Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3634/19.6T8LLE-A.E2
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Nos termos da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, estão sujeitos a uma prescrição de 5 anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
2 - O exercício pelo credor da faculdade de exigir, em caso de incumprimento por parte do mutuário, o pagamento da totalidade da dívida não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 3634/19.6T8LLE-A.E2
(2.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) STC, SA, exequente na ação executiva para pagamento de quantia certa que moveu contra (…) e (…), interpôs recurso do saneador-sentença proferido pelo Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro no âmbito do apenso de embargos de executado que foram deduzidos pelo Ministério Público em representação dos executados, no qual aquele tribunal julgou procedentes os embargos e, consequentemente, declarou extinta a ação executiva.

Na ação principal a (…), SA reclamou o pagamento da quantia de € 13.706,14, sendo € 10.433,68 a título de capital e € 3.272,46 a título de juros de mora vencidos calculados sobre o capital em dívida, à taxa de 4%, bem como de juros de mora vincendos, tendo apresentado como título executivo um contrato de mútuo bancário outorgado em 12.05.2008 entre os executados e a Caixa (…) Bancária, SA, nos termos do qual a segunda entregou aos primeiros a quantia de € 16.835,59, que estes se comprometeram a reembolsar em 96 prestações mensais, constantes e sucessivas.
Alegou a exequente que os mutuários deixaram de pagar as prestações a que se vincularam, em 13.02.2012, tendo nessa altura ficado em dívida o capital de € 10.433,68 e que os créditos emergentes daquele contrato foram objeto de sucessivas cessões de créditos, a última das quais à exequente.
O Ministério Público, em representação dos executados, deduziu embargos de executado, nos quais alegou que as quotas de amortização do capital pagáveis com juros prescrevem no prazo de 5 anos, bem como os juros convencionais ou legais, e que a execução foi instaurada em 19.12.2019, pelo que deverá julgar-se extinta a execução.
O tribunal de primeira instância admitiu liminarmente os embargos e ordenou a notificação da embargada, a qual veio apresentar a respetiva contestação, na qual alegou que em virtude do incumprimento o contrato de mútuo foi resolvido em 13.02.2012 e que o valor peticionado nos autos é o valor global do mútuo, sendo-lhe aplicável o prazo ordinário de 20 anos, o qual ainda não decorreu.
Mediante despacho proferido em 13.12.2021, o tribunal de primeira instância dispensou a realização de audiência prévia, por considerar que «a audiência prévia se destinaria apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil e porque as questões já se mostram debatidas nos articulados» e, no mesmo despacho, conheceu da exceção de prescrição invocada e, julgando-a procedente, declarou procedentes os embargos e extinta a ação executiva.
Interposto recurso do referido despacho, este Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 24 de março de 2022, anulou a decisão recorrida e determinou que os autos voltassem ao tribunal de primeira instância para que este possibilitasse às partes a discussão de facto e de direito antes da prolação da decisão final.
Em cumprimento do ordenado pelo tribunal de segunda instância o tribunal de primeira instância designou data para a realização de audiência prévia, que se realizou com a presença do mandatário da exequente e do Ministério Público e, após, proferiu a decisão objeto do presente recurso.

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Os embargantes invocaram a prescrição do crédito exequendo, atento o disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
2. Pelo que nos cumpre debruçar sobre a natureza jurídica da obrigação contratual do mútuo com prestações periódicas.
3. É oportuno relembrar que nos contratos, o prazo, tempo de realização da prestação, constitui elemento essencial, e que por seu turno, na determinação do tempo de cumprimento da obrigação, há que distinguir a vertente do tempo da prestação, daquela outra, que diz respeito ao tempo da exigibilidade da prestação.
4. E assim sendo, acolhendo o funcionamento da prescrição quinquenal no que respeita à extinção de cada uma das prestações vencidas, ter-se-á de ter em conta, porém, que, em caso de incumprimento, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e, nessa medida, os valores em dívida retomam a sua natureza original de capital (e juros), ficando o capital global sujeito ao prazo ordinário de 20 (vinte) anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
5. É este o entendimento presente na nossa Doutrina mais ilustre, vide Prof. Dr. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I- Parte Geral, Tomo IV, 2005, págs. 175 a 176.
6. E, bem assim, acompanhado pela nossa Jurisprudência, vide Ac. proferido no Processo n.º 638/19.2T8SNT-A.L1, de 13.10.2020, sendo Relatora Conceição Saavedra e 1.ª Adjunta Cristina Coelho, do Tribunal da Relação de Lisboa.
7. Acolhendo a posição dominante na nossa Doutrina e Jurisprudência, entendemos que, na sequência da revogação por incumprimento e vencimento antecipado com a interpelação do devedor para o seu pagamento, a dívida total passa a assumir a natureza de obrigação única, sujeita ao prazo ordinário de prescrição estabelecido no artigo 309.º do Código Civil.
8. A ora Recorrente procedeu à interpelação dos Recorridos, solicitando a regularização do incumprimento, a fim de não ser forçada a ter que proceder à execução judicial da dívida.
9. Tudo, sem prejuízo de todas as demais tentativas de contacto, telefónicas e por escrito realizadas.
10. Não obstante, considerar-se aplicável o prazo prescricional de 20 (vinte) anos, a interrupção da prescrição sempre teria operado através das cartas remetidas aos Embargantes, ora juntas.
11. O não pagamento pontual de uma prestação implicou o imediato vencimento das restantes, pelo que, tratando-se de uma obrigação única com prestações fracionadas, o prazo de prescrição quanto ao capital é de 20 anos, nos termos previstos no artigo 309.º do Código Civil.
12. O facto de se vencer uma prestação não paga e se vencerem todas as posteriores não releva para a sua prescrição, porquanto esta respeita a cada uma das prestações e não ao todo da dívida, ou seja, assim que os executados deixaram de pagar as prestações (de amortização do capital pagável com juros), a prescrição não pode pôr-se em relação às “quotas em dívida” como um todo, mas em relação a cada uma delas.
13. Termos em que, estando a dívida vencida, consideram-se vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, pelo que os valores em divida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
14. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/16/2017 (Processo n.º 589/15.0T8VNF-A.G1) disponível para consulta na base de dados da DGSI.
15. Face ao exposto, porque existem documentos e matéria de facto alegada assente, por não oposição, nos quais constam factos que não foram atendidos, nem relevados, pelo Meritíssimo Juiz a quo na decisão, entendemos, com todo o respeito, haver manifesto erro de julgamento e de apreciação do direito aplicável; impugnando-se, assim, a decisão proferida.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por uma outra que determine a improcedência da exceção perentória da prescrição, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até final.
Assim se fará JUSTIÇA!».
I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.
A única questão que importa decidir consiste em saber se ao crédito exequendo se aplica o prazo de prescrição ordinária de 20 anos (como defende a apelante) ou o prazo quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código civil (como entendeu o tribunal recorrido).
II.3.
FACTOS
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
«1º-Por contrato de cessão de carteira de créditos, outorgado em 27.12.2018, a Caixa (…) Bancária, S.A. cedeu à (…) os créditos decorrentes da operação n.º (…), bem como todas as garantias a eles inerentes;
2º-Posteriormente, a 12.04.2019, a (…) cedeu à (…) STC, SA, os créditos acima identificados, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos e respetivo anexo com identificação da operação n.º (…).
3º-A Caixa (…) Bancária, S.A., no exercício da sua atividade bancária, celebrou, em 12.05.2008, a pedido dos executados (…) e (…), um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o n.º (…), e que corresponde à operação n.º (…), mediante o qual aquele mutuou o montante de € 16.835,59;
4º-No âmbito do aludido contrato, os referidos mutuários comprometeram-se a reembolsar a quantia mutuada em 96 prestações mensais, constantes e sucessivas, nos termos do disposto nas Condições Particulares do contrato de mútuo junto com o requerimento executivo como documento n.º 3.
5º-Em 13.02.2012, os mutuários deixaram de efetuar os pagamentos a que estavam obrigados, ficando nessa data em dívida o valor de € 10.433,68, a título de capital.
6º-A execução de que estes autos constituem apenso, foi instaurada em 19/12/2019.
7º-No requerimento executivo é liquidada a quantia exequenda no valor de € 10.433,68, a título de capital, acrescido de juros moratórios à taxa legal de 4%, desde a data do incumprimento (13.02.2012), até à data de entrada do requerimento executivo, perfazendo o valor de € 3.272,46, a que acrescerão juros vincendos.».
II.4.
Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa o saneador-sentença proferido pelo tribunal de primeira instância que, tendo julgado verificada a exceção de prescrição prevista no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil e que havia sido invocada pelo Ministério Público em representação dos executados, julgou procedentes os embargos de executado e declarou extinta a ação executiva.
O julgador a quo considerou que «a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos de prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC e que, no caso vertente, decorre da matéria de facto provada que a obrigação de restituição da quantia emprestada resultante do celebrado contrato de mútuo com fiança foi fracionada em 480 prestações mensais que incluíam capital e juros remuneratórios a pagar no prazo de 40 anos, prestações pré-determinadas e sujeitas a revisão periódica (semestral) em função da taxa Euribor, materialidade que se enquadra no âmbito do disposto na alínea e) do artigo 310.º do CC, sendo pois aplicável o prazo de prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pelo embargado.
A recorrente discorda, defendendo que, em caso de incumprimento, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e, nessa medida, os valores em dívida retomam a sua natureza original de capital (e juros), ficando o capital global sujeito ao prazo ordinário de 20 (vinte) anos, previsto no artigo 309.º do CC. Acrescenta que procedeu à interpelação dos Recorridos, solicitando a regularização do incumprimento, a fim de não ser forçada a ter que proceder à execução judicial da dívida, pelo que ainda que se considere aplicável o prazo prescricional de 20 (vinte) anos, a interrupção da prescrição sempre teria operado através das cartas remetidas aos Embargantes e que juntou aos autos.
Quid juris?
A prescrição concede ao seu beneficiário a faculdade de recusar, legitimamente, a realização da prestação devida, em virtude do decurso de um certo lapso de tempo (artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil). Trata-se de um instituto que visa, essencialmente, tutelar o interesse do devedor, o qual iria ter, com o avançar do tempo, uma dificuldade cada vez maior em fazer prova do(s) pagamento(s) que haja efetuado.
O instituto em causa visa a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a proteção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhe assistem porque a paz social não se compadece com a inércia para lá dos limites temporais impostos pelo legislador – assim, Ac. STJ de 19.06.2012, processo n.º 4944/08.3TBGDM.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil o prazo prescricional inicia-se quando o direito a que está sujeito esse prazo possa ser exercido. Isto é, «quando o direito estiver em condições objetivas de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, fórmula que não pode ser assimilada, sem mais, ao momento da constituição do crédito. (…) Impõe-se, assim, atender à natureza e ao tipo de obrigação (…)»vide Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, página 63.
Em síntese, o prazo de prescrição inicia-se quando a obrigação é exigível, isto é, quando deva ser cumprida imediata e incondicionalmente pelo devedor.
Nos termos do artigo 323.º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito.
A par do prazo prescricional ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, a lei estabelece prazos de curta duração, designadamente um prazo prescricional de cinco anos para as situações que se mostram elencadas no artigo 310.º do Código Civil.
Sobre a ratio dos prazos de curta duração previstos naquele normativo legal, afirma Ana Filipa Morais Antunes[1] que aquela «reside na ideia de evitar a ruína do devedor pela acumulação de pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas». Ou seja, a existência dos referidos prazos visa evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, o que poderia revelar-se extremamente penoso para o devedor.
Para o que ora releva, importa chamar à colação a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, de acordo com o qual estão sujeitos a uma prescrição de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
Explicando o regime consagrado na referida alínea e) do artigo 310.º do CC, escreveu-se no acórdão do STJ de 29.09.2016, processo n.º 201/13.1TBMIR.C1.S1, relator Lopes do Rego[2], que «no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fracionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado artigo 310.º, já que – por explícita opção legislativa – esta situação foi equiparada à das típicas prestações periódicas renováveis, ao considerar a citada alínea e) que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelar ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para a amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º» (negritos nossos).
Voltando ao caso em apreço, a recorrente não põe em causa que o contrato em causa nos autos configura-se como um contrato de mútuo o qual foi outorgado entre a Caixa (…) Bancária, SA, no exercício da sua atividade bancária, e os executados, através do qual a primeira entregou aos segundos, a pedido deles, o montante de € 16.835,59 e que os executados, na qualidade de mutuários, se obrigaram a reembolsar aquela quantia em 96 prestações mensais, constantes e sucessivas, as quais compreendiam capital e juros remuneratórios.
Está provado que, em 13.02.2012, os mutuários deixaram de efetuar os pagamentos a que estavam obrigados, ficando nessa data em dívida o valor de € 10.433,68, a título de capital.
Alegando o incumprimento pelos executados daqueles pagamentos desde 13.02.2012, a exequente/apelante requereu na presente ação executiva que o pagamento coercivo do valor do capital em dívida – que computou em € 10.433,68 – acrescido de juros de mora vencidos desde a data do incumprimento, e vincendos, até integral pagamento.
Quando a obrigação se encontra sujeita a um prazo, aquela é inexigível durante a pendência do prazo, ou seja, o credor não pode reclamar a realização da prestação porquanto o prazo concedido ao devedor é, justamente, o lapso de tempo que ele dispõe para cumprir. Não obstante, durante aquele lapso de tempo podem sobrevir circunstâncias que conduzam à perda, pelo devedor, do benefício do prazo. É precisamente o caso previsto no artigo 781.º do Código Civil: quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas, importa o vencimento de todas (a menos que as partes hajam convencionado coisa diversa). Ou seja, com a falta de pagamento de uma das prestações de uma dívida pagável em prestações, ocorre um vencimento antecipado das restantes, o que significa que o credor pode exigir, a todo o tempo, o seu cumprimento (daquelas cujo prazo ainda se não tenha vencido).
Note-se que o vencimento imediato de todas as prestações que ainda não se tenham vencido só funciona relativamente à parte que corresponde à amortização do capital, uma vez que não é possível exigir o pagamento de juros remuneratórios relativos a períodos que não correspondam a uma disponibilidade do capital a que respeitam – vd. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2009, de 05.05.2009.
Diz-nos a melhor doutrina[3] que este benefício que a lei concede ao credor não dispensa a interpelação do devedor para que realize todas as prestações restantes, interpelação que mais não é que a manifestação de vontade do credor de aproveitar o benefício que a lei lhe concede.
O artigo 781.º do Código Civil é uma norma supletiva.
De todo o modo, resulta do contrato de mútuo junto aos autos que ali ficou estipulado que em caso de incumprimento contratual por parte dos mutuários de qualquer obrigação para eles emergente do contrato a mutuante poderia proceder à resolução do contrato e proceder ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da dívida[4] [5].
No caso a instauração da presente ação executiva na qual se reclama o pagamento do capital remanescente (e de juros moratórios vencidos e vincendos) significa que a apelante / exequente considerou vencidas as restantes prestações em que as partes haviam fracionado o montante global que foi mutuado.
Todavia, o exercício pelo credor da faculdade de exigir, em caso de incumprimento por parte do mutuário, o pagamento da totalidade da dívida – o que, repete-se, a exequente fez através da instauração da presente ação executiva – não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça mediante acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, publicado no DR n.º 184, Iª Série, de 22 de setembro de 2022, veio firmar a seguinte jurisprudência: «I. No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».
A apelante veio ainda defender que, em todo o caso, procedeu à interpelação dos recorridos solicitando a regularização do incumprimento a fim de não ser forçada a ter que proceder à execução judicial da dívida e que através de tais cartas que remeteu aos executados ter-se-ia operado a interrupção da prescrição.
Previamente se dirá que no seu requerimento executivo a exequente não alegou que depois de os requeridos terem faltado ao pagamento da prestação que se venceu no dia 13.02.2012, aquela levou ao conhecimento dos requeridos a sua intenção de exigir o pagamento de todo o valor em dívida. Tão pouco consta do elenco dos factos provados que a exequente haja procedido, através de cartas dirigidas aos executados, à interpelação destes últimos para que procedessem «à regularização do incumprimento» e se a apelante pretendia impugnar a decisão de facto não cumpriu os ónus que constam do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, temos de considerar que a necessária interpelação dos mutuários para que pagassem a sua dívida (a totalidade do capital em dívida e dos juros moratórios vencidos e vincendos) ocorreu apenas com a citação dos executados na presente ação (e na sequência da qual vieram a ser deduzidos os presentes embargos).
Estando provado que o incumprimento ocorreu em 13.02.2012 e que a presente ação executiva só foi instaurada em 19/12/2019, teremos de concluir que o prazo de prescrição de cinco anos – que é o aplicável à situação dos autos – mostrava-se já largamente ultrapassado quando a ação executiva foi proposta e, por conseguinte, também quando os executados foram citados no âmbito da ação executiva.
Assim sendo, não merece censura a decisão recorrida que, por isso, se manterá.

Sumário: (…)



III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
As custas devidas perante a primeira instância são da responsabilidade da recorrente.
Notifique.
DN.
Évora, 10 de novembro de 2022
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Rui Machado Moura (2.º Adjunto)

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[1] Ob. cit. pág. 79.
[2] Consultável em www.dgsi.pt., como todos os demais doravante referidos.
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 51 e ss., Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º Volume, 1987, Reimpressão AAFDL, pág. 193, e, ainda, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2018, págs. 1017-1018.
[4] A cláusula 15.ª do contrato tem o seguinte teor:
«Incumprimento e Antecipação do Vencimento
15.1. Em caso de incumprimento contratual por parte do(s) cliente(s) de qualquer obrigação emergente do presente contrato, a Caixa poderá proceder à resolução imediata do mesmo e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da dívida.»
[5] Estamos, pois, perante aquilo a que se chama de “cláusula resolutiva expressa” (artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil), também designada “cláusula comissória ou de caducidade”, tratando-se de uma cláusula pela qual uma das partes reserva para si o direito de resolver o contrato se a outra parte não cumprir ou não cumprir em tempo as obrigações decorrentes do mesmo contrato, afastando-se, assim, o regime legal constante do artigo 808.º do Código Civil para o qual a mora não basta, só por si só, para se considerar para todos os efeitos não cumprida a obrigação – assim, Ac. RE de 03.2022, processo n.º 42244/19.0T8YIPRT.E2, relatora Florbela Lança.