e a sua mulher acompanhará o recluso no seu processo de liberdade condicional, pois encontra-se já reformada, dos serviços da conservatória do registo comercial, e tem possibilidade de o acompanhar na casa da sua irmã, no Porto; sendo este apoio familiar imprescindível para a estabilidade emocional do recluso.
32º
Em virtude de ser mencionado na sentença de que se recorre, que o recluso mantém ideação de voltar a viver na zona onde foi cometido o crime, julga-se importante informar o Tribunal, que a atual morada da casa de família do recluso, é em Queluz mas noutra zona longe do local onde ocorreram os factos, tendo sido o crime perpetrado em Queluz nas traseiras do prédio onde à data, o recluso, esposa e filha viviam, sita na Rua (…), não vivendo a vítima nessa zona;
33º
Mas que, após o cometimento do crime, a esposa e filha tiveram que sair daquela zona, em virtude de ameaças de morte feitas pelos familiares da vítima, o que levou a que tivessem de arranjar outra casa de morada de família, longe da anterior morada, por forma a obviar à possibilidade dos familiares ou amigos da vítima os poderem localizar, aí permanecendo incógnitos, sendo a sua nova morada Rua (…).
34º
É de referir ainda, que no Porto, onde o recluso poderá passar o tempo de liberdade condicional, sujeito às obrigações que se tenham por convenientes, não se relevam problemas criminais, e nem se verificam quaisquer atitudes de rejeição ou hostilidade à sua presença, pois o recluso e a sua situação judicial não são conhecidos.
35º
Na verdade, é nesta cidade do Porto, em casa da sua cunhada, que o recluso tem vindo a ser testado em meio livre, teste esse que se tem revelado de forma consistente, positiva e duradoura, através de medidas de flexibilização, das 3 (três) Licenças de Saída Jurisdicionais (LSJ) e as 2 (duas) Licenças de Saída de Curta Duração (LSCD), com avaliação positiva, beneficiando também de forma positiva do Regime Aberto no Interior (RAI), desde 11/12/2019.
36º
Por tudo o que acima se encontra referido, e salvo melhor entendimento, somos em crer, que o recluso apresenta juízo crítico face ao crime cometido e o dano provocado, conforme já o foi reconhecido documentalmente, encontrando-se medicado e estável quanto ao seu problema de saúde, não se verificando as condições invocadas pelo Tribunal.
37º
Pelo que, deveria ter sido formulado juízo positivo quanto à sua capacidade de em liberdade adotar comportamento conforme à lei, e assim, concedida a liberdade condicional, o que não tendo sido decidido, violou a sentença recorrida o artigo 61º, nº2 al. a) e 3 do Código Penal.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo a decisão recorrida revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente, condicionada às obrigações que o Tribunal entenda por convenientes, entre outras, a obrigação deste manter a assistência médica psiquiátrica.
Pede justiça

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1-ª – O recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito (limitação permitida pelo disposto nos arts. 179-º e 237-º, n-º2, do CEPMPL), devendo considerar-se assente a factualidade provada na decisão recorrida, posto que o julgamento da matéria de facto não foi impugnado e não enferma de vício de conhecimento oficioso.
2-ª – Tendo atingido o cumprimento de dois terços da pena em 11-01-2021, a concessão da liberdade condicional ao recorrente (verificados os pressupostos formais) depende apenas da verificação do requisito material estabelecido no art. 61-º, n-º2, al. a), do CP, ou seja, da viabilidade de prognóstico fundado sobre a capacidade de reinserção social responsável do recluso em liberdade, sem cometer crimes.
3-ª – Aquele prognóstico deve formar-se a partir da ponderação das circunstâncias do caso, da vida anterior do agente, da sua personalidade e da evolução desta durante a execução da pena de prisão.
4-ª – A vida anterior do recorrente reflete um padrão de normalidade, em que apenas merecem nota a interrupção do seu percurso profissional, de militar da GNR, causada por perturbação psiquiátrica, e a prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples.
5-ª – O crime cometido é de muito elevada gravidade, por ser doloso e lesivo do bem jurídico supremo, que é a vida humana.
6-ª – Quanto às circunstâncias do crime, merece particular destaque que, segundo o provado no acórdão condenatório, o ora recluso agiu sem qualquer motivo específico, revelando total desprezo pelo valor da vida humana.
7-ª – No que concerne a evolução da personalidade do recluso, é impressiva a sua postura face ao crime, de justificação do facto praticado, com alegação dos problemas de delinquência na zona onde habitava, no receio que sentia de andar na rua e de comportamento da vítima, que não lhe teria permitido agir de modo diverso.
8-ª – Porém, é manifesto que o faz contra a verdade e sem convicção, como decorre da análise crítica das provas produzidas no julgamento, segundo a explanação feita no acórdão condenatório, e da discordância entre as declarações feitas no julgamento e aquelas que prestou ao TEP.
9-ª – De facto, em declarações prestadas ao TEP no dia 18-01-2019 e mantidas nas subsequentes audições de 21-01-2020 e de 20-01-2021, disse que tinha acabado de ser vítima de assalto violento na sua residência e perseguiu os assaltantes, não os tendo alcançado, e nessa sequência, acabou por encontrar-se com a vítima.
10-ª – Ora, o recluso não relatou esse facto no julgamento, o que, dada a sua essencialidade nesta sua última versão factual, só pode compreender-se por não ser aquele verdadeiro.
11-ª – Portanto, o recluso não assume a ilicitude e a culpa do crime e continua sem fazer qualquer autocrítica do mesmo, bem como sem manifestar qualquer sentimento pelo mal causado à vítima e aos seus familiares.
12-ª – É o que se extrai de todos os elementos probatórios dos autos: da certidão do teor do acórdão condenatório, das declarações do recluso, da sua ficha biográfica, dos relatórios dos Serviços de Tratamento e Assistência Prisional e dos relatórios dos Serviços de Reinserção Social.
13-ª – As circunstâncias do crime cometido, a falta de motivo específico da atuação do ora recluso, a falta de autocrítica do crime – que verdadeiramente não assume, por considerar justificada a sua conduta – e a ausência de manifestação de qualquer sentimento pelos males causados, à vítima e aos seus familiares, revelam uma personalidade mal formada, insensível ao valor supremo da vida humana e ao sofrimento alheio, e impreparada para manter conduta lícita.
14-ª – Ora, como consta da factualidade provada na decisão recorrida e melhor se extrai dos elementos probatórios dos autos, nesses aspetos, não ocorreu durante a execução da pena qualquer evolução positiva da personalidade do recluso.
15-ª – Por outro lado, as condições de vida do ora recorrente em liberdade, a sua inserção familiar e social e as suas condições económicas, serão em tudo idênticas ao que foram.
16-ª Portanto, não foi atenuado o risco de o recluso voltar a praticar crimes, designadamente da mesma natureza daquele por que cumpre pena, e que, sem desconsiderar a respeito a relevância da perturbação psiquiátrica de que padece, em muito maior grau decorre das suas características de personalidade.
17-ª – Esse risco é muito elevado, socialmente intolerável e logicamente incompatível com a expectativa de o ora recorrente ser capaz de reinserção social responsável, em liberdade, sem cometer crimes.
18-ª – As razões do recurso não merecem acolhimento, por não terem apoio nos elementos probatórios dos autos, mas apenas no parecer do conselho técnico, também este em divergência com aqueles elementos.
19-ª - A douta decisão recorrida fez correta interpretação e aplicação das normas legais pertinentes aos factos nela havidos por provados, designadamente do disposto no art. 61-º, n-º2, al. a), do CP, não violou o disposto no n-º3 do mesmo artigo, já que não aplicou a norma da alínea b) daquele n-º2, e não merece censura alguma.
20-ª – Deve, portanto, ser confirmada, julgando-se improcedente o recurso.

Vossas Excelências, porém, melhor decidirão como for de
direito e de justiça
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto elaborou o parecer que se transcreve:
«(…)
I – O arguido (…) interpôs recurso da douta decisão que, em 26-1-2021:
- Não obstante ter considerado verificados os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional, entendeu não se verificar o requisito material exigível, estabelecido no artigo 61.º, n. º 2, a) do Código Penal, pelo que não lhe concedeu a liberdade condicional.
Pretende o recorrente a revogação da “decisão recorrida e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente, condicionada às obrigações que o Tribunal entenda por convenientes, entre outras, a obrigação deste manter a assistência médica psiquiátrica.”
II – Considerando a questão suscitada no recurso, refere-se que o Magistrado do Ministério Público em funções no aludido tribunal, na sua fundamentada peça processual, analisa a matéria jurídica em causa, defendendo o decidido na douta decisão de forma explicita e assertiva, pelo que, por ser da nossa concordância, aderimos à respetiva argumentação.
III – O artigo 61.º do Código Penal faz depender a concessão da liberdade condicional da verificação de determinados requisitos.
Como pressupostos formais a lei exige o cumprimento de metade da pena e no mínimo seis meses de prisão, ou dois terços da pena e no mínimo 6 meses de prisão, ou ainda cinco sextos da pena para condenações em penas superiores a seis anos (n.º 2, 3 e 4 do aludido artigo 61.º) e que o condenado aceite a libertação condicional n.º 1 do mesmo artigo).
Os pressupostos materiais constam das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal, a saber:
“a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”
Enquanto o primeiro se reporta à prevenção especial, o segundo tem como escopo as exigências de prevenção geral.
O TEP de Évora baseou-se nos elementos constantes dos autos, nomeadamente certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena, certificado do registo criminal, relatório dos serviços de educação e ensino da DGRSP, Relatório da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP, ficha biográfica do recluso, ata da reunião do conselho técnico e esclarecimentos aí prestados e Auto de audição do recluso.
Essencialmente, para o tribunal, o ora recorrente ainda não interiorizou a censurabilidade do seu comportamento, demonstrando não entender a sua condenação (justificando o acontecimento com a problemática da delinquência na sua zona habitacional) e, reconhecer o erro cometido (referindo que a situação foi despoletada pela vítima), alheando-se da culpa do crime e das suas consequências, atribuindo o crime a situações externas, pelo que para o tribunal é muito elevado o risco de recidiva criminal.
Para beneficiar da concessão da liberdade condicional nesta fase (cumpridos 2/3 da pena), deveria o recorrente ter interiorizado a censurabilidade e o desvalor da sua conduta, assumindo um comportamento crítico real e efetivo sobre os factos cometidos.
O condenado também não demonstra minimamente que alterou definitivamente a sua atitude em relação à vitima (situação despoletada por esta), não assumindo a culpa ou responsabilidade na sua morte, e embora verbalize estar arrependido evidencia falta de consciência crítica, não reconhecendo a gravidade da sua conduta pelo que nos parece, que também neste domínio, não pode ser formulado quanto a si o necessário e exigível juízo de prognose favorável para que lhe pudesse ser concedida a liberdade condicional.
Parece-nos ser também este o entendimento da maior parte da nossa jurisprudência, conforme se extrai dos seguintes Acórdãos desta Relação:
Acórdão de 24-5-2016, Recurso n.º 1334/10.1TXEVR-B.E1, in www.dgsi.pt :
"Apesar do recluso ter cumprido 2/3 da pena, aceitar a liberdade condicional e ter bom comportamento prisional, não é de conceder esta se o recluso desvaloriza a sua conduta criminosa, porquanto se alheia da gravidade dos factos cometidos, desvalorizando-os, não lhes dando a devida importância que os mesmos merecem.”
Acórdão de 7-5-2019, Recurso n.º 10/17.9TXEVR-D.E1, in www.dgsi.pt:
"A gravidade dos factos, o tempo de prisão já cumprido e a assunção pela reclusa de uma atitude de desculpabilização, mostra que as elevadas exigências de prevenção geral e especial não permitem a concessão da liberdade condicional.”
Acórdão de 11-7-2019, Recurso n.º 127/13.9TXEVR-L.E1, in www.dgsi.pt:
“I - A liberdade condicional, quando o recluso atinge os 2/3 do cumprimento da pena, depende tão-só de razões de prevenção especial.
II - Daí que não seja elemento essencial (decisivo) o bom comportamento prisional do condenado, devendo atender-se a todos os índices de ressocialização revelados pelo mesmo, índices que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, nomeadamente olhando-se à conduta anterior e posterior à condenação, à própria personalidade do condenado, ao seu modo de vida, aos seus antecedentes criminais e aos seus laços sociais e familiares.
III - Não existindo referências, suficientemente consistentes, da efetiva ressocialização do recorrente, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do recorrente (juízo indiciador de que o mesmo, se colocado em liberdade, pautará a sua vida sem cometer crimes).”
Acórdão de 2019-02-19, Recurso n.º 13/16.0TXEVR-E.E1, in www.dgsi.pt:
“I – Atingidos os 2/3 do cumprimento da pena, a liberdade condicional só deve ter lugar quando for adequada às necessidades de prevenção especial, que se mostram retratadas naquele objetivo de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
II – Deve ser denegada quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um juízo positivo acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre.”
Acórdão de 2018-04-26, Recurso n.º 566/12.2TXEVR-O.E1, in www.dgsi.pt:
"Não é de conceder a liberdade condicional a recluso que, tendo cumprido já metade da pena de 12 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio simples e de um crime de detenção de arma proibida, as exigências de prevenção especial são ainda de considerar, tanto mais que o mesmo insiste em mencionar que o homicídio foi acidental e refuta a intenção de matar, não sendo, por consequência, possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso.”
E, Acórdão de 2016-02-16, Recurso nº 2257/10.0TXCBR-H.E1, in www.dgsi.pt:
“i.O instituto da liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta prisional, mas sim uma modificação da pena de prisão;
ii. Como tal, a sua concessão deverá estar estritamente condicionada aos sendo condenado pressupostos estabelecidos na lei;
iii. Em conformidade com as proposições anteriores, não se mostra preenchido o pressuposto (substantivo) previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do CP e, por consequência, não é de conceder a liberdade condicional ao arguido que, tendo uma formação académica diferenciada, não interiorizou o desvalor social e ético-jurídico da sua conduta, não assumindo a prática dos factos por que foi condenado e, assim, não assumindo a culpa.”
Assim, somos de opinião que o tribunal decidiu corretamente ao não conceder ainda a liberdade condicional ao recluso, ora recorrente, (...).
Nesta conformidade somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.»

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada a questão da verificação dos pressupostos consagrados no n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.
û
A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«I – Relatório
O presente processo de liberdade condicional diz respeito ao recluso (…), com demais sinais nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de Évora.
Para efeitos de apreciação da concessão da liberdade condicional por referência aos dois terços da pena que o recluso cumpre, foram na renovação da instância juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de ora em diante designado apenas por CEPMPL).
O conselho técnico reuniu, prestando os seus membros os esclarecimentos que lhes foram solicitados e emitindo, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art. 175º, nºs 1 e 2, do CEPMPL) – cfr. fls. 159.
Procedeu-se à audição do recluso, nos termos estabelecidos no art. 176º do CEPMPL, sendo que aquele consentiu na aplicação da liberdade condicional. Em sede de audição o recluso não ofereceu quaisquer provas – cfr. fls. 160.
Cumprido o disposto no art. 177º, nº 1, do CEPMPL, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional – cfr. fls. 161.
*
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio.
Não existem nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da causa (a eventual concessão da liberdade condicional).
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II – Fundamentação
II – A) Dos Factos
O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. Quanto às circunstâncias do caso:
1.1. O recluso (...) cumpre à ordem do processo comum (tribunal de júri) nº 35/13.3PASNT, do Juízo Central Criminal de Sintra (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, a pena de 12 (doze) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de homicídio simples (com agravação devido à utilização de arma de fogo);
1.2. O referido crime de homicídio simples relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 11 de Janeiro de 2013 o recluso saiu da sua residência, em Queluz, com o intuito de passear apeado o seu canídeo; na ocasião o recluso transportava consigo, no bolso direito do seu casaco, um revólver de calibre .32, com 6 munições carregadas no tambor; ao passar junto de uma garagem onde o ofendido lavava um carro, o canídeo deste saiu da garagem e veio ao encontro do canídeo do recluso; o recluso disse então que para a próxima lhe dava um pontapé; o ofendido respondeu que o seu cão não estava a fazer nada de mal; o recluso retirou então o referido revólver do interior do bolso do casaco e deflagrou quatro projéteis para a zona dos pés do ofendido; a tal o ofendido respondeu que não o ameaçasse com uma arma de alarme, pois não tinha medo; ao mesmo tempo que perguntava ao ofendido se achava que era uma arma de alarme e se queria experimentar, o recluso deflagrou um projétil em direção à zona torácica daquele, atingindo-o e provocando a sua queda no solo; em consequência das lesões sofridas na zona torácica, nomeadamente ao nível do coração e dos pulmões, o ofendido veio a falecer;
1.3. A pena referida no ponto 1.1. dos factos provados foi liquidada nos seguintes termos:
- Início – 11 de janeiro de 2013;
- Metade – 11 de janeiro de 2019;
- Dois terços (2/3) – 11 de janeiro de 2021;
- Cinco sextos (5/6) – 11 de janeiro de 2023;
- Termo – 11 de janeiro de 2025;
2. Quanto à vida anterior do recluso:
2.1. O recluso, nascido a 28 de abril de 1960 (atualmente conta com 60 anos de idade), nasceu em Angola, tendo vindo para Portugal, com os pais, aos 14 anos de idade;
2.2. Iniciou o percurso laboral aos 16 anos de idade, como (…), sendo que passado um ano ingressou como voluntário no (…), onde permaneceu até maio de 1979, data em que foi integrado na (…);
2.3. Manteve o seu trajeto profissional na (…) até agosto de 2002, reformando-se por invalidez por problema do foro psiquiátrico, data a partir da qual foi acompanhado a nível psiquiátrico de forma regular;
2.4. Foi vítima de um assalto em 2010, o que agravou a sua desconfiança em relação aos vizinhos e moradores na zona de residência e determinou o uso quotidiano de arma de fogo;
2.5. Foi-lhe diagnosticada uma perturbação delirante crónica;
2.6. Para além da condenação referida no ponto 1.1. dos factos provados, o recluso regista ainda uma condenação pela prática, em 2 de janeiro de 2008, de dois crimes de ofensa à integridade física simples;
2.7. Encontra-se preso pela primeira vez, datando a sua reclusão de quando tinha 52 anos de idade;
3. Quanto à personalidade do recluso e evolução daquela durante a execução da pena:
3.1. A propósito do crime pelo qual cumpre pena, o recluso justifica o acontecimento com situações externas, nomeadamente a problemática da delinquência na sua zona habitacional e o seu receio quando saía de casa;
3.2. Refere que a situação foi despoletada pela vítima, culminando no referido desfecho (a este respeito menciona que quando foi detido ia a caminho da PSP para apresentar queixa contra a vítima);
3.3. Alude à circunstância de a sua família continuar a viver atormentada desde a altura dos factos, sendo esta a sua maior preocupação;
3.4. Não aborda em momento algum o sofrimento causado aos familiares da vítima;
3.5. Verbaliza estar arrependido, mas evidencia falta de consciência crítica, não reconhecendo a gravidade da sua conduta;
3.6. No Estabelecimento Prisional (EP) regista três infrações punidas disciplinarmente, praticadas nas seguintes datas:
- 2 de agosto de 2013;
- 23 de setembro de 2013;
- 25 de agosto de 2016;
3.7. É um indivíduo educado, mantendo atualmente um bom relacionamento com o grupo de pares e comportamento correto com os funcionários do EP;
3.8. Foi colocado laboralmente a 12 de dezembro de 2019, como faxina a tempo parcial da sala de convívio, passando a desempenhar funções de faxina a meio tempo à zona administrativa em 30 de Abril de 2020;
3.9. No dia 22 de julho de 2020, por indicação médica, cessou as funções laborais;
3.10. Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade, sendo que durante a reclusão optou por manter a sua qualificação escolar, considerando que devido à sua idade e por se encontrar reformado será suficiente;
3.11. Não participa nem demonstra interesse nas atividades socioculturais desenvolvidas no EP, ocupando os seus tempos livres em jogos de mesa e na frequência regular da biblioteca;
3.12. É acompanhado pelos serviços clínicos do EP quanto aos seus problemas do foro psiquiátrico e de tensão arterial, para os quais toma medicação;
3.13. Beneficiou de 3 (três) licenças de saída jurisdicional (LSJ), gozadas em novembro de 2019, junho de 2020 e outubro de 2020, bem como de 2 (duas) licenças de saída de curta duração (LSCD), gozadas em dezembro de 2019 e agosto de 2020, todas com avaliação positiva;
3.14. Encontra-se colocado em regime aberto no interior (RAI) desde 11 de dezembro de 2019;
4. Situação económico-social e familiar:
4.1. Conta com o apoio da mulher e da filha, que continuam a viver na zona onde ocorreram os factos, em habitação própria;
4.2. Refere que uma vez em liberdade irá viver para uma casa de uma cunhada, no Porto (para onde irá também viver a sua mulher e onde tem gozado as LSJ), ponderando regressar posteriormente a Queluz, caso lhe seja concedida autorização para tal;
5. Perspetivas laborais/educativas:
5.1. O recluso encontra-se reformado da (…), auferindo pensão no montante mensal de € 1050.
Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.
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II – B) Motivação
II – B – 1) Motivação Fáctica
Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos elementos a que de seguida se fará referência, analisados de forma objetiva e criteriosa, nunca esquecendo que os relatórios e pareceres das diversas entidades que têm intervenção no processo de liberdade condicional (com especial relevância para a equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP, a equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP e o conselho técnico) não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz (neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de outubro de 2009 e de 7 de julho de 2016, os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de setembro de 2010 e de 31 de outubro de 2012 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de julho de 2011 e de 26 de outubro de 2011, todos in www.dgsi.pt, respetivamente Proc. 8027/06.2TXLSB-A.L1-3, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1, Proc. 3536/10.1TXPRT-H.P1, Proc. 1797/10.5TXCBR-D.C1 e Proc. 165/11.6TXCBR-A.C1).
Assim, tal informação é livremente apreciada pelo julgador, devendo naturalmente ser conjugada com as impressões retiradas da reunião do conselho técnico e da audição do recluso, o que, na feliz expressão do referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 22 de setembro de 2010, “habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria”.
Feitas estas notas prévias, a convicção do tribunal fundou-se na referida análise conjugada, global e crítica dos seguintes elementos:
- Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena – fls. 2 a 29;
- Certificado de registo criminal do recluso – fls. 134 a 135v;
- Relatório da equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP – fls. 139v a 141v;
- Relatório da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP – fls. 147 a 151;
- Ficha biográfica do recluso – fls. 142 a 145v;
- Ata da reunião do conselho técnico (fls. 159) e esclarecimentos aí prestados;
- Auto de audição do recluso – fls. 160.
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II – B – 2) Motivação de Direito
Dispõe o n.º 1 do art. 40.º do Cód. Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, acrescentando o n.º 1 do art. 42.º do mesmo diploma que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (em termos essencialmente idênticos, veja-se o disposto no art. 2.º, n.º 1, do CEPMPL).
Tendo em consideração tais finalidades, o legislador do Código Penal de 1982 consignou no ponto 9 do preâmbulo do Dec.-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que “definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão” (a este propósito, veja-se igualmente o ponto II.3. do anexo à Recomendação Rec(2003)22 do Conselho da Europa, adotado pelo Comité de Ministros a 24 de setembro de 2003 – documento disponível no sítio eletrónico do Conselho da Europa).
A liberdade condicional tem assim uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização” (neste sentido, vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 528), sendo que do ponto de vista da sua natureza jurídica é hoje em dia inequívoco que constitui um incidente ou medida de execução da pena de prisão (a este propósito, veja-se JOAQUIM BOAVIDA, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, p. 124-125, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de julho de 2016 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de junho de 2010 e de 27 de setembro de 2017, todos in www.dgsi.pt, respetivamente Proc. 824/13.9TXLSB-J.L1-3, Proc. 435/05.2TXCBR-A.C1 e Proc. 386/16.1TXCBR-E.C1).
O instituto da liberdade condicional encontra-se preceituado, quanto aos seus pressupostos e duração, no art. 61º do Cód. Penal, que dispõe do seguinte modo:
“1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena”.
O art. 61º do Cód. Penal consagra assim duas modalidades de liberdade condicional: a liberdade condicional facultativa, que opera “ope judicis”; a liberdade condicional obrigatória, que opera “ope legis”, pois deverá ser concedida logo que o condenado tenha cumprido cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos ou da soma das penas a cumprir sucessivamente que exceda seis anos (cfr. art. 61.º, n.º 4 e 63.º, n.º 3, ambos do Cód. Penal).
De acordo com o disposto nos arts. 61.º, n.º 2, do Cód. Penal, são três os pressupostos formais de concessão da liberdade condicional:
1 – Que o condenado tenha cumprido no mínimo 6 meses de prisão;
2 – Que se encontre exaurida pelo menos metade da pena;
3 – Que o condenado consinta em ser libertado condicionalmente (requisito que também é exigido nos casos da referida liberdade condicional obrigatória).
Por outro lado, constituem requisitos materiais (ou substanciais) da concessão da liberdade condicional:
A) Que fundadamente seja de esperar, “atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes” (o legislador seguiu a sugestão de FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 539, quanto a deverem ser aqui tomados em consideração todos os elementos necessários ao prognóstico efetuado para decretar a suspensão da execução de pena de prisão);
B) “A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social” (este requisito deixa de se mostrar necessário logo que sejam atingidos os dois terços da pena, como é o caso dos autos, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa).
Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral (neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006 p. 356; em idêntico sentido, ANTÓNIO LATAS, Intervenção Jurisdicional na Execução das Reações Criminais Privativas da Liberdade – Aspetos Práticos, Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, p. 223 e 224, nota 32).
*
Regressando ao caso concreto e subsumindo os factos ao direito, é isento de dúvidas que se mostram preenchidos os pressupostos formais da liberdade condicional, pois o recluso:
- Já cumpriu pelo menos 6 meses de prisão;
- Já cumpriu metade da pena;
- Aceitou ser libertado condicionalmente.
No que diz respeito aos requisitos de natureza material, estando em causa nos autos a apreciação da liberdade condicional por referência aos dois terços da pena, apenas se mostra necessário o preenchimento da primeira das exigências a que supra fizemos referência em A), ou seja, a relacionada com as razões de prevenção especial de socialização.
No que tange ao primeiro daqueles requisitos materiais, a lei impõe que para que seja concedida a liberdade condicional o juiz do Tribunal de Execução das Penas faça um juízo de prognose favorável de que uma vez em liberdade o condenado venha a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo que entendemos que em caso de dúvida sobre tal capacidade, a liberdade condicional não deve ser concedida [com efeito, conforme refere JOAQUIM BOAVIDA a propósito do princípio “in dubio pro reo”, “na fase da execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação (…) Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada” (ob. cit., p. 137); no mesmo sentido, veja-se FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 540, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de outubro de 2017, in www.dgsi.pt, Proc. 744/13.7PXPRT-K.C1].
Tal juízo de prognose terá de se revelar através da análise dos seguintes aspetos, conforme previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 61.º do Cód. Penal:
- As circunstâncias do caso. Relaciona-se este segmento com a valoração do(s) crime(s) cometido(s), seja quanto à sua natureza e gravidade, seja ainda quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação da medida da pena, nos termos do art. 71.º do Cód. Penal, sem que tal constitua qualquer violação do princípio “ne bis in idem” (neste sentido, veja-se o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de setembro de 2010, in www.dgsi.pt, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1).
Na situação concreta, o crime praticado pelo recluso (homicídio simples) é obviamente muito grave, já que se consubstanciou na violação do bem jurídico mais importante: a vida humana. De resto, os factos concretos praticados pelo recluso revestem grande desvalor e total insensibilidade em relação à vida da vítima, conforme melhor resulta da leitura do acórdão condenatório;
- A vida anterior do agente. Este item relaciona-se com uma multiplicidade de fatores, desde logo de natureza familiar, social e económica, mas também atinentes a eventuais problemáticas aditivas do recluso, bem como à existência ou não de antecedentes criminais, sendo também especialmente importante aferir se o recluso já anteriormente cumpriu penas de prisão ou se o faz pela primeira vez. Conforme refere JOAQUIM BOAVIDA de modo assaz pertinente, em matéria de liberdade condicional o elemento respeitante à vida anterior do condenado “é sobretudo relevante para operar a contraposição entre o homem que o recluso era antes da prática do crime e o homem que revela agora ser depois de executada parte substancial da pena” (ob. cit., p. 139-140).
No caso dos autos, não sendo o recluso pessoa com antecedentes criminais muito relevantes e não registando antecedentes penitenciários, relevam sobretudo a sua problemática psiquiátrica e a sua boa inserção familiar à época dos factos; - A personalidade do agente e a evolução daquela durante a execução da pena. Quanto a este aspeto, “é relevante apurar a personalidade manifestada pelo recluso na prática do crime, quais os seus traços, sintomas e exteriorizações”, sendo que “não é indiferente se o crime é uma decorrência da personalidade impulsiva e agressiva do recluso ou se resultou apenas da conjugação de circunstâncias irrepetíveis ou da mera imaturidade do agente” (JOAQUIM BOAVIDA, ob. cit., p. 139-140).
No caso dos autos, perante a forma inusitada como o recluso atuou, não se consegue encontrar explicação para os factos que praticou, sendo certo que no Acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça no processo da condenação, embora tenha sido reconhecida a situação de doença psiquiátrica do recluso (aliás à semelhança do que aconteceu em 1ª instância), foi afastada qualquer situação de imputabilidade diminuída.
Estabelecida no essencial a personalidade do recluso, vejamos então se se verificou uma evolução positiva desta durante a execução da pena, o que deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.
Desde logo, cumpre referir que “não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional (…) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta (…) A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena” (assim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de dezembro de 2012, podendo encontrar-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de julho de 2016, ambos in www.dgsi.pt, respetivamente Proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1 e Proc. 824/13.9TXLSB-J-L1-3).
De qualquer modo, quanto a este aspeto, conforme resulta dos pontos 3.1. a 3.5. dos factos provados, verifica-se total ausência de reflexão autocrítica por parte do recluso, sendo que se tratando de pessoa com problemas de natureza psiquiátrica, tal constitui sério fator de risco de recidiva criminal.
O comportamento prisional do recluso, constituindo também fator de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, “sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza – a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta – que ela não tem” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2013, podendo ver-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de janeiro de 2013, ambos in www.dgsi.pt, respetivamente Proc. 939/11.8TXPRT-H.P1 e Proc. 1541/11.0TXLSB-E.E1).
Regressando ao caso concreto, verifica-se que o percurso disciplinar do recluso tem sido marcado por alguma instabilidade. Contudo, a sua última infração foi praticada há já quatro anos e cinco meses, mantendo desde então comportamento correto, o que milita a seu favor.
A atividade laboral desenvolvida e a falta de interesse em valorizar-se academicamente mostram-se pouco relevantes, face aos seus problemas de saúde, nomeadamente de natureza psiquiátrica.
É certo que tem vindo a ser testado em meio livre de forma consistente, positiva e duradoura, através da concessão de LSJ e de LSCD, beneficiando também de forma positiva da sua colocação em RAI há mais de 1 ano, sendo igualmente verdade que conta com boa inserção familiar no exterior.
Contudo, o que acima referimos a propósito da total ausência de autocrítica do recluso, associada à sua problemática psiquiátrica, leva a que consideremos ser muito elevado o risco de recidiva criminal (a este propósito veja-se ainda que o recluso, embora agora de modo mais atenuado, continua a manter ideação de voltar a viver na zona onde foi cometido o crime, o que é de todo desaconselhável), levam à conclusão de não ser possível fazer juízo positivo quanto à evolução da personalidade do recluso e quanto à sua futura capacidade para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes.
Assim, não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal.
Logo, há que concluir no sentido de não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional.»
û
Conhecendo.

A liberdade condicional – doutrinariamente considerada como um incidente da execução da pena – consiste na libertação do condenado durante o tempo que faltar para o cumprimento da pena privativa da liberdade.[[2]]
A sua disciplina substantiva encontra-se nos artigos 61.º a 64.º do Código Penal.
Onde se distinguem duas modalidades de liberdade condicional,
1. facultativa
(i) a meio da pena
- cuja concessão depende do consentimento do condenado;
- cuja concessão depende da verificação dos requisitos consagrados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61.º;
(ii) aos dois terços da pena
- cuja concessão depende do consentimento do condenado;
- cuja concessão depende da verificação dos requisitos consagrados na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º;
2. obrigatória
- a conceder aos cinco sextos da pena para os condenados a uma pena superior a seis anos de prisão;
- cuja concessão depende do consentimento do condenado.
Em qualquer das suas modalidades, a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.

Interessa-nos a liberdade condicional facultativa aos dois terços da pena.
São seus requisitos de forma (i) o cumprimento de dois terços da pena, desde que se mostrem cumpridos 6 (seis) meses de prisão (ii) e o consentimento do condenado.
Quanto aos pressupostos materiais da liberdade condicional, enunciam-se as exigências contidas na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal – um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado.
Dito de forma diversa, do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal resulta que, cumpridos dois terços da pena, a libertação condicional não pode por em causa as necessidades de prevenção especial.
Pressupondo a liberdade condicional um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente em liberdade e sendo certo o seu propósito de efetiva reinserção social, não pode deixar de se ponderar, aquando da sua concessão ou denegação, a personalidade do condenado, a sua anterior, a sua evolução durante a execução da pena de prisão e as circunstâncias concretas do caso que conduziram à imposição da pena de prisão.
E da ponderação destes elementos tem de se esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem voltar a cometer ilícitos criminais.

Aqui chegados, importa deixar expresso que a decisão recorrida se revela devidamente fundamentada e que nela não se deteta qualquer vício que cumpra, agora, conhecer.

Para sustentar que lhe devia ter sido concedida a liberdade condicional, ao invés do decidido, o Recorrente convoca o parecer favorável de todas as entidades envolvidas no processo e o teor do relatório da Direção geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Invoca, ainda, que a sua situação de saúde não pode ser razão impeditiva da concessão de liberdade condicional, uma vez que tenciona manter acompanhamento psiquiátrico e dispõe de adequado enquadramento familiar.

Compreende-se que quem anseia por ver findo período de privação da liberdade acentue os aspetos que lhe são favoráveis.
E foi o que fez o Recorrente.
Mas a aceitação desta sua perspetiva, porque consubstancia uma realidade incompleta, violaria o disposto na lei.

Como já se deixou dito, a liberdade condicional pressupõe um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente em liberdade. E não restando dúvida quanto ao seu propósito de efetiva reinserção social, não pode deixar de se ponderar, aquando da sua concessão ou denegação, a personalidade do condenado, a sua vida anterior, a sua evolução durante a execução da pena de prisão e as circunstâncias concretas do caso que conduziram à imposição da pena de prisão.
E da ponderação destes elementos tem de se esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem voltar a cometer ilícitos criminais.

O Recorrente encontra-se a cumprir uma pena de 12 (doze) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples, com a agravação decorrente da utilização de arma de fogo.
À data da prática dos factos que conduziram a esta condenação, o Recorrente havia já sido condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples.
À data da prática dos factos que conduziram à referida condenação, o Recorrente tinha diagnosticada perturbação delirante crónica, encontrava-se reformado por invalidez e vivia com a mulher e uma filha de ambos.

O sobredito crime de homicídio, cometido a 11 de janeiro de 2013, tem contornos que aproximam o Recorrente de alguém absolutamente destituído de empatia e incapaz de ajustar os seus comportamentos.
A doença mental de que o Recorrente padece – embora o não impeça de distinguir o certo do errado e de se autodeterminar em função dessa distinção –, contribuirá, por certo, para esta imagem que dele fica.

Ora, neste contexto, as declarações do Recorrente relativamente às motivações do crime que cometeu não podem deixar de ser valoradas como o foram pelo Tribunal recorrido.
Traduzindo desculpabilização pelo crime cometido, fragilizam acentuadamente o convencimento de que o Recorrente, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem voltar a cometer ilícitos criminais.

Por fim, resta acentuar que, como bem consta da decisão recorrida, «os relatórios e pareceres das diversas entidades que têm intervenção no processo de liberdade condicional (com especial relevância para a equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP, a equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP e o conselho técnico) não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz (neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de outubro de 2009 e de 7 de julho de 2016, os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de setembro de 2010 e de 31 de outubro de 2012 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de julho de 2011 e de 26 de outubro de 2011, todos in www.dgsi.pt, respetivamente Proc. 8027/06.2TXLSB-A.L1-3, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1, Proc. 3536/10.1TXPRT-H.P1, Proc. 1797/10.5TXCBR-D.C1 e Proc. 165/11.6TXCBR-A.C1).
Assim, tal informação é livremente apreciada pelo julgador, devendo naturalmente ser conjugada com as impressões retiradas da reunião do conselho técnico e da audição do recluso (…).»

Isto posto, não havendo alteração a registar na anterior vida do Recorrente, não revelando o Recorrente autocrítica relativamente ao crime que cometeu, tendo este crime contornos que o aproximam de alguém absolutamente destituído de empatia e incapaz de ajustar os seus comportamentos, e padecendo de doença do foro mental de que não concorre para facilitar a sua integração, podemos com segurança afirmar que o Recluso não possui as condições indispensáveis a que se afirme o convencimento de que não cometerá mais crimes.

O raciocínio expresso na decisão recorrida, com base nos elementos que dela constam, não merece, pois, qualquer acrescento ou reparo.
E o recurso improcede.


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s
û
Évora, 2021 abril 13
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)


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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)


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(Renato Amorim Damas Barroso

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português – Parte Geral – Teoria das Penas e das Medidas de Segurança”, Tomo III,
Verbo 2008, página 216.