Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2457/18.4T8PTM-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS
MODIFICAÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O facto da prova pericial não ter sido requerida pelos autores no final da petição, não torna extemporâneo o mesmo requerimento no momento apresentado após a notificação de que a audiência prévia tinha sido dispensada.
Decisão Texto Integral: Apelação 2457/18.4T8PTM-A.E1 (2ª Secção Cível)







ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No âmbito da ação declarativa com processo comum que (…) e mulher (…), intentaram contra (…), (…) e (…), a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 3) (com vista a que seja declarada nula uma escritura de compra e venda de uma fração autónoma de um prédio sito em Albufeira, na qual o 1º autor representado por procurador, figurou como vendedor e os 1ºs réus como compradores, intervindo a ré … como notária), tendo sido dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, fixado o objeto do litigio e enunciados os temas da prova, vieram os autores requerer que fosse realizada prova pericial de reconhecimento da letra, nos termos do artº 482º do CPC, com vista a apurar se o autor assinou a procuração em causa nos autos, bem como o termo de autenticação da mesma.
Sobre esta pretensão dos autores incidiu despacho proferido em 28/06/2019 do seguinte teor:
Requerimento de fls. 118
Os autores requerem se proceda a prova pericial.
Factos:
1. Na petição inicial, os autores indicaram apenas meio de prova testemunhal, arrolando duas testemunhas.
2. Em sede de contestação são apresentados os seguintes meios de prova: depoimento de parte, declarações de parte e testemunhal.
3. Por despacho de 28.01.2019 foi proferido despacho a ordenar o cumprimento do contraditório com vista à adequação formal do processado para dispensa de realização de Audiência Prévia.
4. Não foi deduzida qualquer oposição.
5. Por despacho de 28.02.2019 foi proferido despacho para cumprimento do contraditório no que respeita a exceção dilatória.
6. Por despacho datado de 24.05.2019 foi proferido despacho-saneador.
7. Não foi requerida a realização de Audiência Prévia para os efeitos do disposto no artigo 593º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
8. Por requerimento datado de 29.05.2019, os autores requerem a produção de prova pericial.
Direito:
Os meios de prova devem ser indicados nas respetivas peças processuais e, quando haja contestação, alterados, 10 dias depois da apresentação daquela – artigo 552º, n.º 2, do Código de Processo Civil A Audiência Prévia não se realiza ou pode ser dispensada nos casos previsto no artigo 592º, 593º, ambos do Código de Processo Civil, ou quando se proceda à adequação formal do processado – artigo 6º e 547º, ambos do mesmo diploma legal.
Proferido o despacho-saneador por escrito, as partes, querendo apresentar reclamações, deverão solicitar o agendamento de Audiência Preliminar, no prazo de 10 dias – artigo 593º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, por extemporâneo, não se admite o requerimento probatório em análise.
Atenta a clareza da lei nesta matéria, os autores são condenados em custas incidentais, as quais se fixam em 2 Ucs.
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Inconformados com esta decisão, vieram os autores, interpor o presente recurso de apelação, terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
a) Os AA. intentaram a presente ação visando obter a declaração de nulidade da escritura de compra e venda lavrada em 1 de Abril de 2014 no Cartório Notarial de Setúbal a cargo da Senhora Dra. (…), na qual o ora recorrente varão figurou como vendedor, representado por um alegado procurador, Senhor (…);
b) A procuração com base na qual o Senhor (…) representou o A. varão na escritura de compra e venda mostra-se autenticada pela referida senhora notária, com data de 20 de Fevereiro de 2014, em Cartório Notarial de Palmela então a seu cargo;
c) O A. afirma que não compareceu no Cartório Notarial de Palmela, nem em 20 de Fevereiro de 2014, nem em qualquer outra data, não tendo sido ele a assinar quer a procuração, quer o respetivo termo de autenticação;
d) A Mma. Juiz a quo dispensou a realização de audiência prévia, com fundamento no preceituado no nº. 1 do art. 593º. do Código de Processo Civil revisto;
e) O tema da prova fixado pela Mma. Juiz a quo foi o seguinte: “Cumpre apurar se o autor assinou a procuração em causa”;
f) No próprio dia em que foi elaborada a nota de notificação do despacho saneador e colocada na plataforma CITIUS, 29 de Maio de 2019, os AA. requereram a realização de perícia (a levar a efeito pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária), para apurar se as assinaturas constantes da procuração e do termo de autenticação haviam sido apostas pelo recorrente marido;
g) A Mma. Juiz a quo não admitiu aquele requerimento probatório, por entender que o mesmo tinha sido apresentado extemporaneamente;
h) Sendo a regra a realização da audiência prévia, ela pode ser dispensada quando o Juiz assim o decida, por se verificar a previsão do nº. 1 do art. 593º. do Código de Processo Civil revisto;
i) As partes apenas podem requerer que a audiência prévia dispensada venha a ter lugar se pretenderem reclamar dos despachos previstos nas alíneas b) a d) do nº. 2 da citada norma;
j) Na audiência prévia as partes podem alterar o requerimento probatório, faculdade que lhes é atribuída pelo nº. 1 do art. 598º. do Código de Processo Civil revisto;
k) Quando seja dispensada a realização da audiência prévia e as partes não tenham fundamento para a requerer, deve ser admitida a alteração do requerimento probatório, conquanto seja apresentada no decêndio posterior à notificação do despacho previsto no nº. 1 do art. 593º. do Código de Processo Civil revisto, sob pena de lhes ser cerceada a possibilidade de requerer um meio probatório que só se justifique em face dos temas da prova fixados;
l) A dispensa da audiência prévia tem como justificação a celeridade processual, valor que não deve interferir com o, que lhe é superior, da descoberta da verdade material e da realização da Justiça;
m) Quando o nº. 1 do art. 598º. do Código de Processo Civil revisto consinta a interpretação de que, não havendo audiência prévia, as partes não podem modificar o requerimento probatório que tiverem apresentado nos articulados, estará ferido de inconstitucionalidade, por violação do nº. 2 do art. 18º. e do art. 20º. da Constituição da República Portuguesa de 1976, porquanto se traduzirá numa injustificada desproporcionalidade e na violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, declarado no art. 20º. da Lei fundamental, inconstitucionalidade que aqui se argui nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea b) do nº. 1 do art. 70º. da Lei do Tribunal Constitucional;
n) O, aliás douto, despacho recorrido procedeu a errada interpretação e aplicação do nº. 1 do art. 598º. Do Código de Processo Civil revisto, norma cuja inconstitucionalidade é patente.

Foram apresentadas alegações por parte dos 1ºs réus nelas pugnando pela manutenção do julgado.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se é admissível a modificação do requerimento probatório na sequência da notificação de dispensa da realização da audiência prévia, efetuada às partes.

A matéria factual a ter em conta para apreciação questão é a que consta do relatório antecedente.

Conhecendo da questão
Dispõe o artº 552º, nº 2, do CPC, que “no final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação”.
Por sua vez dispõe o artº 598º do CPC:
1 – O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artº 591º, ou nos termos do disposto no nº 3 do artº 593º.
2 – o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
Resulta do teor do artº 598º, nº 1 do CPC que os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta por qualquer das partes.
A lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova selecionados pelo tribunal.
No entanto a doutrina vem convergindo em que essa lacuna de previsão seja suprida por aplicação analógica da norma do nº 2 do artº 598º, relativa à alteração ou aditamento da prova testemunhal (artº 10º do CC).
Segundo Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, in Código de Processo Civil, Anotado vol. I, 2018, 704, para haver lugar a alteração do requerimento probatório, «o requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados»
Segundo Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª ed, 2015, 66-67, «está em causa a alteração de requerimento probatório que foi apresentado no momento devido, ou seja, com o respetivo articulado. Se a parte não apresentou requerimento algum com os articulados, não o pode fazer depois, ao abrigo do artº 598º, nº 1, por preclusão da faculdade processual, porquanto não se altera ou adita o que não existe.
Coisa diferente é a parte ter apresentado certo requerimento probatório junto com os articulados e vem mais tarde requerer meio de prova diverso. Uma vez que o artº 598º, nº 1 se refere a este ato processual, sem mais distinções, forçoso é concluir que os concretos meios de prova nele indicados podem ser alterados».
Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed., 284, a propósito da alteração do requerimento probatório, na situação em que não houve lugar a audiência prévia, salienta que «No caso de dispensa da audiência prévia (artº 598º, nº 1) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes. Com efeito, o direito à prova, como concretização do direito fundamental de acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva (artº 20º da CRP) impõe que, na dúvida, se deva fazer uma interpretação conforme a Constituição, com acolhimento de um sentido menos restritivo dos direitos processuais e mais favorável ao “principio pro actione”. A admissibilidade da alteração no caso dessa dispensa é, qua tale, reclamada pela teleologia da norma, já que a posição adversa resultaria na preclusão da prática de um ato da parte, a qual não ocorreria caso a audiência houvesse tido lugar».
Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in Código Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3º edição, 644) referem que «não havendo audiência prévia, às partes deve ser consentida a alteração do requerimento probatório no prazo (geral) de 10 dias contados a notificação do despacho previsto no artº 596º n.º 1, ainda que tal conduza a retificação do despacho de programação da audiência final. Com efeito, não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa de audiência prévia.» (cfr. também no mesmo sentido Lebre de Freitas in A Ação Declarativa Comum, 4ª ed, 206 onde se salienta que «em tal situação, o requerimento complementar deve ser apresentado no prazo geral de 10 dias contados do despacho em que lhe é dado conhecimento da fixação dos temas de prova com dispensa da audiência prévia».
Também, Miguel Teixeira de Sousa em artigo publicado, em 01/03/2014, no Blog do IPPC, intitulado Questões sobre a matéria da prova no NCPC afirma “Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova selecionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final.”
E, não se diga, conforme parece resultar da decisão recorrida, que os autores sempre teriam tido possibilidade de fazer uso da faculdade conferida pelo disposto no n.º 3 do artº 593º do CPC e solicitarem eles a realização de audiência prévia, com vista a nela procederem à alteração dos meios de prova. Pois, a reclamação prevista no aludido normativo conducente à realização de audiência que fora dispensada pelo Juiz, não se pode fundar na pretensão de alteração do requerimento probatório, já que tal fundamento não está legalmente previsto para realização de audiência potestativa (v. neste sentido Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed., 284; Lebre de Freitas in A Ação Declarativa Comum, 4ª ed, 206; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo civil, 2013, vol. I, 519-520; Ac. do TRC de 15/01/2019 no processo 1178/16.7T8CLD.C1 disponível em ww.dgsi.pt).
Assim, no caso concreto, os autores/recorrentes, requereram, no momento processual próprio, a alteração do requerimento probatório. Ou seja, no prazo de 10 dias, face à data em que recebeu a notificação do despacho de dispensa da audiência prévia, com prolação do saneador, identificação do objeto do litígio e da enunciação dos temas da prova.
Face a todo o exposto, cremos que o facto da prova pericial não ter sido requerida pelos autores no final da petição, não torna extemporâneo o mesmo requerimento no momento apresentado após a notificação de que a audiência prévia tinha sido dispensada (v., entre outros, Ac. TRL de 23/03/2017, proc. 425/16.0YIPRT-A.L1-6 e Ac. TRC. 15/01/2019, proc.1178/16.7T8CLD.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes termos, entendemos relevarem as conclusões do recorrente, sendo de julgar procedente a apelação e de revogar o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que admita a perícia requerida.


DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e em consequência revoga-se o despacho que indeferiu a prova pericial requerida.
Custas de parte, pelos apelados.
Évora, 24 de Outubro de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes