Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1590/21.0T8STR.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO PRINCIPAL
REMUNERAÇÃO COMPLEMENTAR
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – No regime anterior à entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11.01, a parte fixa da remuneração do administrador judicial provisório em processo especial para acordo de pagamento devia ser calculada com recurso à aplicação do artigo 1.º da Portaria n.º 51/2005, de 20.01, por analogia.
2 – No mesmo regime, a parte variável daquela remuneração devia ser fixada com recurso à equidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1590/21.0T8STR.E1

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(…), administradora judicial provisória no presente processo especial para acordo de pagamento requerido por (…), interpôs recurso de apelação do despacho, proferido em 07.03.2022, mediante o qual a sua remuneração foi fixada em € 1.500,00 sendo a parte fixa de € 1.000,00 e a variável de € 500,00.

As conclusões do recurso são as seguintes:

1 – Em processo especial para acordo de pagamento, o administrador judicial provisório tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido no artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26.02.

2 – Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º da mencionada lei, a remuneração é feita “(…) de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia”.

3 – Segundo o n.º 2 do mesmo artigo 23.º, “aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior”.

4 – O que, segundo o n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando “em processo especial para acordo de pagamento (…) que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1”.

5 – E, segundo o n.º 4 do mesmo artigo 23.º, “Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.”

6 – A portaria em causa, até à data, ainda não foi publicada.

7 – Assim, aplica-se por analogia a Portaria n.º 51/2005, de 20.01.

8 – Por aplicação desta portaria, e considerando que, no caso, houve apresentação de um acordo de pagamento que foi aprovado e homologado por sentença transitada em julgado, em que o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano foi de € 11.266.614,43, é, sem dúvida, justa e razoável a fixação das remunerações fixa e variável da ora recorrente como administradora judicial provisória nos valores de, respectivamente, € 2.000,00 e € 4.197,83, acrescidos de IVA, à taxa legal de 23%, ou seja tudo no valor global de € 7.623,33, IVA incluído.

Sem prescindir,

9 – Caso se entenda que a referida portaria é inaplicável – o que só por mero dever de patrocínio se considera –, a remuneração variável devia ter fixada, de acordo com os critérios da equidade, razoabilidade, legalidade e oportunidade, considerando sempre o valor global dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano de pagamento da devedora, sempre no indicado valor de € 7.623,33, IVA incluído.

10 – Atente-se, a propósito, ao acórdão da Relação do Porto de 16.05.2016, in proc. 631/15.4T8AVR-A.P1: “Enquanto não for publicada a portaria prevista no artigo 23.º da Lei 22/2013, aquela remuneração variável deve ser fixada com recurso à equidade, e tendo em consideração as funções desempenhadas pelo AJP, atendendo ao número e natureza dos créditos reclamados, montante dos créditos a satisfazer e tempo durante o qual exerceu as suas funções.”

11 – Ao assim não ter entendido, o despacho recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, designadamente, o disposto nos artigos 23.º e 29.º do E.A.J. e nos artigos 17.º, 32.º e 60.º do CIRE, assim como a Portaria n.º 51/2005, de 20.01.

12 – Deve, por conseguinte, a decisão recorrida, objecto do presente recurso, ser revogada e substituída por acórdão que fixe como valores das remunerações fixa e variável da ora recorrente como administradora judicial provisória nos valores de, respectivamente, € 2.000,00 e € 4.197,83, acrescidos de IVA, à taxa legal de 23%, ou seja, tudo no valor global de € 7.623,33, IVA incluído.

Apenas o Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


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Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, a única questão a resolver traduz-se na fixação da remuneração devida à recorrente pelo exercício da função de administradora judicial provisória.

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No despacho recorrido, foram julgados provados os seguintes factos:

1 – A administradora judicial provisória foi nomeada em 23.06.2021; 2 – Apresentou lista provisória em 22.07.2021, contemplando 13 credores, num valor total final de € 116.130,84;

3 – Foram apresentadas duas impugnações à lista, uma das quais procedente;

4 – Em 24.11.2021 foi proferida sentença homologatória do plano.


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À data da prolação do despacho recorrido (07.03.2022), ainda não entrara em vigor a Lei n.º 9/2022, de 11.01, cujo artigo 5.º alterou várias disposições do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26.02, doravante designada por EAJ), entre as quais o artigo 23.º. O artigo 12.º daquela lei estabelece que a mesma entraria em vigor 90 dias após a sua publicação. Daí que aquele despacho tenha de ser apreciado à luz do regime anterior à referida Lei n.º 9/2022, nomeadamente da redacção do artigo 23.º do EAJ resultante do Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17.04.

O artigo 23.º do EAJ estabelecia, na parte que nos interessa, o seguinte:

N.º 1: O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.

N.º 2: Os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior.

N.º 3: Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme o regime previsto na portaria referida no n.º 1.

Decorre do n.º 1 que, independentemente do resultado das negociações que ocorram no âmbito de um processo especial para acordo de pagamento, é sempre devida uma remuneração ao administrador judicial provisório. A essa remuneração fixa acresce, nos termos do n.º 2, uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, definido no n.º 3. Daí que a parte variável da remuneração apenas seja devida se as negociações acima referidas tiverem êxito, com a obtenção de um acordo de pagamento, e este for homologado pelo tribunal.

Porém, a portaria referida no n.º 1 nunca foi publicada, pelo que se colocava a questão de saber como integrar tal lacuna.

Relativamente à parte fixa da remuneração do administrador judicial provisório em processo especial para acordo de pagamento, a aplicação analógica do artigo 1.º da Portaria n.º 51/2005, de 20.01, que estabelecia a remuneração do administrador da insolvência tendo por referência o anterior estatuto deste último (Lei n.º 32/2004, de 22.07), não oferecia dificuldade. Por um lado, o artigo 23.º do EAJ equipara o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ao administrador da insolvência. Por outro, o regime constante do artigo 1.º da Portaria n.º 51/2005 relativamente à parte fixa da remuneração não envolve a ponderação de factores ou critérios específicos do processo de insolvência, sendo, por isso, perfeitamente transponível para o processo especial para acordo de pagamento.

O n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 51/2005 estabelece que o valor fixo da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz é de € 2.000,00. Ao contrário do que foi entendido no despacho recorrido, não deve ser aplicado ao caso dos autos o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, segundo o qual, no caso de o administrador da insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, apenas tem direito à primeira das prestações referidas no n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 32/2004. Isto porque a recorrente nunca foi substituída por outro administrador. Portanto, o valor fixo da remuneração da recorrente deverá ser fixado em € 2.000,00.

Relativamente à parte variável da remuneração do administrador judicial provisório em processo especial para acordo de pagamento, o critério fixado na tabela constante do anexo I à Portaria n.º 51/2005 é insusceptível de aplicação por analogia porquanto tem por referência o resultado da liquidação da massa insolvente e não existe qualquer liquidação patrimonial naquele processo, que visa precisamente evitá-la, através da recuperação do devedor, como decorre dos artigos 222.º-A a 222.º-J do CIRE. Em face disso, aquela parte da remuneração, quando for devida, terá de ser fixada com recurso à equidade, como se decidiu nos acórdãos da Relação do Porto de 27.06.2018 (Rodrigues Pires) e de 14.05.2020 (Paulo Dias da Silva). Em sentido idêntico, mas tendo por referência o processo especial de revitalização, decidiram os acórdãos da Relação do Porto de 05.02.2018 (Carlos Gil) e Coimbra de 22.06.2020 (Maria Catarina Gonçalves).

O apelo ao critério da equidade deverá concretizar-se fundamentalmente na análise do trabalho desenvolvido pela recorrente, tendo em conta a matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo, cuja alteração a recorrente não incluiu no objecto do recurso.

Entre a data da nomeação da recorrente como administradora judicial provisória e a da prolação da sentença homologatória do plano de pagamento decorreram cinco meses e um dia. A lista provisória apresentada pela recorrente continha treze credores, num valor total final de € 116.130,84. Foram apresentadas duas impugnações à lista, uma das quais procedente. Os restantes factos que a recorrente refere nas suas alegações não constam da matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo. Tudo ponderado, consideramos equitativa a fixação da parte variável da remuneração da recorrente em € 3.000,00.

Concluindo, o recurso deverá ser julgado parcialmente procedente, fixando-se as partes fixa e variável da remuneração da recorrente, respectivamente, em € 2.000,00 e em € 3.000,00, totalizando € 5.000,00. A esta quantia acrescerá o que for devido nos termos da legislação tributária.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, fixando-se as partes fixa e variável da remuneração da recorrente, respectivamente, em € 2.000,00 e em € 3.000,00, totalizando € 5.000,00. A esta quantia acrescerá o que for devido nos termos da legislação tributária.

Custas a cargo da recorrente, na proporção do seu decaimento.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 09.06.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

José Manuel Barata

Emília Ramos Costa