Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ANTÓNIO MOITA | ||
Descritores: | LETRA DE CÂMBIO DESPESAS | ||
Data do Acordão: | 10/24/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1 - Nas “ outras despesas “ previstas no artigo 48º , § 3º , da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças , devem incluir-se despesas necessárias feitas pelo sacador e portador da letra com vista a obter a satisfação do seu crédito junto do devedor/sacado , designadamente despesas com operações que beneficiaram este último por lhe terem permitido o diferimento/protelamento do pagamento da quantia titulada em dívida; 2 – Assim , as despesas resultantes da emissão , por não pagamento atempado da quantia integral titulada em várias letras de câmbio , de correspondentes letras de reforma , integra o conceito acima referido de “ outras despesas “. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – Relatório BB, Lda., melhor identificada nos autos principais , a que estes foram apensados , intentou a presente oposição à execução que lhe foi movida por CC, Unipessoal , Lda. alegando , em síntese , por um lado , que os encargos bancários , no montante de € 8.150,24 e as despesas extrajudiciais , no montante de € 250,00 e respectivos juros , peticionados no requerimento executivo , não integram o título executivo e , por outro lado , que a taxa de juro aplicável é de 4% e não a taxa prevista para os juros comerciais , conforme também peticionado. Concluiu , em face do exposto, dever ser extinta a execução quanto às despesas e quanto aos juros peticionados. Notificada para, querendo, apresentar contestação, a exequente não o fez. Foi cumprido o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC. Em alegações , a oponente sustentou que as 12 letras de reforma , dadas à execução , exprimem uma “datio pro solvendo” , sendo esta (reforma) a causa de pedir da acção executiva e não os títulos executivos. Concluiu , por isso , inexistir título executivo quanto às despesas bancárias e às despesas extrajudiciais , sendo apenas devidos os juros moratórios legais e não os comerciais. No Tribunal a quo foi proferido despacho saneador-sentença de onde consta o seguinte dispositivo: “ Nestes termos, procede, parcialmente, a presente oposição à execução e, consequentemente, determina-se a extinção da execução relativamente às despesas extrajudiciais, bem como, se determina a aplicação à dívida exequenda da taxa de juros de 4%, reduzindo-se, em conformidade, o pedido exequendo. Custas por oposta/exequente e oponente/executada, na proporção do seu decaimento. Registe e notifique. Dê-se conhecimento ao agente de execução. “ Inconformada com a decisão , a Embargante/oponente apresentou requerimento de recurso de apelação alinhando as seguintes conclusões: “ A) Os presentes autos de recurso vêm interpostos do, aliás, douto despacho Saneador-sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, na parte em que decidiu que os encargos bancários no valor de 8.150,24€ integram o título executivo e por essa razão integram o título executivo e são devidos. B) Tal decisão, ainda que sustentada em factos, parte de um exercício jurídico formal realizado pelo Tribunal decidente. C) Tal exercício, contudo, parte de premissas que são erradas e que, sem qualquer intervenção voluntária de quem decide, acabam por deturpar gravemente o conteúdo decisório da sentença ora em crise. D) Procurando a recorrente com a presente impugnação, demonstrar que a decisão não só poderia como deveria ser outra, pois o formalismo decisório deve sempre ceder à procura da verdade material, nomeadamente quando a solução formal se encontra viciada. E) A única questão que se coloca é saber se a exequente tem direito a receber os montantes peticionados a título de despesas bancárias que teve que suportar relacionadas com o pagamento desses títulos. F) Na expressão "outras despesas" a que se reporta o n.º 3 do artigo 48.º da LULL estão abrangidas as despesas que se mostrem necessárias para a efetivação do direito, realizadas com vista a obter o pagamento do crédito titulado pelas letras. G) Por isso, nessa expressão são de incluir os encargos bancários que o portador das letras teve de suportar relacionadas com o pagamento desses títulos. H) Não se corporizando no título executivo dado à execução, elas poderão ser reclamáveis em ação declarativa. I) Censura-se, pois, a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, que deu como provado que a oposta/exequente suportou encargos bancários no montante de € 8150,24, e estando estas despesas englobadas no artigo 48.º, § 3 da LULL, integram o título executivo e podem ser exigidas na ação executiva, improcedendo, nesta parte, a pretensão da oponente. J) Foram violados por erro de interpretação, o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CPC e o disposto no artigo 48.º, § 3 da LULL. Termos em que deve o recurso deve ser julgado procedente, por provado, e, por via dele, ser declarada a inexistência de título executivo para os montantes reclamados pela exequente relativo a encargos bancários (€ 8150,24), com a consequente redução da quantia exequenda. “ * A Apelada não apresentou resposta à motivação recursiva. * Foi proferido na 1ª Instância despacho que admitiu o recurso e ordenou a subida do mesmo a este Tribunal Superior para apreciação. O recurso é o próprio e foi admitido no modo e efeito correctos. * Correram Vistos. * II – Questões objecto do recurso Nos termos do disposto no artigo 635º , nº 4 , conjugado com o artigo 639º , nº 1 , ambos do Código de Processo Civil ( doravante apenas CPC ) , o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso , salvo no que concerne à indagação , interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que , no âmbito de recurso interposto pela parte vencida , possam ser decididas com base em elementos constantes do processo , pelo que a única questão que enforma o objecto deste recurso prende-se com o saber se os encargos bancários estão ou não abrangidos na previsão legal constante do artigo 48º § 3 da Lei Uniforme de Letras e Livranças ( doravante apenas LULL ) , designadamente na expressão “ outras despesas “. * III – Fundamentação de Facto Constam da sentença recorrida os seguintes fundamentos de facto: “ 1. Em 11 de Março de 2016, a exequente CC, Unipessoal Lda. instaurou contra BB, Lda., a acção executiva que corre nos autos principais, apresentando, como título executivo, as letras de câmbio seguintes: a. Letra Z 500792887126909512, data de emissão 17/02/2014, data de vencimento 16/05/2014, valor de € 855,00, “reforma da letra € 1.400,00 venc. 17/02/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . b. Letra AA 500792887121559998, data de emissão 06/03/2013, data de vencimento 06/06/2014, valor de € 1.830,00, “reforma da letra € 2.450,00 venc. 06/03/2012”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas”. c. Letra Z 500792887126909520, data de emissão 06/03/2014, data de vencimento 02/06/2014, valor de € 1.530,00, “reforma da letra € 2.040,00 venc. 06/03/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . d. Letra Z 500792887126909571, data de emissão 20/03/2014, data de vencimento 20/06/2014, valor de € 1.800,00, “reforma da letra € 2.450,00 venc. 20/03/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . e. Letra Z 500792887126909563, data de emissão 20/03/2014, data de vencimento 18/06/2014, valor de € 1.500,00, “reforma da letra € 2.000,00 venc. 20/03/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . f. letra AA 500792887121557847, data de emissão 24/03/2014, data de vencimento 24/06/2014, valor de € 1.210,00, “reforma da letra € 1.620,00 venc. 24/03/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . g. Letra AA 500792887121559700, data de emissão 07/04/2014, data de vencimento 07/07/2014, valor de € 1.200,00, “reforma da letra € 1.600,00 venc. 07/04/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . h. Letra AA 500792887121559718, data de emissão 10/04/2014, data de vencimento 10/07/2014, valor de € 1.850,00, “reforma da letra € 2.467,00 venc. 10/04/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . i. Letra AA 500792887121559726, data de emissão 10/04/2014, data de vencimento 10/07/2014, valor de € 630,00, “reforma da letra € 840,00 venc. 10/07/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . j. Letra AA 500792887121559734, data de emissão 17/04/2014, data de vencimento 17/07/2014, valor de € 845,00, “reforma da letra € 1.130,00 venc. 17/04/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . k. Letra Z 500792887126907528, data de emissão 06/08/2014, data de vencimento 10/11/2014, valor de € 1.000,00, “reforma da letra € 1.370,00 venc. 06/08/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda, contendo no verso a menção “sem despesas” . l. Letra Z 500792887126907986, data de emissão 12/12/2014, data de vencimento 18/02/2015, valor de € 750,00, “reforma da letra € 1.000,00 venc. 12/12/2014”, sacador CC, sacado BB, Lda , contendo no verso a menção “ sem despesas “ . 2. Com a emissão das sobreditas letras, a exequente suportou encargos bancários no montante de € 8.150,24 e suportou despesas extra-judiciais no montante de € 250,00. Com relevo e interesse para a discussão da causa, inexistem factos não provados. Não se respondeu à demais matéria alegada por ser de natureza conclusiva, de facto e/ou direito e/ou irrelevante para a discussão da causa. “ *** IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A questão a solucionar no presente recurso prende-se com o saber se a Apelada pode , ou não , através da letra dada à execução , reclamar o pagamento de encargos bancários à Apelante no montante total de € 8.150,24. Resulta do artigo 48º da “ Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças “ , aprovada em Portugal pelo Decreto 23721 de 29 de Março de 1934 e ratificada pela Carta de Ratificação e Confirmação , no Suplemento do Diário do Governo nº 144 de 21/06/1934 , o seguinte: “ Art. 48.º Direitos do portador O portador pode reclamar daquele contra quem exerce o seu direito de acção: 1.º O pagamento da letra não aceite ou não paga, com juros se assim foi estipulado; 2.º Os juros à taxa de 6 por cento desde a data do vencimento; 3.º As despesas do protesto, as dos avisos dados e as outras despesas. Se a acção for interposta antes do vencimento da letra, a sua importância será reduzida de um desconto. Esse desconto será calculado de acordo com a taxa oficial de desconto (taxa do Banco) em vigor no lugar do domicílio do portador à data da acção. “ Importa analisar no caso concreto o § 3.º Não podendo seguramente os encargos bancários suportados pela Apelada e reclamados no requerimento executivo inicial integrar a previsão de “ despesas do protesto “ , nem de “ avisos “ , impõe-se saber se integrarão a previsão de “ outras despesas. “ Não foi colocada em crise a decisão relativa à matéria de facto selecionada na sentença recorrida. Ora da matéria de facto provada descrita na sobredita sentença decorre como provado que a Apelada suportou com a emissão das letras descriminadas nas alíneas a ) a l ) do ponto 1. dos factos assentes encargos bancários no montante de € 8.150,24. Vejamos o que decidiu sobre esta matéria o recente acórdão proferido pelo STJ em 28/03/2017 no processo nº 4409/07.0TBLRA.L2.S1, acessível in www.dgsi.pt , cujas notas finais conclusivas , por francamente esclarecedoras , ora destacamos em parte: “ 1. Independentemente de acordo entre as partes, deve incluir-se as despesas que se mostrem «estritamente necessárias para a efectivação do direito» do portador da letra na previsão do nº 3 do art. 48º da LULL (“outrasdespesas”). 2. É o que poderá suceder com os encargos bancários que o portador tenha de suportar relacionados com a reforma da letra, na medida em que o aceitante seja o efectivo beneficiário da actuação deste instituto jurídico-mercantil, ao lograr obter o protelamento, por vezes sucessivo, do prazo de pagamento do título.” Neste mesmo sentido destacamos ainda , a título de exemplo , os acórdãos do mesmo STJ proferidos em 08/05/2012 , ( Procº nº 7012/08.4TBLRA.C1.S1 ) e em 20/10/2011 ( Procº 609/07.1TBPTL.G1.S1 ) , igualmente acessíveis in www.dgsi.pt. Neste último aresto concluiu-se que: « o devedor , único beneficiário das sucessivas reformas da letra , é responsável pelos respectivos encargos » , sendo que no penúltimo acórdão mencionado se defendeu que: « Na expressão “ outras despesas “ a que se reporta o nº 3 do art. 48º da LULL estão abrangidas as despesas que se mostrem necessárias para a efectivação do direito , realizadas com vista a obter o pagamento do crédito titulado pelas letras. Por isso são de incluir os encargos bancários que o portador das letras teve de suportar relacionadas com o pagamento desses títulos. » Concordamos inteiramente com esta jurisprudência , que nos parece ir de encontro à mais correcta interpretação da expressão “ outras despesas “ constante do § 3º do aludido artigo 48º da LULL. Dito isto , retornemos aos factos plasmados na sentença recorrida com interesse para a resolução da questão que nos prende neste recurso. Ora , da análise da matéria de facto descrita na sobredita sentença decorre como provado que a Apelada suportou com a emissão das letras descriminadas nas alíneas a ) a l ) do ponto 1. dos factos assentes encargos bancários no montante de € 8.150,24. ( itálico nosso ). Ora a emissão das ditas letras , que são letras de reforma , permitindo o diferimento ou protelamento do pagamento da quantia titulada em dívida beneficiou indiscutivelmente a Apelante , sacada nas mesmas. Em suma , no caso vertente a despesa com encargos bancários suportada pela Apelada no montante de € 8.150,24 traduz a efectivação de uma despesa estritamente necessária à efectivação do direito da Apelada , enquanto sacadora e portadora das letras reformadas descriminadas supra nos factos provados na sentença recorrida. Como tal essa despesa pode e deve ser incluída na expressão “ outras despesas “ , o que permite concluir pelo acerto da sentença recorrida e conduz à necessária improcedência deste recurso de Apelação. * * V – DECISÃO Pelo exposto , acordam os Juízes deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso de apelação apresentado por BB, Lda e em consequência: A ) Confirmar a sentença recorrida; B ) Fixar custas a cargo da Apelante , nos termos do disposto no artigo 527º , nº 1 e 2 , do C.P.C. * Notifique e registe. * Évora, 24/10/2019 José António Moita Silva Rato Mata Ribeiro |