Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3627/17.8T8STR-A.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PRESCRIÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A interrupção da prescrição ocorre em juízo, através da citação ou da notificação judicial avulsa, mas a interrupção só é concebível enquanto o prazo da prescrição não ocorrer na sua totalidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3627/17.8T8STR-A.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…), divorciada, residente na Rua (…), nº 56, r/c, Esquerdo, em Lisboa, instaurou contra (…), divorciado, residente na Rua (…), nº 21-A, (…), Cartaxo, ação declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, que no âmbito do projeto de vida que teve em comum com o R., com quem foi casada até 2015, data em que o casamento foi dissolvido, por divórcio, participou na conclusão de uma moradia, propriedade do R., contraindo com este um empréstimo de € 60.000,00 para a realização de obras, utilizou proventos do seu trabalho na compra de bens, equipamentos e materiais para a casa e aplicou empréstimos e doações de familiares seus na realização de obras na casa, contribuindo com cerca de € 40.000,00 para obras de remodelação e para a aquisição de bens da casa que pertence ao R.

Graças ao trabalho e despesas efetuadas pela A., o R. viu aumentado o seu património em cerca de € 150.000,00, correspondendo metade deste valor a um empobrecimento da A.

Concluiu pedindo a condenação do R. a restituir-lhe a quantia de € 75.000,00, acrescida de juros.

Contestou o R. excecionando a nulidade de todo o processo, por ineptidão da p.i., e a prescrição do direito da A., por haverem decorrido mais de três anos entre o conhecimento pela A. do direito à peticionada restituição e a data da propositura da ação, impugnando factos alegados pela A. e formulando pedido reconvencional de condenação da A. no pagamento de prestações de empréstimos por ambos contraídos e exclusivamente pagos pelo R., após o divórcio.

Concluiu pela absolvição da instância, em qualquer caso, pela improcedência da ação e, reconvindo, pela condenação da A. no pagamento da quantia de € 184,08 e no que se vier a apurar em sede de liquidação, acrescido de juros.

Respondeu a A. por forma a defender a improcedência das exceções e do pedido reconvencional.


2. Foi proferido despacho que admitiu o pedido reconvencional, julgou improcedente a exceção da nulidade de todo o processo, afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância, julgou procedente a exceção da prescrição do direito da A. e determinou o prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido reconvencional, com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.


3. O recurso.
A A. recorre deste despacho, na parte em que julgou procedente a exceção da prescrição, e conclui assim a motivação do recurso:
“I. Em momento algum da sua petição inicial a Autora afirmou que teve conhecimento do seu direito em 26 de dezembro de 2014 ou em data anterior;

II. A data em que a Autora adquiriu ou despendeu montantes no imóvel do Réu, bem como a data em que a mesma se divorciou daquele, não se confundem com a data em que a mesma teve conhecimento do seu Direito;

III. A Autora afirmou, expressamente, que apenas em dezembro de 2015 teve conhecimento do seu direito e que, por esse motivo, apenas a partir dessa data deixou de pagar o empréstimo contraído para realização de obras no imóvel.

IV. Sendo certo que, a prescrição, enquanto matéria de exceção, cabe ao Réu alegar e provar, artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

V. Conforme se decidiu no douto Acórdão do STJ, processo n.º 200/0S.5TCGMR.S1, de 11/12/2012, disponível em www.dgsi.pt:

- Como critério para a prescrição do direito à restituição por enriquecimento o legislador adotou o do conhecimento do direito,

- O que se trata aqui é, pois, do conhecimento do direito e não propriamente do dano.

- Aquele conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos.

- Para que ocorra esse conhecimento para o efeito daquela prescrição necessário é que o empobrecido tenha consciência da existência cumulativa dos três requisitos para aquela restituição: um enriquecimento, a carência da causa justificativa do mesmo e que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

- O conhecimento do direito a que alude o artigo 482º do Código Civil tem que ser pessoal por parte dos empobrecidos e não apenas dos seus mandatários.

- O enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada".

VI. Igualmente o Venerando Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo n.º 2404/06-3, proferido em 30/11/2006, disponível em www.dgsi.pt decidiu:

I - Prescrito o direito à indemnização por facto ilícito e tendo sido formulado pedido subsidiário com fundamento no enriquecimento sem causa, há que apreciar e decidir se o mesmo tem fundamento, sendo certo que para tanto se impõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- Existência de um enriquecimento;

- Falta de causa que o justifique (porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a tido inicialmente, entretanto a haja perdido);

- Que esse enriquecimento seja obtido à custa de quem pretende a restituição;

- Que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.

II - O prazo de prescrição do direito de restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete conforme dispõe o artº 482º do Cód. Civil, não abarca, o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado.

III - Tal prazo prescricional inerente ao pedido de ressarcimento alicerçado em enriquecimento sem causa, só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que declarou prescrito o direito do autor com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, pois sendo o pedido subsidiário, só após estar reconhecida a impossibilidade de uso de outro meio de exercício do direito é que ocorre a permissão legal para o exercício do direito com base no enriquecimento sem causa. "

VII. O conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos.

VIII. No caso sub judice não existe qualquer elemento que permita imputar à Recorrente a consciência de que tinha o direito de pedir a restituição baseada no enriquecimento sem causa no dia 26/12/2014, tanto assim é que a Recorrente pagou um empréstimo bancário que foi utilizado para realizar obras em casa do Recorrido até dezembro de 2015.

IX. No caso sub judice, não poderia o Tribunal a quo ter concluído, como concluiu, que, desde pelo menos 26/12/2014, a Recorrente tinha conhecimento do Direito a acionar o instituto do Enriquecimento sem causa;

Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca, à cautela ainda diremos o seguinte:

X. Ocorrendo a alegada prescrição em período de férias judiciais o referido prazo sempre se transferia para o dia 04 de janeiro de 2018;

XI. Isto mesmo decorre do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil:

"À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida as seguintes regras:

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo. "

XII. Mesmo que tivesse ficado provado, que não ficou, que a Recorrente teve conhecimento do seu Direito no dia 26/12/2014, o prazo de prescrição apenas ocorria no dia 04/01/2018, pelo que, tendo a ação intentada pela Recorrente dado entrada no dia 29/12/2017, não estava ainda prescrito o seu direito.

XIII. Conforme se decidiu no douto Acórdão do STJ, de 22/10/2015, no âmbito do processo n.º 273/13.9YHLSB.L1.S1, em que foi Relatora a Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza:

VII - Se o prazo referido em V terminou em período de férias judiciais tem plena aplicação a al. e) do art. 279.º do CC, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte o fim do prazo previsto para a propositura da ação.

XIV. Em sentido idêntico Acórdão do STJ, proferido no âmbito do processo n.º 02B1315, de 04/12/2001, disponível em www.dgsi.pt:

"Expirado, no decurso das férias judiciais de verão, o prazo prescricional de propositura de uma ação tendente à efetivação da responsabilidade civil para acidente de viação, esse prazo diferir-se-á para o primeiro dia útil seguinte a essas férias. "

XV. Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 279º, alínea e), 342º, n.º 2 e 482º, todos do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente recurso obter provimento e, em consequência deve a Sentença proferida pelo Tribunal "a quo" ser revogada, sendo proferido douto Acórdão que declare improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Recorrido, com as legais consequências.

Assim decidindo farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA”

Respondeu o R. por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Vistas as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, a questão do recurso resume-se em saber se o direito à restituição por enriquecimento está, ou não, prescrito.

III. Fundamentação.
1. Factos.
A decisão recorrida considerou os seguintes factos alegados pela A.:

- O réu era proprietário de um terreno com uma moradia tijolo, sito na Rua (…), n.º 21, (…), Cartaxo, que lhe havia sido doada pelos seus pais;

- Na Repartição de Finanças do Cartaxo, encontra-se inscrito em nome do réu, um prédio urbano, sito na união de freguesias de (…) e (…), com o artigo matricial (…).

- No âmbito do projeto de vida comum que definiram autora e réu pensaram em adquirir um imóvel para ser a casa de morada de família do casal, tendo o segundo sugerido que procedessem à conclusão da moradia e que ali estabelecessem a sua futura residência;

- Para irem residir para aquele prédio urbano, autora e réu realizaram obras.

- Para a execução dessas obras, em 11 de novembro de 2011, contraíram junto da Caixa Geral de Depósitos, um empréstimo no montante de € 60.000,00 que foram pagando com os vencimentos de ambos.

- A partir de novembro de 2011 a autora utilizou as quantias que havia ganho, fruto do seu vencimento, nas obras e na compra de bens e de materiais para a casa.

- Acontece, porém, que o empréstimo contraído não foi suficiente para a conclusão das obras;

- Pelo que, para concluir as mesmas a autora recorreu ao auxílio dos seus familiares nomeadamente dos seus pais e avós: os pais da autora entregaram a esta € 5.000,00; os avós emprestaram-lhe € 10.000,00; o padrinho ofertou-a com € 1.000,00, usados para adquirir o gradeamento que circunda a moradia; os avós maternos da autora ofertaram-na ainda com € 5.000,00 tendo este montante sido utilizado na compra de mobília de quarto e da sala;

- Ao longo de 3 anos foram realizadas obras no sentido de melhorar o interior e o exterior da moradia, tanto com o montante do crédito como dos proveitos da autora;

- A autora adquiriu em 13.07.2014, para a casa do réu, na Worten, um televisor LED, pelo valor de € 299,00 e para o qual contraiu empréstimo, a pagar em 10 (dez) mensalidades cada, no valor de € 29,90;

- Adquiriu ainda para a casa do réu, na loja (…) Home, em 20.07.2012, pelo valor de € 1.838,85 diversos móveis;

- Em 12.06.2012, a autora adquiriu, para a casa do réu, pelo valor de € 4.075,00 diversos bens;

- Em 23.02.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 403,06, na loja (…), de Santarém, dois candeeiros cromados em cristal;

- Em 23.02.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 29,60, na loja (…), de Santarém, uma cortina Línea;

- Em 23.02.2013 pagou, a título de adiantamento, pela fatura (…)/9, o valor de € 50,00, na loja (…), de Santarém.

- Em 31.10.2014 adquiriu para casa do Réu, pelo valor de € 176,50, na empresa (…) e Filhos, Lda., materiais de construção, nomeadamente, areia Tejo carrada, brita, vergas de 12 metros varão p/betão, estribos 18x18 e arame queimado;

- Em 13.03.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 17,00, na empresa (…) e Filhos, Lda., um tubo polietileno 1,4kg;

- Em 19.06.2014 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 52,50, na empresa (…) e Filhos, Lda., brita n.º 1 carrada;

- Em 27.07.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 45,55, na loja (…) de Santarém, alguns artigos em inox;

- Em 21.10.2012 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 242,91, na loja (…) de Loures, alguns artigos de decoração;

- Em 12.03.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 107,00, na loja (…), Lda., tomadas, torneiras e tubos;

- Em 12.10.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 18,98, na loja (…) de Loures, artigos para casa, nomeadamente, Bumerang NN Cab e uma caixa Compart;

- Em 03.08.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 23,15, no (…) de Santarém, artigos para casa;

- Em 02.02.2014 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 169,00, no (…) de Santarém, um desumidificador compact iop, um desumidificador equation 20L e uma mangueira de 5 metros cristal 12x16;

- Em 08.07.2013 adquiriu para a casa do réu, pelo valor de € 42,99, no (…) de Santarém, uma ventoinha alta V18 130W cromada;

- Além de que a mão-de-obra para a realização de todo o trabalho de pedreiro foi levado a efeito pelo pai da autora, trabalho esse que representava cerca de € 15.000,00;

- Autora e réu casaram um com o outro, em 2013, tendo o casamento sido dissolvido em 2015.

- Entre dezembro de 2011 e até dezembro de 2015 foram pagos pela autora e pelo réu, o montante global de € 7.387,20, a título de prestações devidas pelo empréstimo bancário.

- Enquanto viveu com o réu, a autora contribuiu com um total de cerca € 40.000,00 para as obras de remodelação e outros bens, de uma casa pertencente àquele.

- Na sequência do divórcio, a autora, como o réu era o proprietário do imóvel viu-se obrigada a abandonar o lar conjugal.

Conforme se alcança da certidão predial junta aos autos, o prédio misto, sito na Rua (…), em (…), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) e na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º …/20100723 encontra-se inscrito a favor do réu desde 3 de fevereiro de 2011, pela apresentação n.º (…).

Mais resulta da certidão da Conservatória do Registo Civil do Cartaxo, que autora e réu contraíram matrimónio um com o outro no dia 6 de julho de 2013, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida em 26 de dezembro de 2014 e transitada em julgado na mesma data, no âmbito do processo n.º (…) de 2014, da Conservatória do Registo Civil do Cartaxo.

2. Direito

2.1. Se se o direito à restituição por enriquecimento está, ou não, prescrito.
A ação de enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, o que significa que só tem lugar quando a lei não faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Assim o diz o 474º do Código Civil, segundo o qual, “[n]ão há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”

Decorrido o prazo de três a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável o direito à restituição por enriquecimento prescreve, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento, de acordo com o disposto no artº 482º do Código Civil.

A prescrição, uma vez invocada por aquele a quem aproveita, confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artºs 303º e 304º, nº 1, do Código Civil).

Porquanto facto impeditivo do exercício do direito, a sua prova incumbe àquele contra quem é invocado o direito (artº 342º, nº 2, do Código Civil).

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do Código Civil) e estes ainda que internos, como o dolo, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção, etc. carecem de alguma objetivação no mundo exterior e é sobre esta manifestação ou perceção externa que incidirá a prova.

Servem estes considerandos para afirmar que a data a partir da qual o credor teve conhecimento do direito que lhe compete, relevante para efeitos de prescrição por enriquecimento, não é necessariamente aquela em que o credor afirma ter tido tal conhecimento, nem pode assumir uma índole puramente subjetiva, sem qualquer afirmação no mundo exterior ou inexistir, como parece supor a tese da A., contra a sua evidência externa.

Não é pois a afirmação, expressa ou tácita, do titular do direito à restituição por enriquecimento de conhecer ele o seu direito ou a apreensão meramente subjetiva de tal conhecimento, imperscrutável para o devedor e, assim, de impossível demonstração, que define o momento a partir do qual se conta o prazo da prescrição, necessitando ele de ser inferido, segundo as regras da experiência e da normalidade da vida, de manifestações externas que com a necessária segurança permitam formar a opinião que o conhecimento do direito à restituição se verificou numa dada localização temporal.

Foi esta a metodologia observada pela decisão recorrida.

Visando a A. ser restituída de quantias que gastou, antes e depois de casada com o R., na realização de obras de uma casa do R. e na compra de bens, equipamentos e materiais para a mesma casa e dissolvido o casamento de ambos, por sentença transitada em julgado em 26/12/2014, a decisão recorrida concluiu que, pelo menos, nesta data a A. teve conhecimento do direito que lhe competia e da pessoa do responsável, iniciando-se então o prazo de prescrição para efeitos do exercício do direito à restituição por enriquecimento.

Solução que cremos acertada.

O conhecimento do direito à restituição por enriquecimento vem a ser a consciência da possibilidade legal da restituição, ou seja, a perceção pelo empobrecido do (i) enriquecimento, (ii) da carência da causa justificativa do mesmo e (iii) de que o enriquecimento foi obtido à sua custa.

De todos estes requisitos teve a A. conhecimento, pelo menos, aquando do seu divórcio com o R., por se haver então tornado evidente, ter deixado de existir a causa da transferência patrimonial, ou seja, a causa que, na sua alegação, justificou a aplicação de recursos seus numa casa que não era sua e era de quem, pelo divórcio, deixou de ser o seu cônjuge.

A tal não obsta, a nosso ver, a alegada circunstância de haver a A. até data posterior (dezembro de 2015) continuado a amortizar as prestações do empréstimo que, em conjunto com o R., havia contraído para a realização de obras no imóvel; fazendo-o cumpriu uma obrigação própria, típica da sua qualidade de mutuária (artº 1142º do Código Civil), no âmbito de um financiamento para obras de uma casa que a A. não ignorava, segundo alega, não ser sua e pertencer ao R.; facto, assim e a nosso ver, inócuo para concluir que foi esta a data (dezembro de 2015) em que teve conhecimento do direito que à restituição por enriquecimento e, de qualquer modo, posterior à data do divórcio com o R., a qual objetiva, como referido, com alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida, com certeza histórico-empírica, no dizer de Manuel Andrade [Noções Elementares de Processo Civil, pág. 192], de haver a A. tomado conhecimento, na data do divórcio, de todos os pressupostos do direito à restituição e, assim, do direito que lhe competia.

Com acerto considerou a decisão recorrida a data de 26/12/2014 como a relevante para o início do prazo de prescrição; proposta a ação em 29/12/2017 resulta claro que, nesta data, já haviam decorrido mais de três anos após a A. ter conhecimento do direito que lhe competia, razão pela qual o direito à restituição por enriquecimento se mostrava prescrito, como se decidiu.

Ainda assim, argumenta a A. que ocorrendo a alegada prescrição em período de férias judiciais o termo do prazo da prescrição transferiu-se para o dia 4/1/2018, por via da aplicação do disposto no artigo 279º, al. e), do Código Civil e, assim, à data da propositura da ação (29/12/2017) o seu direito não se mostrava prescrito.

Sem razão, a nosso ver.

Segundo o artº 298º, nº 1, do Código Civil, “[e]stão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante certo lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não seja indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.

O simples decurso do prazo, estabelecido na lei, para o exercício do direito disponível ou não declarado isento de prescrição, faculta ao devedor, ou à pessoa vinculada, a válida recusa do cumprimento.

“Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição” [Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª ed., pág. 380].

Dispõe o nº 1 do artigo 323º do CC: «A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente». Por sua vez, prescreve o nº 2 do mesmo artigo: «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

A interrupção da prescrição ocorre em juízo, através da citação ou da notificação judicial avulsa, mas a interrupção só é concebível enquanto o prazo da prescrição não ocorrer na sua totalidade.

Por ser assim, constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça que o efeito interruptivo da prescrição previsto nº 2 do art. 323º do Código Civil, assenta em três pressupostos: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação, (ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias, (iii) que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao A. [cfr., entre outros, Acs. do STJ de 14-01-2009 (processo n.º 08S2060), de 12-01-2017 (processo n.º 14143/14.0T8LSB.L1.S1) e de 19-06-2019 (processo n.º 3173/17.0T8LOU-A.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].

No caso dos autos, o prazo da prescrição começou a correr em 26/12/2014 e a ação foi proposta em 29/12/2017, o que significa, repete-se, que o prazo da prescrição já se havia completado à data da propositura da ação, ou seja, para usar as palavras da Jurisprudência citada, o prazo da prescrição já não estava a correr na data em que a A. introduziu em juízo a pretensão à restituição por enriquecimento.

Prescrito o direito assistia ao R. o direito de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artº 304º, nº 1, do Código Civil) e o R., por via da defesa por exceção, veio exercer oposição ao direito alegado pela A., por prescrito; a decisão recorrida deu razão ao R. e, face ao exposto, não vemos melhor solução.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

2.2. Custas.

Vencida no recurso, incumbe à A. o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto na improcedência do recurso em confirmar a decisão recorrida.
Custas, nesta instância, pela A./apelante.
Évora, 24/10/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho