Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1588/19.8 T8BJA-E.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PRAZO
FACTO JURÍDICO SUPERVENIENTE
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Nos termos do n.º 2 do artigo 728.º do CPC, no caso de a matéria da oposição ser superveniente, o prazo de 20 dias de que o executado dispõe para deduzir embargos conta-se a partir da data em que ocorra o respectivo facto (superveniência objectiva) ou dele tenha conhecimento o executado (superveniência subjectiva).
II. A superveniência que importa é aquela que respeita aos factos que integram a previsão dos fundamentos da oposição, e não à prova dessa matéria factual.
III. Importa não confundir superveniência com a tempestividade da arguição: o facto superveniente tem, ainda assim, que ser invocado pelo executado nos prazos prescritos no n.º 2 do artigo 728.º, sob pena de não poder ser considerado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo 1588/19.8 T8BJA-E.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Juiz 4


I. Relatório
Por apenso aos autos de execução para cobrança da quantia de € 82.113,00 e juros vincendos sobre o montante de € 78.979,82, que lhe é movida por (…) e (…), veio a executada (…), invocando superveniência da matéria/documento que juntou, deduzir embargos, alegando que a dívida é inexigível, uma vez que apresentou junto do Tribunal de Liverpool, Reino Unido, do qual promana a decisão condenatória exequenda, pedido de pagamento da quantia de € 78.979,82 em prestações, o qual veio a ser deferido no dia 2 de Julho de 2019.
A decisão proferida por tribunal estrangeiro no sentido do deferimento do pagamento em prestações transitou em julgado, pelo que se verifica excepção do caso julgado, obstando a que a execução prossiga.
Acresce que a embargante vem cumprindo com a decisão judicial, vindo a proceder mensalmente à entrega da quantia de 100 libras esterlinas, conforme o determinado, o que se mostra comprovado pelo doc. emitido em 20 de Outubro de 2021 pela (…), que representou os embargados no aludido processo, pagamento parcial que é causa extintiva da obrigação exequenda.
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Por despacho proferido em 29/11/2021 (Ref.ª 32251194) foram os embargos recebidos apenas na parte que respeita aos pagamentos alegadamente realizados pela embargante nos 20 dias anteriores à entrada em juízo da petição, tendo sido rejeitados quanto ao mais, com fundamento em extemporaneidade.

Inconformada, apelou a embargante e, tendo desenvolvido na alegação apresentada os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“A. Pese embora o Despacho recorrido indefira liminarmente os embargos de executado por considerar que foram deduzidos fora do prazo, tal entendimento não pode, muito respeitosamente, ser admitido, porquanto, salvo melhor opinião, o Douto Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação das disposições legais aplicáveis ao caso sub judice.
B. No referido despacho, o Tribunal considerou que dos factos apresentados e comprovados nos embargos resultantes do documento apresentado se podia retirar um efeito superveniente.
C. Nesse sentido, não se compreende como é que não se pode aceitar os embargos relativamente à totalidade dos factos invocados nos referidos embargos.
D. Nestes termos, estando verificados os pressupostos do artigo 728.º, n.º 2, do CPC, devem os referidos embargos ser recebidos e julgados.
E. Com a junção do documento de 28.10.2021, a executada pretende demonstrar que tem cumprido e tem pago aos exequentes a dívida exequenda e, assim, obter a extinção da execução.
F. A executada obteve um documento datado de Outubro de 2021, emitido por (…), Advogados que, em representação dos executados, terão acompanhado o processo cuja decisão foi dada à execução.
G. O documento em causa consubstancia uma declaração que atesta que as prestações mensais a que a executada estava obrigada se encontram a ser devidamente cumpridas.
H. O pagamento é o facto que a executada alega e pretende demonstrar, enquanto o documento em causa é o meio probatório pelo qual a mesma visa demonstrar a realidade extintiva do direito do credor exequente.
I. Sendo certo que, ao abrigo da decisão dada à execução, o tribunal estrangeiro determinou que a quantia em dívida fosse paga em prestações, pelo que a obrigação de pagamento cujo cumprimento coercivo se pretende obter na execução não é sequer exigível.
J. Ainda que assim se não entenda, é de elementar justiça deduzir à quantia exequenda o valor das prestações mensais pagas pela executada”.
Com os aludidos fundamentos requereu a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que receba os embargos ou, quando assim não for entendido, sempre deverá o Tribunal considerar os pagamentos realizados pela executada e ordenar a respectiva redução da quantia exequenda que, reitera, “não é exigível, nem a obrigação se encontra vencida”.
Notificados os exequentes/embargados para os termos do recurso e da oposição deduzida, não contra-alegaram.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pela apelante:
i. deverão os presentes embargos ser recebidos, dada a superveniência dos factos alegados;
ii. deverá ser determinada a redução da quantia exequenda na medida da totalidade dos pagamentos efectuados pela embargante.
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II. Fundamentação
De facto
À decisão a proferir importam os factos relatados em I. e ainda os seguintes:
1. A execução a que estes autos se encontram apensos deu entrada em juízo em 5 de Novembro de 2019.
2. Tendo sido citada para os termos da execução por carta registada recepcionada pela própria em 28/1/2020, a executada apresentou embargos em 24/2/2020 (Ref.ª 34967454).
3. Nos embargos então deduzidos a executada invocou a inexigibilidade da quantia exequenda, com fundamento na decisão do Tribunal de Liverpool datada de 2 de Julho de 2019 que, apreciando requerimento por si apresentado no sentido de lhe ser permitido o pagamento em prestações da quantia global de £ 64.248,90 ou € 76.753,19 em que fora condenada, ordenou que tal pagamento fosse efectuado em prestações mensais de £ 100 cada, donde não ser exigível a totalidade da dívida.
Mais alegou que até à data cumprira com os pagamentos prestacionais, pagamento parcial que invocou como fundamento da extinção parcial da obrigação exequenda.
4. Por despacho datado de 22 de Junho de 2020 (Ref.ª 31128553), transitado, foram os embargos então deduzidos liminarmente indeferidos com fundamento em intempestividade.
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De Direito
Da tempestividade dos presentes embargos
A executada veio – pela segunda vez – deduzir embargos à presente execução com fundamento em facto posterior extintivo da execução. Tal facto, esclareceu, seria o documento emitido em 28 de Outubro de 2021, contendo declaração emitida por sociedade de advogados que representara os embargados no âmbito do processo em que fora proferida a sentença condenatória atestando o recebimento das prestações, pagas em conformidade com o determinado pelo Tribunal de Liverpool na decisão proferida em 2 de Julho de 2019 a que se alude no ponto 3.
Face ao indeferimento parcial dos embargos com fundamento na sua extemporaneidade defende a embargante nesta via de recurso que se trata de factos supervenientes, demonstrados pelo documento junto, pugnando pelo seu recebimento integral.
Não tem, porém, razão, o que se antecipa.
A oposição do executado “visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva”[1].
Nos termos do artigo 728.º do CPC, o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação (vide n.º 1). Mas logo o n.º 2 prevê que no caso da matéria da oposição ser superveniente, o prazo – de 20 dias – conta-se a partir da data em que ocorra o respectivo facto (superveniência objectiva) ou dele tenha conhecimento o executado (superveniência subjectiva).
Ocupando-se dos fundamentos de oposição à execução quando, como é aqui o caso, se funda em sentença, prevê a al. g) que possa ser invocado “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento”.
À luz da transcrita alínea g), afigura-se que não suscita controvérsia a consideração de que a decisão emitida pelo Tribunal de Liverpool em 2 de Julho de 2019, sendo posterior à sentença exequenda, introduziu um efeito modificativo na obrigação exequenda, designadamente ao nível da exigibilidade. Todavia, a verdade é que a embargante, tendo conhecimento do facto – objectivamente superveniente – em data anterior à entrada em juízo dos autos de execução, deduziu os primeiros embargos fora do prazo legal, fundamento do indeferimento liminar de que foram então objecto por decisão há muito transitada em julgado.
A embargante alegou agora os mesmos factos, sustentando a sua superveniência no documento emitido pela sociedade de advogados que representou os aqui recorridos no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Liverpool e que assevera o pagamento das prestações fixadas. Mas como com acerto se faz notar na decisão recorrida, importa não confundir o facto com o meio de prova, e só o documento é novo.
Com efeito, a superveniência que importa é aquela que respeita aos factos que integram a previsão dos fundamentos da oposição, e não à prova dessa matéria factual, começando o prazo a correr, consoante os casos, a partir do momento em que se tenha verificado o facto que serve de fundamento à oposição à execução (superveniência objectiva) ou em que o executado dele -facto- teve conhecimento (superveniência subjectiva).
Conforme com clareza se esclarece na decisão recorrida, recorrendo à lição do Prof. Rui Pinto[2] sobre a melhor interpretação do fundamento de embargos previsto no artigo 729.º, alínea g), do CPC, com aplicação também no caso da sua invocação superveniente nos termos do n.º 2 do artigo 728.º citado, “a alínea g) do artigo 729.º serve para o executado apresentar um documento atinente a factos objetivamente novos”. E há que não confundir superveniência com a tempestividade da arguição: o facto superveniente tem, ainda assim, que ser invocado pelo executado nos prazos prescritos no n.º 2 do artigo 728.º, sob pena de não poder ser considerado.
Aplicando quanto vem de se dizer ao caso dos autos, verifica-se que, como impressivamente se escreveu na sentença recorrida, o documento junto é novo mas refere-se a factos velhos: exceptuando o pagamento efectuado nos 20 dias anteriores à dedução de embargos, a exequente há muito tinha conhecimento da decisão do tribunal de Liverpool que deferiu o pagamento em prestações mensais e fixou o seu montante, como há muito tinha conhecimento dos pagamentos efctuados em cumprimento do assim determinado – prova evidente disso mesmo é a sua alegação nos embargos primitivamente deduzidos.
Claro que se pode questionar a conduta dos exequentes que, conhecedores da referida decisão do tribunal de Liverpool, vieram instaurar a acção executiva dando à execução a sentença e sem darem conhecimento nos autos do recebimento das quantias em causa[3]. No entanto, o ónus da dedução tempestiva dos embargos recaía obviamente sobre a executada, suportando as consequências do respectivo incumprimento.
Improcedentes os fundamentos do recurso, impõe-se a confirmação da decisão recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas na presente instância de recurso, atendendo a que os embargados não contra-alegaram e não existem encargos a considerar.
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Sumário: (…)
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Évora, 09 de Junho de 2022
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Prof. Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª ed., pág. 195.
[2] “A acção executiva”, 2020, AAFDL Editora, págs. 394 e 395, pontos 3 e 4.
[3] Nada obstando, porém, a nosso ver, que dando a executada conhecimento nos autos principais de tais pagamentos, quando não impugnados pelos exequentes, os mesmos venham a ser aí considerados, com a consequente redução da quantia exequenda.