Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
797/20.1T8LLE.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: CONDOMÍNIO
PARTE COMUM DE PRÉDIO
USUCAPIÃO
LOGRADOURO
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - São imperativamente comuns as partes que, transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revistam interesse colectivo por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio.
II – O logradouro – que não é pátio ou jardim – serve para estacionamento, delimitação do prédio, entrada, base de edificações secundárias é imperativamente comum, considerando o disposto no artigo 204.º, n.º 2, do CC e ainda porque se o legislador quisesse abranger na alínea a) do n.º 2 do artigo 1421.º, o logradouro, tê-lo-ia referido expressamente não usado a prolixa fórmula “pátios e jardins”.
III – Uma rampa que não faz parte de uma fracção autónoma pelo título constitutivo da propriedade horizontal do edifício e não é naturalisticamente / materialmente distinta, mas sim identificável com o logradouro, integra-se no mesmo.
IV – O facto de constar desse título constitutivo da propriedade horizontal que a fracção é “servida por uma rampa de acesso à mesma” não significa que integra tal fracção e nem um uso em exclusividade.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.
(…), (…) e (…), (AA), intentaram a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra "(…), Unipessoal, Lda.", na qualidade de administração do condomínio do lote C3, representada pelo único sócio (…), Condomínio do Bloco C3, (…), (…), (...), (…) e (…), pedindo que, pela sua procedência:
"1 - exonerar-se a sociedade "(…), Unipessoal, Lda." das funções de administração do condomínio do Bloco C3, sito na Rua (…), em Quarteira, por manifesta negligência e irregularidades no desempenho das mesmas;
2 - declarar-se nulas as atas 9 e 11 por falta de legitimidade dos deliberantes presentes e, consequentemente,
3 - declarar-se nula a atas 11 e 12 por:
a) - convocatória ilegal
b) - deliberarem sobre pontos da ata n.º 9, cuja nulidade se arguiu e se pretende, caso assim se não entenda,
c) - por deliberar por facto impugnado não contrário à lei.
4 - declarar-se nula a ata n.º 12 por deliberar por facto impugnado não contrário à lei.
5 - reconhecer-se aos autores o:
a) - direito de propriedade dos autores sobre as suas frações
b) - direito de compropriedade sobre o logradouro prédio
c) - direito de livre acesso e uso do mesmo.
6 - o réu (…) se abstenha de impedir o acesso dos autores ao logradouro, para o que:
a) - seja ordenado que este, no prazo máximo de 8 dias, faculte, tal como o fez ao proprietário da fração e aos residentes nas frações G) e I), o comando do portão que colocou às autoras para que procedam a cópia dos mesmos, sob suas expensas exclusivas.
7 - por obstrução do direito de uso de zona comum aos demais condóminos, ora réus, e, especialmente, violação do direito que assiste às autoras seja condenado em indemnização a fixar em cômputo de sentença."
Os RR (…), (…), (…) e (…) contestaram e deduziram pedido reconvencional, no qual peticionam que:
a) serem [os AA] condenados a reconhecerem que os 1.°s RR (…) e mulher (…) / reconvintes são titulares do uso exclusivo e fruição do logradouro que é composto pela rampa de acesso à fração autónoma designada pela letra “A" (garagem e arrumos), propriedade dos RR/reconvintes, reconhecendo-se que o logradouro é de uso exclusivo desta fração;
b) serem condenados a absterem-se de praticar quaisquer atos que prejudiquem, impeçam ou embaracem os direitos dos 1.°s RR (…) e mulher (…) / reconvintes do uso exclusivo e de fruição sobre o logradouro que é composto pela rampa de acesso à fração autónoma designada pela letra “A" (garagem e arrumos)."
Os AA apresentaram réplica, concluindo pela improcedência da reconvenção.
Os AA foram notificados da verificação de cumulação ilegal dos pedidos formulados, vindo apresentar desistência dos pedidos formulados nos pontos 1 a 4, a qual foi homologada, prosseguindo os autos para apreciação do demais peticionado.
Realizou-se audiência prévia.
Foi proferida sentença que julgou:
A) a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:
- reconheceu os AA como proprietários das frações autónomas designadas pelas letras B, C, O, F e H;
- reconheceu o direito de compropriedade sobre o logradouro prédio identificado em 1. e livre acesso e uso do mesmo pelos AA;
- condenou o R (…) a remover os obstáculos colocados ao acesso ao logradouro e/ou entrega de chave ou comando do portão que ali colocou;
- absolveu os RR do demais peticionado;
B) a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os AA dos pedidos reconvencionais.

Inconformados com a sentença, os RR (…) e (…) vieram interpor recurso da mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
”1º- Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença de fls., que julgou a ação procedente e improcedente a reconvenção.
2º- Entendem os Recorrentes, com a devida vénia por douto entendimento, que se verificam, no processo de formação da convicção da M.M. Juiz a quo, para além de erros na aplicação do Direito, mas igualmente erros de Julgamento, incluindo violações de regras e princípios de direito probatório, em particular nos documentos juntos autos.
3º- Cabendo, por isso, a este Venerando Tribunal da Relação, fazer uma sindicância do apuramento dos factos apurados em 1ª instância e da fundamentação feita da decisão por via destes e, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, como se espera, pela falta de razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado, e a final determinar-se a anulação da douta Sentença Recorrida.
4º- Tendo a fração designada pela letra “A” entrada própria através de uma rampa de acesso e que todas as outras as restantes, têm entrada comum pelo arruamento a poente, é claramente percetível que as demais frações do referido prédio não têm acesso pela rampa de acesso à fração “A”, mas pela entrada comum pelo arruamento a poente.
5º- O acesso à fração “A” – espaço compreendido entre o acesso à via pública e à fração para uso de parqueamento de viaturas –, não se confunde com o logradouro, não faz parte da estrutura do edifício, e não está compreendido no artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil.
6º- Ou seja, o acesso à garagem para uso privado da fração “A”, em edifício submetido ao regime de propriedade horizontal, não é de considerar parte imperativamente comum, mas apenas presuntivamente parte comum.
7º- Esta presunção pode ser ilidida demonstrando algum condómino que determinadas partes presumivelmente comuns do edifício foram por ele adquiridas pela prática de actos possessórios.
8º- Há mais de 30 anos que os Recorrentes e os ante possuidores (…) e (…), de forma ininterrupta, fruem e usam com exclusão de quaisquer outros da rampa de acesso à fração “A”, a sul do prédio, atuando como sendo exclusivos fruidores à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos alheios, e nunca nenhum condómino tendo reagido a ela, podendo fazê-lo, não deverá ser autorizado a agir desse modo após aquele período de tempo, quando se mantiveram inalteradas as circunstâncias em que a respetiva passividade/inércia se manifestou, por essa atuação consubstanciar abuso de direito, na modalidade de supressio.
9º- Os Recorrentes, entraram na posse de tais habitações há mais de 30 anos, a qual vieram sempre mantendo, mesmo computando tal prazo desde o início do funcionamento do prédio em condomínio (13/07/1977), pelo que adquiriram tal o acesso à garagem de acesso privado por prescrição aquisitiva (usucapião).
10º- Entendendo-se nada obstar a que as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal possam ser objeto de usucapião por um dos condóminos, desde que não se trate de parte essencial às frações autónomas do mesmo, pelo que deverá declara-se que os Recorrentes adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre o espaço (acesso à garagem de uso exclusivo – rampa de acesso à via pública), sendo seus donos e legítimos possuidores.
11º- A presunção consagrada no artigo 1421.º, n.º 2, do CC é ilidível, podendo demonstrar-se que a coisa foi atribuída no título constitutivo da propriedade horizontal ou que foi adquirida por usucapião por algum dos condóminos.
12º- O acesso à fração “A” de acesso privado, tem uma destinação objetiva e afetação material em exclusivo para esta fração.
13º- A presunção de comunhão consagrada no artigo 1421.º, n.º 2, do CC foi ilidida com a demonstração de que, através de posse pacífica, pública, não titulada, mas de boa-fé, os Recorrentes o adquiriram por usucapião ao fim de 30 anos, nos termos do artigo 1296.º do Código Civil.
14º- Não se provou, nem foi alegado, por outro lado, que a rampa de acesso à fração “A” pertence em exclusivo a qualquer dos condóminos, nem que quaisquer outros tivessem a posse e detenção, para além dos Recorrentes, deste modo, ficou demonstrada a possibilidade de funcionamento da presunção de parte comum consagrada no artigo 1421.º, n.º 2, do CC e, mais precisamente, a que resulta da referida al. e), porquanto o acesso da via pública à fração “A” não cabe em nenhum dos casos expressamente previstos nas alíneas anteriores.
15º- Os Recorrentes comportaram-se, de facto, reiterada e ostensivamente, como proprietários quer da fração autónoma “A” como do seu acesso à via pública, com exclusão de qualquer condómino, designadamente, em exclusão por utilização ou uso por terceiros.
16º- Ora, é inegável que os Recorrentes exerceram a posse por tempo suficiente para adquirir.
Considere-se a data em que receberam as chaves e ocuparam a fração, ou a data em que se iniciou o funcionamento do condomínio, decorreram, mais de 30 anos. O que significa que, mesmo que qualificando a posse como de má fé, ela terá durado tempo suficiente para que se tenha produzido a aquisição (cfr. artigo 1296.º, 2.ª parte, do Código Civil).
17º- Cumprindo a fração, como se viu, os requisitos que o artigo 1415.º do CC impõe para a autonomização de frações, e cumprindo a posse os requisitos para que se configurasse a aquisição por usucapião, não se pode deixar de reconhecer que os Recorrentes adquiriram o direito de propriedade sobre a mencionada fração e respetivo acesso à via pública.
18º- Este argumento ganha definitivamente força quando se olha para o disposto no artigo 1417.º, n.º 1, do CC. Prevê-se aí, expressamente, que a propriedade horizontal seja constituída por usucapião.
19º- Por tudo o exposto, deverá a Reconvenção ser julgada procedente, e reconhecer-se a propriedade dos Recorrentes sobre o descrito acesso à fração “A”, tal como descrito no titulo constitutivo “rampa de acesso” à via pública.
Não obstante, e subsidiariamente:
20º- Em todo o caso, o acesso à fração “A” – ainda que eventualmente seja parte comum, está afecta ao uso exclusivo desta fração autónoma.
21º- O acesso da via pública que aceda exclusivamente para o interior da fração “A”, e quando as demais partes do edifício “têm entrada comum pelo arruamento a poente”, tudo assim sucedendo desde a construção do prédio e a constituição do condomínio, deve considerar-se como fazendo parte da dita fração autónoma “A”, por estar afetado ao seu uso exclusivo.
22º- A utilização do acesso à fração “A” ainda que parte comum, só poderá ser utilizado na sua função natural de acesso à fração e manobra de veículos para esse fim, já que tal como consta no título constitutivo «5. Que a fração A tem entrada própria através de uma rampa de acesso e que todas as outras as restantes, têm entrada comum pelo arruamento a poente (…)» – [Doc. n.º 7 junto com Contestação].
23º- Ou seja, o uso do dito acesso pelos demais condóminos (que nunca ocorreu) ofende o direito ao acesso à “fração A”, por impossibilidade acesso, de manobração e de circulação de veículos. Na verdade, como é pacifico, existe afetação objetiva do acesso à fração “A”, afeta ao uso exclusivo, porque a ela existe acesso direto pela fração, com exclusão dos demais condóminos,
24º- Tal como também resulta do próprio auto de vistoria camarário do prédio urbano objeto dos presentes autos, realizado a 24/06/1977, a comissão dos serviços técnicos de obras da Câmara Municipal de Loulé, verificou que: «a) que a fração A constitui unidade independente para estacionamento de veículos automóveis, com saída própria para a via pública.» [Doc. n.º 9 junto com Contestação].
25º- Ou seja, o acesso à fração “A”, comporta ainda uma parte construída que é de uso exclusivo dos Recorrentes, pelo que nesta edificação os demais condóminos não podem circular com as viaturas da via pública ao acesso à fração “A”, e se assim fosse, o que que não se concede, perturbaria o normal uso.
26º- Para além de aspetos ligados ao direito de privacidade conferido pelo específico regime de utilização do acesso à fração “A”, garagem para uso privado e em exclusivo, (que, na prática, constitui uma extensão da fração), não se provou factos de onde decorra uma efetiva situação de necessidade de aceder à rampa de acesso à garagem provida para efeitos de circulação de viaturas dos demais condóminos.
27º- Do exposto supra, deverá reconhecer-se que o acesso à fração “A”, a dita “rampa de acesso” é de uso exclusivo da fração “A”, impõe-se assim a vedação de acesso aos demais condóminos.
28º- Conforme a jurisprudência maioritária, essa violação da obrigação a que a insolvente está vinculada tem de provocar um qualquer prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a Recorrente.
29º- Salvo melhor e douta opinião, os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do Direito ao caso, tendo violado as disposições dos artigos 1421º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 1296.º, 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1419.º, n.º 1, 1287.º, 1296.º, n.º 1, 1415.º e 1417.º, n.º 1, todos do Código Civil.
30º- A Sentença recorrida não pode subsistir e impõe-se a sua revogação.
Termos em que, e nos melhores de direito que Vossas Exªs doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, fazendo-se, deste modo, a habitual justiça!»
As contra-alegações tem as seguintes conclusões (transcrição):
«16 - Deve sim ser reconhecido o livre direito de acesso de todos os proprietários ao logradouro por essa rampa de acesso, a qual é parte integrante deste que, por sua vez, é zona comum do prédio como consta da escritura de constituição do prédio em propriedade horizontal.
O DIREITO:
VENERANDOS DESEMBARGADORES:
A douta sentença respeitou a doutrina consagrada nos artigos 1251.º, 1253.º-a), 1263.º, a) e d), 1265.º a 1290.º, 1305.º do Código Civil, 1417.º, 1418.º, 1419.º, n.º 1, 1420.º, 1422.º, n.º 4-A e 1425.º, todos do Código Civil.
FACE AO QUE DEVE SER MANTIDA A DECISÃO PROFERIDA E IMPROCEDER A PRESENTE APELAÇÃO.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos (transcrição):
“1- Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) o prédio urbano, denominado "Bloco C-3", sito em (…), composto por edifício de cave, rés-do-chão, 1° a 4° andar, com área coberta de 182m2, área descoberta de 448m2 e área coberta total de 630m2, da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (cfr. doc. de fls. 133/134, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2- Por escritura pública de constituição de propriedade horizontal, datada de 05.07.1977, outorgada no Primeiro Cartório Notarial de Loulé, foi declarado que o prédio urbano, denominado Bloco C-três, no Sítio dos (…), freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, constituído por cave, rés-do-chão e quatro andares, contendo o rés-do-chão e cada um dos quatro andares seguintes duas habitações e o último uma só habitação, com a superfície coberta de 182m2 e logradouro com a superfície de 448m2, de harmonia com o projeto aprovado pela Câmara Municipal de Loulé era constituído em propriedade horizontal (cfr. doc. de fls. 145/150, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
3- A qual se mostra registada através da ap. (…), de 1977.07.13 (cfr. doc. de fls. 133/134, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4- Constituindo partes comuns, além de outras, o logradouro e o terraço de cobertura (cfr. doc. de fls. 133/134, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5- Constando a respetiva composição e características de requerimento entregue na Câmara Municipal de Loulé aquando da vistoria para constituição do prédio em propriedade horizontal (cfr. doc. de fls. 151/153, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6- A fração autónoma designada pela letra "A" é constituída pela cave, destinada a garagem ou arrecadação, com a superfície coberta de 168m2, servida por uma rampa de acesso à mesma, a sul do prédio (cfr. documentos de fls. 83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7- A fração autónoma designada pela letra "B" é constituída pelo rés-do-chão direito, destinada a habitação, com a superfície coberta de 84m2, que se compõe de hall, quartos, sala comum, cozinha, zona de comer e 2 casas de banho e terraço privativo à retaguarda (cf. doc. de fls.83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8- A fração autónoma designada pela letra "e" é constituída pelo rés-do-chão esquerdo, destinada a habitação, com a superfície coberta de 72m2, que se compõe de hall, 2 quartos, sala comum, kitchenette e casa de banho e terraço privativo à retaguarda (cfr. doc. de fls. 83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9- A fração autónoma designada pela letra "D" é constituída pelo 1° andar direito, destinada a habitação, com a superfície coberta de 84m2, composta por hall, 2 quartos, sala comum, cozinha, zona de comer e 2 casas de banho e terraços privativos (cfr. doc. de fls. 83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10- A fração autónoma designada pela letra "F" é constituída pelo 2° andar direito, destinada a habitação, com a superfície coberta de 84m2, composta por hall, 2 quartos, sala comum, cozinha, zona de comer e 2 casas de banho e terraços privativos (cfr. doc. de fls. 83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11- A fração autónoma designada pela letra "H" é constituída pelo 3° andar direito, destinada a habitação, com a superfície coberta de 84m2, composta por hall, 2 quartos, sala comum, cozinha, zona de comer e 2 casas de banho e terraços privativos (cfr. doc. de fls. 83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12- Cada uma das frações autónomas A, B, C, D, F e H é distinta e isolada das restantes e tem saída própria para uma parte comum do prédio, à exceção da fração A que se destina a garagem e é servida por uma rampa de acesso à mesma a sul do prédio (cfr. doc. de fls. 83/85 e 145/150, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13- Os autores são proprietários das frações autónomas designadas pelas letras "B", "C", "D", "F" e "H" (cfr. artigo 1.º da petição, 1.º da contestação e docs. de fls. 21/28, 54/55 e 300 destes autos e docs. nºs 6, 10 e 11 juntos com a petição inicial nos autos apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14- Os réus são proprietários das frações das frações autónomas designadas pelas letras "A" e "J" (cfr. artigos 46º da petição e 5º da contestação, doc. de fls. 135/140 destes autos e docs. nºs 2 e 4 juntos com a petição inicial nos autos apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15- O logradouro é parte comum do prédio, ao qual se acede pela rampa de acesso à fração autónoma designada pela letra “A" (cfr. artigo 23.º da contestação).
16- Em assembleia geral de condóminos de 13.03.1997 foi deliberado autorizar os antepossuidores da fração autónoma designada pela letra “A" a remover o muro e terra à data existentes na parte traseira do condomínio e a posterior instalação de uma cobertura em tubo metálico coberto a fibrocimento (cfr. artigos 28.º da contestação e 14.º e 17.º da réplica e doc. de fls. 156/160, cujo teor se dá por reproduzido).
17- Os trabalhos de remoção de terras foram executados em maio de 2005 (cf. artigos 29.º da contestação e 18.º da réplica).
18- Os réus e os antepossuidores utilizam a rampa de acesso à fração autónoma designada pela letra “A" há mais de 30 anos, à vista de todos (artigos 33.º e 34.º da contestação).
19- Desde pelo menos 1997 foi colocado pelo réu (…) um portão no início da rampa de acesso que impede o acesso de estranhos ao logradouro (artigos 33.º e 36.º da contestação e 13.º da réplica).
20- O qual veda o acesso e uso pelos autores do logradouro, o qual é usado pelos réus (artigos 48.º da petição e 38.º da contestação).
21- Em assembleia de condomínio realizada em 22.01.2020 foi deliberado o acesso dos condóminos à rampa do logradouro (cfr. doc. 12 junto com a petição inicial dos autos apensos, cujo teor se dá por reproduzido).
22- Em assembleia de condomínio, realizada em 07.03.2020, foi deliberado o acesso através do portão, disponibilizando os réus as chaves ou comando do mesmo (cfr. doc. 16 junto com a petição inicial dos autos apensos, cujo teor se dá por reproduzido).”


2 – Objecto do recurso.

Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:
1.ª Questão – Saber se o espaço em causa faz parte da fracção “A” ou se é parte comum e em neste último caso se é presuntivamente comum (podendo ser objecto de uso exclusivo) ou imperativamente comum (não podendo essa natureza comum ser modificada).
2.ª Questão – Saber se – caso seja presuntivamente comum – a presunção do artigo 1421.º, n.º 2, do Código Civil é ilidível e se foi ilidida no caso concreto.


3 - Análise do recurso.

1.ª Questão – Saber se o espaço em causa faz parte da fracção “A” ou se é parte comum e em neste último caso se é presuntivamente comum (podendo ser objecto de uso exclusivo) ou imperativamente comum (não podendo essa natureza comum ser modificada).

Em reconvenção, pedem os RR (…), (…), (…) e (…) o seguinte:
a) serem [os autores] condenados a reconhecerem que os 1°s réus (…) e mulher (…) / reconvintes são titulares do uso exclusivo e fruição do logradouro que é composto pela rampa de acesso à fração autónoma designada pela letra “A" (garagem e arrumos), propriedade dos réus/reconvintes, reconhecendo-se que o logradouro é de uso exclusivo desta fração;
b) serem condenados a absterem-se de praticar quaisquer atos que prejudiquem, impeçam ou embaracem os direitos dos 1°s réus Vítor (…) e mulher (…) / reconvintes do uso exclusivo e de fruição sobre o logradouro que é composto pela rampa de acesso à fração autónoma designada pela letra “A" (garagem e arrumos)."
A sentença considerou parte comum o espaço em discussão, como parte integrante do logradouro e que ainda que não operou a sua aquisição por usucapião, julgando improcedente a reconvenção.
Discordam os recorrentes, alegando que, as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal podem ser objecto de usucapião por um dos condóminos, desde que não se trate de parte essencial às fracções autónomas do mesmo, pelo que deverá declara-se que os recorrentes adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre o espaço (acesso à garagem de uso exclusivo – rampa de acesso à via pública), sendo seus donos e legítimos possuidores, tendo ilidindo a presunção consagrada no artigo 1421.º, n.º 2, do Código Civil.
Cumpre decidir:
Nos pontos 1.º a 3.º das suas conclusões, os recorrentes criticam a sentença pedindo a sua anulação, mas fazem-no de forma totalmente genérica, sem apontarem vícios específicos e concretos, pelo que nada se impõe referir.
Avançamos desde já que concordamos com a sentença recorrida.
Vejamos porquê:
Um condomínio é um edifício com unidades ou fracções autónomas, distintas e isoladas entre si e que podem ter diferentes proprietários: os condóminos.
Cada condómino é proprietário exclusivo da sua fracção autónoma e comproprietário das partes comuns do edifício.
As partes comuns, que podem ser imperativas e presuntivas, distintamente elencadas nos números 1 e 2 do artigo 1421.º do Código Civil, estão sujeitas a regimes também eles diferenciados.
Assim nos termos do artigo 1421.º do Código Civil:
(Partes comuns do prédio)
1. São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.
2. Presumem-se ainda comuns:
a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;
b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens e outros lugares de estacionamento;
e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3 - O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.
Ou seja, as partes do prédio enunciadas taxativamente no n.º 1 são sempre comuns ainda que emitidas no título constitutivo ou neste incluídas como fazendo parte de determinada fracção autónoma. A sua natureza não pode ser modificada.
E assim é para que a própria utilização das fracções autónomas não fique prejudicada, já que a sua utilidade é fundamental como elemento essencial de toda a construção e se estende a todos os condóminos (neste sentido, José Alberto González, in Código Civil Anotado, 2011, volume IV, páginas 344 e 345).
Ou seja, são imperativamente comuns as partes que, transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revistam interesse colectivo por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio, já que, se “a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, (…) a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos do uso comum do prédio” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1987, página 420).
São elementos que constituem o esqueleto do prédio, que são parte integrante da sua ossatura, forçosamente comum pela função capital de sustentação, de cobertura ou protecção que exercem em relação a toda a construção, logo no interesse colectivo de todos os condóminos.
Com excepção das partes obrigatória ou necessariamente comuns, previstas no n.º 1, a lei permite que o título constitutivo fixe se as partes são comuns ou se se integram nalguma fracção autónoma, funcionando, no silêncio do título, uma presunção – uma presunção ilidível – de comunhão – Cfr. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Cascais, 2020, páginas 142 e 143. Diz o autor que a presunção pode ser ilidida quando existem elementos no sentido de que a parte é integrante de certa fracção autónoma.
Estão nesse caso as partes descritas no n.º 2, em que a presunção pode ser ilidida e a aquisição da propriedade pode efectivar-se através de usucapião, com a prova da posse exclusiva dessa determinada parte comum, durante um certo período de tempo – variável em função da natureza das características da posse, de boa ou má-fé, titulada ou não titulada – revelada numa intenção de agir como titular do direito e num comportamento idóneo à inversão do título da posse, isto é, à actuação com “animus possidendi”.
Analisando o caso concreto, verificamos o seguinte:
Foi dado como provado que:
“4- (De acordo com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal) Constituem partes comuns, além de outras, o logradouro e o terraço de cobertura (cfr. doc. de fls. 133/134, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6- A fração autónoma designada pela letra "A" é constituída pela cave, destinada a garagem ou arrecadação, com a superfície coberta de 168m2, servida por uma rampa de acesso à mesma, a sul do prédio (cfr. docs. de fls. 83/85, 145/150 e 179/195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)».
Os recorrentes defendem que a rampa de acesso à fracção A é uma realidade diferente da do logradouro e que não é imperativamente parte comum nos termos do n.º 1, alínea b) do artigo supra referido, mas apenas presuntivamente comum, pelo que pode e foi adquirida por usucapião.
Como caracterizar o espaço objecto da discussão nos autos (o espaço de rampa de acesso à fração "A", que os AA entendem constituir parte comum de uso de todos os condóminos, e os RR como parte de uso exclusivo daquela fracção autónoma)?
Em primeiro lugar, cremos que não resulta dos factos que a “rampa“ faça parte integrante da fracção dos RR, estando afectada ao seu uso exclusivo.
Isso não resulta de forma expressa do título constitutivo da propriedade horizontal.
E como observa Sandra Passinhas (in Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, página 44), “uma simples afetação de facto (“afetação ao uso exclusivo de um dos condóminos”) nunca atribuiria um direito de propriedade. A exclusão de alguma das partes do edifício que se presumem comuns, do rol de coisas comuns, incide sobre a constituição ou modificação de um direito real sobre um imóvel, devendo resultar ad substantium da escritura”.
E como refere o Acórdão do STJ de 22.01.2004, proferido no processo n.º 03B3615 (relator: Araújo de Barros): “O que releva para efeito de … serem partes comuns do edifício não é o seu efectivo ou permanente uso ou utilização para passagem por dois ou mais condóminos, antes será a simples potencialidade ou possibilidade de tais uso ou passagem, situação que naturalmente se presume face às regras de experiência”, pelo que não colhe o argumento dos recorrentes de que “as demais frações do referido prédio não têm acesso pela rampa de acesso à fração “A”.
Por outro lado, ao contrário do que defendem os recorrentes, a rampa integra o logradouro, pois não é do mesmo naturalisticamente distinta, antes se integrando materialmente no mesmo.
Por sua vez, o logradouro está descrito no título constitutivo de propriedade horizontal como parte comum dos condóminos.
Donde, o logradouro e a “rampa” em causa são parte comum.
E será que se deve considerar a mesma como parte imperativamente comum, uma vez que é subsumível a uma realidade material e funcional que é o logradouro (solo)?
A lei não define o que é logradouro.
Para Sandra Passinhas (in Ob. cit., página 38), o logradouro de um prédio mais não é senão o «terreno não edificado que circunda o prédio, podendo servir fins diversos: estacionamento, delimitação do prédio, entrada, base de edificações secundárias, entre outros" (…) o artigo 1421.º, n.º 2, alínea a), do CC trata os pátios e jardins anexos aos edifícios como partes presuntivamente comuns. Na certeza, porém, que quer neste, quer no n.º 1, onde se enumeram as partes comuns os elementos estruturais do edifício – não se indica o logradouro».
Alguma jurisprudência entende que os logradouros são presuntivamente comuns (integrando-se assim no artigo 1421.º, n.º 2, alínea a), do CC), outra defende que os logradouros são imperativamente comuns (cabendo no artigo 1421.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil).
Defendemos que os logradouros são imperativamente comuns (cabendo no artigo 1421.º, n.º 1, alínea a), do CC), como defendem Pires Lima e Antunes Varela – Ob. cit., vol. III, anotação ao artigo 1421.º, página 420 e Sandra Passinhas, Ob. cit., página 38, onde se lê o seguinte: «(…) pelos argumentos que passamos a transcrever. Por um lado, não podemos desconsiderar o artigo 204.º, n.º 2, nos termos do qual se entende por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. Por outro lado, o logradouro pode não ser um pátio ou jardim, mas corresponder a algo completamente diferente – pense-se num terreno acimentado ou num areal coberto ou não com gravilha. Por fim, se o legislador quisesse abranger na alínea a) do n.º 2 do artigo 1421.º o logradouro, tê-lo-ia referido expressamente, não usado a prolixa fórmula “pátios e jardins”. O ac. da relação de lisboa de 23 de Abril de 1996, in CJ, II, pág. 115 e ss. decidiu por uma solução ecléctica, que, no entanto, acaba por subscrever esta posição, com a seguinte fundamentação: “… o prédio urbano é uma realidade composta por um elemento natural, um pedaço de terreno denominado solo e por um edifício nele construído total ou parcialmente. Se a construção ocupar parcialmente o terreno ou solo, restará uma outra parte não coberta que se denomina logradouro, daí que se afirme que o logradouro faz parte do solo, segundo a nomenclatura do artigo 204.º, n.º 2».
Também é este o nosso entendimento (só quando o logradouro assuma a forma de pátio ou jardim anexo ao edifício será apenas presuntivamente comum).
Com efeito, nos termos do artigo 204.º, n.º 2, in fine, do Código Civil, “entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”.
Ora, a rampa é materialmente/naturalisticamente identificável com o logradouro e o logradouro é uma estrutura exterior que rodeia o edifício permitindo o seu acesso, pelo que nosso entender, traduz um instrumento de uso comum, desempenhando uma função colectiva relativamente à qual se exige a afectação ao gozo de todos os condóminos, logo, necessariamente comum, por ser reconduzível a qualquer das partes enumeradas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil.
Não se vislumbra qualquer argumento para não integrar a “rampa” em causa no “logradouro” do prédio, considerando o título constitutivo da propriedade horizontal do edifício em causa, pois constitui área descoberta e não faz parte integrante daquela fracção autónoma (nem de qualquer outra), evidenciando integrar-se naturalisticamente no espaço de logradouro existente.
Note-se que na escritura consta que a fracção é “servida por uma rampa de acesso à mesma” e não que a integra, o que é totalmente diferente.
Por outro lado, o facto de “servir” o acesso a uma fracção não significa um uso em exclusividade.
Como refere a sentença recorrida, nem outra coisa faria sentido considerando que o título constitutivo faz referência a um logradouro com área de 448m2, não autonomizando qualquer área de rampa, nem refere que a mesma é de uso exclusivo daquela fracção, pelo que não têm razão os recorrentes ao afirmar que “O acesso à fração ‘A’ de acesso privado tem uma destinação objetiva e afetação material em exclusivo para esta fração”.
Em suma:
A “rampa” faz parte do “logradouro”, que é imperativamente comum, sendo que por isso a sua natureza não pode ser modificada, conclusão que prejudica a análise da 2.ª questão.
Mostra-se, assim, infundado o recurso.

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 13.01.2022
Elisabete Valente
Cristina Dá Mesquita
José António Moita