Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
504/17.6T8ALR.E2
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: REGISTO PREDIAL
RECUSA DE ACTO DE REGISTO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Com raras exceções, ao caso inaplicáveis (artº 1715º do CC), o regime de bens é imutável (artº 1714º do CC), ou seja, aos cônjuges não é permitido modificar o seu estatuto patrimonial depois de celebrarem o casamento.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 504/17.6T8ALR.E2


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. (…), divorciada, residente na Rua (…), nº 22, Benfica do Ribatejo, impugnou em juízo o despacho da Senhora Conservadora do Registo Predial de Almeirim, que recusou “o registo de metade indivisa do prédio descrito sob o artº …”, da Conservatória do Registo Predial de Almeirim e requereu a devolução de € 350,00 que pagou a título de emolumentos “relativamente ao segundo pedido de registo e de conversão da primeira Apresentação a registo sob o nº …”.
Em síntese, alegou que no âmbito do inventário (859/09.6TBALR-C), para partilha dos bens do dissolvido casal que formou com (…), acordou com este que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim com o nº (…), cuja aquisição, por compra, se mostra exclusivamente registada a favor do referido (…), era um bem comum e que por efeito partilha havida no termo do inventário, homologada por sentença transitada em julgado, lhe foi adjudicado metade indivisa do referido imóvel.
Requereu o registo do direito e ação a metade indivisa do referido prédio (ap. … de 2017/08/03), o qual veio a ser lavrado provisoriamente, por dúvidas, por se haver considerado que o prédio não havia ingressado no património conjugal e, assim, não observar o pedido de registo o princípio do trato sucessivo na modalidade da continuidade das inscrições.
Com vista a remover as dúvidas, requereu (ap. … de 2017/10/02) “o registo em comum sem determinação de parte ou direito em nome de ambos os proprietários, ou seja, em nome do seu ex-cônjuge e em seu nome para depois registar a metade indivisa que lhe havia sido adjudicada no inventário”, registo que veio a ser recusado por inexistência de um título de habilitação de herdeiros.
A certidão judicial que documenta a adjudicação à Impugnante de metade indivisa do referido imóvel é título bastante para o registo requerido e a recusa do registo, não observa decisão judicial transitada em julgado, viola a lei e a Constituição.
2. A Exma. Senhora Conservadora proferiu despacho de sustentação da decisão, assim concluída:
“Por tudo o que vem a ser dito, mantenho a decisão de recusar o registo de aquisição a que corresponde a ap. (…) e mantenho também a decisão de recusar o registo de conversão de aquisição, a que coube ap. (…), ambas do dia 02 de Outubro de 2017, lavrados no prédio nº (…)/Benfica do Ribatejo”.
3. Remetidos os autos a juízo foram com foi vista ao Ministério Público, tendo a Digna Procurada-Ajunta emitido douto parecer por forma a defender a procedência da impugnação.
4. Concluídas as diligências instrutórias que se houveram por convenientes, foi proferida decisão a indeferir a impugnação por extemporânea.
5. Com êxito recorreu a Impugnante e por acórdão desta Relação de 13/9/2018 foi determinado o prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito do recurso.
6. Seguiu-se a prolação de sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Nestes termos, e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, nega-se provimento à presente impugnação e mantêm-se as decisões impugnadas”.

3. A Impugnante recorre da decisão e conclui assim a motivação do recurso:
“I – Os tribunais portugueses nos termos do artigo 110º da Constituição Portuguesa, são Órgãos de Soberania.
II – Pelo que, quando um tribunal decide uma questão a mesma deve ser acatada por todos, inclusive por quaisquer Serviços Administrativos.
III – Ora, no Processo de Inventário para Separação de Meações, que correu seus termos por Apenso com o n.º 859/09.6TBALR-C, pelo Tribunal de Família e Menores, Juízo 1, de Santarém, foi adjudicada por Sentença, transitada em julgado, à Recorrente, metade indivisa do imóvel relacionado sob a verba n.º 55, descrito na C.R.P. de Almeirim sob o n.º (…), de Benfica do Ribatejo.
IV – Tal decisão, ao contrário do entendimento da M.ª Juíza “a quo” é título bastante, para aquisição da propriedade por parte da Recorrente do imóvel em causa na proporção que lhe foi adjudicada.
V – Donde, nunca podia ser recusado o registo de metade indivisa do imóvel adjudicado no Inventario à Recorrente, como foi pela Conservatória do Registo Predial de Almeirim, como sucedeu apesar das várias tentativas feitas pela mesma Recorrente.
VI – Na verdade, para todos os efeitos as Conservatórias, são meros Serviços Administrativos públicos e, portanto, devem num estado de direito, acatar e cumprir as decisões proferidas pelos tribunais.
VII – Não o fazendo estão a por em causa todo o sistema jurídico existente, no país.
VIII – Por outro lado, constata-se facilmente as graves contradições existentes na decisão, ora em recurso, que por um lado referem que nem o acordo realizado no Processo de Inventário entre os Interessados (…) e (…), assim como a Sentença são meios idóneos para aquisição do direito de propriedade por parte da Recorrente.
IX – Mas por outro lado, refere que a Recorrente após a homologação do acordo em que os Interessados, acordaram que o bem imóvel era comum, devia desde logo a Recorrente, fazer averbamento da metade indivisa de tal imóvel.
X – Ora, a decisão final, proferida após o decurso de todo o processo de Inventário, e que homologou a Partilha, é totalmente abrangente de forma a incluir também o acordo anteriormente realizado entre os Interessados.
XI – Daí que, como acima referido essa decisão proferida no inventário, teve como efeito definir concretamente o direito de cada Interessado a cada um dos bens relacionados e designadamente quanto ao imóvel que foi partilhado, em metade indivisa para cada um deles.
XII – Assim, por tal decisão não há qualquer dúvida que a Recorrente adquiriu o direito de propriedade, à sua metade indivisa, que lhe foi adjudicada, não havendo qualquer violação do trato sucessivo uma vez que a mesma era casada com o titular inscrito.
XIII – A Recorrente, caso este Venerando Tribunal da Relação entenda que o valor de 350,00 €, que a mesma entende ter pago a mais, não lhe deve ser devolvido, a mesma não faz questão em tal devolução desde que o seu problema quanto ao registo em causa, seja resolvido definitivamente.
XIV – A decisão pelas contradições nela existentes, violou os artigos 615º, n.º 1, als. c) e d), 1382º, 1384º, n.º 1, al. a), a contrario, e 1404º do Código Processo Civil, e artigo 110º da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE, e com o douto suprimento de V. excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, consequentemente revogada a decisão proferida, ordenando-se que seja realizado a favor da Recorrente o registo a seu favor de metade indivisa do imóvel descrito na C.R.P. de Almeirim sob o n.º (…) de Benfica do Ribatejo, pois que só assim será feita a devida e oportuna JUSTIÇA.”
Respondeu o Ministério Público defendendo a confirmação da decisão recorrida.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões nestas suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil; assim, considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir (i) se deve ser inscrita a favor da Apelante a aquisição, por partilha, de metade indivisa do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº (…), de Benfica do Ribatejo, (ii) se deve ser devolvida à Apelante € 350,00 que pagou a título de preparos com o pedido de registo.

III. Fundamentação.
1. Factos.
A decisão recorrida fundamentou-se nos seguintes factos que julgou provados:
1. Encontra-se inscrita a aquisição a favor de (…), pela Ap. (…) de 17/04/1997 do prédio urbano sito em Urbanização do (…), lote 65, freguesia de Benfica do Ribatejo, concelho de Almeirim, inscrito na matriz predial sob o n.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n.º (…).
2. Por sentença proferida em 7 de Julho de 2014, no processo de inventário n.º 859/09.6TBALR-C do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Família e Menores de Santarém, Juiz 1, foi homologada a transação celebrada entre (…) e (…) em que acordaram que o imóvel descrito em 1 era bem comum do casal.
3. Por sentença proferida em 16 de Maio de 2017, no âmbito do processo de inventário n.º 859/09.6TBALR-C do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Família e Menores de Santarém, Juiz 1, foi homologado o mapa de partilha, do qual consta que era adjudicado a (…) e (…) a metade indivisa do imóvel descrito em 1.
4. Pela Ap. (…) de 3 de Agosto de 2017, a Impugnante solicitou o registo de metade indivisa, sem determinação de parte ou direito, a seu favor, do referido prédio.
5. Relativamente à Ap. (…) de 3 de Agosto de 2017, foi proferido, em 29 de Agosto de 2017, o seguinte despacho de qualificação: “Lavre provisoriamente por dúvidas o ato requerido sob a ap. …/20170803, quanto ao prédio n.º …/ Benfica do Ribatejo, porquanto o prédio se mostra registado a favor de (…), no estado de solteiro, posteriormente casado com (…), no regime da comunhão de adquiridos, pelo que o prédio não ingressou no património conjugal, pelo que não foi respeitado o Princípio do Trato Sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições. Não é possível proceder a suprimento de deficiências dado estar em falta um registo de aquisição, prévio ao ora solicitado (Artº 34º, n.º 4, 68º, 69º e 70º, C.R.P.)”.
6. Pela Ap. n.º (…) de 2 de Outubro de 2017, (…) solicitou o registo da aquisição a seu favor e do seu ex-cônjuge (…), em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio descrito sob o n.º (…).
7. Pela Ap. n.º (…) de 2 de Outubro de 2017, (…) solicitou a conversão de registo provisório referente à Ap. (…) de 3 de Agosto de 2017.
8. Relativamente à Ap. (…) de 2 de Outubro de 2017, foi proferido em 16 de Outubro de 2017, o seguinte despacho de qualificação: “Recusado o pedido de aquisição requerido a coberto da ap. …/20171002, porquanto o facto não está, manifestamente, titulado nos documentos apresentados (Artºs 43º, nº 1, 68º, 69º, nº 1, b), do C.R.P.).”
9. Relativamente à Ap. (…) de 2 de Outubro de 2017, foi proferido em 16 de Outubro de 2017, o seguinte despacho de qualificação: “Recusado o pedido de conversão requerido a coberto da ap. …/20171002, porquanto a aquisição requerida a coberto da ap. …, do mesmo dia, foi recusada e o registo da conversão em definitiva, dependente daquela aquisição não pode ser lavrado provisoriamente por dúvidas (Artºs 43º, nº 1, 68º, 69º, nº 2, do C.R.P.).”

2. Direito.
2.1. Se deve ser inscrita a favor da Apelante a aquisição, por partilha, de metade indivisa do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº (…) de Benfica do Ribatejo.
A decisão recorrida manteve as decisões da Exmª Conservadora do Registo Predial de Almeirim que, em 16 de Outubro de 2017, recusaram, respetivamente, “o pedido de aquisição requerido a coberto da ap. …/20171002, porquanto o facto não está, manifestamente, titulado nos documentos apresentados” e “o pedido de conversão requerido a coberto da ap. …/20171002, porquanto a aquisição requerida a coberto da ap. (…), do mesmo dia, foi recusada e o registo da conversão em definitiva, dependente daquela aquisição não pode ser lavrado provisoriamente por dúvidas” (pontos 8 e 9 dos factos provados).
A Apelante diverge da decisão recorrida argumentando, em síntese, que a sentença homologatória da partilha, proferida no processo de inventário para separação de meações, que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Santarém, com o nº 859/09.6TBALR-C, que lhe adjudicou metade indivisa do imóvel relacionado sob a verba nº 55, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº (…) de Benfica do Ribatejo é titulo bastante, para a aquisição da propriedade, na proporção adjudicada e, assim, o pedido de registo de metade indivisa do imóvel não pode ser recusado.
Os factos podem resumir-se, assim:
No âmbito do incidente de reclamação de bens que teve lugar no inventário (859/09.6TBALR-C), para partilha dos bens do dissolvido casal que formou com (…), a Apelante acordou com este, designadamente, que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim com o nº (…), cuja aquisição, por compra, se mostra exclusivamente registada a favor do referido (…), é um bem comum.

Este acordo foi homologado por sentença de 7/7/2014, transitada em julgado, que pôs termo ao incidente de reclamação.

O inventário prosseguiu e nas operações de partilha o imóvel (relacionado sob a verba 55) foi adjudicado à Apelante e ao interessado (…), respetivamente, na proporção de metade indivisa.

O mapa da partilha foi homologado por sentença de 16/5/2017, transitada em julgado em 21/6/2017.

A Apelante requereu o registo de metade indivisa do prédio (Ap. …).

O registo foi lavrado como provisório por dúvidas, assim expressas no despacho de qualificação: “Lavre provisoriamente por dúvidas o ato requerido sob a ap. … /20170803, quanto ao prédio n.º …/Benfica do Ribatejo, porquanto o prédio se mostra registado a favor de (…), no estado de solteiro, posteriormente casado com (…), no regime da comunhão de adquiridos, pelo que o prédio não ingressou no património conjugal, pelo que não foi respeitado o Princípio do Trato Sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições. Não é possível proceder a suprimento de deficiências dado estar em falta um registo de aquisição, prévio ao ora solicitado (Artº 34º, n.º 4, 68º, 69º e 70º, C.R.P.)”.

Visando remover as dúvidas, a Apelante pediu o registo da aquisição do prédio (Ap. …), a seu favor e do seu ex-cônjuge (…), em comum e sem determinação de parte ou direito e pediu a conversão em definitivo (Ap. …) do registo provisório referente à Ap. (…).

Ambos os pedidos foram recusados; o primeiro (ap. …), com o fundamento na falta de título – o facto não está, manifestamente, titulado nos documentos apresentados; o segundo, por não haverem sido removidas as dúvidas – a aquisição requerida a coberto da ap. (…), do mesmo dia, foi recusada e o registo da conversão em definitiva, dependente daquela aquisição não pode ser lavrado provisoriamente por dúvidas.

Decidindo.

O direito da Apelante nasceu torto; com raras exceções, ao caso inaplicáveis (artº 1715º, do CC), o regime de bens é imutável (artº 1714º, do CC), ou seja, aos cônjuges não é permitido modificar o seu estatuto patrimonial depois de celebrarem o casamento, “não podem bens próprios entrar na comunhão, não podem bens comuns ser atribuídos em propriedade exclusiva a qualquer deles; não podem ser transmitidos, onerosa ou irrevogavelmente, os bens de um para o outro” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, pág. 361], ora, pela transação que pôs termo ao incidente de reclamação de bens que teve lugar no inventário destinado à partilha subsequente ao divórcio, a Apelante e (…), fizeram entrar na comunhão o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim com o nº (…), o qual era bem próprio deste último e, como tal, foi levado ao registo.

Certo é que a sentença que homologou a transação pela qual os interessados fizeram entrar na comunhão um bem próprio de um deles, transitou em julgado e, como tal, ficou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (artigo 619º, nº 1, do CPC), efeito imperativo que “[c]onsiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão” [Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 305].

A sentença que homologou o acordo, pelo qual a Apelante e (…), fizeram entrar na comunhão de bens do seu dissolvido casal, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim com o nº (…), porquanto transitada em julgado, é para acatar, sem nova discussão.

Concorda-se, pois, com este princípio, enunciado pela Apelante, acrescentando-se, não obstante, que a decisão é para acatar no quadro legal vigente e, designadamente, no âmbito das regras e princípios que ao registo respeitam.

E isto porque não é do interesse da Apelante, nem cremos que seja seu propósito, que o ato pelo qual visa dar publicidade à situação jurídica do prédio decorrente da qualificação que lhe resulta da transação homologada por sentença – contitularidade do bem – venha a ser um ato nulo e, como tal, insuscetível de validamente produzir os apontados efeitos de publicidade.

A inscrição prévia e a continuidade das inscrições constituem um pressuposto do processo de registo, o registo lavrado sem apresentação prévia ou com violação do trato sucessivo é nulo e a manifesta nulidade do facto constitui fundamento de recusa do registo [artºs 16º, al. e) e 69º, nº 1, al. d), ambos do C.R.P.].

“O princípio do trato sucessivo pretende assegurar a continuidade do registo, e garantir a quem possui uma inscrição de aquisição ou reconhecimento de direito suscetível de ser transmitido a certeza de que não pode haver nova inscrição definitiva lavrada sem a sua intervenção.

(…)

Através da continuidade, o princípio garante a certeza da história da situação jurídica da coisa desde o início (descrição), até ao momento de cada novo ato de registo, exigindo e traduzindo um nexo ininterrupto de continuidade entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre a coisa” [Parecer da PGR de 19/5/2000, disponível em www.dgsi.pt].

A Apelante pretende a introdução no registo da aquisição, por partilha, de metade indivisa do prédio na Conservatória do Registo Predial de Almeirim com o nº (…), mas tal inscrição, como se considerou no despacho de qualificação e na sentença que o ratificou, implicaria a violação do princípio do trato sucessivo, porquanto o prédio se mostra exclusivamente registado a favor do ex-cônjuge da Apelante e apenas se poder conjeturar a partilha de um bem sobre o qual exista uma qualquer forma de contitularidade ou comunhão.

O registo, tal como pretendido pela Apelante, quebraria o nexo ininterrupto de continuidade entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre a coisa, violaria o princípio do trato sucessivo e, como tal, seria nulo (artº 16, nº 1, al. d), do CRP).

O caminho para transpor este obstáculo é, a nosso ver, o apontado pela decisão recorrida, ou seja, a alteração por averbamento à inscrição da aquisição do imóvel por forma a dela constar que a aquisição é comum e feita esta prévia alteração a Apelante poderá então registar a aquisição tal como resulta da partilha, sem quebra de continuidade do registo e, assim, sem o impedimento que resulta da violação do princípio do trato sucessivo.

O recurso improcede quanto a esta questão.

2.2. A Apelante pretende ainda a devolução de € 350,00 que pagou a título de preparos com o pedido de registo pelo qual visou remover as dúvidas do registo lavrado provisoriamente e pelo pedido de conversão em definitivo do registo lavrado provisoriamente.
A decisão recorrida declinou esta pretensão com a seguinte fundamentação: “Analisados os pedidos deduzidos pela Impugnante, verifica-se que os mesmos são incompatíveis, pois que a mesma não pode pretender que seja ordenado o registo do seu direito a metade indivisa do prédio e simultaneamente devolvidos os emolumentos de tal registo.”
Fundamentação que dá por adquirido que a questão constitui objeto do recurso.
Mas não cremos que seja assim.
A impugnação não se identifica com uma originária petição de Justiça como a demanda, sendo diversamente uma contestação concreta contra um ato de vontade jurisdicional que se considera errado [Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 71].
E também assim, com as necessárias adaptações, as impugnações das decisões do conservador configuram uma contestação concreta contra a recusa da prática de um ato de registo que se considera errada; a decisão de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo [artº 140º, nº 1, do CPC].
Tal como nas impugnações das decisões judiciais as impugnações das decisões do conservador pressupõem, sempre e num primeiro momento, a existência de uma determinada decisão de que se recorre.
No caso dos autos, não existe qualquer decisão da Exmª Conservadora sobre a pretendida devolução de preparos ou emolumentos e a pretensão no recurso, a este propósito, surge ex novo.
Por ausência de decisão recorrida o recurso carece, nesta parte, diríamos de causa de pedir e, como tal, não se vê como dar razão à Apelante.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

2.3. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Apelante pagar as custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do que resultar do apoio judiciário.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Évora, 24/10/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho