Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1152/20.9T8LLE-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DESPEJO
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: À entrega judicial, em acção executiva para entrega de coisa certa, de fracção autónoma na sequência da cessação de um contrato de arrendamento que a teve por objecto, é aplicável a alínea c) do n.º 7 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05.04.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1152/20.9T8LLE-A.E1

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(…) propôs a presente acção executiva para entrega de coisa certa contra (…), (…) e (…). O título executivo é constituído por uma sentença, transitada em julgado, que, além do mais, declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 30.01.2007 e condenou os réus (…) e (…) a entregarem à autora, completamente livre e devoluta de pessoas e bens, a fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito no Largo de (…), n.º 15, freguesia e concelho de Faro, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número (…) da União de Freguesias de Faro. A exequente alegou que os executados não procederam à entrega da referida fracção.

Os executados não deduziram oposição à execução.

Em 20.07.2021, o agente de execução requereu autorização para a intervenção da força pública com vista à efectivação da entrega da fracção.

Na sequência desse requerimento, foi proferido, em 13.09.2021, despacho com o seguinte teor:

“Requerimento do senhor Agente de Execução de 20/07/2021 e Refª CITIUS 39500182:

Preceitua o artigo 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, na parte que ora interessa que “1-No decurso da situação excecional de prevenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID-19, as diligencias a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidade de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo (…) Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo (…) b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligencias de entrega judicial da casa de morada de família…”

Ora, no caso em apreço, o senhor Agente de Execução, na sequência do requerimento apresentado pela exequente (Refª CITIUS 39500182) veio requerer autorização para requisição da força pública tendo em vista empossar a exequente na posse do imóvel objecto da presente execução (casa de morada de família dos executados … e …) e que está ocupado por estes executados que recusam sair voluntariamente do mesmo, tratando-se de um ato a realizar em sede de processo executivo relacionado com a entrega judicial da casa de morada de família, o qual, conforme resulta da norma legal está suspenso, razão pela qual não pode o Tribunal, por ora, deferir o requerido pelo senhor Agente de Execução.

Notifique.”

A exequente interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Mertª Juiz a quo a fls., em 13 de Setembro de 2021, que indeferiu o solicitado pedido de recurso à força policial para efectivação da diligência de despejo;

2 – Ora tal decisão viola em absoluto toda as regras de Direito aplicáveis no caso vertente;

3 – Com efeito a suspensão de efectivação de despejo prevista na Lei 1-A/2020, em todas as suas versões, não opera ope legis conforme ensinam os doutos acórdãos, entre outros, proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa no proc. 3463/19.7T8VFX.L1-2 e pelo Tribunal da Relação do Porto no proc. 1212/20.6T8LOU-B.P1;

4 – Tal significa que a indicada suspensão do despejo não é automática, mas outrossim decretada pelo tribunal, caso a caso, se verificados os pressupostos constantes da lei;

5 – Assim só mediante alegação e prova, por parte do executado, de que se encontra nas condições excepcionais que permitam a suspensão do despejo é que essa diligência;

6 – E mediante decisão proferida pelo Juiz reconhecendo essas alegadas condições;

7 – É que a questão é de uma simplicidade extrema: é ao executado que cabe alegar e provar que se encontra nas condições previstas no referido preceito legal nomeadamente que sofreu uma quebra de rendimentos e que ficará numa situação de grande fragilidade por falta de habitação própria caso o despejo se concretizasse conforme e muito recentemente (já ao abrigo da ultima redação daquele preceito legal) se ensina refere no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no proc. 1055/20.7YPRT.L1-6;

8 – Deste modo e ao contrário do decidido no despacho recorrido a diligência efectiva de despejo só fica suspensa se e caso o executado vier alegar e provar que se encontra nas indicações situações de fragilidade económica e de habitação;

9 – Pois caso nada alegue o despejo tem de ser efectuado.

10 – Ora e no caso vertente o executado nada veio requerer ou invocar nos autos;

11 – Assim o entendimento perfilhado pela Mertª Juiz a quo ao suspender a execução referindo que os despejos estão, pura e simplesmente, suspensos é totalmente contrária e oposta ao estatuído no artigo 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020 violando frontalmente a lei;

12 – Doutro passo não pode deixar de se salientar que os executados não pagam qualquer renda há mais de seis anos o que é absolutamente inacreditável;

13 – Julga-se ser do mais óbvio entendimento que e sem prejuízo do atrás alegado esta situação de usar e fruir uma casa de terceiro sem pagar rigorosamente nada durante todos estes anos constitui um abuso intolerável por parte do executado e merecedora da máxima censura;

14 – Acresce que, neste momento, a exequente que tem mais de 80 anos de idade encontra-se bastante doente carecendo de medicamentos, exames e outros;

15 – O que torna não só intolerável a situação como, também absurda.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.


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Os factos relevantes para a decisão do recurso são os acima descritos.

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O agente de execução requereu autorização para solicitar a intervenção da força pública com vista à efectivação da entrega da fracção autónoma em 20.07.2021. O despacho recorrido, indeferindo tal requerimento com fundamento no disposto no artigo 6.º-E, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, foi proferido em 13.09.2021.

Está, pois, em causa saber se o referido artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-B/2021, determina a suspensão da efectivação da entrega da fracção.

Entendeu-se, no despacho recorrido, que é aplicável ao caso dos autos o disposto na alínea b) do n.º 7 do artigo 6.º-E, de acordo com a qual ficam suspensos, no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto naquele artigo, os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família.

Todavia, porque nos encontramos perante uma entrega judicial de fracção autónoma na sequência da cessação de um contrato de arrendamento que a teve por objecto, é aplicável, não a alínea b), mas sim a alínea c) do n.º 7 do artigo 6.º-E. Nos termos desta norma, apenas ficam suspensos, no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto naquele artigo, os actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

No caso dos autos, não está demonstrado que a restituição da fracção à recorrente possa colocar os recorridos em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa. Mais, nenhum dos recorridos o alegou, sequer. Daí que nada obste à imediata restituição do locado à recorrente, se necessário mediante o recurso ao auxílio da força pública, tal como foi requerido pelo agente de execução.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a imediata restituição, à recorrente, da fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito no Largo de (…), n.º 15, freguesia e concelho de Faro, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número (…) da União de Freguesias de Faro, nos exactos termos em que tal foi decidido na sentença que constitui o título executivo e mediante o auxílio da força pública caso este se revele necessário.

Custas a cargo dos recorridos.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 13.01.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

José Manuel Barata

Emília Ramos Costa