Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
141/18.8PATNV.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
DOLO
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Para que haja dolo no crime de consumo de estupefaciente não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de pureza do estupefaciente, taxa essa cuja quantificação é desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença, bastando o conhecimento da ilicitude da detenção do produto porquanto integrado nas tabelas anexas ao D.L. 15/93 de 22/1 e em quantidade que torne o ilícito criminal possível.

2 - A quantidade média individual relevante para a integração penal não é a efectiva e concretamente transportada/consumida pelo arguido, sim as quantidades indicadas como máximo no Mapa Anexo à Portaria nº 94/96 de 26/3 em função da natureza do produto.

3 - De acordo com esse Mapa relevam tanto o princípio ativo (a substância produtora dos efeitos do estupefaciente) como a sua concentração (a percentagem daquele por unidade de volume) e, assim, o conceito de “consumo médio individual diário” é um conceito dependente do grau de concentração do produto estupefaciente e “no crime de consumo de estupefacientes é indispensável saber qual o grau de pureza do produto ou, por outras palavras, o grau de concentração do princípio ativo nele existente”.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Central Criminal, J4 - correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual são arguidos:

(…), melhor identificado nos autos, a quem foi imputada a prática de um crime de tráfico de produto estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º/1, 24.º, al. h) do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C, à Portaria n.º 94/96, de 26-03 e ao artigo 2.º/2 do DL n.º 30/2000, de 29-11, punível como reincidente, nos termos do disposto no artigo 75.º do Código Penal;

(…), melhor identificado nos autos, a quem foi imputada a prática de um crime de tráfico de produto estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º/1, 24.º, al. h) do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C, à Portaria n.º 94/96, de 26-03 e ao artigo 2.º/2 do DL n.º 30/2000, de 29-11.


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O tribunal recorrido veio, por sentença de 15 de Julho de 2020, a:

1. Absolver os arguidos (…), melhor identificados nos autos, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º/1, 24.º, al. h) do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C, à Portaria n.º 94/96, de 26-03 e ao artigo 2.º/2 do DL n.º 30/2000, de 29-11;

2. Convolar o referido crime num crime de consumo de produto estupefaciente, p. e p. pelo artigo 40.º/2 do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C anexa e ao mapa a que se refere o artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26-03.

3. Condenar o arguido (…)pela prática de um crime de consumo de produto estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40.º/2 do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C anexa e ao mapa a que se refere o artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26-03, punível como reincidente, nos termos do artigo 75.º do Código Penal, na pena de prisão de 6 (seis) meses.

4. Condenar o arguido (…)pela prática de um crime de consumo de produto estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40.º/2 do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C anexa e ao mapa a que se refere o artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26-03, na pena de prisão de 7 (sete) meses.

5. Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido - artigo 109.º/1 do CP e artigos 35.º/1 e 2 e 39.º/2, do DL n.º 15/93, de 22-01.

6. Determinar que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos ao TIR prestado até extinção da pena respectivamente aplicada – artigo 214.º/1, e) do CPP.

7. Condenar os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 3 (três) UCs – artigo 513.º/1 do CPP.


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Inconformado interpôs recurso o arguido (...), concluindo:

.(...), melhor identificado nos autos e neles Arguido, não concordando com o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém no âmbito dos presentes autos no passado dia 15 de julho de 2020, com a ref. 834645562, vem dele interpor recurso, em a MATÉRIA DE FACTO e de DIREITO.2.PONTOS DE FACTO QUE A RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS (art. 412º., nº. 3, al. a), do CPP): Ponto 7 e 9 dos factos provados. 3.PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art. 412º., nº. 3, al. b), do CPP):

A) As declarações do recorrente em sede de julgamento quanto aos seus consumos, à sua problemática de toxicodependência e quanto ao período para o qual as 14 doses de haxixe que lhe foram apreendidas dariam para seu consumo próprio diário. Declarações que não foram infirmadas por nenhum outro elemento de prova, tendo sido corroboradas pelo conjunto dos depoimentos das testemunhas (...), (...) e (...) e, ainda, pela informação prestada pelo CRI de Bragança e pelo relatório social do arguido

B) Prova testemunhal: as declarações das testemunhas de defesa: (...), (...) e (...), conjugada com a prova documental: informação prestada pelo CRI de Bragança, relatório social do arguido e que foram atendidas pelo Tribunal recorrido para dar como provado a matéria provada nos pontos 14, 30 e 32, considerando o Tribunal recorrido que o depoimento destas testemunhas “foram isentas e com conhecimento directo, atestaram os problemas aditivos do arguido, os tratamentos por ele realizados com vista a debelar essa dependência, designadamente, do consumo de heroína.”

4.DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA: O recorrente insurge-se contra a sua condenação pela prática do crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, defendendo que a sua conduta integra conduta não criminalizada, apenas susceptível de se configurar como contra-ordenação.

5. Dos factos objetivamente dados como provados pelo Tribunal recorrido não podia o tribunal concluir que o arguido soubesse que a quantidade de haxixe que lhe foi apreendida excedia a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.

6. Dos factos objetivamente dados como provados pelo Tribunal recorrido não podia o tribunal concluir e que o arguido sabia que tal detenção era proibida e punida por lei.

7. Isto porque o limite quantitativo máximo diário para a substância em análise – canabis-resina - é de 0,5 gramas para consumo durante 10 dias, o que dá um total de 5 gramas e o recorrente apenas detinha a quantidade de 4,705 gramas e não tinha como saber a percentagem de princípio ativo (tetrahidrocanabinol ou A9THC) na droga que detinha.

8. os valores mencionados no mapa da portaria 94/96 são valores de princípio ativo contido nas plantas, substâncias ou preparações, que o recorrente – como mero consumidor -não tinha como saber, sem a tal análise pericial.

9. Assim, o tribunal ignorou e não podia ignorar - agora tendo em conta as tais regras da experiência e do normal acontecer - a situação de convicção legitima em que sempre fica aquele que, para seu consumo, adquire ou detém as substâncias proibidas em quantidades inferiores em gramas às permitidas pela tabela (no caso inferior a 5 gramas), pois não podendo conhecer o teor de princípio ativo, o mesmo estará sempre convicto de que estará a incorrer em contraordenação e nunca em um crime de consumo – como é o caso concreto do recorrente.

10. Não podia o recorrente no momento em que deteve o haxixe, na quantidade inferior às 5 gramas (4,705 gramas) e que lhe foi imediatamente apreendido saber que a detenção daquela quantidade era proibida e punida pela lei penal, por ultrapassar as 10 doses diárias previstas na tabela após exame pericial, porque desconhecia e não tinha como saber, a percentagem de princípio ativo e, portanto, o número de doses que efetivamente estava a deter tendo em conta tal percentagem de THC.

11. Sabia é que detinha 4,705 gramas de haxixe resina e que tal detenção era inferior ao estabelecido na tabela (5 gramas) desconhecendo, por completo, a concentração de THC existente no produto que detinha e, portanto, o recorrente não sabia nem tinha como saber que a quantidade que detinha excedia a quantidade necessária para o consumo medio individual durante o período de 10 dias, nem tão pouco sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12. E, portanto, o Tribunal teria que dar, forçosamente, como não provado os factos dados como provados no ponto 7 e 9 dos factos provados,

13. Por outro lado, o Tribunal não dá como provado um dos elementos essenciais para que o Recorrente pudesse ser condenado pelo crime de consumo p. e p. pelo art. 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22 de janeiro, na medida em que não dá como provado que a quantidade que o recorrente detinha excedia a quantidade necessária para o seu consumo individual durante o período de 10 dias.

14. as doses médias diárias para consumo individual de cada consumidor não são iguais para todos os consumidores, tanto assim é que o entendimento generalizado da doutrina e da jurisprudência é de que se devem conjugar os valores da portaria "com os hábitos de consumo do concreto agente”

15. Como resulta dos factos objectivos dados como provados, o recorrente é consumidor de produtos estupefacientes desde dos 16 anos, hoje com 40 anos, tendo sido sujeito a vários tratamentos à sua problemática aditiva (como lhe chama o próprio tribunal recorrido), contudo sem sucesso, voltando a recair - O que é corroborado com as declarações do arguido em sede de julgamento que referiu expressamente que o haxixe que lhe foi apreendido daria para dois dias apenas tendo em conta os seus hábitos de consumo de há longos anos.

16. Não tendo sido produzida qualquer prova de que contrariasse as declarações do arguido, sendo estas corroboradas por toda a prova documental existente aos autos quanto à sua problemática aditivada, tendo sido dado como provado no ponto 14 que o arguido iniciou os seus consumos de droga aos 16 anos evoluindo no sentido de uma cada vez maior dependência química e tendo-lhe sido apreendido apenas dois pedaços de haxixe com o peso total inferior a 5 gramas (4,705 gramas) que dariam, segundo a tabela, e só após exame pericial apenas para mais 4 doses do que as permitidas, tinha o Tribunal de concluir, forçosamente, que essas 14 doses destinavam-se a ser consumidas pelo arguido durante um período inferior a 10 dias.

17. Estamos a falar de um consumidor de drogas com 24 anos de consumos até de drogas duras como heroína, estamos a falar em concreto de haxixe e de apenas de 4,705 gramas que após exame pericial apenas dariam para 4 doses a mais das previstas na tabela como limite para o consumo médio diário para 10 dias após exame.

18. Porém, o Tribunal para além de ter matéria que lhe permitisse dar como provado que a quantidade de haxixe apreendida ao recorrente se destinava ao seu consumo exclusivo para um período inferior a 10 dias tendo em conta os seus hábitos de consumo e a sua problemática aditiva de longos anos, a verdade é que não se pronunciou quanto a tal matéria; não se tendo pronunciado, também, quanto ao consumo médio individual do recorrente.

19. Em conclusão: O Tribunal não deu como provado o consumo médio individual do arguido nem deu como provado que os dois pedaços de haxixe que lhe foi apreendido dariam para mais do que 10 dias tendo em conta os seus hábitos de consumo e, portanto, quanto a esta matéria o recorrente impugna, na modalidade ampla, a matéria de facto dada como provada e também da análise da decisão recorrida, no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, enunciado na alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do CPP.

20. Em conclusão, ainda, o Tribunal a quo tinha matéria para dar como provado que a quantidade de haxixe apreendida ao recorrente se destinava ao seu consumo exclusivo para um período inferior a 10 dias tendo em conta os seus hábitos de consumo, pelo que a sua conduta não consubstancia a prática de qualquer ilícito criminal, insurgindo-se, portanto, o recorrente contra a sua condenação pela prática do crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, considerando que a sua conduta integra conduta não criminalizada, apenas susceptível de se configurar como contra-ordenação – a decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art. 410º, nº 2, alínea c) do C.P.P., uma vez que deu como provado algo que notoriamente está errado.

21. Considerando os limites definidos no mapa mencionado no artigo 9º, da Portaria nº 94/96, o limite quantitativo máximo diário para a substância em análise – canabis-resina - é de 0,5 gramas, tendo como referência uma dose média diária com base na variação de conteúdo médio do THC existente nos produtos de canabis e atendendo a uma concentração média de 10% - cfr. alínea e) da nota 3 do mapa.

22. Ora, tendo em consideração que o arguido detinha 4,705 gramas de canabis (resina), com a substância activa presente (tetrahidrocanabinol ou A9THC) e com um grau de pureza de 15,1%, sendo a dose média individual de 0,5 gramas, para um grau de concentração média de 10%, chegamos à conclusão que tinha consigo o correspondente a 14 doses diárias – 4,705 x (15,1% / 10%) / 0,5 – segundo a portaria – e segundo o Tribunal perante a prática de um crime de consumo.

23. Porém, dizemos nós, desconhecendo o recorrente – sem possibilidade de conhecer - a percentagem concreta do princípio activo da substância que detinha, o recorrente (consumidor) vai fazer as contas no momento da aquisição ou detenção da quantidade que poderá deter atendendo à concentração média fixada na tabela e não à percentagem concreta do principio activo da substancia que desconhece e não tem como conhecer.

24. Como vimos supra, a alínea e) da nota 3 do mapa mencionado no artigo 9º, da Portaria nº 94/96 fixa uma concentração média de 10% de THC existente nos produtos de canabis (resina).

25. Assim, e partindo então do consumo médio diário e da concentração média de THC existente nos produtos de canabis (resina) fixadas do mapa mencionado no artigo 9º, da Portaria nº 94/96 o Recorrente, de acordo com a tabela, estava convicto que se encontraria na posse de quantidade inferior à que lhe era permitida deter para seu consumo individual para dez dias, isto já não atendendo ao seu consumo próprio, mas ao estabelecido na tabela como consumo médio diário da generalidade dos consumidores e à concentração média de THC existente no canábis resina e não à percentagem concreta do princípio activo da substância que detinha que desconhecia e que não tinha como conhecer.

26. De facto, se o arguido recorrente tinha na sua posse 4,705 gramas de haxixe e se o seu grau de pureza fosse a fixada na tabela, como sendo a média existente naquele tipo de droga, então o recorrente teria na sua posse apenas haxixe equivalente a 9 doses, ou seja, teria o suficiente apenas para o consumo médio diário de qualquer consumidor para 9 dias (4,705 X 10%/0,50 = 9,41 doses/dias).

27. não tendo o Recorrente consumidor como aferir da concentração concreta de THC no haxixe resina que detinha, e fixando a tabela que o mesmo, em média tem 10% de THC, atendendo à quantidade de haxixe que foi apreendido ao recorrente, este estava convicto que teria em seu poder apenas 9 doses de haxixe, independentemente do seu consumo médio diário e individual – pelo que, também por aqui, jamais o Tribunal poderia dar como provado os factos provados nos pontos 7 e 9 da matéria provada.

28. Por todo o exposto, entende o recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado como não provado os factos descritos nos pontos 7 e 9 da matéria provada e, em consequência, qualificar a sua conduta como mera contraordenação com todas a consequências legais.

29. mantendo-se em vigor o artigo 71º do Decreto-Lei nº 15/93, importa atender ao mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria nº 94/96, de 26/03, sendo certo que os valores indicativos contidos nesse mapa anexo, revestem valor de mero meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não sendo de aplicação automática, podendo pois ser impugnados e afastados pelo tribunal, desde que com a devida fundamentação

30. é sempre por decisão do juiz e não por força da portaria nº 94/96 que se concretiza o conceito de "princípio activo para cada dose média individual diária" utilizado na lei»

31. Ou seja, as tabelas anexas à portaria não indicam valores máximos de consumo, de aplicação obrigatória por parte do juiz. O que elas contêm são valores de referência, gerais e abstratos, que devem ser interpretados e integrados, depois, pela prova produzida.

32. Ora, o erro de julgamento de que padece a decisão recorrida radica na falta de prova de que a quantidade

33. Isto porque no caso em concreto: tendo dado como provado que o estupefaciente encontrado na posse Recorrente, ao contrário do que constava da acusação, se destinava apenas ao seu consumo exclusivo, mas excedia o consumo médio individual durante o período de 10 dias apenas em 4 doses e que o mesmo é consumidor há mais de 20 anos e que o arguido declarou em julgamento que a droga que lhe foi apreendida destinava-se a ser por ele consumida em dois dias, entende o recorrente que esta conduta é qualificada como contra-ordenação, pelo que deveria ter sido ordenada a devida comunicação à comissão para a dissuasão da toxicodependência territorialmente competente, para os legais efeitos e absolver o arguido da prática dos crimes de que vinha acusado.

34. o tribunal recorrido decidiu estarem preenchidos, no caso concreto do recorrente, todos os requisitos formais e materiais necessários à punição do arguido como reincidente, sem razão, contudo.

35. o tribunal recorrido olvidou-se que não basta o transito em julgado da decisão anterior e não basta que não tenha decorrido o prazo de 5 anos entre a data dos factos anteriores e dos novos factos, nem basta que ambos sejam puníveis em penas de prisão superior a 6 meses, seria necessário também que no tal processo anterior o arguido tivesse sido condenado em pena de prisão efetiva, o que no caso em concreto não se verifica.

36. O Tribunal para condenar o arguido pela reincidência teve em conta a condenação do arguido no processo nº 69/14.0 PAABT que consta do ponto 43 dos factos provados e nesse processo o arguido foi condenado na pena de prisão de 1 ano e 6 meses de pena suspensa, sujeita a regras de conduta.

37. Nos processos identificados nos pontos 41, 42, 43 e o arguido foi, em todas eles, condenado em penas de prisão suspensas.

38. Nos processos identificados nos pontos 33 a 40 verificamos que decorreram muito mais do que 5 anos entre a prática dos factos pelos quais o arguido foi condenado nesses processos (2000; 1997; 2001; 2002 e 2005) e a prática dos factos em causa nos presentes autos (2018).

39. Pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conclua não se mostrarem preenchidos todos os requisitos formais e materiais necessários à punição do arguido como reincidente.

40. o Tribunal recorrido optou pela pena de prisão, tendo fixado a pena concreta de 6 meses de prisão efetiva, quando deveria ter optado pela pena de multa ou, ainda, pela suspensão da pena de prisão concretamente aplicada.

41. O arguido tem antecedentes criminais, mas confessou os factos imputados, com excepção do destino de venda ou cedência do estupefaciente que detinha, por não corresponder à verdade.

42. O arguido explicou as circunstâncias especiais em que detinha a droga apreendida explicando o respetivo contexto e o porquê

43. a toxicodependência é uma doença e que os toxicodependentes devem ser tratados e não perseguidos criminalmente.

44. o recorrente apresenta uma imagem perante a comunidade de toxicodependente e não de criminoso – veja-se o ponto 32 da matéria dada como provada.

45. Por outro lado, e agora quanto aos vastos antecedentes criminais, o Tribunal recorrido esqueceu-se que nos últimos 4 processos em que o arguido foi condenado(ponto 41, 42, 43 e 44 dos factos provados), em todos eles, foi o recorrente condenado em penas suspensas e o último deles, espasme-se por tráfico de droga de menor gravidade, praticado em 2017 sendo a condenação de 12/11/2018.

46. Ou seja, neste último processo apesar dos vastos antecedentes criminais do arguido de estamos perante a prática de um crime de tráfico, o tribunal entendeu ser possível fazer o tal juízo de prognose favorável em relação ao arguido e suspendeu-lhe a pena de prisão aplicada, pelas mesmas razões é possível fazer tal juízo de prognose favorável em relação ao arguido por não ter mais nenhuma condenação registada no seu CRC e estarmos perante um crime de consumo de estupefacientes (Haxixe).

47. Ao grau de ilicitude do facto, que se apresenta exíguo, tendo em atenção a quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido – 4,705 gramas – e das circunstâncias da sua posse, à intensidade do dolo, que é directo, às referidas condições de prevenção geral e especial que são, na nossa opinião, tendo em conta que estamos a falar de um crime de consumo de haxixe, de mediana intensidade, reputa-se como adequado e suficiente aplicar ao recorrente uma a pena de 50 dias de multa, entende-se adequado fixar o quantitativo diário em 5,00 euros, perfazendo a quantia total de 250,00 euros.

48. Caso assim, não se entenda, deve a pena de prisão concretamente aplicada – necessariamente inferior à fixada pelo Tribunal recorrido tendo em conta o supra exposto e a não verificação dos requisitos da reincidência – ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.

NORMAS VIOLADAS:

1.Art. 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22 janeiro; 2.Art. 1º, nº 1 e art. 28º do DL 30/2000; 3.Art. 75º, nº 1 e 2 do CP;

4.Art. 1º, 13º, nº1, 18º, nº 2 e 25º, nº 1 da CRP; 5.Art. 40º do CP

6.Art. 71º do CP; 7.Art. 45º, nº 1 do CP; 8.Art. 50º do CP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, e face a todo o deixado exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, só assim se fazendo a tão costumada Justiça!


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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência, sem conclusões.

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A Exmª. Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer defendendo a procedência parcial do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal, com resposta.


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B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 17/03/2018, cerca das 11h55m, no interior do Estabelecimento Prisional de Torres Novas, sito no Bairro das Casas Altas, concelho de Torres Novas, no decurso de uma acção de combate à entrada de bens e substâncias ilícitas foi encontrado na posse do arguido (...) dois pedaços de haxixe, que tinha escondidos e dissimulados no interior dos sapatos que calçava.
2. … E na posse do Arguido (...) sete pedaços de haxixe, que tinha escondido e dissimulado no interior dos sapatos que calçava.
3. O produto em causa destinava-se ao consumo próprio e exclusivo de cada um dos arguidos.
4. Tais produtos foram imediatamente apreendidos e sujeitos a perícia no serviço de toxicologia do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.
5. O produto estupefaciente apreendido ao arguido (...), nas circunstâncias supra descritas, corresponde a 4,705 grama/Líquido de Canabis (resina), com um grau de 15,1% de pureza, suficiente para 14 (catorze) doses.
6. O produto estupefaciente apreendido ao arguido (...), nas circunstâncias supra descritas, corresponde a 11,109 grama/Líquido de Canabis (resina), com um grau de 20% de pureza, suficiente para 44 (quarenta e quatro) doses.
7. Cada um dos arguidos conhecia a natureza, características e efeitos do produto estupefaciente que possuía consigo, sabendo que não o podia adquirir para seu consumo, nem o deter nas circunstâncias descritas e, sobretudo no interior de estabelecimento prisional, bem como ainda que a quantidade que detinha excedia a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias.
8. Ao actuar da forma descrita, cada um dos arguidos actuou livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de deter para seu consumo o referido produto estupefaciente.
9. Cada um dos arguidos sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.

CONDIÇÕES DE VIDA E ANTECEDENTES CRIMINAIS DOS ARGUIDOS:
(…)
10. (…) é o mais velho de uma fratria de seis elementos, de um casal de etnia cigana que se dedicava à actividade de feirantes.
11. As necessidades básicas da família foram devidamente asseguradas, tendo, assim, se desenvolvido no seio de uma família protetora e afetiva.
12. O seu processo educativo foi marcado pela influência do grupo de pares e de familiares conotados com comportamentos desviantes: os pais cumpriram pena efetiva de prisão, tendo a mãe sido acompanhada em liberdade condicional.
13. O arguido iniciou o seu percurso escolar em idade regular e quando frequentava o 5.º ano de escolaridade abandonou os estudos para passar a ajudar e acompanhar os pais na atividade de feirantes.
14. Aos 16 anos de idade, o arguido iniciou os consumos de estupefacientes, evoluindo no sentido de uma cada vez maior dependência química com internamentos, ocorridos nos anos de 1998, 1999 e 2000, e consequências ao nível comportamental.
15. O seu primeiro contacto com o sistema jurídico-penal ocorreu quando tinha 20 anos, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, pela prática de crime de tráfico, furtos, entre outros, numa pena de prisão efectiva de doze anos e dez meses.
16. Durante o longo período de reclusão investiu na sua formação escolar e profissional, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade, um curso de jardinagem e um curso de manobrador de máquinas moto roçadoras. Participou igualmente em atividades internas no estabelecimento prisional como o ateliê de teatro.
17. Beneficiou de trabalho no exterior, nomeadamente na floresta, na Câmara Municipal de Bragança, na reconstrução de aldeias.
18. Dentro do estabelecimento prisional, o arguido executou igualmente diversas atividades laborais de limpeza e de jardinagem. Beneficiou ainda de saídas jurisdicionais com avaliação positiva.
19. Em abril de 2011 foi concedida a liberdade condicional até ao termo das penas fixada em 10/05/2014, sujeito aos deveres e regras de conduta impostas na sentença.
20. Em Março de 2017 deu entrada como preventivo no EP de Torres Novas, onde permaneceu até Outubro de 2018, tendo sido condenado, em cumulo jurídico, a uma medida probatória, com a supervisão da DGRSP.
21. No plano afetivo-relacional manteve vivência marital, cujo relacionamento enfrentou a rutura com a sua reclusão, aos 20 anos de idade.
22. Em 2010 iniciou novo relacionamento amoroso e desde julho de 2014 passaram a viver em união de fato, resultando desta relação três filhos.
23. (...) encontra-se preso preventivamente desde o dia 23/09/2019 no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, à ordem do processo n.º 4/19.0GAABT.
24. Em meio prisional, frequenta a escola para concluir o 12.º ano de escolaridade e participa nas actividades de música.
25. Até ao momento, regista adequação comportamental, cumprindo com as normas institucionais. Beneficia de visitas por parte da companheira, pais e irmãos.
26. À data da reclusão (...) encontrava-se em acompanhamento por parte desta equipa de reinserção social, no âmbito do processo n.º 3/16.3PAABT do Juízo Criminal Central de Santarém – Juiz 4, cujo termo está previsto para 12/11/2020.
27. Vivia com a mulher e com três filhos menores numa casa arrendada, situada num bairro social conotado negativamente pelas suas problemáticas marginais e sociais.
28. Ao nível ocupacional, embora estivesse inscrito no Centro de Emprego local, não desenvolvia actividade laboral de forma estruturada, realizando pontualmente biscates na área da construção civil e ou agricultura.
29. O agregado é beneficiário do Rendimento Social de Inserção e do abono de família dos menores, num total de cerca de €800.
30. Face à sua problemática aditiva (estupefacientes e álcool) e às características da sua personalidade em que são evidentes fragilidades na esfera psicoemocional foi encaminhado para a Equipa de Tratamento de Abrantes – Centro de Respostas Integradas do Ribatejo para acompanhamento e tratamento, contudo, sem sucesso, recaindo novamente nos consumos.
31. O arguido revela fragilidades ao nível das suas competências pessoais e sociais, familiares, económicas e ocupacionais, nomeadamente ao nível da sua maturidade, do seu carácter influenciável perante as suas amizades, na capacidade de resolução de problemas e de autocontrolo que podem comprometer o sucesso das suas acções/objectivos previamente delineados.
32. Na comunidade, a imagem do arguido é associada ao consumo de substâncias psicotrópicas e de bebidas alcoólicas.
33. No âmbito do PES n.º 50/2000, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por sentença judicial proferida em 08/03/2000 e transitada em julgado em 23/03/2000, pela prática em 18/02/2000, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º do DL n.º 2/98, de 3-01, o arguido foi condenado na pena de multa de 80 dias, à taxa diária de € 400$00, perfazendo o total de 32.000$00;
34. No âmbito do PCS n.º 40/2001, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por sentença judicial proferida em 23/05/2001 e transitada em julgado em 07/06/2001, pela prática em 18/05/2000, de um crime de furto qualificado, p. e p. punido pelo art. 204.º/1, al. b) do Código Penal, o arguido foi condenada na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, mediante o pagamento ao ofendido, no prazo de seis meses, devidamente comprovado, da quantia de 100.000$00.
35. No âmbito do PCS n.º 29/01.1TBBGC do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por sentença judicial proferida no dia 07/03/2002, transitada em julgado em 28/02/2002, pela prática em 23/10/2000, de um crime de atestado falso, p. e p. pelo art. 260.º/1 e 4 do Código Penal, o arguido foi condenado na pena de multa de 60 dias à taxa diária de € 4,00, perfazendo o total de € 240,00.
36. No âmbito do PCC n.º 50/97.2PEBGC, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão judicial proferido em 03/07/2002 e transitado em julgado em 23/07/2002, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25.º, al a) do DL n.º 15/93, de 22-01, o arguido foi condenado na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos.
37. No âmbito do PCC n.º 8/01.9PEBGC, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão judicial proferido em 12/12/2002 e transitado em julgado em 30/12/2002, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelos arts 21.º/1 e 22.º/2 do DL n.º 15/93, de 22-01, um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.s 143.º, 146.º e 132.º/2, al. j), do Código Penal, um crime de perturbação de funcionamento de órgão constitucional, p. e p. pelo art. 334.º, al. b) do Código Penal, um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191.º, do Código Penal, o arguido foi condenado na pena única de prisão de cinco anos e meio de prisão.
38. No âmbito do PCC n.º 226/00.7PBBGC, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão judicial proferido em 08/07/2002 e transitado em julgado em 17/02/2003, pela prática, em 10/04/2002, de sete crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts 202.º, al. d), 203.º/1 e 204.º/1, todos do Código Penal, o arguido foi condenado na pena de prisão de seis anos.
39. No âmbito do referido PCC, por acórdão cumulatório proferido em 08/07/2003 e transitado em julgado em 01/03/2004, que abrangeu as condenações aplicadas nos Procs n.º 29/01.1TBBGC, 363/00.8TBBGC, 08/01.9PEBGC, 330/00.1PBBGC, 50/97.2PEBGC e 50/2000, o arguido foi condenado na pena única de prisão de dez anos, declarada extinta em 2017/03/13.
40. No âmbito do PCC n.º 666/06.8TABGC, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão judicial proferido em 01/08/2008 e transitado em julgado em 05/03/2009, pela prática em 06/2005, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º/1 do DL n.º 15/93, de 22-01, o arguido foi condenado na pena de prisão de dois anos e dez meses.
41. No âmbito do PCS n.º 290/11.3GBABT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, por sentença judicial proferida em 07/03/2012 e transitada em julgado em 27/03/2012, pela prática em 12/08/2011, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º/1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3-01 e art. 121.º/1 e 2 do Código da Estrada, o arguido foi condenado na pena de prisão de um ano e seis meses suspensa na sua execução por igual período de tempo;
42. No âmbito do PEA n.º 78/14.0PAABT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, por sentença judicial proferida em 01/08/2014 e transitada em julgado em 30/09/2014, pela prática em 26/03/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º/1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3-01 e art. 121.º/1 e 2 do Código da Estrada, o arguido foi condenado na pena de prisão de treze meses suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada ao cumprimento de regras de conduta.
43. No âmbito do PCS n.º 69/14.0PAABT, do JL Criminal de Santarém, por sentença judicial proferida em 06/03/2015 e transitada em julgado em 14/04/2015, pela prática em 04/02/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º/1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3-01 e art. 121.º/1 e 2 do Código da Estrada, o arguido foi condenado na pena de prisão de um ano e seis meses suspensa por um ano e seis meses, sujeita a regras de conduta.
44. No âmbito do PCC n.º 3/16.3PAABT, do JC Criminal de Santarém - Juiz 4, por acórdão judicial proferido em 11/10/2018 e transitado em julgado em 12/11/2018, pela prática, no ano de 2015, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25.º, al. a) do DL n.º 15/93, de 22-01, e pela prática, em 10/03/2017, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º/1 e 2 do Código Penal, o arguido foi condenado na pena única de prisão de dois anos suspensa por dois anos, com regime de prova.
45. (…).
***

B.1.2 - Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo à boa decisão da causa, sendo que os factos «7.», «8.», «9.», «10.», «11.» e «12.» da acusação ficaram prejudicados pela prova da factualidade referente ao percurso, condições de vida e antecedentes criminais do arguido (...); ao facto «5.» da acusação não se deu resposta por ser repetição do facto «4.» da mesma peça processual e à matéria constante dos factos «13.» e «14.» da acusação não se deu resposta por consubstanciar matéria conclusiva.


***

B.1.3 – Motivação de facto do tribunal recorrido:

«O Tribunal formou a sua convicção assente na apreciação crítica e global de toda a prova produzida, analisada em si, entre si e de acordo com as regras da experiência comum.
Assim, os factos evidenciados, elencados sob os pontos «1.» a «4.» resultaram, desde logo, do declarado a respeito pelos arguidos em sede de audiência de julgamento, na medida que ambos admitiram a detenção do produto estupefaciente em causa no contexto espácio-temporal descrito na acusação, em conjugação com os depoimentos prestados também em audiência de julgamento pelas testemunhas arroladas na acusação pública: (…), as quais depuseram de forma isenta e segura e, por isso, merecedoras de credibilidade, a par dos suportes documentais juntos autos, a saber: autos de notícia – fls. 4 a 6; auto de apreensão – fls. 7; informação da DGRSP – fls. 8; autos de entrega – fls. 10 e 12; teste rápido – fls. 13; autos de pesagem - fls. 14 e 15; termos de entrega – fls. 18, 19 e 30; certidão extraída do Inquérito n.º 327/18.5T9TNV – fls. 32 a 68.
Destarte, (…), agente da PSP de Torres Novas, pese embora não tenha assistido ao acto de apreensão do produto estupefaciente que os arguidos detinham no interior dos sapatos, de forma simples e isenta, referiu que, após os factos, uma vez chamado ao Estabelecimento Prisional em causa, elaborou o auto de notícia e procedeu à recepção do produto estupefaciente apreendido, que se encontrava dividido em dois e sete pedaços de haxixe, respectivamente, como pertencentes a cada um dos arguidos.
Por seu turno, (…), guarda principal do Estabelecimento Prisional (E.P.) de Torres Novas, e (…), guarda prisional do mesmo E.P., com conhecimento directo e de forma segura, com relevo, atestaram o contexto em que se deu a apreensão do produto estupefaciente encontrado na posse de cada um dos arguidos, nos termos descritos na acusação, após receberem a visita de familiares, cuja presença foi sinalizada pelos cães – factos «1.», «2.» e «4.».
Não obstante a assunção por cada um dos arguidos da detenção do produto estupefaciente que lhes é imputada na acusação, a versão que os mesmos apresentaram com vista a evidenciar o modo como a mesma sucedeu e a quantidade diária que o arguido (...) alegou consumir, pese embora sem relevo para o desfecho dos autos, não convenceu o Tribunal, porquanto não sustentado por qualquer meio de prova e porque desprovido de lógica, sem prejuízo da motivação que apresentaram para a sua detenção, isto é, o seu consumo, a qual se apresentou plausível, atendendo ao facto de ambos serem consumidores, de entre outras substâncias aditivas, de haxixe, bem assim do que resulta das regras da experiência comum: estando os arguidos em reclusão, aceita-se que os mesmos detenham quantidades de produto estupefaciente superiores à necessária ao seu consumo diário com vista a garantir o seu consumo prolongado no tempo. Daí que se tenha dado como provado o que resulta do facto «3.» e já não a sua detenção para outros fins, tal como a cedência a terceiros, na medida que esta também não logrou a adesão da prova produzida.
[Pese embora o facto «3.» resulte numa alteração dos factos descritos na acusação, tendo o mesmo resultado da defesa, isto é, do declarado pelos arguidos e no sentido por eles pugnado, não se procedeu à sua comunicação, conforme previsto no n.º 2 do art. 358.º do CPP].
Os factos «5.» e «6.» resultaram do relatório pericial toxicológico, junto a fls. 74-76, não colocado em crise por qualquer um dos arguidos, o qual permitiu determinar a concentração do princípio activo da canábis (resina) por eles detida e, subsequentemente, as doses correspondentes apuradas com recurso à tabela/mapa legal, conforme infra se explanará.
Os factos elencados sob os pontos «7.» a «9.», de índole subjectiva, porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade, sem prejuízo do também declarado a respeito pelos arguidos, sabedores que se mostraram da ilicitude do seu comportamento.
Quanto às condições de vida dos arguidos – factos «10.» a «32.», «45.» a «66.», o Tribunal atendeu-se ao teor dos relatórios sociais elaborados e juntos aos autos, o qual não foi colocado em causa pelos mesmos, em conjugação, no que respeita ao arguido (...), com o teor da informação prestada pelo CRI de Bragança e com o deposto pelas testemunhas por si arroladas, (...), assistente social no CRI do Ribatejo, (…), enfermeiro no CAT de Abrantes, e (...), psicólogo no CAT de Abrantes. Estas testemunhas, de forma isenta e com conhecimento directo, atestaram os problemas aditivos do arguido, os tratamentos por ele realizados com vista a debelar essa dependência, designadamente do consumo de heroína.
Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos – factos «33.» a «44.» e «67.» a «71.» - valorou-se os respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos.

***

Cumpre conhecer.

As questões colocadas no recurso à consideração do tribunal são as seguintes:

- a impugnação dos factos 7 e 9 dos dados como provados – conclusões 1ª a 12ª;
- a insuficiência factual – conclusões 13ª a 20ª;
- a integração jurídica desses factos – conclusões 21ª a 33ª;
- a reincidência – conclusões 34ª a 39ª;
- a pena aplicada – conclusões 40ª a 48ª.


*

B.2 – A primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com a sua impugnação dos factos provados 7 e 9, sendo certo que essa impugnação assenta no essencial na sua afirmação de que desconhecia o grau de pureza do produto que lhe foi apreendido, como demonstrativamente expomos das suas conclusões 9ª a 12ª, como segue:

9.Assim, o tribunal ignorou e não podia ignorar - agora tendo em conta as tais regras da experiência e do normal acontecer - a situação de convicção legitima em que sempre fica aquele que, para seu consumo, adquire ou detém as substâncias proibidas em quantidades inferiores em gramas às permitidas pela tabela (no caso inferior a 5 gramas), pois não podendo conhecer o teor de princípio ativo, o mesmo estará sempre convicto de que estará a incorrer em contraordenação e nunca em um crime de consumo – como é o caso concreto do recorrente.

10.Não podia o recorrente no momento em que deteve o haxixe, na quantidade inferior às 5 gramas (4,705 gramas) e que lhe foi imediatamente apreendido saber que a detenção daquela quantidade era proibida e punida pela lei penal, por ultrapassar as 10 doses diárias previstas na tabela após exame pericial, porque desconhecia e não tinha como saber, a percentagem de princípio ativo e, portanto, o número de doses que efetivamente estava a deter tendo em conta tal percentagem de THC.

11.Sabia é que detinha 4,705 gramas de haxixe resina e que tal detenção era inferior ao estabelecido na tabela (5 gramas) desconhecendo, por completo, a concentração de THC existente no produto que detinha e, portanto, o recorrente não sabia nem tinha como saber que a quantidade que detinha excedia a quantidade necessária para o consumo medio individual durante o período de 10 dias, nem tão pouco sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12. E, portanto, o Tribunal teria que dar, forçosamente, como não provado os factos dados como provados no ponto 7 e 9 dos factos provados.

Esta é uma questão clássica do direito moderno sempre que a conduta humana a ser penalizada confronta o legislador penal com a necessidade de a definir por critérios quantitativos, tal como já se constatou na criminalização do consumo de álcool e na definição dos ilícitos estradais por excesso de velocidade. Quando o legislador se vê confrontado com essas realidades mensuráveis acaba por se ver remetido para um qualquer método quantitativo pois que das medições efectuadas depende, na nossa área de actuação, a segurança de determinados comportamentos e sua eventual punibilidade por ilícitos de natureza vária, pretendendo-se obter confiança nos resultados medidos, reduzir a variação das especificações técnicas dos equipamentos, prevenir os seus defeitos e normalizar as suas medições.

No essencial, a punibilidade de certos comportamentos está dependente de determinados parâmetros quantitativos (quantidade de álcool, velocidade alcançada, pureza do estupefaciente) pelo que assume relevo capital a confiabilidade das medições efectuadas, mas a certeza nos seus resultados – como no caso presente e no caso do álcool – está dependente de medições efectuadas apenas pós facto.

Daí não decorre necessariamente que os elementos cognitivo e volitivo do dolo só possam ser preenchidos em momento posterior à medição pois que nos devemos bastar com um juízo seguro de antecipação que o agente necessariamente faz ao praticar o acto.

Já o afirmámos a propósito do álcool no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 16-12-2008 (proc. 2220/08-1) “Para que haja dolo no crime de condução sob influência de álcool não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de álcool no sangue, taxa essa cuja quantificação é desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença”.

Parafraseando, para que haja dolo no crime de consumo de estupefaciente não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de pureza do estupefaciente, taxa essa cuja quantificação é desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença, bastando o conhecimento da ilicitude da detenção do produto porquanto integrado nas tabelas anexas e em quantidade que torne o ilícito criminal possível.

Desta forma resta afirmar que é improcedente a impugnação factual do recorrente quanto aos factos 7 e 9.


*

B.3 – A insuficiência factual

Invoca o recorrente, por outro lado, existir uma insuficiência factual nas suas conclusões 13ª a 20ª pois que «o Tribunal não dá como provado um dos elementos essenciais para que o Recorrente pudesse ser condenado pelo crime de consumo p. e p. pelo art. 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22 de janeiro, na medida em que não dá como provado que a quantidade que o recorrente detinha excedia a quantidade necessária para o seu consumo individual durante o período de 10 dias».

E, continua o recorrente, como resulta dos factos objectivos dados como provados, “o recorrente é consumidor de produtos estupefacientes desde dos 16 anos, hoje com 40 anos”, não tendo sido produzida qualquer prova de que contrariasse as declarações do arguido, “sendo estas corroboradas por toda a prova documental existente aos autos quanto à sua problemática aditivada, tendo sido dado como provado no ponto 14 que o arguido iniciou os seus consumos de droga aos 16 anos evoluindo no sentido de uma cada vez maior dependência química e tendo-lhe sido apreendido apenas dois pedaços de haxixe com o peso total inferior a 5 gramas (4,705 gramas) que dariam, segundo a tabela, e só após exame pericial apenas para mais 4 doses do que as permitidas, tinha o Tribunal de concluir, forçosamente, que essas 14 doses destinavam-se a ser consumidas pelo arguido durante um período inferior a 10 dias”.

Em suma, o arguido invoca o seu consumo efectivo mas apenas presumido – o facto não resultou provado – como parâmetro definidor do elemento objectivo “posse de substância” e, por isso, invoca que será a sua “prática” como consumidor a determinar se a sua actuação integra um crime ou uma contra-ordenação.

É uma perspectiva defensiva brilhante mas algo irrealista se analisarmos os dados legislativos com mais cuidado.

Quer-nos parecer que nos tipos de ilícito relativos ao consumo os conceitos de “uso pessoal” e “consumo próprio” foram quantitativamente limitados pelo legislador ao parâmetro “limites quantitativos máximos para cada dose medial individual diária” – por razão inteligível - através da previsão dos artigos 1º, al. c), 9º e Mapa Anexo da Portaria n. 94/96, por remissão do artigo 71.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Naturalmente que o afirmado tem como pressuposto que o artigo 9º da dita Portaria dispõe que “os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.

Ou seja, a quantidade média individual relevante para a integração penal não é a efectiva e concretamente transportada/consumida pelo arguido, sim as quantidades indicadas como máximo no Mapa Anexo à Portaria em função da natureza do produto. Assim e para o caso concreto, a quantidade média individual diária é de 0,5 gr. a uma concentração mínima de 10% de «Tetraidrocanabinol (∆9THC)», dois requisitos, portanto, o que implica o apuramento, inicialmente e em concreto, do grau de “pureza” que, no caso, foi determinado em 15%. Já demos resposta a tal questão no acórdão desta Relação de 13-02-2013 (proc. 870/10.4GCFAR.E1).

Concordamos, pois, com o expresso no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2013 (Proc. 330/10.3PWPRT.P1, rel. Alves Duarte) no sentido de que de acordo com o mapa anexo à Portaria 94/96, de 26-03, relevam tanto o princípio ativo (a substância produtora dos efeitos do estupefaciente) como a sua concentração (a percentagem daquele por unidade de volume) e, assim, que o conceito de “consumo médio individual diário” é um conceito dependente do grau de concentração do produto estupefaciente e que “no crime de consumo de estupefacientes é indispensável saber qual o grau de pureza do produto ou, por outras palavras, o grau de concentração do princípio ativo nele existente”.

A nota 3) do Mapa anexo à Portaria faz referência - alíneas c) a f) – à concentração média de «Tetraidrocanabinol (∆9THC)» para a cannabis. [1] E é acertado exigir a identificação do grau de «Tetraidrocanabinol» para a cannabis porque assim o exige a Portaria que, recorde-se, é aceite pela jurisprudência constitucional pregressa como tendo dignidade de lei para definição de tipo penal.

Ou seja, mesmo que se aceite poder vir num qualquer caso concreto a determinar-se facultativamente e na medida em que interessar à defesa, o consumo efectivo médio de um arguido – que sempre será variável neste aspecto concreto – caso a posse das substâncias ultrapasse, feitas as contas devidas, os “limites quantitativos máximos para cada dose medial individual diária” esse apuramento do consumo efectivo é irrelevante para efeitos de integração no tipo penal, como aliás o recorrente reconhece na sua conclusão 22ª.

Logo, inexiste insuficiência factual.


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B.4 – A integração jurídica

Tudo isto é afirmado no pressuposto de que a integração da conduta do arguido pode operar-se no tipo legal do artigo 40º do Dec-Lei nº 15/93, mas também no tipo contra-ordenacional constante do artigo 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro (Regime jurídico do consumo de estupefacientes).

E, nos termos do artigo 40.º, nº 2 do mesmo diploma, “se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias”.

Por seu turno, o artigo 2º, da Lei n. 30/2000, de 29 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, determina que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação, desde que a aquisição e a detenção para consumo de estupefacientes não excedam a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

Para essa delimitação elementar estamos dependentes de dois simples factores: a natureza do produto e a quantidade enquadrada pelo “limite quantitativo máximo” constante das colunas do Mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.

Esses serão, então, os factos: a natureza do produto, a sua quantidade e – para a cannabis - a definição das qualidades do produto das alíneas da nota 3 do Mapa anexo. Para saber da natureza do produto haverá que, naturalmente, verificar qual ele seja pelo relatório pericial.

Ou seja, a definição do quantitativo diário e derivados é sempre feita por referência ao caso concreto por ser necessário saber da natureza do produto e da quantidade detida, o que inviabiliza a sua fixação em abstracto e por referência a decisões judiciais, que se não podem extravasar para todos os casos concretos.

Após desenvolvimento jurisprudencial, com manifestações doutrinais de que não cabe agora fazer história, fixou-se jurisprudência obrigatória neste particular tema. Referimo-nos ao Acórdão (A.U.J.) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008 (Processo n.º 1008/07), de 25 de Junho de 2008 que fixou jurisprudência no sentido de manter em vigor o artigo 40º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01, quer para o cultivo de plantas da tabela, quer quanto à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual que, sendo inicialmente nesse preceito definida como superior a 3 dias, deve hoje e face à letra do artigo 2º, nº 2 da Lei nº 30/2000, de 29-11, ler-se como superior a 10 dias.

É necessário, pois, ter muito presente para a contraposição entre os artigos 40º do diploma de 1993 e o tipo contra-ordenacional contido no artigo 2º da Lei n. 30/2000 que após a prolação do AUJ nº 8/2008 aquele artigo 40º deve ler-se de forma diversa, como aliás resulta de forma expressa do seu texto fundamentador e decisão nos pontos 8.2 e 9:

8.2 — O artigo 40.º do Decreto -Lei n.º 15/93 — circunscrito ao consumo e à aquisição e detenção para consumo próprio de drogas ilícitas em pequenas quantidades, disposições conjugadas dos artigos 28.º e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000 — conservará válido e actual o texto remanescente:
«1 — Quem, para o seu consumo, cultivar plantas compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. Se a quantidade de plantas cultivadas pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 5 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.
2 — Quem, para o seu consumo, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.»
9 — Decisão.
Tudo visto, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, delibera, confirmando o acórdão recorrido, fixar jurisprudência nos seguintes termos:
«Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.»

Desta forma o “consumo médio individual diário” concreto do arguido assume-se como irrelevante pois que, seja ele qual for, não pode ultrapassar o conceito de “limite quantitativo máximo” constante das colunas do Mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, em função da natureza do produto, seu peso e grau de pureza que, no caso sub iudicio se concretiza em 14 (catorze) doses, superior, portanto, às dez indicadas.

Assim, a qualificação jurídica operada pelo tribunal recorrido está de acordo com a lei vigente na leitura correctiva feita pelo A.U.J. nº 8/2008, sendo improcedente esta razão de inconformidade.


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B.5 – A reincidência

O tribunal recorrido condenou o recorrente como reincidente na pena de prisão de seis meses considerando existente uma moldura abstracta da pena de 40 dias a um ano de prisão.

Para tanto argumento que «In casu, o crime doloso cometido pelo arguido, prevendo uma moldura penal de pena de prisão até um ano, é, assim, punível com prisão superior a seis meses; e a última condenação, entre outras, de que já foi alvo, transitada em julgado, a respeito de outro crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses, ocorrida no dia 14/04/2015, isto é, com relação à data da prática do crime em causa (17/03/2018), deu-se há menos de 5 anos

Trata-se, portanto, de uma expressa referência à pena aplicada no processo nº 69/14.0PAABT aludido no facto provado nº 43 nestes termos: «No âmbito do PCS n.º 69/14.0PAABT, do JL Criminal de Santarém, por sentença judicial proferida em 06/03/2015 e transitada em julgado em 14/04/2015, pela prática em 04/02/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º/1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3-01 e art. 121.º/1 e 2 do Código da Estrada, o arguido foi condenado na pena de prisão de um ano e seis meses suspensa por um ano e seis meses, sujeita a regras de conduta.»

Insurge-se o arguido na medida em que não há referência ao cumprimento de pena de prisão efectiva anterior que permita considerar preenchido o requisito substancial da reincidência.

E tem razão pois que o artigo 75.º, nº 1 do Código Penal exige como requisito da reincidência que quem deva ser punido pela prática de um crime doloso com prisão efectiva superior a 6 meses. Exige-se que a condenação anterior por sentença transitada em julgado, tenha sido em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, o que não ocorre no caso concreto por esta ter sido em pena suspensa.

Haverá, pois, que retirar à moldura penal abstracta aplicável o terço agravativo da reincidência.


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B.6 – A pena aplicada

Deparamo-nos, portanto, com uma moldura penal abstracta com um mínimo de 30 dias a um máximo de seis meses de prisão.

O tribunal recorrido a respeito da pena aplicável realça aquilo que entendemos ser central em sede de necessidades de prevenção, o que aqui reproduzimos:

«Cremos ser relevante ponderar a este nível, no que às exigências de prevenção geral positiva diz respeito, a circunstância de o crime de consumo se tratar de crime com frequência crescente, designadamente no interior dos Estabelecimentos Prisionais por reclusos toxicodependentes, vulneráveis, comprometendo a sua ressocialização. Demanda, pois, a necessidade de um forte sancionamento com vista à dissuasão da sua prática.
Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situam a um nível médio-tendencialmente elevado, atendendo ao facto de qualquer um dos arguidos evidenciar vastos antecedentes criminais, pese embora respeitantes a crimes de natureza distinta, tendo a factualidade em apreciação ocorrido durante a reclusão dos mesmos pela forte indiciação/prática de outros ilícitos penais, o que evidencia a sua irredutível propensão para o crime e ao desrespeito pelas normas institucionais.»

E, destarte, haverá apenas que reduzir a pena em atenção à alteração efectuada na moldura penal abstracta, aderindo aos critérios expostos pelo tribunal recorrido pois que o recorrente não traz ao recurso qualquer elemento de ponderação que afaste as indicadas preocupações e necessidades de prevenção especial. O que significa um abaixamento da pena de prisão para os 5 (cinco) meses.

E tal pena terá que ser efectiva em atenção ao gravame evidente de ter sido prática resultante de introdução de produto estupefaciente num estabelecimento prisional por familiar do arguido, prática que não pode ser tolerada em virtude de colocar em causa os próprios fins das penas, incluindo a que já cumpria no interior do referido estabelecimento prisional.


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C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal de Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, condenam o arguido na pena de 5 meses de prisão.

No restante mantém-se a decisão recorrida.

Sem tributação.

Notifique.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 27 de Abril de 2021

João Gomes de Sousa

Nuno Garcia

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[1] - Não é A9IIC mas sim ∆9THC. THC provém de Tetrahydrocannabinol. V. g. Declaração de Rectificação nº 11-H/96 à Portaria 94/96.