Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
820/19.2T8STC.E2
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DA CRIANÇA
NULIDADE DA SENTENÇA
DECISÃO PROVISÓRIA
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 820/19.2T8STC.E2
Santiago do Cacém – Juízo de Família e Menores
Comarca de Setúbal



ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I. Relatório
Nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativo à menor (…), foi proferida, no dia 14.06.2021, a seguinte decisão:
“Veio a Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal requerer a alteração do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais nos termos constantes do douto requerimento que antecede.
Em 20.12.2019 a progenitora da criança (…), actualmente com 3 anos e meio, requereu a regulação do exercício das responsabilidades parentais e apresentou proposta nos termos da qual a criança, progressivamente, passaria fins-de-semana alternados, férias de Verão e datas festivas com o progenitor.
Por outro lado, em 17.01.2020, o progenitor deu entrada em acção idêntica (apenso A), requerendo a fixação de residência alternada.
Em 10.03.2020 foi estabelecido regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, em que se previa que a criança ficasse a residir com a progenitora, mas sendo os cuidados prestados alternadamente por cada um dos progenitores, enquanto residissem na mesma habitação e mesmo depois da alteração da residência da progenitora.
A 30.06.2020 foi alterado por acordo o regime provisório continuando a criança a conviver com o progenitor sem pernoita, mas tendo sido aditada por despacho que a criança passaria a pernoitar com o progenitor de sábado para domingo de 15 em 15 dias, com vista a implementar um regime de pernoitas gradual. Mostram-se juntos aos autos relatórios periciais e relatório social de onde se retira que ambos os progenitores detêm competências parentais, que a criança se relaciona com cada um deles de forma prazerosa, sendo fortes os respectivos laços afectivos.
A 20.05.2021 o Ministério Público promoveu a alteração do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, essencialmente de modo a incluir pernoita da criança com o progenitor aos fins de semana, de 15 em 15 dias e todas as quartas-feiras.
Os progenitores exerceram o contraditório.
No essencial, o progenitor aceitou a proposta apresentada pelo Ministério Público, oferecendo algumas alterações e a progenitora opôs-se ao aumento das pernoitas da criança junto do pai, propondo que o referido aumento seja muito gradual, e apenas a partir dos 4 anos, indicando ainda que o regime a aplicar durante as férias deva ser sem pernoita. Discorda igualmente da alteração do montante da pensão de alimentos.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 28.º do RGPTC: “1. Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar execução definitiva da decisão.
2. Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo…”
Decorre do artigo 38.º do mesmo diploma legal que: “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses, ou b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.”
O princípio que norteia este tipo de processos, como decorre, de resto do artigo 40.º do referido diploma legal é o do superior interesse da criança.
Acresce que se deve sempre privilegiar as soluções de consenso, uma vez que se trata, por mais que os progenitores estejam desavindos, de uma família.
Estes progenitores serão sempre os progenitores desta criança, e a sua família e estarão sempre ligados por ela.
De resto, apesar de a criança, nos presentes autos, ser ainda de tenra idade, conforme decorre dos autos, tem vindo a conviver com bastante frequência com ambos os progenitores e a ser alternadamente cuidada por ambos.
Acresce que não é de modo algum salutar para o equilíbrio emocional da mesma e o livre desenvolvimento da sua personalidade privá-la do convívio com algum dos progenitores.
No requerimento apresentado pela progenitora esta entra em contradição com soluções que apresentou na sua petição inicial, conforme decorre de resto da douta promoção que antecede: – nomeadamente quanto às férias de Verão – antes falava em Julho e Agosto e agora refere que a criança apenas tem 2 semanas de férias escolares de Verão; – opõe-se, além do mais, à pernoita da criança com o pai durante as férias, quando na PI não colocou qualquer objecção a partir do momento em que a criança completasse 3 aos de idade; – quanto à pensão de alimentos, na PI a progenitora propôs o valor de 150€/mês e agora pretende um valor superior.
Ora as referidas contradições por parte da progenitora demonstram a vontade de perpetuar o conflito, ao contrário do que seria aconselhável e, por outro lado, demonstram ainda uma vontade de retroceder na promoção dos convívios entre a criança e o progenitor, alegadamente por tal desestabilizar a mesma.
Não obstante, o Tribunal tem de ter especial atenção, como acima se referiu, em promover o superior interesse da criança, que se entende ser o de conviver o máximo possível com ambos os progenitores, de um modo o mais pacífico possível, e não só com eles como com a família alargada de ambos os lados.
Há ainda que ter em conta que, apesar das objecções produzidas pela progenitora, não existe qualquer elemento no processo de mostre que o convívio com o pai ou a família paterna seja prejudicial à criança, antes pelo contrário.
Entende ainda o Tribunal que a decisão por despacho permitirá simplificar a conferência agendada para dia 16, e em consequência, minimizar as situações de conflito susceptíveis de acontecer.
Pelo exposto e concordando com a douta promoção do Ministério Público, por forma a harmonizar, na medida do possível, as posições dos progenitores com o superior interesse da criança, determino a requerida alteração ao regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, fixando-se o mesmo com as seguintes cláusulas:
1. A criança (…) residirá com a mãe.
2. As responsabilidades parentais de particular importância da vida da criança serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores.
3. As responsabilidades parentais relativas às questões da vida corrente da vida da criança serão exercidas pelo progenitor com quem aquela se encontrar.
4. A criança passará fins-de-semana alternados com o pai, incluindo pernoitas, sendo que o pai ou pessoa da sua confiança irá buscar a criança ao equipamento escolar (ou equipamento de ocupação de tempos livres, ou centro de estudos, ou a casa da progenitora), no final da tarde de sexta-feira, onde a deixará na segunda-feira pela manhã. No caso de tal sexta-feira ou segunda-feira coincidirem com dias feriados, de greve ou de tolerância de ponto (para o equipamento escolar), conforme o caso, a recolha da criança será antecipada para o dia imediatamente anterior (quinta-feira) ou a entrega será adiada para o dia imediatamente seguinte (terça-feira).
5. A criança estará com o pai todas as quartas-feiras, com pernoita, indo este ou pessoa da sua confiança buscar a criança ao equipamento escolar (ou equipamento de ocupação de tempos livres ou a casa da progenitora), no final da tarde de quarta-feira, onde a deixará no dia seguinte pela manhã. 6. Nas férias escolares de Verão (período fixado pelo respectivo agrupamento de escolas no início de cada ano lectivo):
a. a criança ficará aos cuidados de cada um dos progenitores, por períodos de 1 semana e com pernoita, alternando à sexta-feira ao final da tarde, indo o pai ou pessoa da sua confiança levar e buscar a criança ao equipamento escolar (ou equipamento de ocupação de tempos livres, ou centro de estudos, ou a casa da progenitora);
b. a criança passará o período de 15 dias de férias no Verão com cada um dos progenitores, devendo cada um comunicar as datas pretendidas com a antecedência mínima de 30 dias. Em caso de coincidência dos dias pretendidos, nos anos pares prevalecerá a escolha feita pela progenitora e nos anos ímpares prevalecerá a escolha feita pelo progenitor;
c. a retoma da alternância semanal após tal período de férias iniciar-se-á com o outro progenitor.
7. Nas seguintes datas festivas, os convívios ocorrerão da seguinte forma:
a) No Natal, alternadamente:
-a véspera de Natal será passada com um dos progenitores, entre as 11H do dia 24 de Dezembro e as 11H do dia 25 de Dezembro, incluindo com pernoita, iniciando-se no primeiro ano com o progenitor, que irá buscar e levar a criança a casa da mãe ou outro local que esta indique;
- o dia de Natal será passado com o outro progenitor, entre as 11H do dia 25 de Dezembro e as 11H do dia 26 de Dezembro, com pernoita, iniciando-se no primeiro ano com a progenitora;
b) No Ano Novo, alternadamente:
- a véspera de Ano Novo será passada com um dos progenitores, entre as 11H do dia 31 de Dezembro e as 11H do dia 01 de Janeiro, com pernoita, iniciando-se no primeiro ano com o progenitor, que irá buscar e levar a criança a casa da mãe ou outro local que esta indique;
- o dia de Ano Novo será passado com o outro progenitor, entre as 11H do dia 01 de Janeiro e as 11H do dia 02 de Janeiro, com pernoita, iniciando-se no primeiro ano com a progenitora;
c) No Carnaval: a pausa lectiva de Carnaval será passada na totalidade com um dos progenitores, alternando no ano seguinte, sendo que no primeiro ano se iniciará com a progenitora;
d) Nas férias escolares de Páscoa, alternadamente:
- a primeira semana será passada com um dos progenitores, iniciando-se no primeiro ano com o pai, que irá buscar e levar a criança a casa da mãe ou outro local indicado por esta;
- a segunda semana, que incluirá a totalidade da festividade da Páscoa, será passada com o outro progenitor, iniciando-se no primeiro ano com a progenitora;
e) no dia de aniversário da criança e no Dia Mundial da Criança (1 de Junho), esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores, sendo que o almoço decorrerá entre as 11H e as 17H, hora em que a criança será entregue ao progenitor a quem incumbe a pernoita nessa data, em casa deste;
f) no dia do pai, no dia da mãe e no dia de aniversário de cada um dos progenitores, de cada um dos avós, dos “tios de 1º grau” e “primos de 1º grau”, a criança passará o dia, incluindo pernoita, com o progenitor e família do progenitor homenageado.
Para tanto, o progenitor interessado ou pessoa da sua confiança irá buscar a criança ao equipamento escolar (ou equipamento de ocupação de tempos livres, ou centro de estudos) no final do dia, caso seja dia útil, ou pelas 11H, na casa do outro progenitor, caso seja dia feriado, greve ou tolerância de ponto (o equipamento escolar).
A entrega da criança será feita no mesmo local, no dia seguinte pela manhã. Mais deverá o progenitor interessado informar o outro acerca da data da festividade em causa, com a antecedência mínima de 2 semanas.
8. O progenitor contribuirá mensalmente com a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), nos meses de Outubro a Maio (inclusive), por transferência bancária para a conta comum da filha que é do conhecimento de ambos os progenitores.
9. As despesas de saúde e educação, na parte não comparticipada, serão suportadas em partes iguais pelos progenitores.
Para tanto, o progenitor que efectuar a despesa, deve apresentar cópia dos documentos comprovativos da despesa e respectiva comparticipação ao outro progenitor, que procederá ao respectivo pagamento no prazo de 30 dias, por transferência para a conta bancária indicada em 8.
10. Em caso de acordo, os progenitores poderão executar o regime de convívios e visitas de forma diferente da supra regulada.
O presente regime provisório terá a duração de três meses, ou até ser alcançado acordo em contrário, devidamente homologado.
(…)”.

A Requerente, (…), não se conformando com a decisão prolatada, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“a) O despacho enferma de vicio de nulidade, prevista na alínea b) n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto, não consigna qualquer fundamentação, de facto ou de direito, procedendo à alteração do regime provisório anteriormente fixado, a reboque das alegações do progenitor.
b) Não se entrevendo, quais terão sido os novos elementos apurados nos autos, que comportassem uma passível alteração do Regime, nomeadamente, sobre o aumento do numero de pernoitas, bem como a alternância de residência.
c) O Tribunal a quo, tampouco se pronunciou sobre o relatório intercalar, apresentado pela Apelante, juntamente com a Oposição que deduziu.
d) A Apelante requereu que a criança, fosse acompanhada por pedopsiquiatra, por forma a ser avaliado o seu estado de saúde emocional, com intuito, da sua filha de 3 anos de idade, passe a ter acompanhamento, por parte de medico pedopsiquiatra, para que sejam abordadas as dificuldades emocionais, quer do comportamento, quer da socialização, sempre, em articulação com a família, que possui o objectivo, de reconhecer, e se necessário, alterar os factores, que poderão estar a imiscuir-se de forma negativa, no desenvolvimento intelectual e psicoafectivo desta menina de 3 anos.
e) De forma inusitada, vem o Tribunal a quo, alterar o Regime Provisório vigente, desta feita, através da introdução de mais pernoitas, designadamente, a meio da semana, dias de férias introduzidos (15 dias), e posterior, alternância semanal, cfr. despacho recorrido, mormente, previstas nos pontos, 4, 5, 6, e 7.
f) Considera a Apelante, incompreensível e inadequada ao interesse da menor, sendo atentatório dos seus interesses, comprometendo o seu equilíbrio, bem como a estabilidade do seu quadro de vida, acarretando antes, sofrimento e desequilíbrio da criança, contrariando o que a lei impõe.
g) O Tribunal a quo não conjugou, como determina a lei, a aplicação de medidas, que tenham em conta o superior interesse da criança.
h) O Tribunal a quo, tampouco, avaliou, o interesse da criança, focando-se na vontade do pai, violando grosseiramente o disposto nos artigos 20.º a 23.º, 27.º, 28.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
i) O Regime Provisório foi alterado, afastado de quaisquer elementos novos, apurados nos autos, que alicercem indiscutivelmente, a decisão em crise.
j) O tribunal a quo, tampouco promoveu a tomou em conta o relatório de psicóloga, e psicoterapeuta, Dra. (…), junto pela Apelante.
l) Ainda que a decisão meramente provisória, seja passível de alteração a todo o tempo, inexistem nos autos, novas informações ou outras vicissitudes, que conduzissem a alteração do Regime Provisório que vigorava.
m) Impõe-se ao Tribunal a quo o dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas, conforme resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não podendo a decisão sobre o pedido controvertido, consistir em mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento, ou na oposição.
n) No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, artigos 28.º, n.º 3 e n.º 4, 37.º, n.º 3 e 38.º, n.º 1, do RGPTC, teriam de ser os pais ouvidos.
o) Teria o Tribunal a quo de ter procedido às averiguações sumárias que tivesse por convenientes, todavia, tal não resulta dos autos.
p) O juiz pode, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, decidir a titulo provisório, matérias que devam ser apreciadas a final, devendo, contudo, proceder às averiguações sumárias que julgue pertinentes.
q) Todavia, para que assim actue, terá de apresentar cabal fundamentação, conforme decorre do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e do artigo 986.º do CPC.
r) Uma decisão provisória proferida no âmbito da regulação paternal, ou ainda uma alteração ao regime provisório fixado, no âmbito de processo de jurisdição voluntária, deve ser fundamentada, quer no plano fáctico, quer no plano jurídico, artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do CPC, artigo 27.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
s) O despacho em crise não foi fundamentado, padecendo de vício de nulidade, conforme resulta do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
t) Não tendo sido demonstrados no despacho em crise os elementos nos quais se terá baseado o tribunal a quo para alterar o Regime Provisório que vigorava.
u) Não tendo, desta forma, assegurado que se tenha norteado pelo especial interesse da criança.
v) Ao incumprir com o dever de fundamentação, enferma o despacho de nulidade, conforme decorre do artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4 e artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
x) Deste modo, determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que seja o despacho recorrido declarado nulo, o que aqui se requer para todos os efeitos legais.
z) Considerando a utilidade do recurso, deve ser fixado ao mesmo efeito suspensivo, com subida em separado, nos termos e para os efeitos dos artigos 644.º, n.º 2, alínea h), 645.º, n.º 2, 646.º e 647.º do CPC e 32.º, n.º 4, do RGPTC.
a.1) De outro modo, a impugnação resultante do recurso da decisão final seria inútil, como é o presente caso, produzindo um resultado irreversível oposto ao que se pretende com a interposição.
a.2) Caso o recurso permaneça retido, o que não se aceita, atenta a natureza da questão, o efeito pretendido não será seguramente alcançado, pois só será passível de apreciação superior muito mais tarde, depois de efectuado o julgamento e proferida Sentença, e assim, já depois de fixadas as pernoitas, as férias com pernoitas, a alternância semanal, a pernoita semanal.
a.3) Considera-se que o tribunal a quo violou as seguintes disposições: artigo 20.º, 23.º, 27.º, n.º 2, 28.º, 38.º e 42.º do Regime Geral do Processo Tutelas Cível, o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 152.º, 154.º, 195.º, n.º 1, 607.º, n.º 3 e n.º 4 e artigos 615.º, n.º 1, alínea b) e 986.º, todos do CPC.
a.4) Deve assim ser julgada procedente a invocada nulidade, anulando-se o despacho em crise, caso assim não se entenda, ser revogado o despacho”.
O M.P., o Requerido e a menor, (…), responderam às alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2, do CPC).
Questões a decidir:
- Da nulidade processual;
- Da nulidade da decisão sob censura;
- Reapreciação jurídica da causa.

III. Fundamentação
1. Os Factos
Factos a Considerar:
1.1. Os autos principais iniciaram-se em 19.12.2019, com o requerimento apresentado por (…), mãe de (…), nascida em 15.11.2017, requerendo a regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto à (…), tendo no seu requerimento pugnado:
“18.º (…) que todas as questões de particular importância da vida da (…) deverão ser decididas conjuntamente, por ambos os progenitores.
19.º Assim sendo, requer-se, nos termos do n.º 3 do artigo 1906.º do Código Civil, que o exercício das responsabilidades parentais relativos aos atos da vida corrente da menor seja confiado ao progenitor que, na altura, tiver a filha a seu cargo, sendo as responsabilidades relativas às questões de particular importância para a vida da (…) atribuídas a ambos os progenitores, nos termos do n.º 1 da norma citada.
B. Quanto à guarda, férias, aniversários, outras festividades e viagens:
20.º Tendo em consideração o supra exposto, requer-se que quanto a estes aspetos seja fixado o seguinte regime:
Guarda
1. Até perfazer três anos de idade, a menor poderá estar na companhia do pai ao sábado e ao domingo, sem pernoita, em fins-de-semana alternados.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o pai poderá recolher a menor em casa da mãe às 11h00, entregando-a no mesmo local às 21h00, depois do jantar e com o banho já tomado.
3. Até a menor perfazer três anos de idade, o pai poderá ainda usufruir da sua companhia à terça e à quinta-feira, sem pernoita.
4. Para efeitos do disposto no número anterior, o pai poderá recolher a menor na escola após o término das atividades escolares, entregando-a na casa da mãe até às 21h00, depois do jantar e com o banho já tomado.
5. A partir dos três anos de idade, a menor poderá estar na companhia do pai em fins-de-semana alternados, devendo, para o efeito, o pai recolher a filha no sábado e casa da mãe até às 10h00, devendo entrega-la no mesmo local no domingo até às 21h00.
6. A partir dos três anos de idade, a menor poderá ainda jantar com o pai todas as terças e quintas-feiras, devendo, para o efeito, o pai recolhê-la na escola após o término das atividades escolares, entregando-a em casa da mãe até às 21h00.
Regime de férias
1. O pai poderá passar férias na companhia da menor, com pernoita, a partir do momento em que esta completar três anos de idade.
2. A partir do momento em que completar três anos de idade, o período de férias de Verão da menor será repartido nos termos definidos nos números seguintes ou, supletivamente, de acordo com o regime estabelecido nas cláusulas anteriores.
3. No que respeita ao período de férias de Verão, a menor passará com o pai e com a mãe, respetivamente, quinze dias seguidos.
4. Tendo em consideração que o período de férias de Verão engloba os meses de julho e agosto, os quinze dias referidos no número anterior deverão ser agendados, por acordo entre ambos os progenitores, até ao dia 30 de abril de cada ano. Na falta de acordo no referido agendamento, a mãe terá prevalência de escolha nos anos pares e o pai usufruirá de igual direito nos anos ímpares.
5. O período de Natal será repartido entre os progenitores, passando a menor o dia 24 de dezembro com o pai e o dia 25 de dezembro com a mãe nos anos pares, verificando-se o inverso nos anos ímpares.
6. O período de Ano Novo (31 de dezembro e 1 de janeiro) será igualmente repartido entre os progenitores, passando a menor nos anos ímpares o dia 31 de dezembro com a mãe e o dia 1 de janeiro com o pai, verificando-se o inverso nos anos pares.
7. A terça-feira de Carnaval, sempre que seja concedida tolerância de ponto, será passada nos anos ímpares com a mãe e nos anos pares com o pai.
8. Na Páscoa a menor passará, nos anos ímpares, a sexta-feira Santa com o pai e o domingo de Páscoa com a mãe, verificando-se o inverso nos anos pares.
9. Salvo acordo em sentido contrário, os demais períodos de férias serão passados de acordo com o regime regra previsto.
10. Em cumprimento do estipulado nos números anteriores, nos períodos que lhe couber o pai compromete-se a ir buscar a menor à residência da mãe no primeiro dia de férias até às 18h00, devendo entrega-la, no mesmo local, no último dia de férias até às 21h30.
11. Os progenitores obrigam-se a comunicar reciprocamente os locais onde se encontrarem a passar férias com a menor e a indicar a forma através da qual poderão contactá-la diariamente.
Aniversários e outras festividades
1. No dia de aniversário da menor, esta almoçará ou lanchará com um dos progenitores e jantará com o outro, alternando-se a ordem anualmente. Em caso de conflito de escolha a mãe terá prevalência nos anos pares e o pai terá o mesmo direito nos anos ímpares.
2. No dia de aniversário do pai e no dia de aniversário da mãe, a menor passará o dia com o pai ou com a mãe, respetivamente, desde que não sejam prejudicados os seus períodos escolares e extracurriculares, ainda que o dia do aniversário da mãe ocorra num fim-de-semana ou num dia de semana atribuído ao pai e o dia de aniversário do pai ocorra durante os dias atribuídos à mãe.
3. No dia do pai e no dia da mãe, a menor passará o dia com o pai ou com a mãe, respetivamente, desde que não sejam prejudicados os seus períodos escolares e extracurriculares, ainda que o dia da mãe ocorra num fim-de-semana ou num dia de semana atribuído ao pai e o dia do pai ocorra durante os dias atribuídos à mãe.
4. A partir do momento em que completar três anos de idade, para além do disposto nos números anteriores, a menor pernoitará com o pai no dia do aniversário deste e no dia do pai, devendo este entrega-la na escola no dia seguinte, caso se aplique, ou em casa da mãe até às 9h00.
Viagens
1. Para se deslocar ao estrangeiro, a menor necessita da autorização expressa do progenitor que não a acompanhará, sendo que no caso de tal deslocação for pretendida no período de férias de Verão acordado e na companhia de um dos progenitores, o outro progenitor compromete-se a respeitar tal vontade e a formalizar autorização expressa desde que a mesma tenha como destino qualquer país da União Europeia ou país que não seja recomendada vacinação de viajante.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o progenitor viajante obriga-se a comunicar previamente ao outro progenitor o itinerário programado de forma a assegurar a localização da menor em caso de urgência.
C. Quanto às despesas da menor
21.º Por fim, no que respeita à contribuição de cada um dos progenitores para as despesas de sustento da menor, desde já se requer que seja fixado o seguinte regime, que, no entender da Requerente, é aquele que melhor permite acautelar os interesses da (…):
Despesas das menores
1. O pai pagará, respetivamente, a título de pensão de alimentos a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), destinando-se este valor ao pagamento das despesas com alimentação, produtos de higiene, vestuário e consumos domésticos, tais como despesas de água, luz, telecomunicações, etc. e outras despesas pessoais correntes.
2. Os valores referidos no número anterior deverão ser creditados na conta bancária da progenitora com o IBAN (…), até ao dia 8 do mês a que respeita, devendo ser atualizados anualmente, no mês de janeiro, consequentemente sendo-lhes acrescido, respetivamente, a quantia anual de € 3,00 (três euros).
3. As despesas relativas a educação, nelas se incluindo as respeitantes ao estabelecimento de ensino, atividades extracurriculares, saúde, ou outras definidas por acordo de ambos os progenitores, serão pagas por ambos, na proporção de 50%, mediante apresentação do respetivo comprovativo de pagamento.
4. Sempre que existam despesas para além dos montantes estimados para o cálculo da pensão de alimentos, estas serão pagas, mediante apresentação do respetivo comprovativo de pagamento, por ambos os progenitores na proporção de 50% e desde que a realização de tal despesa tenha sido previamente acordada por ambos, ou seja comprovadamente urgente”.
1.2. No âmbito da conferência de pais realizada no dia 10.03.2020, foi homologado o seguinte regime provisório, por acordo entre os progenitores, com o prazo de 3 meses:
“1. Fixam a residência da menor (…) junto da mãe.
2. As responsabilidades parentais de particular importância da vida da criança serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores.
3. As responsabilidades parentais relativas às questões da vida corrente da vida da criança serão exercidas pelo progenitor com quem aquela se encontrar.
4. Enquanto permanecerem a residir na mesma casa, cada um dos progenitores cuida das rotinas da filha nos seguintes termos:
a) Segunda-feira e terça-feira a criança fica aos cuidados da progenitora;
b) Quarta-feira e quinta-feira fica aos cuidados do progenitor; e
c) Sexta-feira, sábado e domingo, alternadamente, com cada um dos progenitores, iniciando-se estes convívios com a progenitora; na sexta-feira o progenitor que tiver a filha aos seus cuidados decide onde esta permanecerá durante o seu horário de trabalho, sem prejuízo da amamentação.
5. Quando a progenitora passar a residir noutra habitação, mantém-se o regime estabelecido na cláusula anterior com exceção das pernoitas, indo o progenitor buscar a criança a casa da progenitora para a entregar na casa dos avós maternos, local onde a recolherá pelas 17 horas; pelas 21 horas irá entregar a criança à progenitora para pernoitar.
6. O progenitor contribuirá mensalmente com a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por transferência bancária para conta comum da filha que é do conhecimento de ambos os progenitores.
7. As restantes despesas da filha, incluindo-se nestas as de saúde e do infantário serão suportadas em partes iguais por cada dos progenitores, sendo que o progenitor compromete-se a assumir metade da despesa com a manutenção da vaga no infantário em que a criança se encontra inscrita”.
1.3. No âmbito da conferência de pais, que teve lugar no dia 30.06.2020, acordou-se em alterar o anterior regime provisório, pelo prazo de 3 meses, enquanto se aguardava pelo resultado das perícias psicológicas aos pais e à (…), nos seguintes termos:
“1. A seguir ao fim de semana em que a criança estiver com o pai, na 2ª e 3ª feira a criança ficará com a mãe, na 4ª e 5ª feira a criança ficará com o pai.
No fim de semana seguinte, ficará com a mãe, e assim sucessivamente.
2. Nos dias correspondentes ao pai, este ou pessoa da sua confiança vai buscá-la a casa da mãe, deixando-a no infantário (na hora que vier a ser acordado com o/a responsável por esse equipamento educativo), onde a irá buscar após as atividades e, entregá-la-á na casa da mãe até às 20h30m.
3. No período de férias do pai de 08 a 16 de agosto/2020, mantem-se o mesmo regime, mas sem infantário.»
Tendo ainda sido aditada a seguinte cláusula provisória: «4. A criança pernoitará com o pai de sábado para domingo, de 15 em 15 dias, no fim de semana em que estiver com este.», ficando revogados os pontos 4 e 5 do regime anterior de dia 10.03.2020.
1.4. Foram realizadas perícias psicológicas aos pais e à (…), as quais foram realizadas a 11.09.2020, mostrando-se os relatórios juntos aos autos (cfr. referências n.ºs 5353615, 5353619 e 5353638, datadas de 15.10.2020), donde consta, em suma, o seguinte:
- Quanto à (…): “Ambos os progenitores demonstraram adequadas capacidades de estimulação intelectual e lúdica, bem como de empatia e responsividade emocional e intelectual perante as interpelações da menor (…) a menor tem uma relação de afectividade positiva com cada um dos progenitores, não se observando desconforto ou mal-estar quando se encontra aos cuidados do pai (…) Das perícias realizadas aos progenitores (…) destaca-se que ambos apresentam variáveis afectivas, cognitivas e sociais relacionadas com a capacidade para estabelecer um cuidado responsável (…) No caso da progenitora, observa-se ainda que, no contexto da actual disputa com o progenitor, e dados os seus traços pessoais de relativa rigidez e necessidade de satisfação de necessidades pessoais, tende a ser demasiado protectora, podendo manter uma relação de dependência com a filha, e a alguma intrusividade, com monitorização negativa, sem dar espaço à intimidade da criança. Esta situação envolve um factor de risco, um potencial contágio emocional, em que a mãe não separa as suas próprias necessidades emocionais das da filha, projectando as suas emoções e, voluntária ou involuntariamente, sugestionando a menor e influenciando uma percepção negativa que esta venha a fazer do progenitor (…) a menor tem vínculo de afectividade positiva com cada um dos progenitores. Não se observa desconforto ou mal-estar quando se encontra aos cuidados do pai”.
- Quanto à progenitora: “As escalas de validade sugerem que a examinada é muito defensiva e apresenta alguma rigidez psicológica; procura agir em conformidade com parâmetros de desejabilidade social e convencionalismo, tendendo a minimizar ou a negar os seus problemas. Segundo as escalas clínicas, é facilmente susceptível podendo acumular suspeição e ressentimentos, projectando a hostilidade e a culpa, para expressar indirectamente os seus conteúdos agressivos, tem baixo insight relativamente a si mesma e às suas relações pessoais, que se podem revelar manipulativas com vista à satisfação de necessidades pessoais (…)”;
- Quanto ao progenitor: “As escalas de validade sugerem que o examinando procura agir em conformidade com parâmetros de desejabilidade social e convencionalismo. Segundo as escalas clínicas, tende a ser autocrítico, preocupado com problemas menores, escrupuloso, moralista e perfeccionista (…) funcionamento da personalidade com destaque para sentimentos de ineficiência, com possível depressividade, tensão, inibição (…)”.
1.5. A requerente, ora apelante, requereu esclarecimentos ao Senhor Perito.
1.6. Por despacho proferido a 12.11.2020, estabeleceu-se o seguinte regime provisório:
“Deverá manter-se a pernoita da criança com o pai, de sábado para domingo, de 15 em 15 dias, no fim de semana em que estiver com este, com as exceções que se seguem:
No dia de aniversário da menina, esta deverá estar com o pai entre as 10.00 horas e as 16.30 horas, e o restante período do dia com a mãe, por ser com a mesma que vai pernoitar.
Nos dias feriados que coincidam com a visita do progenitor, o pai vai buscar a filha a casa da mãe, ou outro local indicado, pelas 10.30 horas, pernoita com a mesma, entregando-a no dia seguinte até às 10.30 horas, à mãe.
Quanto às épocas festivas do Natal e Ano Novo, a criança passará a véspera de Natal com o pai, indo biscá-la pelas 10.30 horas, pernoitando com a mesma, entregando-a no dia de Natal à mãe até às 10.30 horas; O dia de Natal será passado com a mãe.
O progenitor passará com a filha o dia 31 de dezembro, com pernoita da menina, indo buscá-la às 10.30 horas, e entregando-a à mãe no dia 1 de janeiro de 2021, até às 10.30 horas, tudo salvo acordo dos pais em contrário”.
1.7. Este regime provisório foi objecto de recurso, o qual foi julgado totalmente improcedente, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.01.2021, transitado em julgado.
1.8. O Senhor perito prestou os esclarecimentos requeridos pela ora apelante, referindo, nomeadamente, que : “9 - (…) O que está aqui em jogo é a adaptação da menor aos dados da realidade: os progenitores separaram-se e procuram regular as responsabilidades parentais; não estão de acordo quanto aos tempos de convívio da menor com um e com outro; o progenitor reivindica alargamento do seu tempo de convívio com a filha; a menor está em contínuo amadurecimento neurológico, psicológico e social que lhe permite autonomia crescente; já faz uma alimentação variada e adequada à idade tanto em casa do pai como no infantário (conforme aquilo que é esperado acontecer na sua idade, corroborado pelo relato do pai e pela informação do infantário, cujo relatório a Requerente anexa ao requerimento) – pelo que, da reunião de todos estes dados inexoráveis da realidade, conclui-se como pertinente e oportuno que a amamentação ao peito seja preterida em benefício de maiores tempos de convívio com o progenitor, o qual apresenta competências parentais e uma afetividade mútua pai-filha, sendo uma figura de vinculação tão importante como a progenitora para o bem-estar e identidade da menor.
10 – Em função do que acabamos de expor no parágrafo 9, perde sentido a alegação da Requerente no ponto 25 do requerimento: que para avaliar a falta que a menor sente da amamentação ao peito o perito se baseou apenas na resposta do progenitor, o qual diz que “comigo não pede (a mama da mãe)”. Perde também sentido o alegado pela Requerente nos pontos 31 e 32, nos quais argumenta que a idade precoce, a falta de noção do tempo e da gestão das ausências e, ainda, a imaturidade geral da menor, justificam a importância de se salvaguardar a amamentação ao peito.
Reiteramos que o amadurecimento crescente da menor, sob os pontos de vista neurológico, psicológico e social, e a necessidade (estabelecida judicialmente) de regular as responsabilidades parentais, levam a concluir que é benéfica e oportuna a diminuição dos períodos de amamentação e, concomitantemente, o aumento dos períodos de convívio com o progenitor.”;
1.9. Por despacho proferido a 24.11.2020 estabeleceu-se ainda o seguinte aditamento ao regime provisório: “(…) para os efeitos de convívios da filha com o pai, se considere o dia 30 de novembro 2020 como feriado”.
1.10. Da informação social sobre a regulação das responsabilidades parentais, datada de 13.05.2021 (cfr. referência n.º 5760606), consta que a creche «A (…)», onde estava a criança, referiu haver maior ansiedade na mãe do que na criança. Mais se refere que o progenitor pretende passar mais tempo com a filha, de forma gradual e com respeito pela idade e autonomia da criança, pretendendo, no médio prazo, requerer a residência alternada, o que a progenitora não concorda considerando que a filha rejeita estar com o progenitor. A (…) manifestou-se, assim, no sentido de que a criança beneficia de privar com o progenitor mais tempo, promovendo a sua autonomia e respeitando o seu superior interesse.
1.11. Notificados os progenitores da referida informação social, veio a progenitora requerer a avaliação pedopsiquiátrica da (…), apresentando testemunhas e juntando um documento designado por “relatório de avaliação psicológica intercalar”.
1.12. Por despacho proferido no dia 14.06.2021 estabeleceu-se o regime provisório sob censura.

2. O Direito
1.ª Questão
Entende a apelante que “no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, conforme resulta do disposto nos artigos 28.º, n.º 3 e n.º 4, 37.º, n.º 3 e 38.º, todos do Regime Geral do Processo Tutela Cível, teriam de ser os pais ouvidos, teria o Tribunal a quo de ter procedido às averiguações sumarias, que tivesse por conveniente, que não fez.
Não tendo ocorrido quaisquer alterações, nem se tendo dado cumprimento ao supra vertido, verifica-se nulidade nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC”.
Apreciemos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 195.º do CPC, sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos actos”:
“Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
“A nulidade processual consiste num desvio do formalismo processual seguido pelo tribunal por relação ao formalismo processual prescrito na lei, desvio esse que pode dar causa à anulação da sentença nos termos do artigo 195.º, n.º 2, do CPC.
A verificação da nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC pressupõe que o tribunal haja omitido um acto/formalidade prescrito pela lei e que tal irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, isto é, na sua instrução, discussão ou julgamento.
Anselmo de Castro[1] ensina que a fórmula legal – irregularidade de influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa – abrange todas as irregularidades ou desvios ao formalismo processual que atinjam o próprio contraditório e que “para além disto, só caso a caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”.
As nulidades previstas no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, para serem declaradas e surtirem os respetivos efeitos, têm de ser invocadas pelas pessoas a favor das quais a nulidade foi estabelecida dentro do prazo previsto na lei e perante a instância que a cometeu.
Contudo, casos há em que apenas com a notificação da sentença é possível à parte ficar ciente da suposta nulidade processual e nessa situação faz sentido que se permita à parte arguir a nulidade processual no recurso interposto da própria sentença. É o caso.
(…) a decisão recorrida alterou o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais relativas à filha do apelante e do apelado. Ela própria, por conseguinte, uma decisão provisória.
De acordo com o disposto no artigo 28.º, n.º 1, do RGPT, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final.
Para o efeito, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes (n.º 3) e ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (n.º 4).
O princípio do contraditório é entendido como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio mediante a possibilidade de, em plena igualdade, aquelas influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.”[2]
Sustenta a apelante que o tribunal a quo não ouviu as partes, mas sem razão.
Promovida pelo M.P. a alteração do regime provisório foi ordenada a notificação aos pais da (…) dessa promoção (e também, para conhecimento, do relatório social elaborado pela …, entretanto junto aos autos), para, querendo, exercerem o contraditório no prazo de 5 dias. A apelante e o progenitor/apelado exerceram o contraditório por requerimentos de 31.05.2021.
Foram, pois, ouvidas as partes e só após a sua audição foi proferida a decisão sob censura. É de meridiana clareza que não se verifica a invocada nulidade processual por omissão da audição das partes.

No que concerne à alegada omissão de averiguações sumárias, dispõe o n.º 3 do artigo 28.º da RGPTC que o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes, ou seja, o tribunal não está vinculado a proceder a averiguações sumárias. Só o deverá fazer se entender que há necessidade e/ou conveniência em fazer averiguações sumárias. Sem embargo, sempre se dirá que antes da prolação da decisão sindicanda foi ordenada a realização de inquérito social pela …, o qual foi junto aos autos em 18.05.2021, ou seja, em data anterior à decisão sob censura (cfr. al. d) do n.º 1 do art.º 21.º do RGPTC).
Destarte, é manifesta a inverificação da suscitada nulidade processual.

2.ª Questão
Aventa a apelante que a sentença apelada incorreu na nulidade prevenidas na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 33.º do RGPTC.
A Mma. juíza a quo, no despacho que admitiu o recurso emitiu pronúncia sobre a arguida nulidade (cfr. n.º 1 do artigo 617.º do CPC), pugnando pela sua não verificação.
Apreciemos:
Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPC.
A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença” que:
“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
“Como é sabido, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causa distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.
Os vícios determinativos de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencados no artigo 615.º do CPC, e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrentes de na sua elaboração não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam a sua estruturação ou as que balizam os limites da decisão nela proferida, isto é, o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes não foi respeitado na sentença, porquanto ficou aquém ou foi além do thema decidendum por elas fixados nos autos ao tribunal.
Deste modo, os vícios determinativos de invalidade da sentença são defeitos de atividade ou de construção da própria sentença em si mesma considerada, isto é, trata-se de vícios formais que afetam a sentença em si, por nela não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam a respetiva estruturação, como é o caso da falta de assinatura do juiz – alínea a) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –, os fundamentos enunciados na sua alínea b) – falta de fundamentação – e c) – oposição entre os fundamentos e a decisão –, ou por padecer de vícios relativos aos limites à sombra do qual a sentença é proferida, a que se reportam as alíneas d) – omissão ou excesso de pronúncia – e e) – pronuncia ultra petitum.
Os vícios determinativos da nulidade da sentença são vícios que afectam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou do julgamento da decisão de mérito nela proferida, pelo que a sentença proferida padece de uma distorção da realidade factual, por os factos nela julgados como provados ou não provados não terem assento na prova produzida, que antes impunha decisão diversa quanto ao julgamento da matéria de facto nela explanado (error facti), e/ou por se assistir a uma distorção na aplicação do direito, de modo que a decisão de mérito proferida na sentença não está conforme ao direito efetivamente aplicável ao caso, assistindo-se a uma deficiente enunciação e/ou interpretação das normas e dos institutos jurídicos aplicados ao caso (error iuris).
Os erros de julgamento, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença ou os limites à sombra dos quais aquela é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas antes de error in iudicando, atacáveis em via de recurso”[3].
Assim, as nulidades da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.
Como vimos, dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Trata-se neste preceito do dever de fundamentação da sentença, que é causa de nulidade desta.
O dever da fundamentação das decisões judiciais (de facto e de direito) assenta no princípio constitucional consagrado no n.º 1 do artigo 205.° da Constituição a República Portuguesa, segundo a qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei e, bem assim, no artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia a um processo equitativo (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da CRP) e encontra consagração na lei ordinária, prescrevendo o artigo 154.º do CPC:
“1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e auto-controle das decisões; e de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso e controle da correcção material e formal das decisões pelos destinatários.
Para cumprir a exigência constitucional a fundamentação há-de ser expressa, clara, coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.[4] A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória convencendo e não apenas impondo.
Em certo sentido, uma decisão vale o que valem os seus fundamentos ou, nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[5], visando a decisão judicial resolver um conflito de interesses (artigo 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação.
Por outro lado, a fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes (cfr. n.º 2 do artigo 154.º do CPC), proibindo-se a fundamentação passiva, por simples adesão, devendo, antes as razões ser expostas num discurso próprio, assente numa análise e ponderação também próprias.
Daí que, na elaboração da sentença e na parte respeitante à fundamentação, se prescreva no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, que “[d]eve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Destarte, é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Na verdade, a exigência de as decisões judiciais deverem ser factual e juridicamente fundamentadas (n.º 1 do artigo 205.º da CRP e n.º 1 do artigo 154.º do CPC) tem como propósito permitir ao julgador apreciar criticamente a lógica da decisão que está a tomar, facultar às partes o recurso com perfeito conhecimento do percurso seguido pelo decisor e viabilizar o efectivo controle daquela pela instância de recurso.
Justifica-se, por isso, que a lei comine a nulidade arguida para a decisão que careça de fundamentação.
Porém, como já ensinava Alberto dos Reis[6] “(…) há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (…)”.
É nestes termos que a arguição em análise tem sido uniformemente decidida pela jurisprudência dos tribunais superiores[7] e dela não se enxergam motivos para fundamentadamente dissentir.
No caso vertente, deveremos desde logo atender a que estamos perante uma decisão provisória proferida no âmbito de um processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais.
E se é certo que a decisão tomada a título provisório carece, tal como toda a decisão judicial, de ser fundamentada, de acordo com a regra geral do artigo 154.º do CPC (ex vi do artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC), a verdade é que uma decisão provisória não comporta um nível de exigência do formalismo, ao nível da fundamentação, idêntico ao das decisões definitivas.
Na espécie, embora se admita que a decisão não será, em termos de fundamentação de facto, modelar, a verdade é que a decisão sindicanda mostra-se suficientemente fundamentada de facto e de direito, desde logo na consideração da natureza da decisão e do processo, das regras e princípios orientadores do processo tutelar cível.
Na verdade, como se há-de convir, basta ler a decisão apelada, para se concluir que esta contém fundamentação de facto e de direito.
A incompletude ou deficiência da fundamentação empregue na sentença apelada poderá afectar o seu valor intrínseco mas não é, como vimos, reconduzível à nulidade em causa, cuja arguição, por estes motivos, se desatende.

3.ª Questão solvenda
Insurge-se a apelante contra a alteração do regime provisório, quanto ao aumento de pernoitas e à “alternância de residência”, alegando que “a alteração do regime provisório não se regeu pelos princípios orientadores, previstos no artigo 4.º do RGPTC, alínea b), não foi dado cumprimento ao estatuído, nas alíneas a) e b) do artigo 21.º do RGPTC, nomeadamente, não foram tomadas as declarações de parte, aos familiares e a outras pessoas de relevância para a boa decisão da causa; não foram tomadas declarações aos técnicos das equipas multidisciplinares; ainda que solicitadas pela Recorrente, após notificada para se pronunciar acerca da promoção da Sra. Procuradora do Ministério Publico, não tendo o tribunal agido, em conformidade com o disposto no artigo 22.º do RGPTC, optando pela solução da imposição de Regime Provisório, sem acautelar o especial interesse da criança que norteia esta natureza processual, acautelando antes e de foram efusiva, a matemática divisão dos tempos e horas, de convívio entre pai e mãe.”.
Mais alegou que “as soluções que veio o Tribunal a quo introduzir, com a nova alteração Regime Provisório de Regulação das Responsabilidades Parentais, outra coisa não provocarão do que perigar a vida da criança, nomeadamente, na vertente de saúde emocional, não tendo sido observado o actual estado emocional da criança, através de perícia rigorosa de pedopsiquiatria, não se encontrando a Mma. Juíza do Tribunal a quo munida de elementos bastante, que a permitam assegurar, que as alterações que introduz, defendem, com segurança absoluta, o especial interesse da criança,
O tribunal a quo, tampouco, na fundamentação que alude, fez referência ao relatório, entregue com a oposição à promoção da Sra. Procuradora do MP, da Dra. (…) e recomendações inúmeras deixou, nomeadamente sobre, a forma gradual, de introduzir pernoitas, na vida da menor, dando nota para tanto, a tenra idade da criança, o conflito intenso existente entre progenitores, e as reais necessidades da criança. O tribunal a quo, tampouco, na fundamentação que alude, fez referencia ao pedido de intervenção pericial de pedopsiquiatra, por forma a que se apurado, o actual estado da menor, assegurando, que se encontra de absoluta saúde emocional. O tribunal a quo, tampouco, na fundamentação que alude, fez referência ao pedido de audição, da Sra. Psicóloga e psicoterapeuta, requerido pela ora Requerente. O Tribunal a quo levou em conta, sem mais, o pedido do Requerido/progenitor, não averiguando, nem reunindo elementos de prova, que pudessem com segurança garantir se tal decisão, favoreceria ou não os interesses da criança, O Tribunal a quo não tomou em consideração o contraditório exercido pela progenitora, relativamente à promoção do MP. O a quo vem, sem mais, e inusitadamente, promover pela alteração de Regime Provisório em questões sobre as quais inexiste concordância entre progenitores, inexistindo até ao momento, nos autos, quaisquer elementos que permitam, o Tribunal a quo concluir de que modo serão melhor asseguradas as necessidades da menor, a sua estabilidade, e o seu equilíbrio emocional, garantindo-se, com rigor, a salvaguarda inequívoca do especial interesse da criança”.
Em suma, a apelante insurge-se contra o aumento de pernoitas, bem como contra a “alternância de residência”, ou seja, pretende a revogação das cláusulas 4. a 7., como resulta das conclusões recursórias, entendendo que o tribunal não estava habilitado, porque não havia determinado diligências, nomeadamente as requeridas pela apelante, a proceder à alteração da decisão provisória anteriormente estabelecida, não acautelando o superior interesse da Inês.
Impõe-se, pois, saber se o regime provisório sob censura é o que melhor se compatibiliza com o superior interesse da Inês ou se, ao invés, tal interesse fica melhor acautelado, mantendo-se o regime anteriormente fixado, revogando-se a decisão sob censura.
Observe-se o preceituado no corpo do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC que, ao enunciar que os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, remete-nos para o disposto na al. a) do artigo 4.º da LPCJP (Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/1999, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro), nos termos da qual a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece, nomeadamente ao princípio do interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (artigos 12.º do RGPTC e 987.º do CPC) efectuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação da decisão mais adequada ao caso concreto.
Na espécie, foi proferida alteração ao regime provisório.
Em sede de providências tutelares cíveis, o tribunal pode proferir decisões provisórias ou cautelares: a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes constituem providências tutelares cíveis, de acordo com o disposto no artigo 3.º, alínea c), do RGPTC.
A possibilidade de, neste âmbito, serem proferidas decisões de natureza provisória encontra-se desde logo plasmada no artigo 28.º do RGPTC, que é uma norma de natureza geral, nos termos do qual em qualquer estado da causa, o tribunal pode decidir provisoriamente de uma questão que deva ser apreciada a final, sendo que quanto ao critério da decisão e ao seu conteúdo, o Juiz fará um juízo assente em critérios de conveniência, critérios esses que assentam, necessariamente, na convocação dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis, previstos no artigo 4.º do RGPTC. Também a decisão tomada a título provisório é passível de ser modificada, atendendo, desde logo, à necessidade e oportunidade na salvaguarda do superior interesse da criança, sob pena de violação, para além do princípio do superior interesse da criança, dos princípios da proporcionalidade e, sobretudo, da actualidade (artigo 4.º do RGPTC).
A decisão provisória materializa um juízo meramente indiciário, transitório e temporário, que poderá ser modificado ao longo do processo e que caduca quando for revogada, alterada ou proferida a decisão final, podendo a decisão do juiz ser precedida, ou não, das averiguações sumárias que sejam tidas por convenientes.
O Tribunal não carece, em caso de apreciação provisória da necessidade de alteração do regime, de seguir o procedimento previsto nas regras processuais aplicáveis à alteração da regulação das responsabilidades parentais, devendo observar a tramitação que for considerada, em face das circunstâncias, adequada a definir a necessidade do regime provisório e o respectivo sentido, observados que sejam os princípios orientadores da intervenção tutelar cível, tal qual resultam do artigo 4.º do RGPTC.
Dissemos acima que o artigo 28.º do RGPTC se apresenta como uma norma de natureza geral. Tal referência é tão importante quanto a circunstância de, a propósito da providência tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais e de conhecimento de questões conexas, o legislador ter fixado regras específicas que, por vezes afastam tal regime geral, designadamente, o critério de oportunidade processual e a forma de cumprimento do contraditório (cfr. artigos 37.º, 38.º, 41.º, n.º 7, 42.º, n.º 5 e 44.º-A, n.º 3, do RGPTC), decorrendo da lei que a decisão do juiz deve assentar na ponderação dos elementos já disponíveis, enquadrando factualmente a realidade da criança e dos pais, podendo, ainda, se entender essencial e necessário para a decisão a tomar, providenciar por elementos tidos como relevantes, como v.g. informações sociais referentes a algum ou a ambos os progenitores e criança, informações clínicas, documentos referentes a processo crime que penda contra qualquer um dos progenitores (artigo 986.º, n.º 2, do CPC ex vi do artigo 12.º do RGPTC).
A decisão provisória permite acautelar uma determinada realidade, definindo, ainda que a título provisório, direitos e obrigações, cujo exercício poderia não ser compatível com o aguardar pela prolação de uma decisão de natureza “definitiva”. É o interesse da criança que se acautela. A prolação de uma decisão provisória permite assegurar a utilidade da decisão ou a efectividade da tutela jurisdicional (artigo 2.º, n.º 2, in fine, do CPC, ex vi do artigo 33.º do RGPTC e artigo 28.º do mesmo diploma legal).
Como é consabido, e já referido, um dos princípios que regem os processos de jurisdição voluntária (natureza de que comunga a presente providência tutelar cível – artigos 3.º, alínea c) e 12.º do RGPTC) é a possibilidade de as decisões proferidas provisoriamente serem modificáveis a todo o tempo, podendo as mesmas conter em si a definição de regimes com “prazo de vida/validade”, ou seja, com duração previamente definida.
Ainda em sede de enquadramento genérico, observe-se que o critério legal da atribuição/repartição das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança (artigo 1905.º do Código Civil, 40.º do RGPTC e artigo 3.º, n.º 1,[8] da Convenção Sobre os Direitos da Criança e n.º 2 III-B das Directrizes adoptadas do Comité de Ministros do Conselho da Europa em 12.11.2010, sobre a justiça adaptada às crianças).
Aliás, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil), não estando o julgador em sede de processo de jurisdição voluntária sequer sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, efectuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação mais adequada ao caso concreto, pelo que dúvidas inexistem que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não o dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (artigos 36.º, n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse, sendo, pois, este o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais[9].
Também, conforme decorre do disposto no artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil, o conteúdo do poder paternal é um poder-dever dos pais, mas funcionalizado pelo interesse dos filhos.
É assim que naquele preceito se estabelece competir “aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens”, pelo que nunca será demais enfatizar o carácter funcional das responsabilidade parentais para com os filhos, cujo exercício terá de ser submetido, altruisticamente, ao interesse da criança, de tal modo que esse critério funciona como critério e limite do mesmo.
“Por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” – conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse.”[10].
Observe-se que a lei não define o que se deva entender por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto que só, em concreto, é susceptível de ser concretizado, com a consciência que qualquer decisão tomada com base nesse critério reside na valoração – que tem sempre um resquício de subjectividade – que o julgador faça da realidade apurada e daí a necessidade de serem indicados na decisão os critérios objectivos e funcionais que presidiram àquela, como seja a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades dos filhos, tempo disponível para cuidar deles, afectos, estilos de vida, estabilidade, etc.[11].
Ora, decorre do enquadramento feito que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cfr. artigos 40.º, n.º 1, do RGPTC, 1905.º, n.º 1, 1906.º e 1909.º, todos do Código Civil, bem como a tutela do superior interesse da criança, prevista nos artigos 3.º, n.º 1 e 9.º, n.ºs 1 e 3, da Convenção Sobre os Direitos da Criança (assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de Setembro).
Também a referência a este “interesse da criança” surge-nos em Convenções Internacionais que regulam os direitos e os estatutos dos menores [Cfr.: Princípio 2 do Anexo à Recomendação n.º R (84) 4, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, o qual estabeleceu, em sede de responsabilidades parentais, que “qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos”] e na nossa lei interna, desde logo nos artigos 1906.º, n.º 8, do Código Civil e 37.º, n.º 1, do RGPTC, onde se dispõe, no primeiro dispositivo, que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor e que, no segundo dispositivo, o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais tem de corresponder aos interesses da criança.
Intencionalmente, a lei não define este conceito que, assim, terá de ser aferido casuisticamente, tendo como referência “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (In: Almiro Rodrigues, “Interesse do Menor – Contributo para uma definição”).
“(…) o conceito de “superior interesse da criança” está relacionado com o exercício dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, por ventura legítimos (…), deve dar-se preferência e prevalência à solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos”, sendo bens e interesses prioritários da criança “a sobrevivência, a integridade física e psíquica e a liberdade (quer no sentido do desenvolvimento da personalidade, quer no da liberdade física e da liberdade ideológica”.[12]
Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente em paz” (cfr. acórdão do TRC de 2.11.94 in CJ 1994/5/34), sendo que a prossecução do seu interesse passa por assegurar condições materiais, sociais, morais e psicológicas que potenciem o são desenvolvimento da sua personalidade, à margem das tensões e dos conflitos existentes entre os progenitores, e que viabilizem um relacionamento afetivo contínuo com ambos os pais.
Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, sendo certo, ademais, que tal é aplicável às decisões provisórias, deve-se ter em linha de conta a função e natureza da alteração do regime provisório das responsabilidades parentais: repensar o regime antes estabelecido, na perspectiva do interesse da criança, independentemente do alegado por cada um dos progenitores, já que nenhuma decisão a proferir em sede de processos de regulação do exercício de responsabilidades parentais pode abstrair-se do referido critério orientador, o qual terá de sempre “prevalecer” e guiar o sentido da decisão do julgador, pelo que cumpre apreciar, à luz de tal princípio, a questão solvenda.
É, portanto, em face do interesse da (…), e face aos factos apurados, que se deve analisar e decidir o diferendo, mantendo-se ou revogando-se a decisão sob censura, tomando “(…) como ponto de partida, a posição daqueles que sustentam que “a filosofia subjacente a uma política de promoção dos direitos da crianças e dos jovens assenta na convicção de que cada criança conta”, isto no sentido de que, além do mais ela “é sujeito de direitos autónomos”, e do direito ao “reconhecimento do seu estatuto como pessoa”.
Ora, é justamente à luz deste estatuto que podemos, e devemos começar, desde logo, por consolidar a conclusão de que a criança é, pelo simples facto de ser pessoa, revestida de dignidade humana, daqui havendo que fazer decorrer um vasto conjunto de consequências imediatas, entre as quais, a da necessária aplicação à criança, do quadro jurídico-legal que se estabeleça como garante do respeito pela dignidade de toda a pessoa humana e, assim, do conjunto dos direitos de toda a pessoa, pelo simples facto de o ser. (…)”[13]
A Convenção dos Direitos da Criança encara a criança já não apenas como objecto de protecção, mas também como titular de um conjunto de direitos civis e políticos. Pela primeira vez a criança é tida como titular de direitos e de liberdades fundamentais, em que se prevê a necessidade de ser olhada com especial atenção, de modo a garantir o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade num ambiente familiar”.[14]
Na fase presente do iter processual, não se pode olvidar que integra o conceito de interesse do menor o de “manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores” (artigo 1906.º, n.º 8, do Código Civil).
Vejamos:
Decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o artigo 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.
Também da lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado (cfr. artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil), estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, ao interesse da criança.
O n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (artigos 36.º, n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse[15].
A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo é, no entanto, o denominado “interesse superior da criança” – conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”[16].
A lei não define, como se disse, o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.
Também a considerar que a dignidade da pessoa do filho e o papel dos pais – que exercem poderes para desempenharem deveres no interesse daquele – impõem que o exercício das responsabilidades parentais sejam colocados ao serviço do desenvolvimento são e harmonioso da personalidade da criança e do seu bem-estar.
É inquestionável que na resolução das questões atinentes ao exercício dos deveres parentais, a única solução boa e viável é a representada pelo consenso livre e positivo dos pais. Identicamente, o êxito e a exequibilidade da solução que, na perspectiva dos interesses da criança, o tribunal alcance, depende sempre e essencialmente da colaboração correcta, leal e dialogante de ambos os progenitores.
É com efeito conhecido o perigo de ambivalência e insegurança que podem resultar para a criança de soluções que não lhe sejam apresentadas como comuns a ambos os pais, e a intensa dificuldade que aquele sente em se relacionar com cada um dos progenitores que, ao menos nessa qualidade, não mantenham diálogo positivo.[17]
Não se pode, ainda, olvidar que sob a epígrafe de Família, casamento e filiação, o artigo 36.º da CRP dispõe que:
“[…]
3- Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
4- Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer descriminação…
5- Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6- Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”
Esta norma entronca em princípios e regras estabelecidas em instrumentos jurídicos supranacionais, aplicáveis directamente no nosso ordenamento jurídico, de que se destaca designadamente a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26/01/1990, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, publicada no D.R. n.º 211/90, Série I, 1º Suplemento de 12/09/1990 e ratificada pelo Decreto Presidencial n.º 49/90 de 12/09, que destaca no seu artigo 18.º o seguinte:
“1- Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do principio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.”
É indiscutível, atento o que decorre do artigo 1906.º do Código Civil e do artigo 40.º do RGPTC, que o superior interesse da criança é o critério orientador essencial que há-de nortear o julgador na resolução das questões atinentes ao exercício das responsabilidades parentais, conforme impõe, aliás, o artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças, e que no entender do legislador nacional, a partilha de responsabilidades e a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores será, em regra, a solução que melhor serve o seu interesse, importando sublinhar que para efeitos decisórios é este interesse das crianças e jovens, e não o interesse individual de cada um dos seus progenitores, aquele que assume efectiva relevância na ponderação decisória.
“(…)
Com efeito, a vinculação entre pais e filhos é um laço afectivo que perdura no tempo, caracterizando-se pela tendência a procurar e manter proximidade física e emocional com a figura de vinculação, a qual deve ser percepcionada como fonte de segurança, promotora de uma base segura a partir da qual a criança ou o adolescente vai explorando o seu mundo.
É também definida como um processo que se constrói a partir das interacções repetidas com as figuras de vinculação que vão ajudar a criança a construir e a moldar as representações sobre si própria, sobre essas figuras, sobre a sua relação com o Mundo e com os outros. É por isso que uma vinculação segura implica a presença de um conjunto de interacções nas quais a criança se sente protegida relativamente a situações de ameaça e simultaneamente competente para explorar situações novas, mantendo expectativas positivas relativamente à responsividade e disponibilidade incondicional da figura em causa, o que exige interacções repetidas e consistentes com o adulto.
Deste modo, a investigação tem vindo a demonstrar que a convivência assídua, segurança e gratificante com a mãe e com o pai é o mais consistente preditor do ajustamento global da criança, quer antes, quer depois do divórcio ou da separação dos progenitores já que, após essa dissociação familiar, as crianças terão que passar períodos separados de contacto com um e outro progenitor.
Com vista a minimizar o impacto da separação, as teorias da vinculação afectiva mais modernas defendem que devem existir mais períodos de convivência com um e outro progenitor para assegurar a consistência da construção de laços com ambos os progenitores e promover maior segurança à criança já que a estabilidade emocional desta depende da natureza dos vínculos e das oportunidades de partilha e não tanto das mudanças do espaço físico.”.[18]
Não se pode esquecer, que é do interesse da criança manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos idealmente paritários, do afecto, apoio e segurança que cada um deles lhe podem proporcionar.
Note-se que os laços afectivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins-de-semana quinzenais, sendo igualmente posto em evidência[19] que a fixação da residência junto de um só dos progenitores, com os meros fins-de-semana quinzenais, leva ao progressivo esbatimento da relação afectiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera visita em casa deste e levando a que o progenitor não guardião desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.
Revertamos aos autos:
Como referimos, o farol que deve nortear o julgador é o do superior interesse da criança, aferindo-o em concreto, sopesando devidamente todos os factores que um conceito indeterminado desta natureza envolve, sendo esse o grande desafio que se coloca aos tribunais. Nessa ponderação, não deve alhear-se das circunstâncias que envolvem a própria vivência da criança, o meio em que está inserida e que tem sido o seu sustentáculo de crescimento e de desenvolvimento, a forma como se relaciona, em concreto, com cada um dos progenitores, tendo em vista proporcionar-lhe a tranquilidade indispensável ao desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade.
Para além disso, o legislador fornece ainda como critérios orientadores o acordo dos pais, a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, a possibilidade da criança manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores e os acordos que os progenitores estabeleçam e que favoreçam amplas oportunidades de contacto entre ambos e o menor, incluindo a partilha de responsabilidades entre eles (artigo 1906.º do Código Civil).
Isto porque a parentalidade pós-separação apresenta diferenças significativas daquela que é exercida em conjunto na mesma casa, já que existe uma necessidade de reformulações quanto aos hábitos, à rotina e aos padrões económicos da família, obrigando os membros do sistema familiar a adaptar-se a um aumento da complexidade no desempenho das tarefas de desenvolvimento da criança.
Ora, na espécie, resulta que a (…), que completou 4 anos de idade no passado mês de Novembro, tem vínculo de afectividade positiva com cada um dos progenitores, não manifestando desconforto ou mal-estar quando se encontra aos cuidados do pai, tendo vindo a ser aplicados regimes provisórios – por falta de consenso entre os progenitores –, com vista à progressiva adaptação da (…) à separação dos pais e às pernoitas com o pai.
Inexiste nos autos qualquer facto em desabono do progenitor, que revele que este não tem competências parentais para assegurar à (…) os cuidados de que a mesma necessita, quando aquela está na sua companhia, nem que maiores períodos de convívio com o pai sejam prejudiciais ao bem-estar, à “saúde emocional” da (…). Bem pelo contrário: resulta do relatório pericial, relativo ao apelado que “Demonstra motivação para as responsabilidades parentais, conhecimento das características singulares da menor e afetividade positiva em relação a esta. No exercício da parentalidade, o seu estilo é autorizado: orienta as atividades da criança de forma racional e estimula a sua independência e individualidade, encoraja trocas verbais e compartilha as razões das decisões tomadas, valoriza tanto a vontade própria da criança como a conformidade desta em relação àquilo que é importante, exerce um controle firme, adotando uma atitude de confronto quando há divergências, mas não exagera nas restrições, equilibra as exigências elevadas coma resposta emocional e o respeito pela autonomia da filha.
Reunindo todos os dados disponíveis, observa-se que o examinado apresenta varáveis afetivas, cognitivas e sociais relacionadas com a capacidade para estabelecer um cuidado responsável e estrutura para incrementar procedimentos educativos consistentes, podendo, assim, estar atenta e dar uma resposta adequada às necessidades da menor”.
Do relatório pericial da (…) consta: “Observou-se, em separado, as interações mãe-filha e pai-filha, na sala lúdica. Da interação mãe-filha, destaca-se que a menor (que veio trazida pela mãe) começou por dizer voltar para casa, sendo facilmente acalmada e cativada pela mãe para a leitura de livros presentes na sala e adequados à idade da criança. A menor esteve sempre ao colo da mãe, ouvindo-a ler e olhando as imagens dos livros, tomando a criança iniciativa para serem facultados mais livros.
Da interação pai-filha destaca-se que este estabeleceu contacto visual com a menor, agachou-se e chamou a criança, que foi abraçá-lo, com manifestações de alegria da menor. Já com a mãe fora da sala, o pai estabeleceu uma conversação fluida e criativa, com estímulos adequados (ora verbais, ora lúdicos, através de brinquedos presentes na sala) e resposta consentânea da parte da criança.
Ambos os progenitores demonstraram adequados capacidades de estimulação intelectual e lúdica, bem como de empatia e responsividade emocional e intelectual perante asa interpelações da menor. O padrão de vinculação a ambos os progenitores é aparentemente do tipo seguro, explorando ativamente o ambiente na presença da figura de vinculação, procurando o seu contato quando em situação de stresse e sendo acalmada por ela, o que fomenta potencialmente a autoestima, a autonomia e a intimidade
(…).
Assim conclui-se que a menor tem vínculo de afetividade positiva com ambos os progenitores, não se observando desconforto ou mal-estar quando se encontra na companhia do pai.
(…)
Das perícias realizadas aos progenitores, para avaliação das competências e capacidades parentais (…) destaca-se que ambos apresentam variáveis afetivas, cognitivas e sociais relacionadas com a capacidade para estabelecer um cuidado responsável e estrutura para incrementar procedimentos educativos consistentes, podendo, assim, estar atentos e dar uma resposta adequada às necessidades da menor.
No caso da progenitora, observa-se ainda que, no contexto da atual disputa com o progenitor, e dados os seus traços pessoais de relativa rigidez e necessidade de satisfação de necessidades pessoais, tende a ser demasiado protetora, podendo manter uma relação de dependência com a filha, e a alguma intrusividade, com monitorização negativa, sem dar espaço à intimidade da criança. Esta situação envolve um fator de risco, um potencial contágio emocional, em que a mãe não separa as suas próprias necessidades emocionais das da filha, projetando as suas emoções e, voluntariamente ou involuntariamente, sugestionando a menor e influenciando uma perceção negativa que esta venha a fazer do progenitor.
(…)
Tendo em conta o vínculo positivo da menor ao pai e as competências parentais adequadas do progenitor, e o facto de a menor estar perto de fazer 3 anos e o leite materno não ser o seu único alimento nem o mais importante, considera-se oportuno que os períodos de amamentação da menor sejam preteridos em benefício de maiores períodos de convívio com o progenitor.”.
Também os esclarecimentos prestados pelo senhor perito a solicitação da apelante e o relatório social, juntos aos autos após a prolação da anterior alteração do regime provisório e, logo, antes da prolação da decisão sob censura, não põem em causa o acerto da decisão recorrida, mas antes a reforçam.
Nos esclarecimentos prestados pelo Senhor perito lê-se: ”(…) o que está em jogo é a adequação da menor aos dados da realidade: os progenitores separaram-se e procuram regular as responsabilidades parentais; não estão de acordo quanto aos tempos de convívio da menor com um e com o outro; o progenitor reivindica o alargamento do seu tempo de convívio com a filha; a menor está em contínuo amadurecimento neurológico, psicológico e social que lhe permite autonomia crescente; já faz uma alimentação variada e adequada à idade, tanto em caso como no infantário (…); pelo que da reunião de todos estes dados inexoráveis da realidade, conclui-se como pertinente e oportuno que a amamentação ao peito seja preterida em benefício de maiores etapas de convívio com o progenitor, o qual apresenta competências parentais e uma afetividade mútua pai-filha, sendo uma figura de vinculação tão importante como a progenitora para o bem-estar e identidade da menor”.
Por seu turno, no parecer elaborado pela (…), junto aos autos a 18.05.2021, conclui-se: “O progenitor pretende passar mais tempo com a filha, de forma gradual e com respeito pela idade e autonomia da criança, pretendendo, no médio prazo, requerer a residência alternada.
A progenitora não concorda com qualquer alteração ao acordo provisório, considerando que a filha rejeita estar com o progenitor, deixando para mais tarde (quando a criança for mais velha), uma eventual alteração do acordo.
Segundo o constante nas perícias médico-legais realizadas aos progenitores e criança em Outubro/2020, a pedido da progenitora, foi apurado que “a menor tem uma relação de afetividade positiva com cada um dos progenitores não se observando desconforto ou mal estar quando se encontra aos cuidados do pai” (sic) e que a “mãe resiste a uma autonomização crescente da menor que a aproxime do pai” (sic). No que concerne ao progenitor é referido que está motivado para o exercício das responsabilidades parentais, tem conhecimento das características da criança e apresenta uma afetividade positiva em relação a esta, “equilibra as exigências elevadas com resposta emocional e respeito pela autonomia da filha” (sic).
Do aferido junto da Direção do equipamento socioeducativo frequentado pela criança não são observados sinais “preocupantes” que indiciem mau estar na díade relacional pai-filha, mas antes uma disponibilidade do adulto em impor regras e limites com assertividade e adequados à faixa etária da criança.
Consideramos que a criança beneficia de privar com o progenitor mais tempo, promovendo a sua autonomia e respeitando o seu superior interesse”.
Por conseguinte, perante os dados factuais analisados até ao momento é de aceitar que o superior interesse da criança em ter ambos os progenitores presentes e activos no seu percurso de vida, com vista ao estabelecimento de uma relação de grande proximidade com cada um deles para desse modo poder conhecê-los e dar-se a conhecer, aponta para a manutenção do decretado regime provisório, nos termos estabelecidos na decisão sob censura, mantendo uma relação muito próxima com ambos os progenitores, o que se revelará profícuo para o seu desenvolvimento. Quer os relatórios periciais quer o relatório social são unânimes em considerar ser benéfico para a Inês o aumento dos períodos de convívios com o pai, incluindo pernoitas.
Não se escamoteia que o regime fixado possa, eventualmente, e em determinadas circunstâncias, criar alguma desestabilização nas rotinas e horários da criança, mas essa desestabilização resulta, em primeiro lugar, da separação e dificilmente será afastada com as tradicionais visitas aos fins-de-semana. Além disso, muito mais importante que a manutenção das rotinas e horários, já prejudicados pela separação, é a manutenção de uma relação emocional próxima com ambos os progenitores.
Daí que havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os progenitores, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, como é o caso, bem pelo contrário, o regime fixado mostra-se apto a preservar as relações de facto, proximidade e confiança que ligam a filha a ambos os progenitores, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado da menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das suas responsabilidades parentais. Somente assim se assegurará a ambos os progenitores um envolvimento continuado nos cuidados, na educação e na vida quotidiana da sua filha.
Entende, contudo, a apelante que não constam dos autos todos os elementos que permitiam a alteração da decisão, porquanto não foi realizada a perícia pedopsiquiátrica requerida, não foi ouvida, como requerido, nomeadamente, a psicóloga e psicoterapeuta Dr.ª (…) nem se teve em conta o relatório elaborado por esta nem existiam quaisquer novos elementos ou circunstâncias supervenientes que determinassem a alteração do regime provisório anteriormente fixado.
Olvida a apelante que estamos em sede de processo de jurisdição voluntária e que na decisão provisória ou alteração da mesma visa-se a antecipada protecção e efectivação dos direitos da criança, cabendo ao juiz, na formulação de um juízo de oportunidade e conveniência, socorrendo-se dos elementos que disponha ou ordenando as diligências que entenda por convenientes na concreta situação e naquele concreto momento processual, antecipando a realização de diligências (n.º 3 do artigo 28.º do RGPTC), com vista à tomada da decisão provisória, o que aliás ocorreu nos autos, (e não toda e qualquer diligência que qualquer um dos progenitores requeira, ainda que possam mostrar-se, eventualmente, adequadas, a posteriori, face à dinâmica do processo, nomeadamente, para a fundamentação de nova alteração do regime provisório ou da decisão final), a prolação dessa decisão, sendo certo que mau-grado, o processo se encontrava, e se encontra, ainda, na fase de conferência de pais (n.º 5 do artigo 37.º do RGPTC) e porque a apelante não aceitou a mediação, por despacho proferido no dia 3 de Dezembro p.p., foram os progenitores da (...) remetidos para audição técnica especializada (artigos 21.º, n.º 1, alínea b), 23.º e 38.º do RGPTC)”.
Também, ao contrário do alegado pela apelante, em 18.05.2021 foi junto aos autos o parecer de 17.05.2021, que concluía pelo aumento do período de convívios da criança com o pai, ou seja, estamos em presença de novo elemento que, aliado ao nível de conflitualidade parental que impedia o desejável acordo, a bem da Inês, sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, acarretando prejuízo para a (...) por não conviver por mais tempo com o pai, como era aconselhado naquele relatório social, determinava, como determinou, a alteração da decisão provisória, que apreciou para além desse relatório social, os requerimentos apresentados pelos progenitores e o “relatório de avaliação psicológica intercalar”.
Aliás, quanto ao requerimento para realização da perícia pedopsiquiátrica e audição da Psicóloga e psicoterapeuta o tribunal, e também do senhor perito subscritor dos relatórios periciais e da Sra. Técnica do (…) subscritora do relatório social, da educadora de infância (…) e de (…), irmão da apelante, relegada a sua apreciação após férias judiciais, o tribunal a quo, entretanto, já se pronunciou por despacho de 06.11.2021, indeferindo, “por ora, todas as diligências solicitadas, por se afigurarem dilatórias e/ou despiciendas e que apenas serviriam para protelar (ainda mais) a normal prossecução dos autos. De facto, para além dos presentes autos terem a natureza de jurisdição voluntária, em que não se aplicam as regras de legalidade estrita, mas sim critérios de oportunidade e de conveniência, tendo como fito principal o superior interesse da (…), e tendo ainda em consideração que a presente fase processual não é a de julgamento, mas sim, apenas e tão-só, de conferência de pais, nenhuma outra diligência se afigura oportuna a realizar, por ora”.
No que tange ao facto de na decisão recorrida não se ter feito alusão ao “relatório de avaliação psicológica intercalar”, junto pela apelante, por altura do exercício do contraditório, em 31.05.2021, para efeitos de prova dos factos alegados pela apelante na sua pronúncia, diga-se que, independentemente de outras razões que terão levado a senhora juíza a quo a não fazer qualquer menção expressa a tal relatório, a verdade é que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção (n.º 5 do artigo 607.º do CPC, ex vi artigo 33.º do RGPTC), pelo que o facto de a ele não ter feito menção não significa que não o tenha apreciado, como aliás decorre, quando afirma, nomeadamente, que “Há ainda que ter em conta que, apesar das objecções produzidas pela progenitora, não existe qualquer elemento no processo que mostre que o convívio com o pai ou a família paterna seja prejudicial á criança, antes pelo contrário”. Ademais, lendo tal “relatório de avaliação psicológica intercalar”, elaborado a pedido da apelante, constata-se que foi efectuado com base em peças processuais (desconhecendo-se quais) enviadas pela I. mandatária da apelante, na “entrevista semi-estruturada à progenitora”, na “intervenção terapêutica com a progenitora”, nas “informações escolares intercalares produzidas pela educadora da menor” e nos “desenhos produzidos pela menor”, ou seja, sem a realização de entrevista à (...) e ao seu progenitor, sem a observação da interacção mãe-filha, pai-filha, não tendo, por isso e desde logo, usado da mesma metodologia das perícias realizadas, pelo que, como nos parece de meridiana clareza, com o respeito sempre devido, tal “relatório de avaliação psicológica intercalar” jamais poderia infirmar os juízos técnico-científicos constantes dos relatórios periciais da Inês e dos seus progenitores, juntos aos autos, quando, até, aquele relatório apenas se pronuncia sobre a viabilidade do regime de residência alternada, mas já não sobre os benefícios/prejuízos advenientes de períodos de convívio mais alargados com o progenitor.
Refira-se, ainda, que a conflitualidade existente entre os progenitores, de todo desaconselhável no interesse da (…) – augurando-se que apelante e apelado, no superior interesse da (…), alcancem a consensual regulação do exercício das responsabilidades parentais – não se erige como obstaculizante do alargamento do período em que a (…) estará com o pai, com pernoitas. O interesse da criança exige que os progenitores saibam encontrar os limites do seu desentendimento e este não pode/deve afectar a continuidade das relações afectivas da filha com cada um dos progenitores. O deslace da relação entre os progenitores não constituiu justificação bastante para não se empenharem reciprocamente na viabilização duma solução que aproxime a menor de ambos e lhe conceda idênticas oportunidades de contactar com ambos, não podendo jamais a conflitualidade existente entre os progenitores prejudicar, seja de que forma for, a criança.
“Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente (…) com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas (…).
Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade (…)”[20].
Ademais, apelante e apelado deverão ter presente que para o equilibrado desenvolvimento psico-afectivo dos filhos de pais separados ou divorciados, é indispensável uma boa imagem de cada um dos pais e ela não é possível – ou é muito difícil – se não mantiverem entre os dois uma relação correcta, serena, respeitosa, leal e colaborante, pelo menos na qualidade de progenitores, seja qual for o regime provisório ou definitivo.
Aliás, foi esse manifesto conflito entre os progenitores da (…), revelado dos autos, e certamente presenciado pela Sr.ª juíza a quo nas conferência de pais, nomeadamente na realizada no âmbito do apenso B, realizada no dia 2 de Junho p.p., que determinou que se considerasse na decisão recorrida a manifesta inviabilidade de alcançar acordo na conferência agendada para o dia 22 de Junho p.p..
“(…) o acordo dos pais confere segurança aos filhos, o desacordo, quando deles conhecido, insegurança e instabilidade. Aos pais incumbe o desafio de responsavelmente ultrapassarem as divergências que se revelem contrárias aos interesses dos filhos”.[21]
Também não se vislumbra que o aumento das pernoitas e “mudança de residência”, semanalmente, no período de férias, seja factor de criação de instabilidade de tal sorte que represente inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.
Não será o alargamento do convívio com o pai, face aos elementos constantes dos autos, que trará instabilidade à “saúde emocional” da (…), mas antes a exposição prolongada da criança ao conflito dos progenitores é susceptível de afectar negativamente o equilibro emocional da Inês e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
É, pois, por demais evidente que a decisão recorrida não merece censura, tendo salvaguardado o superior interesse da (…) e não a protecção das conveniências dos pais, seja de um, seja do outro, ao decidir pelo alargamento das pernoitas e pela estada com o pai, semanalmente, durante o período de férias escolares, preservando as relações de afecto, proximidade e confiança que ligam a filha a ambos os pais, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado da (…), sendo que os seus sentimentos de estabilidade e segurança sairão reforçados com o convívio e partilha de afecto, de forma mais assídua, com ambos os progenitores e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das responsabilidades parentais.
Nos termos expostos entendemos que nada impede, porque corresponde ao superior interesse da Inês, a fixação do regime nos termos decretados pelo Tribunal a quo, regime esse que, obviamente, poderá sempre ser objecto de alteração futura, não existindo qualquer fundamento no recurso com idoneidade e força bastante para revogar o acto postulativo recorrido.
Por todo o exposto, não merece censura a douta decisão recorrida, mostrando-se adequada, por conveniente e oportuna, a alteração do regime provisório do exercício das responsabilidades parentais decretada pelo Tribunal a quo, porquanto é aquele que, nesta oportunidade temporal se revela em concreto como a melhor solução para o desenvolvimento harmonioso da (…) e que vai de encontro ao seu superior interesse.
Pelas razões aduzidas e em face dos prolegómenos supra convocados e sem necessidade de ulteriores considerações, não se mostram infringidas as normas jurídicas invocadas pela recorrente ou quaisquer outras, improcedendo a apelação.
As custas serão suportadas, porque vencida, pela apelante (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).

IV. Dispositivo
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação, confirmando a decisão apelada.
Custas pela apelante.
Registe.
Notifique.
Évora, 13 de Janeiro de 2022
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)
(Acórdão assinado electronicamente)
__________________________________________________
[1] Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 109.
[2] Ac. da RE de 14.01.2021, tirado no âmbito dos presentes autos, relatado pela aqui 2.ª adjunta, e que aqui seguimos de perto.
[3] Ac. da RG de 06.06.2019, proc. nº 209/09.1TBPTL.G2, acessível em www.dgsi.pt.
[4] cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada, III, pp. 70 e ss.
[5] Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pp. 348.
[6] “Código de Processo Civil Anotado”, V, Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 140.
[7] Assim, entre tantos outros, o Ac. da RP de 05.11.1979, C.J., V, pp. 1521.
[8] Que dispõe: “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
[9] Ac. da RG. de 04.12.2012, proferido no proc. n.º 72/04.1TBBNC-D.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Ac. do STJ. de 04.02.2010, proferido no proc. n.º 1110/05.3TBSCD.C2,P1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Maria Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal”, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, pp. 100-103.
[12] Tomé Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 3.ª ed., Quid Juris, 2018, pp. 23-24.
[13] Laborinho Lúcio, As crianças e os Direitos, Estudos em Homenagem a Rui Epifânio, pp. 180.
[14] Jorge Pais do Amaral, A criança e os seus direitos, Estudos em Homenagem a Rui Epifânio, pp.165.
[15] Ac. RG. de 04/12/2012, Proc. 72/04.1TBBNC-D.G1, in base de dados da DGSI.
[16] Ac. STJ. de 04.02.2010, Proc. 1110/05.3TBSCD.C2,P1, acessível em www.dgsi.pt.
[17] Assim, Anna Freud, J. Goldstein e Albert J. Solnitt, Beyond the Best Interest of the Child, pp. 36.
[18] Ac. da RG de 02.11.2017, proc. n.º 996/16.0T8BCL-C.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[19] Esta ideia é particularmente enfatizada nos trabalhos publicados pelo Centro de Estudos Judiciários, que versaram sobre o tema “Residência única ou residência alternada – Vantagens e inconvenientes”, que podem ser consultados no respectivo E-book, de julho de 2014.
[20] Ac. da RP de 26.01.2017, proferido no proc. n.º 2055/16.7T8MTS-C.P1, acessível em dgsi.pt.
[21] Ac. da RE de 14.07.2020, proferido no proc. n.º 546/19.7T8PTM.E1, acessível em www.dgsi.pt.