Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1766/21.0T8STR-A.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
APROVAÇÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A aprovação do plano de recuperação, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ainda que na redação anterior à Lei n.º 9/2022, de 11/1, exige cumulativamente: (i) a votação por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto (ii) o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e (iii) o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1766/21.0T8STR-A.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. No processo especial de revitalização em que é devedora (…) – Indústria de Madeiras, S.A., concluídas as negociações com a aprovação do plano de recuperação, foi proferida decisão que recusou a homologação plano.

3. A Devedora recorre da decisão e conclui assim a motivação do recurso:
“1 – No que concerne à aprovação do Plano de Revitalização, a alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE impõe apenas que mais de metade dos votos emitidos sejam correspondentes a créditos não subordinados. A expressão da lei é “votos emitidos”!
2 – Não figurando na lei qualquer referência a “votos favoráveis emitidos”, mas apenas que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados.
3 - Defender o contrário constitui uma violação do princípio da universalidade e da igualdade, previstos nos artigos 12.º e 13.º da CRP, impedindo o recurso ao PER de forma desproporcional e injustificada.
4 – A interpretação operada pelo Tribunal a quo leva a que os credores subordinados fiquem obrigados a abster-se só para se poder perfazer metade de votos emitidos favoráveis correspondente a créditos não subordinados, constituindo a consagração de um terceiro quórum deliberativo, metade dos créditos favoráveis seja de créditos não subordinados.
5 – Deve ser feita uma interpretação no mesmo sentido que se tem vindo aplicar o 212.º, n.º 1, do CIRE, ou seja, estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito de voto, ele deve ser considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos, conforme se lê na Revista de Direito da Insolvência, n.º 1, de Abril de 2016, Almedina, Páginas 143 a 145.
7 - Deve prevalecer a posição que conduza a uma interpretação corretiva ou redução teleológica do preceito e ajustar o significado literal aos objetivos precípuos do processo de revitalização, buscando o lugar paralelo na disciplina vertida no artigo 212.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Deste modo, «estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele é considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos»
8 – Pelo que, tendo no caso concreto votado o plano credores com créditos não subordinados que representam mais de metade dos votos emitidos (não se considerando as abstenções), verifica-se que mais de metade dos votos efetivamente expressos (independentemente do seu sentido e não se considerando as abstenções) correspondiam a créditos não subordinados, sendo que a partir desse critério, havendo uma maioria de votos favoráveis deve o plano ser considerado aprovado.
9 – Impondo-se a revogação do despacho que não homologou o plano de revitalização, substituindo-se por outro que o homologue.
10 – Por outro lado, caso não se aceite a homologação do plano com base na alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE, estão preenchidos os requisitos para a provação do mesmo com base na alínea b) do citado preceito legal.
Assim,
11 – Tendo por base a sentença que refere o quórum de 92,51% pelo montante de € 12.975.742,54, temos um total da lista de votos no valor de € 14.026.313,41, o que permite a aprovação do plano com base na alínea b) do artigo 17.º, nº 5, do CIRE, com votos favoráveis de mais de 50% da lista.
Ou seja,
12 – Mais de € 7.013.156,71, com menos € 3.506.578,35 de votos não subordinado.
Ora,
13 – Da leitura dos valores da sentença, temos votos favoráveis de € 8.865.027,30, sendo não subordinados € 3.666.680,60, cumprindo, assim, com os requisitos para aprovação, sempre tendo como base a lista no valor de € 14.026.313,41.
14 - Mostrando-se tal decisão materialmente injusta e violadora dos artigos n.º 17.º, alínea F), n.º 5, alíneas a) e b), 12.º e 13.º do CRP e 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que defira a aprovação do Plano.
Clamando-se, JUSTIÇA!!!”
Respondeu a credora (…) – STC, S.A. por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo de alguma, ou algumas, das questões suscitadas ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
Vistas as conclusões da motivação do recurso, importa decidir se a aprovação do plano de recuperação exige mais de metade de votos favoráveis correspondentes a créditos não subordinados.

III. Fundamentação
1. Factos
Relevam os seguintes factos:
a)-O valor total dos créditos relacionados com direito a voto ascende a € 14.025.445,24;
b)-Votaram o plano credores cujos créditos representam € 12.975.485,24, entre estes, € 7.777.138,25 correspondem a créditos não subordinados e € 5.198.346,79 correspondem a créditos subordinados;
c)-Votaram favoravelmente o plano credores cujos créditos representam € 8.865.027,30 e, entre estes, credores que representam créditos subordinados no valor de € 5.198.346,79.

2. Direito
2.1. Da (des)necessidade para a aprovação do plano de recuperação de recolher mais de metade de votos favoráveis correspondentes a créditos não subordinados
A decisão recorrida rejeitou a homologação do plano de recuperação por haver considerado que, apesar de o plano haver sido votado por credores cujos créditos representam mais de um terço do total dos créditos relacionados e recolher o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não recolheu o voto favorável de mais de metade de créditos não subordinados [(8.865.027,30:2) < 5.198.346,79].
Diverge a Recorrente argumentando que, para efeitos da aprovação do plano de recuperação, a alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE impõe apenas que mais de metade dos votos emitidos sejam correspondentes a créditos não subordinados, não se exigindo que os votos emitidos sejam favoráveis e como, no caso, emitiram voto credores que representam € 12.975.485,24 dos créditos relacionados e, de entre estes, mais de metade (€ 7.777.138,25) correspondem a créditos não subordinados o plano mostra-se aprovado com observância da lei.
Dispõem assim as alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redação anterior à Lei n.º 9/2022, de 11/1 [a decisão recorrida é de 21/2/2022 e a referida Lei entrou em vigor 11/4/2022 (artigo 12.º) e, de qualquer forma, as alterações que veio introduzir nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do CIRE apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor (artigo 10.º, n.º 2)]:
“Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.”
A aprovação do plano, na primeira situação (alínea a), depende da observância de duas regras:
- votação de credores que representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto (quórum de votação);
- voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções (quórum de aprovação).
Discute-se a verificação deste último quórum; a decisão recorrida considerou que ele (apenas) se realiza quando – nos dois terços dos votos favoráveis – mais de metade desses votos favoráveis correspondem a créditos não subordinados e a Recorrente defende que ele se realiza desde que nos dois terços de votos emitidos (favoráveis ou não) se compreendam mais de metade de créditos não subordinados.
Com segurança se pode dizer que a lei visa garantir que os titulares dos créditos não subordinados tenham uma especial palavra a dizer sobre o plano de recuperação do devedor e que não será uma qualquer maioria de dois terços dos votos emitidos que decidirá. Bastará, porém, que tais credores emitam voto em medida superior (mais de metade) aos credores que representam os créditos subordinados ou é também necessário que o façam, na referida medida, favoravelmente?
A letra da lei parece favorecer o sentido que a Recorrente lhe atribui; fala-se em votos emitidos e não em votos favoráveis emitidos – mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados.
A este argumento (literal) se poderia, aliás, acrescentar um outro que resulta da redação da alínea b), uma vez que nesta se estabelece, por referência aos votos favoráveis que mais de metade destes votos devem corresponder a créditos não subordinados – “recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto (…) e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados (…)” – e se o legislador utilizou redações diferentes em ambas as alíneas deixando claro na última o sentido que agora se discute na primeira é porque quis dizer coisas diferentes, dir-se-ia.
Mas votos favoráveis são ainda, por natureza, votos emitidos e por ser assim não se poderá liminarmente afirmar que a decisão recorrida não tenha apoio na letra da lei, ao ajuizar que a aprovação do plano de recuperação exige o voto favorável de mais de metade de credores que representem créditos não subordinados.
A letra da norma acolhe, simultaneamente, a interpretação encontrada pela decisão recorrida e a interpretação preconizada pela Recorrente, mas o resultado de ambas as leituras não são, em igual medida, defensáveis quando vistas à luz dos fins (ou teleologia) da norma.
Aceitar que o quórum de aprovação se realiza com a mera emissão de voto de credores que representam mais de metade de créditos não subordinados, independentemente do sentido do voto, significa aceitar a aprovação do plano contra o sentido de voto maioritário dos credores que representam créditos não subordinados, como no caso se verifica (€ 4.110.457,74 de créditos não subordinados votaram contra o plano e € 3.666.680,51 votaram a favor do plano) ou, no limite, aceitar a aprovação do plano com uma votação favorável dos credores não subordinados meramente residual e postas assim as coisas “a palavra a dizer” dos credores que representam créditos não subordinados, causa / função da norma, seria de pouca valia senão mesmo de valia nenhuma.
A unidade do sistema (elemento lógico da interpretação) permite, no entanto, encontrar com a necessária segurança o alcance e sentido da norma.
O artigo 212.º, n.º 1, do CIRE, depois das alterações introduzidas pelo D.-L. n.º 200/2004, de 18/8, dispõe o seguinte a propósito do quórum de aprovação do plano de insolvência:
“A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
As regras de aprovação do plano de insolvência são as mesmas que vigoram para a aprovação do plano de recuperação na situação em apreciação.
E aqui mais de metade de votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados significa votos favoráveis uma vez que o legislador, no preâmbulo do referido D.-L. 200/2004, anotou ser este o sentido da alteração:
“(…) note-se ainda o estabelecimento de um requisito de aprovação pela maioria dos votos correspondentes a créditos não subordinados, por forma a evitar que os credores subordinados possam, sem o acordo dos restantes credores, fazer aprovar um plano de insolvência.”
Com recurso a este elemento sistemático de interpretação se conclui que a aprovação do plano de recuperação, não se considerando as abstenções, exige cumulativamente: (i) o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e (ii) o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados.
É, aliás, assim que, sem equívocos, resulta da redação da alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F, vigente, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11/1.
5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados, se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
(…)
b) Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:
i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D”.
E foi este o entendimento do acórdão desta Relação de 28/09/2017, relatado pelo ora 1º Adjunto e subscrito pelo ora 2º Adjunto, segundo o qual “[n]a visão maioritária, que perfilhamos, para os efeitos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de uma parcela significativa do capital envolvido no plano de recuperação. De seguida, para a aprovação do plano de recuperação, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos para fixar o quórum deliberativo, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções”, o qual expressamente circunscreveu a interpretação corretiva que sufragou a situações em que “os créditos subordinados representem mais de 50% do colégio deliberativo, pois neste enquadramento não é possível que «mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados», tal como impõe a alínea b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
A regra interpretativa mostra-se indicada e a exceção justificada distinguindo-se uma da outra, ao invés do que parece sustentar a Recorrente.
No caso, num universo de créditos de € 12.975.485,24 que emitiram voto, € 7.777.138,25, correspondem a créditos não subordinados e € 5.198.346,79 correspondem a créditos subordinados, votaram favoravelmente o plano credores cujos créditos representam € 8.865.027,30 e, entre estes, credores que representam créditos subordinados no valor de € 5.198.346,79.
Assim, o plano recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos [8.865.027,30 > (12.975.485,24: 2/3], mas não obteve o voto favorável de mais de metade de créditos não subordinados [(8.865.027,30:2) < 5.198.346,79].
O plano não se mostra validamente aprovado, como se decidiu.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

2.2. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida com a consequente não homologação do plano de recuperação.
Custas pela Recorrente.
Évora, 9/6/2022
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho