Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
444/04.9TBRMR-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: EXECUÇÃO
AGENTE
REMUNERAÇÃO COMPLEMENTAR
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os honorários devidos ao agente de execução são suportados pelo exequente (artigo 721.º, n.º 1, do CPC), destinando-se a remunerar a atividade por si desenvolvida no processo em prol da prossecução do interesse do exequente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Exequente: Caixa Geral de Depósitos, SA
Recorrida / Agente de Execução: (…)

Os autos consistem em ação executiva instaurada contra (…) e (…) para cobrança de dívida hipotecária.
Teve lugar a penhora do bem imóvel hipotecado, vindo a sustar-se o processo quanto a esse bem por pender sobre metade dele prévia penhora registada sobre ½ no âmbito do processo de execução fiscal (PEF). A Exequente, na qualidade de credora com garantia real, reclamou os seus créditos no PEF e, em maio de 2011, nele obteve a adjudicação de ½ do imóvel pelo valor de € 47.000,00.

II – O Objeto do Recurso
A Agente de Execução apresentou no processo conta final, na qual incluiu a verba de € 801,01 a título de remuneração adicional, fazendo apelo ao valor recuperado de € 47.000,00.
A Exequente apresentou-se a reclamar, sustentando que o valor que foi obtido neste processo foi recuperado no PEF, sem qualquer intervenção ou diligência da AE.
A reclamação foi indeferida com o seguinte fundamento:
«No caso, a verdade é que foi recuperada uma quantia, ainda que não tenha sido no processo executivo.
Além disso, o Senhor Agente de Execução diligenciou pelo ressarcimento da quantia exequenda, ainda que o dinheiro tenha sido recuperado no âmbito de um outro processo.
Como tal, uma vez que se considera que efetivamente há um valor recuperado, considera-se que a remuneração adicional é devida.»

Inconformada, a Exequente apresentou-se a interpor recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que considere que a remuneração adicional não é devida, ordenando-se a retificação da conta apresentada. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«A. A Apelante intentou uma ação executiva onde apresentou como título executivo escritura de mútuo com hipoteca.
B. No âmbito dessa ação executiva foi penhorado o imóvel sobre o qual recaía a garantia hipotecária – prédio urbano denominado “(…)”, “(…)” e “(…)” sito na Rua (…), lugar de (…), freguesia e concelho de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º (…), freguesia de (…), inscrito na respetiva matriz no artigo (…).
C. Após a penhora da totalidade do bem o processo foi sustado quanto a este por existir uma penhora registada sobre ½ do bem no âmbito do processo de execução fiscal 2062200501000845.
D. O apelante, na qualidade de credor com garantia real, reclamou os seus créditos no PEF e, em maio de 2011, adjudicou ½ do imóvel pelo valor de € 47.000,00.
E. Ora, em fevereiro de 2021 a Agente de execução apresenta, nos autos, a sua conta final, onde inclui uma remuneração adicional no valor de € 801,00.
F. Remuneração essa que foi calculada com base na recuperação de € 47.000,00 – o valor de adjudicação de ½ do imóvel em sede de execução fiscal.
G. A apelante não concorda que a Agente de execução deva ser remunerada por esta “recuperação”, porquanto nada fez para que os mesmos fossem recuperados.
H. Tendo, em conformidade, reclamado do ato. Sucede que o tribunal a quo considerou que a Agente de execução tinha direito a esta remuneração adicional porque houve a recuperação de valor.
I. Ora, mal andou o tribunal quando decidiu desta forma, para tanto basta que se atente na vasta jurisprudência existente para casos idênticos a este, onde é sobejamente referido que tem de haver um nexo causal entre a recuperação do valor e as diligências levadas a cabo pela Agente de execução.
J. O que não sucedeu no caso em apreço.
K. Resulta do preâmbulo da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, “…prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas…”.
L. Acresce que, conforme tem sido defendido na jurisprudência, nomeadamente no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 03-11-2015, que “Destinando-se a premiar o resultado obtido, a dita remuneração adicional só se justifica quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução tenha ficado a dever-se à eficiência e eficácia da atuação do agente de execução.”
M. Também a este propósito se pronuncia o Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2019: O que implica, necessariamente, não dever inferir-se ou concluir-se no sentido de que um qualquer mecanismo de resolução extrajudicial, obtido entre o exequente e o executado (com eventual participação de terceiros), tenha por fonte ou causa a atuação ou as diligências praticadas pelo agente de execução. O que surge com maior acuidade, nomeadamente, quando estas se limitam à realização dos atos ou diligências normais ou previstos na regular tramitação do processo executivo, englobados na remuneração fixa prevista no Anexo VII da citada Portaria;
N. A este propósito refere o Acórdão do TRE, 1984/13.4TBABF.E1: É que, reitera-se, e como também emerge do que antes se expôs, essa remuneração adicional só é devida se interceder entre a atuação do agente de execução e a obtenção da garantia um nexo de causalidade.”
O. A única diligência que a AE praticou foi a penhora do imóvel e a sua sustação, o que era legalmente exigível!
P. Como pode a Agente de execução e o Tribunal a quo considerarem que esta diligência poderá significar que terá direito a remuneração adicional calculada sobre o valor da adjudicação do bem, realizada no âmbito de um PEF?!
Q. Ora se é certo que esta decisão desvirtua o sentido que o legislador pretendeu dar à Portaria 282/2013, de 29 de agosto, também é certo que a mesma causa incerteza e insegurança jurídica.
R. Assim e face a todo o exposto não pode o Apelante aceitar a decisão tomada devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que considere que a remuneração adicional não é devida, ordenando a retificação da conta apresentada.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer da seguinte questão: do direito da agente de execução à remuneração adicional.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que decorrem do supra exposto

B – O Direito
O regime da remuneração dos agentes de execução encontra-se regulado na Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto. Do respetivo preâmbulo consta, designadamente, o seguinte:
«(…) com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.
Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da atividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes.»
Ora, o artigo 50.º da referida Portaria regula os honorários dos agentes de execução, determinando o n.º 1 que o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII (…), os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos. Os honorários devidos ao agente de execução são suportados pelo exequente (artigo 721.º, n.º 1, do CPC), destinando-se a remunerar a atividade por si desenvolvida no processo em prol da prossecução do interesse do exequente.
Para além desses honorários, a citada Portaria prevê uma remuneração adicional da atividade do agente de execução. Ao que procede nos seguintes termos:
Art. 50.º
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6 - Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
7 - O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor.
(…)
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.

13 - Havendo lugar à sustação da execução nos termos do artigo 794.º do Código de Processo Civil e recuperação de montantes que hajam de ser destinados ao exequente do processo sustado, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado nos respetivos processos.
(…)
No âmbito do citado regime legal tem-se entendido que o direito à remuneração adicional decorre do sucesso obtido pelo agente de execução no desempenho das diligências executivas e em consequência dessas diligências, desde que recupere ou entregue dinheiro ao exequente, venda bens, faça a adjudicação ou a consignação de rendimentos ou, pelo menos, penhore bens, obtenha a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento na decorrência de intervenção do agente de execução, desde que haja cumprimento do acordo, e na medida dessa cumprimento. O ponto é que haja atividade do agente de execução que seja causal do ganho obtido com o processo executivo. Donde, não haverá lugar à remuneração adicional se a atuação do agente de execução foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo.[1]
O que foi pretendido pelo legislador ao prever a componente de uma remuneração variável adicional ao AE no final do processo foi premiar a sua eficiência e eficácia, o que revela a intenção de associar uma conduta a um resultado dessa mesma conduta, não esquecendo que diversos atos por ele praticados no âmbito do processo executivo já são alvo de uma remuneração fixa autónoma, estando também por essa via assegurado o pagamento do trabalho por si desenvolvido. É a atividade desenvolvida e o contributo efetivo do agente de execução para o resultado da ação executiva que determina o pagamento de uma remuneração adicional que não pode, por isso, também deixar ser adequada, proporcional e razoável.[2]
Ao presente processo, porém, é aplicável o regime decorrente da Portaria n.º 708/2003, de 4 de agosto – cfr. artigos 52.º da Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de março e 62.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto. Do preâmbulo da referida Portaria consta, designadamente, o seguinte:
O solicitador de execução, no exercício das funções de agente de execução, «auferirá remuneração pelos serviços prestados nos termos da presente portaria.
A remuneração ora fixada procura encontrar uma correspondência com os serviços efetivamente prestados através da atribuição a cada ato praticado de um valor fixo.
Para além desta componente fixa, o solicitador de execução auferirá igualmente uma parte variável em função dos resultados obtidos com a sua atividade, parcela esta que constitui um incentivo ao diligente desempenho das funções.»
Nos termos do artigo 5.º, n.º 2, a remuneração devida ao solicitador de execução é suportada pelo autor ou exequente, integrando as custas que tenha direito a receber do réu ou do executado.
O artigo 8.º, por sua vez, estabelece o seguinte, sob a epígrafe honorários em função dos resultados obtidos:
1 - No termo do processo, é devida ao solicitador de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido, nos termos da tabela do anexo II;
b) Da fase processual em que o montante foi recuperado ou garantido, nos termos do n.º 3.
2 - O valor resultante da aplicação da tabela referida na alínea a) do número anterior é multiplicado pelos seguintes fatores, em função da fase processual em que tem lugar a recuperação ou a garantia do crédito:
a) 0,50 se ocorrer antes da realização do auto de penhora;
b) 1 se ocorrer após a realização do auto de penhora;
c) 1,30 se ocorrer após a publicidade da venda;
d) 1,80 se ocorrer após a realização da venda e como resultado desta.
3 - Para os efeitos deste artigo, entende-se por:
a) 'Valor recuperado' o valor do dinheiro entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados;
b) 'Valor garantido' o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, com o limite do montante dos créditos exequendos.
Ora, é manifesto que se trata do regime embrionário face ao regime vigente, apresentando-se este como o desenvolvimento e clarificação daquele. Afigura-se que, já no âmbito da primeira versão reguladora da remuneração da atividade de agente de execução, a remuneração adicional dependia dos resultados obtidos com essa atividade, para incentivo ao diligente desempenho dessas funções.
A questão que se coloca no presente processo é a de saber se é indevida a remuneração adicional pela recuperação de € 47.000,00, sendo que esse valor recuperado corresponde ao valor que foi adjudicado ao exequente na qualidade de credor reclamante no processo de execução fiscal onde reclamou o seu crédito, sustada que foi a presente execução após a penhora por pendência dessa execução fiscal com penhora anterior.
Prevê-se no regime atualmente vigente que, nesses casos, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado nos respetivos processos – cfr. artigo 50.º, n.º 13, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto. É que, por via do disposto no n.º 7 da mesma disposição legal, o credor reclamante está onerado com o pagamento de uma remuneração adicional pelos valores que forem recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor.
No regime aplicável a este processo e, bem assim, ao PEF, à Recorrente não pode ser exigida a remuneração adicional pelo valor que, na qualidade de credora reclamante, recuperou pela adjudicação a seu favor no âmbito do PEF, pois apenas o exequente suporta a remuneração adicional, em função do valor que seja recuperado ou garantido em seu favor – cfr. artigos 5.º, n.º 2 e 8.º da Portaria n.º 708/2003, de 4 de agosto. Então, nesse circunstancialismo legal, afigura-se ser devida pela Exequente, no âmbito deste processo, a remuneração adicional pelo valor que recuperou após a penhora e da sustação da execução, reclamando o crédito no PEF e obtendo a adjudicação no valor de € 47.000,00.
Não se olvida que a exequente era titular de hipoteca sobre o bem penhorado. Porém, diversamente do regime atualmente vigente, no que se aplica a este processo não está prevista a redução a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
No entanto, importa salientar que a recuperação de € 47.000 pela exequente se verificou sem que neste processo, no processo onde interveio a agente de execução que apresentou a nota de honorários objeto de reclamação, tenha havido publicidade da venda e, muito menos, a realização da venda; a verba de € 47.000 foi obtida sem que, neste processo, tenham sido realizadas diligências para pagamento (arts. 795.º e ss do CPC). Nestes termos, a remuneração adicional é devida à luz do artigo 8.º, n.º 2, alínea b), da Portaria n.º 708/2003, não havendo lugar à multiplicação do valor resultante da aplicação da tabela do anexo II pelo fator 1,80.
Termos em que procede parcialmente a pretensão recursória, reduzindo-se o montante lançado na nota de honorários por inaplicabilidade do fator 1,80 ao valor apurado.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se determina que, na nota de honorários, a verba lançada a título de remuneração adicional devida à agente de execução não contemple a aplicação do fator 1,80 ao valor apurado.
Custas pela Recorrente e pela Recorrida na proporção do decaimento.
Évora, 13 de janeiro de 2022
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Cfr., entre outros, Ac. TRL de 26/09/2019 (Arlindo Crua).
[2] Ac. TRL de 06/02/2020 (Inês Moura).