Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1146/08.2TBELV-AO.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O Administrador da Insolvência tem direito ao reembolso “das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis”, nos termos do art.º 60.º do CIRE, reconhecendo-lhe o art.º 19.º do EAI, o direito a ser reembolsado “das despesas necessárias” ao cumprimento das funções que lhe são cometidas.
II. Não havendo razões para que um critério se sobreponha a outro, afigura-se que a utilidade, a indispensabilidade ou a necessidade terão de ser aferidas à luz do fim que legitima o dispêndio efectuado e do seu contributo para o alcançar - o eficaz desempenho pelo administrador das funções que a lei lhe confia, nomeadamente as prescritas nas als. a) e b) do n.º 1 do art.º art.º 55.º do CIRE.
III. Da interpretação conjugada dos n.ºs 2 e 3 do art.º 55.º do CIRE resulta que a constituição pelo administrador da insolvência de mandatário judicial para representar a massa insolvente nos casos em que o patrocínio é obrigatório não carece da prévia autorização do juiz ou da comissão, quando a haja.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo 1146/08.2TBELV-AO.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Instância Local de Elvas Secção Cível Juiz 1


I. Relatório
Por apenso aos autos principais, nos quais foi decretada a insolvência da requerida devedora (…), veio o Sr. Administrador da Insolvência, Sr. Dr. (…), apresentar as suas contas, reclamando:
1. um saldo respeitante a despesas no valor de 281,31€;
2. honorários no valor global de 48.750,00 € (+ IVA), sendo:
- 2.000,00 €, ao abrigo do disposto no art.º 60.º, n.º 1, do CIRE, no art.º 27.º, n.ºs 1 e 2 do DL 32/04, de 22.07 (Estatuto do Administrador de Insolvência) e no art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, da Portaria n.º 51/2005, de 20.01);
- 15.000,00 €, pela elaboração do plano de insolvência;
- 1.500,00 €, por mês x 32 meses, de fiscalização da actividade da insolvente = 48.000,00 €.
Informou no mesmo requerimento de prestação de contas ter levantado da conta da massa insolvente a quantia de 13.500,00 € e ter recebido da insolvente a título de provisão a quantia de 15.000,00 €, da qual entregou à Ex.ma Sr.ª Dr.ª (…) o montante de 12.250,00 €, tendo restado um saldo de 2.750,00 €.
Informou ainda que se encontram por pagar as contas apresentadas pelo Sr. Dr. (…) e que a Massa Insolvente estava a ser patrocinada nos processos que identificou pela Dr.ª (…), a qual deverá ser notificada para apresentar contas nos processos findos e, caso assim fosse entendido, também dos que se encontram pendentes:
Juntou em anexo resumo das contas apresentadas e documentos comprovativos.
*
Notificada a comissão de credores em cumprimento do disposto no artigo 64.º, n.º 1, do CIRE, pronunciaram-se contra a aprovação das contas as credoras (…), SA e CGD.
Publicitada a notificação dos credores e da devedora nos termos legais, veio a credora Pomarcampo, Lda. aderir ao conteúdo dos requerimentos apresentados pela (…), SA e pela CGD.
Também a insolvente se pronunciou de forma fundamentada no sentido de não deverem ser aprovadas as contas apresentadas, conforme resulta de fls. 959 e ss.
O Sr. Administrador da insolvência exerceu o contraditório, tendo impugnado os factos e argumentos aduzidos pelas citadas credoras, e indicou prova (fls. 1005 e ss.).
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à aprovação das contas apresentadas (cf. fls. 1108).
O Sr. Administrador veio apresentar contas relativas ao período de 07.09.2011 até 13.02.2014, reclamando o reembolso de despesas no valor de € 12.554,42 (fls. 1505/1620).
Pronunciou-se o administrador em exercício nos termos que constam de fls. 1622/1623.
Foram inquiridas as testemunhas indicadas e, saneado o processo, foi proferida decisão que decretou como segue:
i. atribuiu ao Sr. Administrador da Insolvência o montante de € 2.000,00 (dois mil euros), a que acresce IVA legal, a título de remuneração fixa; o montante de € 3.000,00 (três mil euros), a que acresce IVA legal, a título de remuneração devida pela elaboração do plano de insolvência, quantias a que deve acrescer o valor da remuneração variável que vier a ser apurada, a final, sendo toda a remuneração devida ao Administrador a suportar pela massa insolvente;
ii. julgou aprovadas as despesas apresentadas no montante de € 14.622,44 (catorze mil e seiscentos e vinte dois euros e quarenta e quatro cêntimos), referentes a gastos com correio, fotocópias, publicações, actos judiciais, registo e notariado, actos judiciais, fotocópias e deslocações nos termos que discriminou, e
iii. julgou não aprovadas por falta de comprovação ou justificação legal, as restantes despesas do Administrador, Dr. (…), apresentadas a fls. 11/13;
iv. julgou não aprovadas as contas da Massa Insolvente apresentadas pelo mesmo Sr. Administrador de Insolvência a fls. 14/17 ainda.

Inconformado, apelou o Sr. Administrador cessante e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as necessárias conclusões, de que se extraem, por relevantes, as seguintes:
i. A conjugação da prova produzida em sede de audiência de julgamento com a prova documental do processo de insolvência e apensos, assim como a prova documental deste apenso de prestação de contas, exige um distinto julgamento dos não provados.
ii. Resulta do depoimento da testemunha (…) que se encontra transcrito, que tanto o Tribunal a quo, como os credores da insolvência, bem como posteriormente os membros da Comissão de Credores tiveram conhecimento e nunca se opuseram à contratação das mandatárias que representaram a massa insolvente, e bem assim, ainda que de forma tácita, aceitaram tais contratações, uma vez que nunca manifestaram discordância.
iii. Assim, o ponto 2. dos factos não provados ter-se-á que julgar como provado, passando a constar dos factos dados como provados, com a seguinte redação:” O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, outorgou procuração forense às Ilustres Advogadas, Dra. (…) e Dra. (…), com o conhecimento e aceitação da Comissão de Credores, da Assembleia de Credores e/ou do juiz do processo”.
iv. Do depoimento da testemunha (…) resulta o trabalho desenvolvido pelo mesmo em benefício desta massa insolvente, bem como o conhecimento que os credores tinham do mesmo.
v. Deste depoimento, conjugado com os factos dados como provados, bem como da documentação junta aos autos de insolvência, resulta que tanto o Tribunal a quo como os credores da insolvência, bem como posteriormente os membros da Comissão de Credores, tiveram conhecimento e nunca se opuseram à contratação deste TOC, até porque bem sabiam que era ele que assegurava todo o apoio contabilístico ao estabelecimento da insolvente, que se encontrava a laborar, e bem assim, ainda que de forma tácita, aceitaram tal contratação.
vi. Assim, o ponto 3. dos factos não provados ter-se-á que julgar como provado, passando a constar dos factos dados como provados, com a seguinte redação:” O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, solicitou a prestação de serviços ao Dr. (…) e à (…), Lda., com o conhecimento e aceitação da Comissão de Credores e/ou do juiz do processo”.
vi. O ponto 4. dos factos não provados também deveria ter sido julgados como provado.
vii. Tal facto consta dos depoimentos das testemunhas (…) e (…) e bem assim, a própria insolvente no seu requerimento de resposta às contas apresentadas pelo ora recorrente, datado de 15-12-2011, refere as transferências que foram efectuadas para a conta bancária titulada por (…), e o fim a que as mesmas se destinavam, todos relacionados com a actividadade da insolvente.
viii. Também é do conhecimento do Tribunal a quo, dos credores e da Comissão de Credores, que enquanto esteve na posse dos terrenos sobejamente identificados nos autos de insolvência, a massa manteve a actividade de produção de fruta e de azeitonas e que a manutenção dessa actividade implicaria a obtenção de receita e a realização de despesas, nomeadamente salários de trabalhadores, contribuições para a Segurança Social, telecomunições, combustíveis, seguros, entre outras.
ix. Ora, sendo certo que nem durante a manutenção dessa actividade, nem em momento posterior, tais valores foram reclamados à massa insolvente, deveria, sempre com o devido respeito, ter o Tribunal a quo julgado que esses pagamentos foram efectuados e que o foram da forma descrita pelo recorrente e pela própria insolvente, ou seja, através da transferência dos valores disponíveis para a referida conta de (…), que depois procedia à liquidação dos mesmos.
x. Assim, da conjugação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e da prova documental dos autos, deverá o ponto 4. dos factos julgados não provados ser julgado como provado.
xi. No que tange à remuneração devida ao recorrente pela função desempenhada no processo de insolvência, entendeu o Tribunal a quo fixar a remuneração devida ao recorrente em 5.000,00 € (cinco mil euros), correspondendo 2.000,00 € à remuneração fixa e 3.000,00 € à remuneração devida pela elaboração do plano de insolvência, não aprovando os valores de remuneração reclamados a título de fiscalização da actividade da insolvente e/ou pela gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente.
xii. Esta decisão, sempre com o devido respeito, é violadora da lei do processo, bem como do disposto no artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que é do conhecimento do Tribunal a quo que a massa insolvente manteve a actividade da insolvente, certo é que alguém, neste caso o ora recorrente, teria que gerir e fiscalizar tal actividade, não sendo necessária qualquer determinação do Tribunal ou dos credores nesse sentido.
xiii. Sempre foi do conhecimento de todos os intervenientes, credores e Tribunal a quo, a intensa actividade desenvolvida pelo ora recorrente, sempre em benefício dos credores da insolvência, tendo o recorrente exercido funções similares às de um Administrador Judicial Provisório (ainda que à data, tal “figura” ainda se encontrasse legalmente prevista), já que o tempo e empenho despendidos pelo recorrente no decurso dos presentes autos vão muito além das funções de um administrador judicial, o que a insolvente e os credores bem sabiam, pelo que se encontram justificados os valores que foram debitados à massa insolvente, tendo Tribunal a quo incorrido em erro ao não julgar provado e assente que tal valor lhe era devido.
xiii. A Sentença em crise não aprova o valor requerido pelo ora recorrente, decidindo que seria razoável e adequado, ao invés, fixar-lhe o montante de 3.000,00 € pela elaboração de tal plano, mesmo após testemunha (…), quando inquirida sobre este valor ter referido que um plano de insolvência poderia ter tal valor.
xiv. Este segmento da Sentença em crise não se encontra devidamente fundamentado, uma vez que o Tribunal a quo não apresenta os fundamentos em que se alicerça para fixar o valor que entendeu aprovar ao ora recorrente, pelo que, no que tange a este segmento da sentença em crise, a mesma é nula, por falta de fundamentação, o que se requer que seja declarado, nos termos do art. 615.º, n.º 1, b), do CPCivil.
xv. A despesa relativa a “dossiers e fichas” é indicada na prestação de contas, uma vez que é usual a consideração de um valor pela abertura do processo, visto que, segundo máximas de normalidade do comportamento do outro agente económico Tribunal (o que se alega ao abrigo do fundamental direito ao princípio da igualdade de tratamento entre agentes económicos – arts. 2.º, 12.º, 13.º, 20.º, 60.º 61.º e 62.º da CRP; 6.º da CEDH ex vi art.º 8.º da CRP; e 4.º do C. P. Civil), tal dá origem a um dispêndio administrativo, de que não é exigível a sua documentação.
xvi. Tal valor é referente ao trabalho inicial de processamento da abertura do processo e aos gastos com todo o material necessário, nomeadamente material informático, papel, dossiers, ficheiros, etc., tal como os restantes agentes económicos costumam debitar, v.g. Tribunais (artigos 9.º e 16.º do Código das Custas Processuais), bancos, etc. (artigo 412.º do CPCivil), pelo que por respeito ao constitucionalmente garantido direito fundamental à igualdade de tratamento, deve ser aprovado como despesa.
xvii. Também as despesas com material de escritório foram realizadas porquanto houve necessidade de, em benefício de todos os credores, manter em funcionamento a actividade da insolvente, sendo necessário, nomeadamente e entre outros, diverso material de escritório e, por serem razoáveis e terem sido realizadas em benefício de todos os credores da insolvente, deverão as mesmas ser integralmente aprovadas.
xviii. As despesas apresentadas sob a rubrica “CESE” dizem respeito ao custo efectivo de serviço do escritório, motivo pelo qual não poderão ser documentadas, pelo que se deverão aferir em função da sua realização, que aliás se presume, bem como da sua plausibilidade e proporcionalidade.
xix. No que tange às despesas relativas a emails, e faxes, seja enviados, ou recebidos, e como é público e notório, para ter e usar eficaz e prontamente qualquer equipamento informático que permita a recepção e o envio de e-mails, tanto o recorrente como qualquer outra pessoa, têm que pagar antecipada e designadamente os “custos materiais subjacentes”, como são os custos da actualização, assistência técnica, seguros, licenças, entre outros.
xx. O valor de 7,50 € por comunicação electrónica, fax/ citius e relativamente ao custo efectivo inerente às comunicações postais, corresponde ao custo/despesa efectivo/a do serviço efectivamente prestado, o qual deve ser individualizado e autonomizado como despesas. Aliás,
xxi. De resto qualquer agente económico que recorra a tais equipamentos, seja sob a forma de empresa, seja sob a forma individual, minimamente organizada, tem perante a lei (art.º 6.º do C. Civil) a obrigatoriedade de atentar à realidade efetiva de tais custos, porque de outro modo incorreria na comissão da prática de atos integradores da previsão do art.º 186.º, alínea g), do CIRE! Donde resulta que qualquer agente económico tem o direito-dever de defender a integridade do seu património.
xxii. De onde se concluiu que tais despesas apresentadas pelo ora recorrente deverão ser aprovadas, e caso assim se não entendesse, sempre poderia e deveria o Tribunal a quo fixar um valor que considerasse justo, adequado e proporcional a esse título, na medida em que reconhece que o envio e/ou a recepção de mail e/ou faxes implica um gasto para o recorrente.
xxiii. As despesas de restaurante – almoços ou jantares de trabalho – e estadias em hotéis são custos de exercício decorrentes de despesas de representação, porque ocorreram devido ao exercício das funções do ora recorrente e dos seus colaboradores e assessores e por causa do exercício delas, obedecendo por isso a critérios razoáveis de utilidade e indispensabilidade legalmente estabelecidos nos artigos 60.º, n.º 1, do CIRE, 12.º, n.º 6 e 22.º, in fine, e da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro.
xxiv. Tais reuniões almoço ou jantares de trabalho, resultaram de um exercício responsável e urgente dos poderes-deveres fundamentais a cargo do AI., quer de cuidado, quer de gestão, quer de representação, atuando sempre diligentemente como efetivo gestor criterioso e ordenado, sempre com clara noção e representação das efetivas necessidades desta Massa Insolvente, no que tange à disponibilidade e elevada competência técnicas.
xxv. Sendo aliás reconhecido pela lei, por conforme aos usos, que sejam as sociedades mandantes a pagar as refeições, as estadas, as deslocações e as demais despesas de representação dos seus administradores, gerentes, colaboradores, assessores, e trabalhadores, como no caso vertente, por decorrerem do exercício das funções de AI., nestes autos e por causa delas.
xxvi. Ciente da fundamental importância para qualquer trabalhador, a CRP consagrou como direitos fundamentais, não apenas o direito à garantia dos direitos (art.º 2.º da CRP) como ainda entre muitos outros, e em especial no artigo 59.º da CRP, os direitos: b) à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; c) a prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; d) o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.”
xxvii. As despesas com portagens e estacionamento também serão de aprovar, já que é consabido, na presente data, para se realizar uma qualquer deslocação entre cidades/vilas, será obrigatório circular em vias sujeitas a pagamentos de portagens, especialmente, tratando-se da realização de tarefas profissionais atinentes a um processo urgente (art. 9.º do CIRE).
xxviii. O recorrente teve necessidade de fazer diversas deslocações quer a cartórios notariais, quer às zonas das localizações dos imóveis em causa, a fim de recolher elementos que lhe permitissem resolver tais negócios a favor da massa insolvente, como fez.
xxix. Sendo que todas essas deslocações descritas na prestação de contas foram realizadas no exercício da actividade de A.I. desta insolvência e por causa dela, em prol da massa insolvente e o mesmo se diga em relação às despesas de refeições que foram apresentadas. De facto,
xxx. No âmbito dos autos de insolvência e dos inúmeros apensos existentes, e devido à elevada complexidade dos mesmos, o recorrente teve necessidade de efectuar as deslocações constantes da conta corrente e, durante essas mesmas deslocações, almoçar ou lanchar em local que não a sua residência, devendo as inerentes despesas ser suportadas pela empresa compreendida nesta massa insolvente, como é aliás legal em qualquer outra empresa, por se tratar de despesas de representação.
xxxi. Todas as despesas apresentadas pelo recorrente foram feitas ao serviço da massa insolvente, sendo por isso despesas que têm que ser entendidas como custo da actividade da empresa, ou seja, têm que ser entendidas como um custo da actividade da massa insolvente.
xxxii. Resulta à evidência da síntese discriminada na conta corrente que se encontra junta aos autos que os actos praticados pelo recorrente envolveram sempre e necessariamente o mais elevado sentido de responsabilidade e de rigor, sendo certo que esta insolvência se revestiu e ainda reveste de elevada complexidade, cuja investigação, pela sua especial complexidade, reclamou do recorrente prudente e demorada investigação.
xxxiii. O recorrente tem o direito inalienável de desempenhar honestamente o seu cargo profissional para que foi nomeado nos presentes autos, bem como de recolher do exercício de tais funções meios de condigna subsistência, de modo a poder concretizar os fins para que foi nomeado, tendo o legítimo direito de reclamar o justo pagamento das despesas que teve.
xxiv. As contratações das mandatárias da massa insolvente foram do conhecimento quer do Tribunal a quo, quer de todos os credores que acompanham o processo de insolvência, sendo que, por diversas vezes o ora recorrente deu conhecimento aos mesmos dos apensos em que eram mandatárias as referidas advogadas, sem que nunca, nenhum credor a tal se tenha oposto.
xxxv. Os credores da insolvência sempre souberam dos processos que corriam por apenso aos autos de insolvência, e bem sabiam que tais processos (nomeadamente providência cautelar e impugnação de resolução) eram processos em que, pelas matérias em discussão e pelo valor processual, era obrigatória a constituição de mandatário judicial.
xxxvi. A existência destes processos resulta inclusivamente, da alínea J) do factos provados e o próprio recorrente deu conhecimento aos autos e à Comissão de Credores de todos esses processos por várias vezes, nomeadamente no seu relatório datado de 05 de Maio de 2011 e o qual é mencionado nos factos provados desta Sentença.
xxxvii. É do conhecimento funcional do Tribunal a quo que a Dra. (…) foi mandatada no âmbito do apenso “O”, para instaurar providência cautelar de restituição provisória da posse dos terrenos cujos contratos foram objecto de resolução e os quais a empresa Pomarcampo, apesar de para tal ter sido devidamente notificada, não entregou à massa.
xxxviii. E que, posteriormente, a (…) substituiu a referida mandatária em tal apenso e assumiu o patrocínio da massa nomeadamente nos apensos T, S, U, P, V, Z, AA, AB, AC, AH, AI. AJ, AL, AM, sempre na defesa dos interesses da massa.
xxxix. É também do conhecimento oficioso do Tribunal a quo que, em todos estes processos, a constituição de mandatário era obrigatória, pelo que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 55.º do CIRE, estas contratações, porque se tratavam de casos em que o recurso ao patrocínio judiciário era, e é, obrigatório, não careciam de prévia concordância do Tribunal ou da Comissão de Credores, pelo que deverão ser aprovados os honorários pagos às mandatárias.
xl. É do conhecimento oficioso do Tribunal a quo que não foram pagos quaisquer preparos à Dra. (…). Como consta dos apensos ao processo de insolvência, nos processos em que a massa não dispunha de apoio judiciário foram pagas as respectivas taxas de justiça devidas pelos actos a praticar, como resulta da lei processual em vigor.
xli. No que respeita a tais despesas e caso o Tribunal a quo entendesse que seriam necessários mais elementos probatórios, sempre poderia e, até, deveria, promover oficiosamente as diligências necessárias tal. (art. 6.º e 7.º, n.º 2, ambos do CPCivil).
xlii. Assim, e sempre com o devido respeito, o Tribunal a quo não atuou segundo o seu dever de gestão processual e conexo dever de prevenção nos termos explicitados, nomeadamente no sentido de evitar a prolação de uma decisão surpresa.
xliii. Tal omissão do dever de gestão por parte do juiz integra uma nulidade, nos termos do disposto do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nulidade essa que ora se argui para todos os devidos e legais efeitos.
xliv. Ao contrário do que consta da Sentença em crise, a contratação da firma (…) – Apoio ao Desenvolvimento e Organização (…), Lda., foi e é do conhecimento quer da insolvente, quer de todos os credores, que nunca a tal se opuseram.
xlv. Tal contratação, como foi do conhecimento de todos, foi necessária para que, entre outras funções, fossem processados os salários dos trabalhadores logo após a tomada de posse dos terrenos, para que fossem cumpridas as obrigações da massa insolvente, quer perante a Autoridade Tributária, quer perante a Segurança Social, quer para análise da contabilidade da insolvente para posterior apoio na actividade de recuperação de créditos.
xlvi. A referida empresa procedeu ao processamento dos salários dos funcionários da insolvente, despesa essa que foi considerada justificada e que foi aprovada pelo Tribunal a quo.
xlvii. Não sendo o ora recorrente Contabilista Certificado/Técnico Oficial de Contas, não poderia, ele próprio, proceder aos respectivos processamentos salariais (os quais, reitera-se, foram necessários para, em benefício de todos os credores desta insolvência.)
xlviii. Assim, e salvo o merecido respeito, encontra-se plenamente justificados na prestação de contas, bem como nos autos principais e respectivos apensos, os pagamentos efectuados pelo ora recorrente à empresa “(…) – Apoio ao Desenvolvimento e Organização (…), Lda.”, também resultando da mesma prestação de contas o óbvio benefício para a massa insolvente, e para os credores da mesma, devendo ser pagos os valores devidos a tal empresa.
xlix. A não se entender assim, e porque a Sentença recorrida afecta o património e actividade da “(…), Lda.”, sempre deveria o Tribunal a quo acautelar e garantir-lhe o contraditório, o que consubstancia nulidade da Sentença, o que por cautela se argui.
l. Com a Sentença proferida, o Tribunal a quo violou o seu dever de gestão processual, consagrado nos artigos 5.º e 6.º do C.P.Civil, porquanto a prova dos factos deixou de constituir um monopólio das partes, podendo o juiz realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento efectivo, integral e prevalente da verdade material, bem como os princípios da aquisição processual, do contraditório, da proibição da prolação de decisões surpresa, da cooperação, do processo leal e justo e o seu dever de gestão processual, consagrado nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 199.º, n.º 1, do C.P.Civil, o art. 55.º do CIRE, os artigos 2.º, 12.º, 13.º, 20.º, 60.º e 205.º, n.º 1 da CRP, o artigo 6.º da CEDH e os artigos 38.º, 41.º, 47.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º da CDFUE, ex vi artigo 8.º da CRP.
Com os aludidos fundamentos requereu que na total procedência do recurso, seja a sentença “declarada nula, revogada e substituída por outra que julgue válidas as contas prestadas pelo recorrente”.
Contra-alegou o MP, defendendo a manutenção da sentença recorrida.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões nele suscitadas:
i. Das nulidades processuais;
ii. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação;
iii. Do erro de julgamento quanto aos factos não provados;
iv. Do erro de interpretação e aplicação do direito quanto às despesas e honorários reclamados pelo administrador;
v. Do erro de interpretação e aplicação do direito quanto às contas prestadas no que se refere à massa insolvente.
*

i. Das nulidades processuais
O recorrente veio arguir irregularidades processuais com valor de nulidade, com fundamento na omissão, por banda do Tribunal, dos deveres de aquisição processual, do contraditório, de que é corolário a proibição de decisões surpresa, da cooperação e gestão processual.
Alega para tanto ter sido omitida pelo Tribunal a prática de actos a que se encontrava vinculado por força dos convocados princípios, o que consubstancia nulidade nos termos do art.º 195.º do CPC. Tal invocação respeita à despesa de honorários das Ils. Advogadas que patrocinaram e patrocinam a massa insolvente nos diversos apensos porquanto, estando em causa factos de que o Tribunal tem necessariamente conhecimento por força do exercício das funções, deveriam os mesmos ter sido considerados, cabendo-lhe ainda proceder à indagação de outros que julgasse pertinentes.
Quanto ao também invocado princípio da proibição das decisões surpresa mostra-se violado, diz, na medida em que a decisão proferida se pronuncia sobre os honorários devidos à “(…), Lda. em termos desfavoráveis para a credora, que se vê assim afectada no seu património e actividade sem lhe ter sido dada a oportunidade de previamente se pronunciar.
Face ao assim alegado, e sem entrar na questão de saber se a arguição no recurso da decisão de eventuais irregularidades cometidas no processo com valor de nulidades é tempestiva, e que vem merecendo respostas desencontradas[1], afigura-se que o recorrente, ao argumentar que o Tribunal da 1.ª instância decidiu sem atentar em factos que se encontram provados por deles ter conhecimento funcional nos termos do art.º 412.º do CPC, devendo ter-se como adquiridos para os presentes autos, invoca um verdadeiro erro de julgamento, sem embargo de tais factos poderem/deverem ser consideradas pelo tribunal de recurso; identicamente, a alegação de que inexiste base factual bastante para a decisão, por ter-se o tribunal abstido indevidamente de exercitar os seus poderes inquisitórios, não constitui nulidade nos termos do art.º 195.º, mas antes fundamento de anulação da decisão em ordem a ampliar a matéria de facto, conforme prevê o art.º 662.º, n.º2, al. c), na sua parte final.
Cremos, no entanto, que os factos considerados são suficientes para a decisão, aceitando a mesma ou antes discordando dela, conforme faz o recorrente. Faz-se notar, a propósito, que ao invés do que o apelante parece pressupor, da não aprovação da despesa não resulta que o Tribunal considere que as Ils. Advogadas não devam ser pagas pelo trabalho desenvolvido, mas apenas e só que o não deverão ser pela massa, recaindo então sobre o Sr. Administrador, que contratou os serviços daquelas profissionais sem precedência da necessária autorização da comissão de credores ou do Mm.º juiz do processo, a obrigação de pagamento. Pode discordar-se – e o recorrente discorda – da solução, mas não estamos perante insuficiência da matéria de facto para a decisão, não tendo ocorrido violação dos princípios do inquisitório, da colaboração do tribunal com as partes ou de gestão processual.
Quanto vem de se dizer é aplicável aos honorários eventualmente devidos a (…), Lda., uma vez que, mais uma vez, não se disse que a sociedade não tinha direito à remuneração pelo trabalho desenvolvido, mas apenas e só, pelos motivos vindos de apontar, que não seria a massa insolvente responsável pelo respectivo pagamento.
Improcedem, pelo exposto, as arguidas nulidades do processo.
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Invoca ainda o recorrente a nulidade da sentença no que respeita ao segmento em que fixou em € 3.000,00 + Iva o valor da remuneração que lhe é devida pela elaboração do plano de insolvência, por não se mostrar fundamentada.
Conforme é sabido, o vício previsto na al. b) do art.º 615.º do CPC sanciona a violação do dever de fundamentação genericamente consagrado no n.º 1 do art.º 154.º do mesmo diploma legal (vide n.º 1).
O dever de fundamentação das decisões corresponde ainda a uma exigência constitucional (cfr. art.º 205.º, n.º 1, da CRP), e sendo um instrumento legitimador da própria decisão – quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário a acatar o respectivo conteúdo –, constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso. Todavia, conforme sem divergência conhecida vem sendo entendido, só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal. Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige a lei que tenham sido de todo omitidas as razões (de facto e/ou de direito) que conduziram à prolação daquela concreta decisão.
No caso em apreço, tendo a Mm.ª juíza explicitado qual o critério que utilizou para fixar a referida quantia – apelou ao valor que pelo próprio recorrente havia sido indicado, conforme teve o cuidado de consignar em E) dos factos provados – e que teve por razoável, é evidente que não se verifica o invocado vício.
Improcede, pelo exposto, e sem necessidade de complementares considerandos, a arguida nulidade da decisão.
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iii. da impugnação da matéria de facto
O recorrente diz terem sido mal julgados os pontos 2., 3. e 4. dos factos não provados que pretende terem resultado, na sua essência, provados.
Está em causa a seguinte factualidade:
2. O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, outorgou procuração forense às Ilustres Advogadas, Dr.ª (…) e Dr.ª (…), após prévia autorização da Comissão de Credores, da Assembleia de Credores e/ou do juiz do processo.
3. O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, solicitou a prestação de serviços ao Dr. (…) e à (…), Lda., munido de prévia autorização da Comissão de Credores, da Assembleia de Credores e/ou do juiz do processo.
4. As transferências feitas por ordem do Administrador da Insolvência, Dr. (…), para a conta bancária titulada por (…) e descritas no quadro de fls. 15/17 destinaram-se ao pagamento das despesas correntes da exploração da actividade da insolvente, enquanto a mesma esteve na posse das propriedades que explorava.

Na decisão recorrida a convicção alcançada pelo julgador quanto aos pontos acima transcritos e ora objecto de impugnação foi justificada pelo seguinte modo:
“A factualidade descrita nos pontos 1 a 3 dos factos não provados não resulta de nenhuma prova documental ou testemunhal que a confirme, pelo que se concluiu negativamente quanto à sua verificação. Com efeito, nem as atas das Assembleias de Credores nem os demais documentos constantes dos autos permitem atestar esses factos. (…)
Relativamente ao facto descrito em 4., assim se conclui em virtude de não haver sido produzida prova bastante quanto à sua verificação. A este respeito foram consideradas as declarações da testemunha (…), técnico de contas contratado pelo AI (e que, com distanciamento e pouca precisão em termos de valores e datas, confirmou que, em regra, os proveitos da massa eram depositados numa conta bancária em nome do Administrador e que os pagamentos eram feitos através da conta bancária de … e que, segundo sabe, foi aberta para o efeito); porém, esta testemunha não asseverou que todos os montantes transferidos pelo Administrador para a conta bancária de … tenham sido, efectivamente, aplicados no pagamento de despesas da actividade da insolvente. Perante essas declarações, conjugadas com a informação fornecida na certidão judicial junta a fls. 1633 (de onde decorre a existência de três contas bancárias utilizada pelo AI para movimentações financeiras da massa insolvente) e ainda com toda a prova documental constante dos autos (concretamente com os recibos juntos a fls. 1135/1281 e com o mapa de movimentos da actividade da insolvente juntos a fls. 565/567 do processo principal, cujos fluxos e montantes não coincidem com a quantia transferida para a conta bancária titulada por …), é inteiramente impossível concluir, com segurança, que as transferências feitas por ordem do Administrador da Insolvência, Dr. (…), para a conta bancária titulada por (…) e descritas no quadro de fls. 15/17 foram destinadas ao pagamento das despesas correntes da exploração da actividade da insolvente”.
O recorrente pretende a modificação da decisão tendo invocado para tanto os testemunhos prestados por (…) e (…), nas passagens que identificou e transcreveu, conjugados com os documentos juntos aos autos (que, todavia, se escusou a identificar e localizar).
Sucede, porém, que dos convocados testemunhos não resulta contrariado quanto foi dado por assente, daí que o apelante tenha proposto uma redacção diferente. De todo o modo, não há dúvida que o Sr. juiz titular do processo tinha necessário conhecimento de que a massa insolvente se encontrava representada nos processos apensos por mandatária constituída, sendo o patrocínio obrigatório, outro tanto devendo presumir-se, segundo presunção judiciária autorizada – tanto mais que são parte nas acções de reconhecimento ulterior de créditos (cf. art.º 146.º do CIRE) – em relação aos credores que integram a comissão, sem que haja efectivamente notícia nos autos que o Sr. administrador então em funções tenha sido interpelado a este respeito. Mas se estes factos emergem do processo, podendo/devendo ser considerados (cf. art.º 11.º do CIRE), já nada autoriza a que se atribua ao silêncio, quer do Mm.º juiz, quer dos credores, valor de aceitação tácita (cfr. artigo 218.º do Código Civil), dando-se tal facto por assente, independentemente do juízo que, em sede de enquadramento jurídico dos factos, vier a recair sobre a actuação do Sr. Administrador.
Quanto à intervenção da (…), Lda., autora do estudo de viabilidade económica e financeira que acompanhava a proposta do plano de insolvência, não podem naturalmente os credores que integram a comissão invocar desconhecimento. No entanto, daqui não decorre, ao invés do que pretende o recorrente, que a solicitação dos serviços desta sociedade tenha beneficiado “do conhecimento e aceitação da Comissão de Credores e/ou do juiz do processo”. Saber se, ainda assim, deverão os honorários atinentes aos serviços prestados ser suportados pela massa é questão que atina já ao aspecto jurídico da causa, a apreciar nessa sede, mas que não autoriza a modificação da matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente.
Finalmente, e quanto ao ponto 4., não podendo deixar-se passar sem reparo a irregular abertura de contas em nome do Sr. AI e da referida (…), da prova produzida emergiu um facto incontornável, a saber, após a massa insolvente ter recuperado a posse dos terrenos, estes foram objecto de exploração, a qual deu origem a receitas que reverteram a seu favor, o que, de resto, nem os credores que deduziram oposição à aprovação das contas contestam. E se assim foi sendo incontroverso que a exploração geradora de receitas não se fazia sem custos, terão estes que ser suportados pela massa.
Aponta-se com razão na decisão apelada que não é possível conciliar completamente os recibos juntos a fls. 1185/1281, o mapa de movimentos da actividade da insolvente junto a fls. 565/567 do processo principal, e as transferências para a conta titulada pela identificada (…). Todavia, se a correspondência não é total, não pode deixar de se considerar que pelo menos as quantias constantes dos recibos de fls. 1185/1281 respeitam à exploração da empresa agrícola da massa insolvente, que beneficiou das receitas, impondo-se, portanto, que sejam consideradas como despesas justificadas.
Sem embargo, não deixa de se fazer notar que embora se encontrem comprovadas nos autos transferências no montante global constante das contas apresentadas, o que a devedora aceita, tendo até discriminado os destinos que lhe foram dados (cfr. fls. 963), tal corroboração não é suficiente para que se dê tal facto como comprovado, sendo certo que competia ao Sr. Administrador apresentar os documentos que demonstrassem a afectação das verbas. Acresce que a perícia realizada, tendo-se bastado a este respeito com uma conferência formal das rubricas descritas nas contas apresentadas, não assume valor probatório bastante para que seja ultrapassada a insuficiência dos documentos de suporte, remanescendo sem justificação bastante parte das verbas transferidas para a conta da referida (…).
Em face do exposto, e na parcial procedência da impugnação dirigida à matéria de facto, aditam-se os seguintes factos:
- O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, outorgou procuração forense às Ilustres Advogadas Dra. (…) e Dra. (…), que exerceram o patrocínio obrigatório no âmbito dos processos apensos, o que era conhecido do Mm.º juiz titular do processo e, depois da tomada de posse, também da comissão de credores;
- O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, solicitou a prestação de serviços ao Dr. (…) e à (…), Lda.
- Das quantias transferidas por ordem do então Administrador da Insolvência e ora recorrente Dr. (…) para a conta bancária titulada por (…) e descritas no quadro de fls. 15/17, foram afectadas ao pagamento das despesas correntes da exploração da actividade da insolvente, enquanto a mesma esteve na posse das propriedades que explorava, pelo menos as constantes dos documentos de 1185 a 1281, no total de € 54.254,11.
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II. Fundamentação de Facto:
Factos Provados:
Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
A) Por sentença proferida em 20 de Janeiro de 2009, transitada em julgado, (…) foi declarada insolvente, conforme decorre de fls. 52/66 do processo de insolvência, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 2054/2068 deste apenso.
B) A insolvente exercia a actividade industrial e comercial de produção e venda de produtos hortofrutícolas e produção animal, combinados, enquanto empresária em nome individual – cfr. fls. 2054/2068 deste apenso.
C) Na sentença referida na alínea A), (…) foi nomeado como administrador da Insolvência de (…) – cfr. fls. 2054/2068 deste apenso.
D) Na Assembleia de Credores realizada no dia 27 de Fevereiro de 2009 o Administrador da Insolvência pronunciou-se, nos termos do relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE e apresentado nos autos, pela viabilidade da elaboração de um plano de insolvência, fundamentando essa posição no facto de, para além dos bens apreendidos nos autos, existirem 60 prédios rústicos que haviam sido alienados pela insolvente e pelo marido e cuja resolução em benefício da massa insolvente se presumia viável – cfr. fls. 2069/2071 deste apenso.
E) No referido relatório o Sr. Administrador propôs auferir pela elaboração do plano de insolvência a remuneração de € 3.000,00 acrescido de IVA à taxa legal – cfr. fls. 2114 deste apenso.
F) Na Assembleia de Credores referida na alínea D), os credores requereram a suspensão daquela diligência a fim do Sr. Administrador fundamentar de forma mais concreta a possibilidade de manutenção da actividade da insolvente, averiguando, nomeadamente, a situação em que se encontravam os citados 60 prédios, o que foi deferido pelo juiz que presidiu àquela Assembleia, tendo sido para o efeito suspensos os trabalhos e designado o dia 20 de Março de 2009 para a sua continuação – cfr. fls. 2069/2071 deste apenso.
G) Na Assembleia de Credores realizada no dia 20 de Março de 2009 foi deliberado aprovar, por unanimidade dos credores presentes, o encerramento da actividade da insolvente e a subsequente liquidação da sociedade, nos termos do disposto no artigo 156.º, n.º 2, do CIRE, sem prejuízo de a seu tempo poder haver lugar à apresentação de um plano de insolvência acaso se verificasse a existência de outros bens e, bem assim, conceder autorização ao Sr. Administrador para proceder à resolução em benefício da massa dos contratos de compra e venda celebrados pela insolvente e marido relativamente a 60 (sessenta) bens imóveis – cfr. fls. 2072/2073 deste apenso.
H) Nessa Assembleia o juiz que a ela presidiu declarou encerrada a actividade da insolvente e determinou a sua liquidação, concedendo ainda ao Sr. Administrador o prazo requerido para proceder à resolução em benefício da massa dos contratos de compra e venda celebrados pela insolvente e marido – cfr. fls. 2072/2073 deste apenso.
I) Subsequentemente, por impulso do credor Requerente da Insolvência (cfr. fls. 2120/2121 deste apenso), foi convocada nova Assembleia de Credores que teve lugar no dia 09 de Abril de 2010.
J) Nessa Assembleia de Credores, realizada no dia 09 de Abril de 2010, foi votada e aprovada, com o voto favorável de todos os credores presentes, com excepção da (…), Lda., que se absteve, a seguinte proposta: "Considerando que se perfila uma solução que permitirá, por um lado, a elaboração e futura aprovação de plano de insolvência e, por outro lado, a extinção de outras instâncias judiciais que lhe estão associadas e designadamente de uma providência cautelar e de uma acção de impugnação de uma resolução ao abrigo do artigo 120º do C.I.R.E., e considerando ainda o teor da ordem de trabalhos da presente assembleia, proponho o seguinte: --
1º - A suspensão da presente assembleia por um prazo de 30 dias e a continuar em data que o Tribunal designar. ---
2º - Que no prazo de 15 dias a contar da presente data o Sr. Administrador da insolvência apresente contas pelo período da sua administração, devendo estas ser elaboradas de acordo com as regras mínimas contabilísticas comummente aceites. ---
3º - Que, em igual prazo, a credora '(…) apresente os balanços relativos ao período em que deteve a exploração dos prédios apreendidos e, bem assim, o balancete correspondente à data em que deixou de ter essa exploração. ---
4º - Que a '(…), se nisso vir qualquer vantagem, apresente proposta para a cessão da exploração dos sobreditos imóveis, pelo preço e demais condições que entender convenientes e na condição de, no termo dessa cessão de exploração, a massa insolvente revogar a declaração de resolução, designadamente através da desistência da instância da confirmação da resolução.
5º - Não sendo apresentada proposta nos termos do n.º 4, ou não sendo a mesma aceite pela maioria dos credores presentes, será votada a proposta do Sr. Administrador da insolvência da elaboração de um plano a apresentar no prazo subsequente de 30 dias" – cfr. fls. 2074/2082 deste apenso.
K) No decurso dessa Assembleia de Credores o juiz que a ela presidiu determinou a suspensão dos trabalhos, designando para a sua continuação o dia 13 de Maio de 2010 – cfr. fls. 2074/2082 deste apenso.
L) Por requerimento apresentado em 28 de Abril de 2010, o Sr. Administrador da Insolvência juntou mapa de movimentos da administração da actividade da insolvente do período compreendido entre 09/07/2009 e 31/03/2010, conforme documentos juntos a fls. 565/567 do processo principal e que aqui se dão por reproduzidos – cfr. fls. 2123/2125 deste apenso.
M) Realizada nova Assembleia de Credores, que apenas teve lugar no dia 27 de Maio de 2010, a proposta apresentada pelo credor (…), Lda. foi sujeita a discussão e votação, não tendo obtido aprovação – cfr. fls. 2083/2085 deste apenso.
N) Após, passou-se à apreciação do ponto 5 da ordem de trabalhos e pelo credor 'Caixa Geral de Depósitos, SA', foi apresentada a seguinte proposta: "Proponho que o Sr. Administrador improrrogavelmente até ao dia 20 de Junho apresente um plano de insolvência no qual se pronuncie sobre as consequências decorrentes para os credores dos diversos cenários previstos no artº. 155º, nº 1, alínea c), do C.I.R.E., do mesmo devendo transparecer com clareza a posição do Sr. Administrador da insolvência quanto ao futuro da exploração. A data limite que se propõe justifica-se tendo em conta o tempo já decorrido e o facto de nada justificar que o Sr. Administrador não possua todos os elementos que o habilitem à apresentação desse mesmo plano. Também se propõe que até à referida data sugerida o Sr. Administrador disponibilize aos credores pelo meio que tiver por mais conveniente o aludido plano. A Caixa sugere também que o Mmº. Juiz desde já designe data para a assembleia a realizar com vista à votação desse mesmo plano" – cfr. fls. 2083/2085 deste apenso.
O) A proposta referida na alínea anterior foi aprovada pela Assembleia de Credores e sobre a mesma incidiu ainda o seguinte despacho “Não se designa desde já data para a realização da assembleia com vista à aprovação do plano que vier a ser apresentado, uma vez que de acordo com o artº. 195º do C.I.R.E. tal plano ainda haverá de ser sujeito a controle prévio, sendo que após efectuado esse controle se marcará, sendo caso disso, a referida data” – cfr. fls. 2083/2085 deste apenso.
P) No dia 18 de Junho de 2010 o Administrador da Insolvência apresentou a proposta de plano de insolvência, fazendo acompanhar essa proposta de um estudo de viabilidade económica e financeira elaborado pela firma “(…), Lda.” – cfr. fls. 2127/2171 deste apenso.
Q) No ponto V. da referida proposta consta o seguinte “A execução do plano de insolvência será fiscalizada pelo administrador da insolvência até estarem terminados os pagamentos aos credores. Durante o período de fiscalização a remuneração do administrador da insolvência será no valor anual de € 1.500,00, o que deverão acrescer as despesas e o IVA à taxa legal, o que se requer” – cfr. fls. 2133 deste apenso.
R) Por despacho proferido em 24/06/2010 foi admitida a proposta de plano de insolvência de fls. 639-683 do processo principal, nos termos do disposto no artigo 207º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 208º do mesmo Código – cfr. referência n.º 1431000 do processo principal.
S) Na Assembleia de Credores realizada no dia 05 de Novembro de 2010 foi aprovada a constituição da Comissão de Credores e foram eleitos os respectivos membros que tomaram posse em 02/12/2010 – cfr. fls. 2086/2090 deste apenso.
T) No relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência em 17 de Novembro de 2010 (referência n.º 406446 do processo principal) o mesmo comunicou ao Tribunal, para além do mais e no que aqui releva, o seguinte:
“O A. I. providenciou de imediato junto da Insolvente, do seu marido e do seu filho (…), e com o apoio do Ex.mo TOC. Sr. Dr. … (que elaborou um estudo de viabilidade económico-financeira) a reunião de todos os elementos necessários à elaboração e apresentação do referido plano de insolvência, que apresentou tempestivamente nos autos, com conhecimento em simultâneo aos Ex.mos Credores. A Insolvente (bem como o seu marido e o seu referido filho …) assumiram a obrigação de pagar previamente e até 14-06-2010, o estudo de viabilidade económico financeira, elaborado pelo Ex.mo Sr. Dr. (…), no valor de 5.000,00 € + IVA, bem como de pagar previamente e dentro do mesmo prazo vindo de referir, o estudo e elaboração do plano de insolvência ao A. I. no valor de 15.000,00 € + IVA.
Porém no dia 14-06-2010, compareceram no escritório do A.I. para acompanhar a elaboração dos últimos pormenores do estudo de viabilidade económico-financeira e do plano de insolvência, com o AI e com o referido TOC, mas quanto aos pagamentos dos mesmos alegaram dificuldades momentâneas, garantindo que os pagamentos seriam efectuados por transferência bancária até quinta ou sexta-feira seguintes, dias 17 ou 18-06-2010, tendo levado consigo todos os dados necessários à concretização dos ditos pagamentos.”
U) No relatório acima referido o Sr. Administrador concluiu, ainda, nos seguintes termos: “Pela verificação de que com os actos acima enunciados de alienação de património praticados pela insolvente e marido desde pelo menos 2005, os mesmos revelaram progressivamente a intenção de não pagarem nenhum dos vultuosos créditos que haviam contraído; Pela verificação de que com os actos acima enunciados e praticados a partir do início da colheita de 2010-2011, i. é: a partir de meados de Maio de 2010 e especialmente a partir de 19-07-2010, a insolvente e o seu marido e filho, comprometeram irremediavelmente a credibilidade e a possibilidade de vir a ser aprovado e concretizado o plano de insolvência que o A.I. em devido tempo, apresentou nos autos, instruído com o estudo de viabilidade económico-financeira, elaborado pelo Ex.mo TOC Dr. (…); Pela evolução dos autos para a fase de Liquidação do Património apreendido e que já foi ou venha ainda a ser objecto de resolução em benefício da Massa aqui Insolvente” – cfr. referência n.º 406446 do processo principal.
V) No relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência em 05 de Maio de 2011 (referência n.º 439087 do processo principal) o mesmo concluiu, no que aqui releva, nos seguintes termos: “Pela verificação de que com os actos acima enunciados de alienação de património praticados pela insolvente e marido desde pelo menos 2005, os mesmos revelaram progressivamente e de forma incontornável, a intenção de não pagarem nenhum dos vultuosos créditos que haviam contraído; Pela verificação de que com os actos acima enunciados e praticados a partir do início da colheita de 2010-2011, i. é: a partir de meados de Maio de 2010 e especialmente a partir de 19-07-2010, a insolvente e o seu marido e filho, comprometeram irremediavelmente a credibilidade e a possibilidade de vir a ser aprovado e concretizado o plano de insolvência que o A.I. em devido tempo, apresentou nos autos, instruído com o estudo de viabilidade económico-financeira, elaborado pelo Ex.mo TOC Dr. (…); Pela evolução dos autos para a fase de Liquidação do Património apreendido e que já foi ou venha ainda a ser objecto de resolução em benefício da Massa aqui Insolvente.”
W) Na Assembleia de Credores realizada no dia 06 de Maio de 2011, foi admitida a junção do relatório elaborado nos termos do artº. 61º do C.I.R.E. devidamente assinado pelos membros da Comissão de Credores – cfr. fls. 2091/2094 deste apenso.
X) Na referida Assembleia de Credores foi discutida a proposta apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência no sentido de ser implementado o plano de insolvência, mediante terceira entidade habilitada para o efeito e, submetida a votação dos credores presentes, a mesma não obteve qualquer voto favorável – cfr. fls. 2091/2094 deste apenso.
Y) Seguidamente, a proposta de liquidação da massa insolvente foi submetida a votação e aprovada com o voto favorável da maioria dos credores presentes – cfr. fls. 2091/2094 deste apenso.
Z) Por despacho proferido em 08 de Julho de 2013, o Dr. (…) foi declarado impedido de intervir nos presentes autos e, em sua substituição, foi nomeado o Dr. (…) – cfr. fls. 2095/2098 deste apenso.
AA) Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 25 de Setembro de 2014, o despacho aludido na alínea Z), foi declarado nulo – cfr. fls. 2099/2106 deste apenso.
BB) Em consequência do decidido no referido Acórdão, por despacho proferido em 07 de Novembro de 2014 foi determinado que o Dr. (…) continuaria a exercer funções nos presentes autos, enquanto a nomeação do Dr. (…), não produziria efeito – cfr. despacho do processo principal.
CC) Por despacho proferido em 04 de Dezembro de 2014 foi decidido que o Dr. (…) não está impedido de exercer as suas funções de administrador da insolvência nos presentes autos – cfr. despacho do processo principal ref.ª n.º 25592441.
DD) Por despacho proferido em 13 de Julho de 2017 foi decidido declarar cessadas as funções do Sr. Dr. (…) neste processo e, em sua substituição, foi nomeado o Sr. Dr. (…) para exercer as funções de Administrador da Insolvência – cfr. despacho do processo principal ref.ª n.º 28131953.
EE) No âmbito da presente insolvência, o Dr. (…), apresentou como despesas do Administrador de Insolvência, as verbas descritas a fls. 11/13 e a fls. 1505, cujo teor aqui se considera por inteiramente reproduzido, a saber:
Despesas até 06/09/2011:
- dossier e fichas: € 62,50;
- fax e e-mails: € 1.965,00;
- deslocações, portagens e estacionamento: € 29.330,43;
- envio de correio: € 295,44;
- despesas de escritório: € 914,14;
- publicações: € 370,19;
- despesas de Conservatória: € 245,00;
- despesas de Cartório: € 43,22;
- taxas de justiça: € 1.515,98;
- despesas de tribunal: € 191,25;
- refeições e hospedagem: € 1.451,28;
- custos diversos: € 1.076,64.
Despesas desde 07/09/2011 até 13/02/2014:
- fax e e-mails: € 232,50;
- deslocações: € 8.265,60;
- portagens: € 790,06;
- correio: € 37,58;
- diversos: € 2.007,52;
- publicações: € 39,58;
- despesas de Conservatória: € 385,00;
- taxas de justiça: € 520,20;
- refeições e hospedagem: € 202,30;
- custo efectivo: € 74,08.
FF) Para comprovar a realização dessas despesas, o Administrador juntou as notas de despesas e os documentos a elas anexos, constantes de fls. 18 a 854 e de fls. 1507/1575.
GG) No âmbito da presente insolvência, o Dr. (…) relacionou como activo da Massa Insolvente as receitas descritas a fls. 14 deste apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que totalizam o montante de € 151.318,26.
HH) Desse montante, o Administrador de Insolvência afectou a quantia de € 13.500,00 ao pagamento dos seus honorários, € 37.197,76 ao reembolso de parte das despesas do Administrador discriminadas no quadro constante de fls. 11/13.
II) O Administrador de Insolvência relacionou como passivo da Massa Insolvente as despesas descritas a fls. 15/17 deste apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo essas despesas por si realizadas ou autorizadas, totalizando o montante de € 151.176,84.
JJ) O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, outorgou procuração forense às Ilustres Advogadas Dra. (…) e Dra. (…), que exerceram o patrocínio obrigatório no âmbito dos processos apensos, o que era conhecido do Mm.º juiz titular do processo e, depois da tomada de posse, também da comissão de credores;
KK) O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, solicitou a prestação de serviços ao Dr. (…) e à (…), Lda.
LL) Das quantias transferidas por ordem do então Administrador da Insolvência e ora recorrente Dr. (…) para a conta bancária titulada por (…) e descritas no quadro de fls. 15/17, foram afectadas ao pagamento das despesas correntes da exploração da actividade da insolvente, enquanto a mesma esteve na posse das propriedades que explorava, pelo menos as constantes dos documentos de 1185 a 1281, no total de € 54.254,11.
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Factos não provados
1. A afectação das receitas da massa insolvente ao pagamento de honorários do Administrador e aos reembolsos das despesas do administrador bem como à realização das despesas e dos custos descritos no quadro constante de fls. 15 a 17 foram autorizados pela Comissão de Credores, pela Assembleia de Credores ou pelo Tribunal.
2. Que a outorga das procurações forenses às Ilustres Advogadas, Dr.ª (…) e Dr.ª (…) tenham sido previamente autorizadas pela Comissão de Credores, pela Assembleia de Credores e/ou pelo juiz do processo.
3. O Administrador da Insolvência, em representação da massa insolvente, quando solicitou a prestação de serviços ao Dr. (…) e à (…), Lda., estivesse munido de prévia autorização da Comissão de Credores, da Assembleia de Credores e/ou do juiz do processo.
4. As quantias transferidas por ordem do Administrador da Insolvência, Dr. (…), para a conta bancária titulada por (…) e descritas no quadro de fls. 15/17, tenham sido integralmente aplicadas no pagamento das despesas correntes da exploração da actividade da insolvente, enquanto a mesma esteve na posse das propriedades que explorava.
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De Direito
Da remuneração devida e das despesas reembolsáveis
O recorrente põe em causa a sentença em todos os segmentos que lhe foram desfavoráveis, pretendendo a integral aprovação das contas apresentadas.
No que se reporta à remuneração que lhe é devida e que o Tribunal fixou em 5.000,00 €, correspondendo 2.000,00 € à remuneração fixa e 3.000,00 € à devida pela elaboração do plano de insolvência, pugna pela justeza dos € 15.000,00 reclamados, tanto mais que o Tribunal não fundamentou a sua decisão.
Dissente ainda o recorrente do decidido no segmento em que lhe foi negada a atribuição dos valores reclamados a título de fiscalização da actividade da insolvente e/ou pela gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, decisão que, em seu dizer, é violadora da lei do processo, bem como do disposto no artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que é do conhecimento do Tribunal a quo que a massa insolvente manteve a actividade da devedora insolvente, a qual teria que ser por alguém gerida e fiscalizada sem necessidade de qualquer determinação do Tribunal ou dos credores nesse sentido, tendo actuado como se de um administrador judicial provisório se tratasse.
Não tem, porém, razão o recorrente quando assim argumenta.
Estabelece o artigo 60.º do CIRE[2], no seu n.º 1, que “o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto (…).” Esta norma deve ainda ser conjugada com o regime previsto na Lei n.º 32/2004, de 22/07 – Estatuto do Administrador da Insolvência (EAI) em vigor à data da nomeação – e na Portaria n.º 51/2005, de 20/01.
Conforme se enuncia na decisão recorrida, em termos gerais prevê o artigo 19.º do EAI que “o administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”.
A remuneração a que o administrador da insolvência tem direito vem prevista nos preceitos imediatos, podendo cumular:
i. a remuneração fixa prevista no artigo 20.º, n.º 1, do EAI, a que deve ser paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo (cf. artigo 26.º, n.º 2, do EAI), estando o respectivo montante fixado em € 2.000,00 (dois mil euros) nos termos do art.º 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 51/2005, de 20/01;
ii. remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente (aplicável aos administradores nomeados por iniciativa do juiz), cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro – cfr. artigo 20.º, n.º 2, do EAI;
iii. remuneração pela elaboração do plano de insolvência, aplicável no caso em que os credores deliberem, na assembleia de aprovação do relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, instruir o administrador da insolvência no sentido de elaborar um plano de insolvência, aí devendo ser fixada a remuneração respectiva;
iv. remuneração pela gestão do estabelecimento, o que ocorre quando lhe competir exercer a gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, cabendo ao juiz fixar tal remuneração até à deliberação a tomar pela assembleia de credores nos termos do n.º 1 do artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (cfr. artigo 22.º do EAI;
v. finalmente, poderá ainda ser-lhe atribuída uma remuneração pela fiscalização do plano de insolvência aprovado na Assembleia de Credores: uma vez incumbido dessa actividade fiscalizadora, tem direito a ser remunerado nos termos previstos no artigo 220.º, n.º 5, do CIRE.
No caso em apreço, e tal como se fez notar na decisão apelada, o ora recorrente foi nomeado na sentença que decretou a insolvência de (…), proferida em 20 de Janeiro de 2009. Uma vez em funções, o então Sr. Administrador da insolvência apresentou o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, aí propondo a elaboração de um plano de insolvência mediante a remuneração de € 3.000,00 acrescido de IVA à taxa legal. Tal relatório e proposta foram objecto de apreciação na assembleia de credores que teve lugar no dia 27 de Fevereiro de 2009, cujos trabalhos foram suspensos para que o Sr. Administrador pudesse fundamentar de forma mais concreta a possibilidade de manutenção da actividade da insolvente. Posteriormente, veio a Assembleia de Credores que teve lugar no dia 27 de Maio de 2010 a deliberar no sentido de o Sr. Administrador dever apresentar o plano de insolvência o qual, tendo sido efectivamente elaborado, admitido e sujeito a votação, nunca foi aprovado nem executado, conforme resulta dos factos vertidos nas als. A), C), D), E), M), N), O), P), X), e Y).
Verifica-se assim que tendo o plano sido elaborado em cumprimento de deliberação da Assembleia, não deliberou esta sobre a remuneração a atribuir, o que a lei impõe a lei (cfr. n.º 3 do art.º 60.º do CIRE e 23.º do EAI). Tal omissão, porém, o que parece claro, não poderá determinar a perda do direito à remuneração do ora recorrente que, em cumprimento de deliberação do mesmo órgão, elaborou e apresentou o plano.
Quanto ao valor da remuneração, na ausência de deliberação, e secundando-se aqui o juízo feito na decisão recorrida, afigura-se que outro não poderá ser senão aquele que o próprio Sr. AI anunciou, e isto a despeito do aumento de que dá nota no relatório apresentado a 17 de Novembro, referenciando contactos mantidos com a insolvente, ex-marido e filho, os quais teriam “assumido a obrigação de pagar previamente e até 14/6/2010, o estudo de viabilidade económico-financeira elaborado pelo Sr. Dr. (…), no valor de € 5.000,00 + Iva, bem como de pagar previamente e dentro do mesmo prazo (…) o estudo e elaboração do plano de insolvência ao autor, no valor de € 15.000,00 + Iva” (cfr. al. T). Trata-se, no entanto, de um valor que não foi apresentado à assembleia de credores, ao que acresce o facto do Sr. AI não ter justificado minimamente tal incremento.
Poderá o recorrente argumentar que se a remuneração tivesse sido deliberada em assembleia de credores, conforme deveria, teria a possibilidade de renunciar caso o valor que agora reclama não fosse aceite, conforme lhe permite o n.º 3 do art.º 60.º CIRE, faculdade que se encontra precludida posto que o plano foi elaborado e apresentado. É certo que assim é, mas não é menos verdade que a assembleia de credores não estava obrigada a fixar a remuneração no valor agora reclamado, tanto mais, repete-se, que o próprio recorrente tinha indicado anteriormente um valor inferior, que será assim o considerado tal como, a nosso ver acertadamente, vem decidido.
No que se refere à remuneração reclamada pela fiscalização da actividade da insolvente, no montante de € 48.000,00, correspondente a € 1.500,00 por mês x 32 meses, a decisão recorrida limita-se a expressar uma evidência: ao Sr. Administrador nunca foi atribuída a incumbência de fiscalização do plano de insolvência, pois, como é evidente, não se pode fiscalizar um plano que não chegou a ser aprovado pela Assembleia de Credores, não lhe assistindo, por conseguinte, qualquer direito remuneratório com este fundamento.
E apreciando a mesma pretensão tendo agora como fundamento o exercício da gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, conclui-se igualmente não assistir razão ao recorrente.
Conforme bem se anota na decisão, não decorre da factualidade assente nos autos que tenha sido atribuída ao recorrente a gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente; pelo contrário, revela a acta da assembleia que teve lugar no dia 20/3/2009 que os credores deliberaram e aprovaram o encerramento da actividade da insolvente e a liquidação dos seus bens.
Por outro lado, e tal como reconhece, o recorrente não foi nomeado AJP, nem se encontra demonstrado que tenha sido incumbido de fiscalizar a actividade da Insolvente mediante uma contrapartida mensal de € 1.500,00, que teria de ser fixada pela assembleia, e que em muito ultrapassa os € 1.500,00 anuais (a não ser que se trate de lapso que não rectificou) por si propostos a título de remuneração pela fiscalização da execução do plano de insolvência.
Finalmente, resultando dos autos que após a massa insolvente ter recuperado a posse dos imóveis alienados, o que ocorreu em Julho de 2009, ainda completou a campanha de 2009/2010 (o que em todo o caso sempre deixaria por explicar os 32 meses reclamados, não sendo por acaso que os documentos de fls. 1185 a 1281 dizem respeito apenas àquele período), já nada demonstra que o recorrente tenha actuado durante esse período como gestor, tudo para concluir que não há fundamento para atribuir a remuneração a este título reclamada.
E não se argumente que tal conclusão viola o disposto no art.º 58.º da CRP, que em nada resulta beliscado. O recorrente escolheu actuar como profissional liberal no âmbito de determinado quadro legal que se presume do seu integral conhecimento, estando portando sujeito às regras respectivas. Por outro lado, e correndo o risco de nos repetirmos, no que se refere ao trabalho desenvolvido na elaboração do plano, a remuneração fixada na decisão impugnada foi aquela que, num primeiro momento, o próprio recorrente entendeu ser justa e adequada ao trabalho desenvolvido, sendo certo que quanto ao mais por si reclamado pura e simplesmente não fez prova de ter desempenhado as funções que dariam lugar à remuneração reclamada
Improcedem, pelo exposto, os argumentos recursivos de xi. a xiv., mantendo-se o decidido quanto à remuneração a que o apelante tem direito.
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No que se refere às despesas reclamadas e que o recorrente pretende sejam, todas elas, aprovadas, o quadro legal a observar é constituído pelo art.º 60.º, nos termos do qual o administrador tem direito ao reembolso “das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis”, e art.º 19.º do EAI, que lhe reconhece o direito a ser reembolsado “das despesas necessárias” ao cumprimento das funções que lhe são cometidas.
A desarmonia dos preceitos agora convocados não passa despercebida[3], uma vez que não são uma e a mesma coisa tratar-se de despesas úteis ou indispensáveis segundo um critério de razoabilidade, ou antes despesas necessárias. Reconhecendo-se embora que não há razão para que um critério se sobreponha a outro, afigura-se, contudo, evidente que a utilidade, a indispensabilidade ou a necessidade haverão de ser aferidas à luz do fim que legitima o dispêndio efectuado e da sua aptidão para contribuir para o alcançar, a saber o eficaz desempenho pelo administrador das funções que a lei lhe confia, nomeadamente as prescritas nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 55.º.
Na sentença recorrida foram consideradas justificados os seguintes dispêndios: € 310,91, referente a despesas de correio; € 50,00 adiantados pelo administrador à massa insolvente; € 149,70, referente a fotocópias; € 1.139,55 a título de despesas de requisição de certidão e outros actos registais, actos avulsos e publicações, e € 1.522,36 respeitantes a taxas de justiça e notificações e certidões judiciais, explicitando-se que as demais despesas apresentadas sob a rubrica “correio, taxas de justiça, tribunal, cartório, conservatória e publicações” não foram consideradas por não se mostrarem devidamente acompanhadas do comprovativo do desembolso adiantado pelo AI ou por se entender que respeitam a encargos da sua esfera directa e pessoal (vg. multas e taxas de justiça no incidente de destituição e respectivo recurso, bem como no âmbito de processos crime em que o aqui administrador intervém como arguido ou ofendido, ainda que os mesmos versem sobre situação indirectamente conexas com a insolvência, mas onde se discute a responsabilidade pessoal e não funcional do AI) ou de terceiros (vg. despesas judicias referente a processos judiciais em que interveio …).
Tendo presente quanto se deixou dito a propósito do critério aferidor das despesas reembolsáveis, constata-se que o recorrente nenhum argumento opôs validamente ao decidido. Com efeito, na ausência de prova não poderá considerar-se que há despesa; não servindo as despesas feitas para que o administrador exerça as suas funções no âmbito da insolvência, não integram a previsão legal, donde terem sido justamente excluídas as acima discriminadas.
No que se refere às despesas com deslocações, que na decisão recorrida se reduziram de harmonia com o que dispõe o n.º 9 do art.º 26.º do EAI, não vale a argumentação do recorrente e isto porque a lei subtraiu-as, quer ao critério consagrado no n.º 1 do citado art.º 60.º, quer do acima citado n.º 6 do art.º 29.º do Estatuto, dispondo que “apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador da insolvência que tenha domicílio profissional no distrito judicial em que foi instaurado o processo de insolvência” (cfr. neste preciso sentido, Carvalho Fernandes, J. Labareda, ob. cit., pág. 370).
É certo que, conforme o apelante refere, os credores tinham conhecimento de que o seu domicílio não se situava no distrito em que foi instaurado o presente processo, mas não é menos certo que o Sr. Administrador tinha conhecimento da norma, a qual faz parte do estatuto de uma actividade profissional cujo exercício foi uma escolha sua, tal como foi sua a opção de inscrição num distrito distante do seu domicílio.
Para o que ora releva, o art.º 7.º do EAI em vigor ao tempo dispunha, no seu n.º 7, que a inscrição nas listas oficiais era solicitada ao presidente da comissão, mediante requerimento (…) podendo o candidato requerer a sua inscrição em mais de uma lista distrital. Todavia, a par desta faculdade, que aumentava as possibilidades de nomeação do administrador – o ora recorrente, como se vê da Listagem n.º 227/2007, DR II série, de 23 de Agosto de 2007, que vigorava à data da sua nomeação nos autos, encontrava-se inscrito pelos distritos de Coimbra, Évora, Lisboa e Porto – não deixou a lei de prever no citado art.º 29.º a redução das despesas de deslocação, de modo a não onerar a massa insolvente em função de uma escolha que, em primeira linha, cabia ao administrador, presumindo-se feita no seu interesse. Trata-se de uma norma que harmoniza o interesse do administrador inscrito e dos credores da massa insolvente, inscrevendo-se na margem de conformação que o legislador ordinário tem reconhecidamente à sua disposição.
Por outro lado, a situação do administrador não tem, a nosso ver, afinidade com a do perito de modo a poder transpor-se para os presentes autos, conforme pretende o recorrente, a argumentação do acórdão do TC 33/20187, publicado no DR n.º 48/2007, de 8 de Março de 2017 e que levou à declaração de “inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UCs, interpretativamente extraída dos n.ºs 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV, por violação do princípio da proporcionalidade, ancorado no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição e também consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição”. Com efeito, ao invés do que sucede com o perito nomeado, o Sr. administrador judicial actua no exercício daquela que é a actividade liberal por si escolhida e sabe antecipadamente que optando por se inscrever num distrito judicial distante do seu domicílio as despesas com deslocações só são reembolsadas até determinado limite. Fez a escolha e conhecia a eventual consequência, donde não ter a nosso ver cabimento falar da imposição de um sacrifício irrazoável, não se vislumbrando, pois, a desconformidade do preceito com as normas constitucionais, designadamente com as indicadas pelo recorrente.
Mantém-se pelo exposto nesta parte o decidido.
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Quanto às despesas com portagens e estacionamento reclamadas, já não concordamos com a sua exclusão, uma vez que se trata de despesas comprovadamente feitas por causa do exercício das funções de administrador e visando o bom desempenho do mesmo, não sendo a nosso ver de exigir a opção por uma rota sem portagens. Deste modo, e em relação a cada uma das deslocações consideradas na decisão, julga-se igualmente justificada a despesa com portagens, mas por força da limitação imposta pelo referido n.º 9 do art.º 26.º será atendido o percurso ali fixado em cada um dos casos.
São assim julgadas justificadas a este título as seguintes despesas com portagens:
- 2 deslocações a Paredes - € 36,60 x 2;
- 27 deslocações a Lisboa - € 28,85 x 27;
- 15 deslocações a Torres Novas - € 8,70 x 15;
- 1 deslocação a Grândola - € 5,70;
- 1 deslocação a Évora - € 5,70;
- 1 deslocação a Vilamoura - € 19,90;
- 1 deslocação a Coimbra - € 6,70[4], num total de € 1.019,80, a que acresce a quantia de € 18,45 de despesas de parqueamento, com exclusão da multa de 2/9/2012.
E também as despesas com refeições e estadias foram efectuadas no âmbito das funções de administrador e por causa delas, não sendo de exigir que, demandando o respectivo exercício que o administrador se desloque, se abstenha de tomar as refeições ou leve o lanche de casa. Pela mesma ordem de razões não é de lhe exigir que se levante ou deite de madrugada para evitar uma estadia, tratando-se, portanto, de despesas necessárias. Poderá questionar-se se os denominados almoços de trabalho revestem o tal carácter de necessidade ou indispensabilidade que é fundamento legal do reembolso, mas tendo presente que também as despesas úteis são reembolsáveis e que é frequentemente nesse intervalo para almoço que é mais fácil conciliar disponibilidades, afigura-se, ainda aqui, estar em causa um dispêndio justificado, tendo o apelante, nessa medida, direito ao respectivo reembolso.
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Na decisão recorrida recusou-se a validação das verbas designadas por “dossier e fichas”; “despesas de escritório”, “custos diversos”, “diversos”, “custo efectivo”, uma vez que não se mostram acompanhadas do correspondente suporte documental, encontrando-se deficientemente discriminadas. Recusou-se ainda o pagamento das verbas designadas por “emails e fax”, fazendo-se notar a perplexidade causada pel[a] inclusão indiferenciada de e-mails e faxes enviados e/ou recebidos, ao preço unitário de € 7,50.
A questão de saber se integram ainda o conceito de despesas reembolsáveis os encargos com a manutenção de uma estrutura logística e de pessoal montada pelo Sr. Administrador, estando em causa nomeadamente a prestação de serviços dactilógrafos, lançamento contabilístico e arquivo, foi negativamente respondida pelo acórdão do TRP de 20 de Junho de 2017, no processo 1079/11.5T2AVR-G.P1, acessível em www.dgsipt. Considerou-se ainda neste aresto que as despesas “susceptíveis de serem consideradas como despesas de economato – vulgo, materiais de escritório, utlizados normalmente no escritório/gabinete e no e para o desenvolvimento da actividade de AI – e, como tal, para serem julgadas justificadas, têm de corresponder ao efectivo custo do concreto material utilizado ou afectado à actividade desenvolvida. Pelo que (…) só devem ser aprovadas desde que sejam comprovadas documentalmente ou tidas por razoáveis”.
Concorda-se que o critério legal exige que se trate de uma despesa concreta e documentada. No entanto, tal requisito temo-lo por cumprido nos casos, como o vertente, em que se prova ter sido enviado e recebido um mail ou fax, o que implica que esteja disponível equipamento tecnológico que, conforme com justiça observa o recorrente, acarreta custos da actualização, assistência técnica, seguros e licenças, e cuja depreciação, essencialmente causada pelo uso, é também um custo, sendo ainda de admitir, em critério de razoabilidade, a existência de um colaborador encarregado de abrir o mail/receber o fax, eventualmente dar-lhe resposta e arquivá-lo, o que corresponde igualmente a um custo. E se estamos perante um dispêndio concreto, determinado pelo exercício das funções do administrador, tem este direito ao respectivo reembolso.
Não obstante quanto vem de se expor, impõe-se reconhecer que atribuir a cada mail ou fax enviado ou recebido um valor de € 7,50 é excessivo e não se encontra de modo nenhum justificado. Todavia, não repugna em juízo de razoabilidade atribuir a cada um dos mails e faxes enviado/recebido um custo (unitário) de € 1,00, nessa medida sendo de considerar uma despesa reembolsável.
Partindo da mesma base de raciocínio, admite-se que devam considerar-se justificadas as despesas decorrentes dos serviços de escritório. Ponto é que em obediência ao critério legal as mesmas surjam reportadas a actos concretos. Ora, o recorrente reclamou milhares de euros a coberto da sigla CESE (custo efectivo de serviço de escritório), variando os montantes sem justificação ou referenciação a actos específicos, frequentemente não suportados pela descrição dos itens a que alegadamente se reportam. Acresce que tais despesas aparecem debitadas por vezes em dias sucessivos e de outras numa frequência mais ou menos semanal, nada se dizendo que permita justificar tais variações em ordem a formular um juízo de “plausibilidade e proporcionalidade” que permita a sua validação. Deste modo, porque se trata de despesas não suficientemente concretizadas nem documentalmente demonstradas, nada há a censurar à decisão recorrida quando não as considerou elegíveis para reembolso.
Quanto acaba de ser dito aplica-se directamente às genericamente denominadas demais despesas “de escritório”, cuja razão para autonomização das antecedentes não é fornecida, mantendo-se também aqui o decidido, não valendo os argumentos invocados pelo recorrente quando apela a critérios de normalidade e ao princípio constitucional da igualdade de tratamento entre agentes económicos, que extrai dos art.ºs 2.º, 12.º, 13.º, 20.º, 60.º 61.º e 62.º da CRP e 6.º da CEDH ex vi art.º 8.º da CRP e 4.º do C. P. Civil. E não valem, em nosso entender, porque o administrador de insolvência exerce a sua actividade num quadro legal próprio e específico, que naturalmente tem que observar, sem afinidade com os exemplos que o recorrente convoca.
Por outro lado, impõe-se observar que, ao invés do que parece pressupor, para que uma despesa seja julgada justificada e assim aprovado o seu reembolso, não basta que tenha sido feita ao serviço da massa, exigindo a lei, conforme começou por se referir, que seja útil, indispensável ou necessária ao exercício pelo administrador das funções que por lei lhe são cometidas, com os fins que também assinala. O mesmo rigor foi mantido no que se refere à demonstração das despesas, exigindo que as contas, elaboradas em conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, sejam acompanhadas “de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem” (vide n.º 3 do art.º 62.º). Não é, portanto, suficiente para a sua aprovação a atribuição do valor de € 62,50 “a dossier e fichas”, se nenhum documento suporta esta rubrica (não servindo tal desiderato as notas de despesa elaboradas pelo próprio administrador que nada justificam).
Em suma, julgam-se justificadas e, por isso, reembolsáveis, as despesas com mails e faxes recebidos/enviados em número de 284, com o custo unitário de 1,00 €, mantendo-se quanto ao mais quanto vem sentenciado.
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Da prestação das contas relativas à massa insolvente
No que respeita às contas da massa insolvente, tendo-se considerado na decisão impugnada que o recorrente procedeu à respectiva apresentação em conformidade com o que dispõe o n.º 3 do art.º 63.º, questionaram-se algumas verbas da despesa, nomeadamente o “pagamento a título de preparos e honorários feitos à Ilustre mandatária da massa insolvente constituída pelo administrador, sem a prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, como exigido pelo art.º 55.º, n.º 3, do CIRE e sem que se conheça a respectiva nota de honorários”.
Não sufragamos, porém, o entendimento de que a constituição de mandatário para representar a massa nas acções em que o patrocínio é obrigatório dependa da prévia autorização da comissão de credores ou, conforme teria que ser aqui o caso, uma vez que aquela não se encontrava ainda constituída, do juiz, nem se afigura que tal resulte do preceito invocado.
O n.º 2 do citado art.º 55.º mantém a pessoalidade e intransmissibilidade como características essenciais do cargo de administrador de insolvência[5] mas ressalva, como não podia deixar de ser, os casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário. Essa é uma das excepções, respeitando a outra às situações em que a prática do acto em questão, neste caso ainda pelo administrador, depende da prévia concordância da comissão de credores. É assim o n.º 2 e não o n.º 3 do preceito que rege para a constituição de mandatário judicial quando o patrocínio é obrigatório, o que conduz à conclusão de que o administrador não carece para o efeito da prévia autorização do juiz ou da comissão (cfr., neste sentido acórdão do TRG de 19/3/2013, no processo 1464/0.0TBMGR-H.G1, acessível em www.dgsi.pt citado pelo recorrente).
Poderá questionar-se, é certo, a opção por mandatário constituído ao invés do recurso ao apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Trata-se, contudo, de questão a apreciar ao nível da eventual responsabilidade do administrador pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem nos termos do art.º 59.º, não tendo cabimento no âmbito do apenso de aprovação de contas.
Sendo lícita a contratação do mandatário e consagrando o art.º 103.º do EOA o direito do advogado a solicitar ao cliente a entrega de provisões por conta dos honorários ou para pagamento de despesas, conferindo-lhe mesmo o poder de renunciar a ocupar-se do assunto no caso de não lhe ser entregue a provisão solicitada (cfr. nºs 1 e 2 do preceito), justificada está a entrega de quantias a título de provisões, sendo prematura a exigência de nota de honorários nesta fase.
Quanto aos honorários devidos à (…) – Apoio ao Desenvolvimento e Organização (…), Lda., haverá em nosso entender que distinguir entre os devidos pela elaboração do plano de viabilidade económico-financeira, para que em larga medida remete o plano de insolvência apresentado pelo ora recorrente, e o trabalho de TOC que desenvolveu em ordem a garantir o cumprimento pela massa insolvente das suas obrigações de ordem fiscal e perante a segurança social.
No primeiro caso afigura-se claro que se trata de situação abrangida pela previsão do n.º 3 do art.º 55.º, pelo que o então administrador deveria ter diligenciado pela prévia concordância do Sr. Juiz do processo, uma vez que ao tempo não se encontrava ainda em funções a comissão de credores. Não o fez e nenhuma justificação deu para a sua omissão, com a consequência do custo do serviço prestado não poder ser repercutido sobre a massa. E assim é porque a falta de autorização prévia exigida pela lei não é suprida pelo facto do juiz ou os credores não terem posteriormente interpelado o administrador, não se vendo sequer neste caso concreto por que o fariam (cfr., neste sentido, acórdão do TRP de 20/6/2017, antes citado, e do mesmo Tribunal de 7/2/2019, processo 495/13.2TBOAZ-H.P1, em www.dgsi.pt).
Diferente é a situação relativa ao exercício pela mesma sociedade de funções de Técnico Oficial de Contas, no âmbito das quais procedeu ao tratamento contabilístico para efeitos fiscais e cumprimento das obrigações perante a segurança social dos documentos atinentes à actividade da massa insolvente na campanha de 2009/2010, e que temos dificuldade em considerar tarefa de apoio às funções do administrador, quando este não tinha, nem tinha que ter, certificação para delas se desempenhar.
De todo o modo, e ainda que se considerasse que também neste caso a contratação dos serviços do TOC dependia da prévia autorização do juiz do processo, que reconhecidamente não foi obtida, afigura-se que na estrita medida em que pela sociedade terceira foram desempenhadas funções que só por um TOC poderiam ser realizadas, tendo em vista o cumprimento pela massa insolvente de obrigações legais, assim desenvolvendo uma actividade que, a não ter sido assegurada pela sociedade contratada pelo administrador, teria de sê-lo por outro TOC, a aceitação do resultado desse trabalho fez criar a legítima expectativa de que seria a massa insolvente, beneficiária do resultado, a suportar o custo respectivo (neste preciso sentido, o citado acórdão do TRG de 19/3/2014). E porque se trata de uma expectativa legítima é merecedora de tutela, termos em que se julga justificada a contratação, sendo o encargo daí resultante da responsabilidade da massa insolvente.
Finalmente, e quanto às quantias transferidas para a conta bancária titulada por (…), atento o facto aditado que passou a constituir a al. LL), julga-se justificada a quantia ali mencionada, assim se aprovando parcialmente as contas apresentadas.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso e
a) Aprovar as despesas apresentadas pelo administrador de insolvência Dr. (…) no montante de € 14.622,44 (catorze mil e seiscentos e vinte e dois euros e quarenta e quatro cêntimos) referentes a gastos com correio, fotocópias, publicações, actos judiciais, registos e notariado, actos judiciais, fotocópias e deslocações; € 284,00 (duzentos e oitenta e quatro euros), respeitante a gastos com correio electrónico e fax, € 1.019,80 (mil e dezanove euros e oitenta cêntimos) de gastos com portagens, a que acresce a quantia de € 18,45 (dezoito euros e quarenta e cinco cêntimos) de despesas de parqueamento, e ainda os gastos com refeições e estadias no montante de € 1.653,58 (mil e seiscentos e cinquenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), mantendo quanto ao mais a decisão recorrida;
b) Aprovar parcialmente as contas da Massa Insolvente quanto às quantias entregues à Il. Mandatária constituída pela massa insolvente a título de provisões, e ainda no que respeita ao montante de € 54.254,11 transferido para a conta bancária titulada por (…), mantendo no mais a decisão recorrida.
Não há lugar a tributação autónoma.
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Sumário:
(…)
Évora, 24 de Outubro de 2019
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
José Manuel Lopes Barata
__________________________________________________
[1] Afigura-se relativamente pacífico o entendimento de que a violação do princípio do contraditório que está na base da proibição das decisões-surpresa consagrado no n.º 3 do art.º 3.º do CPC constitui irregularidade processual. Nessa medida, encontrar-se-ia sujeita ao regime prescrito nos art.ºs 195.º e seguintes do CPC, tendo de ser arguida no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do art.º 149.º a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou que dela podia conhecer se tivesse agido com a devida diligência (cfr. art.º 199.º). E, conforme resulta do n.º 3 desta norma, a arguição da nulidade apenas poderá ser feita perante o tribunal superior se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo para a arguição. Tal não teria ocorrido no caso em apreço, uma vez que o recorrente, tendo tomado necessariamente conhecimento da nulidade aquando da notificação da sentença, só a arguiu nas alegações de recurso, muito para lá do referido prazo de 10 dias, arguição que assim seria extemporânea.
Todavia, a solução descrita não tem obtido acolhimento unânime, não faltando quem entenda que o meio de invocar a nulidade é precisamente em sede de recurso, por ter sido incorporada na própria sentença. Trata-se, no entanto, de discussão que não valerá a pena aqui aprofundar, uma vez que, em bom rigor, nenhuma nulidade processual entendemos ter sido arguida ou cometida.
[2] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção de origem.
[3] Notaram-na os Profs. J. Labareda e Carvalho Fernandes no CIRE anotado, 2.ª edição, págs. 369/370, e embora se reportem já ao art.º 22.º do EAI aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, a crítica é perfeitamente transponível, tendo-se este normativo limitado a reproduzir o teor daquele artigo 19.º.
[4] Foi sempre considerado o percurso mais rápido entre Portalegre e cada um dos destinos, tendo o custo das portagens sido consultado em viamichelin.pt. Nas viagens que não se mencionaram não há portagens a considerar.
[5] Profs. Carvalho Fernandes e J. Labareda. CIRE, Anotado, 2.ª edição, comentário ao art.º 55.º, pág. 345.