Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
646/22.6T8STR.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
COMPETÊNCIA MATERIAL
CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: À providência a que se refere o artigo 989.º, n.º 3, do CPC, de que a autora se socorreu, não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5.º a 10.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo, pois, ao tribunal o seu processamento.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 646/22.6T8STR.E1

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

Nos autos de alimentos a filhos maiores, intentados em 28-02-2022, no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Família e Menores de Santarém, por (…), residente em Rio Maior, contra (…), residente em Rio Maior, foi proferida decisão que declarou verificada a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria para a presente ação, e em consequência, absolveu a Ré da instância, por violação das regras de competência fundada na matéria, ou seja, incompetência absoluta do Tribunal.

Inconformado com a decisão, o Autor recorreu formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«I - Resulta da relação jurídica, tal como apresentada na petição inicial, que o A. vem assumindo a totalidade das despesas educacionais com a filha.
II - O A. deduziu contra a Ré pedido de condenação no pagamento de metade das despesas por si suportadas e na condenação no pagamento de uma contribuição para o sustento e educação da filha maior.
III - Atenta a relação jurídica invocada na P.I., a acção não pode ser qualificada como acção de alimentos a filhos maiores ou emancipados regulada nos artigos 5.º a 10.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro.
IV - Recorreu à providência prevista e regulada no artigo 989º, n.º 3, do CPC.
V - A acção proposta é da competência dos tribunais judiciais.
VI - O Tribunal a quo incorreu em errónea interpretação e aplicação da lei, tendo-se declarado materialmente incompetente para julgar a causa.
V - Deverá a douta decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos junto do Tribunal a quo.
Fazendo -se assim a Costumada Justiça»
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
A matéria relevante para a decisão consta do relatório.


2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a seguinte: Saber se à providência a que se refere o artigo 989.º, n.º 3, do CPC, é ou não aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5.º a 10.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo ao Tribunal ou à Conservatória o seu processamento.


3 - Análise do recurso.

A decisão recorrida declarou o tribunal materialmente incompetente para a apreciar a acção, instaurada pelo A., invocando que se está perante acção de alimentos a filhos maiores e a competência, para apreciação de pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados, não sendo cumulado com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou que não constituam incidente ou dependência de acção pendente, pertencer à Conservatória do Registo Civil nos termos do disposto no artigo 5.º, n.ºs 1, alínea a) e 2.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13.10.
O recorrente discorda, argumentando que, pretende ser ressarcido de parte das despesas educacionais já realizadas com a filha maior que, a título principal, vem assumindo, obtendo ainda da Ré uma contribuição para tal fim até aquela completar os seus estudos e por isso recorreu à acção especial prevista no n.º 3 do artigo 989.º do C.P.C, que corre no tribunal e não na Conservatória do Registo Civil.
E cremos que tem razão.
Senão vejamos:
Relativamente ao filho maior que não houver completado a sua formação profissional, mantêm-se a obrigação alimentar na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, de acordo com o que vem consignado no artigo 1880.º do Código Civil.
Estabelece o artigo 5.º do DL n.º 272/2001, 13 OUT, a propósito do procedimento perante o conservador do registo civil tendente à formação de acordo das partes que:
“1 - O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de: a) Alimentos a filhos maiores ou emancipados; (…)
2 - O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma ação judicial, ou constituam incidente ou dependência de ação pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.”
Nos termos do n.º 3 do artigo 989.º do CPC, ao progenitor que suporte na íntegra as despesas com a educação do filho maior é conferida legitimidade para, em nome próprio, promover judicialmente a repartição dessas despesas com o outro progenitor.
Com efeito, a Lei n.º 122/2015, de 1/9, veio alterar entre outros normativos, este artigo 989.º do Código de Processo Civil, ao qual foram acrescentados aos dois números já existentes, dois números – nºs 3 e 4 – nos quais se dispõe o seguinte:
«Artigo 989.º - Alimentos a filhos maiores ou emancipados
1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados» (Redacção dada por Lei n.º 122/2015, de 01-09-2015, Artigo 3.º - Alteração ao Código do Processo Civil).
A referência aos números anteriores indica pois que, em sintonia com o preceituado no n.º 1, quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”.
Qual regime? o previsto na Lei n.º 141/2015, de 8/9, como resulta expressamente do respetivo artigo 3.º, n.º 1, alínea d) e dos artigos 45.º a 47.º da referida Lei.
O legislador sabia, quando legislou, que nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º do DL n.º 272/2001, a competência para o procedimento tendente à formação de acordo relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, pertencia às Conservatórias do Registo Civil, sendo que podia ter aditado ao artigo 5.º a situação nova de contribuição para as despesas suportadas pelo progenitor convivente com o filho maior, o que não fez.
A nova situação foi prevista como uma promoção judicial de partilha de despesas, conforme consta do Projecto de Lei n.º 975/XII/4ª, do qual citamos:
“Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.
Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional.
Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor”.
Ora, no caso dos autos, não se trata de alterar a pensão de alimentos fixada para a menoridade, mas antes obrigar o progenitor não convivente a comparticipar nas despesas com o sustento e a educação de filho maior, desde o momento da instauração dessa ação (por aplicação analógica do artigo 2006.º do Código Civil) e até que o mesmo complete a sua formação.
Trata-se de uma situação em que, se pretende a condenação da requerida, a pagar ao requerente uma contribuição para as despesas que esta suporta com o filho maior de ambos, consubstanciando uma pretensão ex novo, que não surge na dependência de qualquer prestação de alimentos que tivesse sido anteriormente fixada no âmbito da menoridade do filho.
O direito à contribuição atribuída ao progenitor convivente é, pois, um direito novo e distinto – autónomo e não um sucedâneo – do direito a alimentos devidos a filho maior ou emancipado.
Por força da parte final do n.º 3 aditado ao artigo 989.º do NCPC, esta ação tem natureza especial e segue a forma de processo prevista nos artigos 45.º a 47.º do RGPTC (providência cautelar cível para a fixação de alimentos devidos a criança) e corre termos no tribunal.
Neste sentido, de que não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5.º a 10.º do Decreto/Lei n.º 272/2001, de 13/10, J. H. Delgado Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9” in https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html.
No mesmo sentido, o Parecer n.º 53/CC/2016 (P.º CC 85/2015 STJ-CC) homologado em 29.10.2016 do Conselho Consultivo do IRN.IP, donde resulta que as conservatórias de registo civil não são competentes para aceitar o processo previsto no artigo 989.º, n.º 3, do CPC, por o mesmo ser da competência dos tribunais judiciais, nele se podendo ler – "O n.º 3 aditado ao artigo 989.º do CPC, pela Lei 122/2015, de 1 de Setembro, conferiu legitimidade ao progenitor sobrecarregado com a totalidade das despesas alimentícias relativas a filho maior para, por si e no seu interesse, exigir que o outro progenitor partilhe nas despesas................Esta acção é alternativa ao procedimento de alimentos a filho maior previsto no referido Decreto-Lei 272/2001, no qual é parte legítima o filho.......Em suma trata-se de uma acção especial com vista à partilha das despesas com filhos maiores ou emancipados, que segue o trâmites processuais previstos nos artigos 45.ºe seguintes do Decreto Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, com as devidas adaptações, não configurando um pedido de alimentos a filho maior previsto no DecretoLei 272/2001".
E Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7.ª Edição, Almedina, 2021, pág. 513, refere precisamente que, a “jurisprudência posterior à lei n.º 122/2015 também dispensa o progenitor de filho/a maior, credor de alimentos, de intentar a ação para exigir a contribuição do outro, ao abrigo do artigo 989.º, n.º 3, do CPC, na conservatória do registo civil, podendo dirigir-se diretamente ao tribunal competente”.
Tal como, José António de França Pitão/Gustavo França Pitão Responsabilidades Parentais e Alimentos, QuidJuris, 2018, pág. 97 consideram que o artigo 989.º, n.º 3, do CPC confere ao progenitor que assuma as despesas do filho maior a legitimidade para exigir a partilha dessas despesas “através de uma ação especial e alternativa ao procedimento de alimentos a filho maior, previsto no Decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro”, ou seja, essa ação, não configura “um pedido de alimentos a filho maior, previsto e regulado no já citado Decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro”.
E ainda neste sentido de que a competência para a acção de alimentos a filho maior prevista no artigo 989.º, n.º 3, do CPC, quando não proposta pelo próprio (e mesmo não tendo havido regulação enquanto menor de idade) mas pelo progenitor, divorciado, que o tenha a seu cargo, pertence aos tribunais e não às conservatórias, entre outros, Ac. Tribunal da Relação do Porto de 22-03-2021, processo n.º 653/21.6T8MTS.P1, Relator: José Eusébio Almeida; Ac. da Relação de Lisboa de 23/03/2017, processo n.º 2257/17.9T8LSB.L1-6 e Ac. da Relação de Évora de 13.07.2017, relatora: Maria da Conceição Ferreira, publicados em www.dgsi.pt.
Desta forma, considerando a natureza da pretensão deduzida pela recorrente, é materialmente competente o tribunal de primeira instância, pelo que entendemos que assiste razão so recorrente ao defender que a competência para conhecimento desta ação pertence ao Tribunal e não à Conservatória do Registo Civil ou seja a a apelação revela-se, procedente, havendo que revogar o despacho recorrido, ordenando-se o normal prosseguimento dos autos no Tribunal recorrido.

Sumário:
(…)

3 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento da ação, salvo se outra e diversa causa o impedir.
Custas do recurso são devidas conforme vencimento e decaimentos finais.
Évora, 10.11.2022
Elisabete Valente
Ana Isabel Pessoa
José António Moita