Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
563/18.4T8SLV-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - De acordo com o disposto no art.º 6º nº 1, do DL nº 268/94, de 25.10., a acta de condomínio para que possa servir de título executivo tem de conter: deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, fixação da quota-parte devida por cada condómino e fixação do prazo de pagamento respectivo;
II - Não preenche estes requisitos a acta onde só consta uma lista dos condóminos/fracções devedores e apenas o respectivo valor global da mesma, pois não permite a compreensão da natureza da divída, sendo apenas a mera declaração do administrador quanto ao valor que considera em dívida, sem qualquer premissa que demonstre objectivamente a obrigação de pagamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

BB deduziu Oposição à Execução que lhe foi instaurada pelo Condomínio de Edifício CC.
Foi proferida decisão que julgou procedente a presente oposição à execução mediante embargos do Executado, ainda que com fundamento diverso do alegado e, em consequência, absolveu-o da instância executiva por inexequibilidade do documento dado à execução.
Inconformado, o exequente interpôs recurso contra a mesma, formulando as seguintes conclusões:
«1. No requerimento executivo a exequente, indicou que o executado, vendeu a fração EF que tinha no prédio, e que á data da venda, tinha em divida ao condomínio a quantia de 6.382,88€
2. Mais alegou que conforme resulta da ata da assembleia, o executado tinha em divida as quotas entre Julho de 2012 e Outubro de 2016.
3. Mais acrescentou que eram devidos juros de 770,13€, sendo assim o valor em divida o montante 7.153,01€
4. Citado para a execução, o executado não alegou nem invocou a inexistência da divida nem que não compreendia a sua origem e proveniência.
5. O que veio alegar, foi a prescrição, e que tinha feito pagamentos, e pedia ainda compensação por ter feito obras.
6. O tribunal veio a decidir sobre questão que não lhe foi posta, o que por excesso de pronuncia, torna a decisão nula o que se invoca para todos os efeitos legais, pois decidiu sobre a existência de titulo executivo, por falta da descriminação do conteúdo da divida, e ainda porque no seu entender a ata não continha a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte, e o prazo de pagamento, sem que tal lhe fosse pedido.
7. Salvo o devidos respeito, além do tribunal ter decidido sobre questão que não lhe foi colocada, o certo é que o executado não negou a existência da divida.
Além disso, a ata continha o valor em divida que confirmava as dívidas anteriormente aprovadas e não postas em causa pelo executado a que acresce o facto de o executada não ter impugnado a ata que foi dada á execução.
8. Da ata constava uma deliberação que aprovava a divida já há muito vencida.
9. E uma ata nesta condições como a que foi junta e que aprova divida vencida é a nosso ver titulo executivo, neste sentido vai o Acórdão proferido no processo nº 529J09.5T8ABF-A-.E1 da ia Secção Cível da Relação de Évora.
10. "Não é exigível, para que a acta tenha força executiva, que a mesma faça menção expressa da dívida já vencida e ainda não paga por determinado condómino, para que deste se possa exigir o pagamento por via executiva» ".
11. Quer esteja presente ou não, a deliberação, não sendo impugnada (art.º. 1433º do CC), será válida perante si, pelo que fica o condomínio salvaguardado perante o condómino faltoso, podendo recorrer de imediato à acção executiva, sendo que a este, por seu turno, não deixa de estar assegurado o recurso aos embargos (art. 815º do CPC), querendo deduzir oposição. Seria muito redutora e restritiva, e desgarrada do espírito da lei, a interpretação de que o art.º 60 nº 1 do Dec. Lei nº 268194 no sentido de apenas serem exequíveis as actas onde constem as dívidas já então apuradas, existentes e já vencidas.
12. A ata dada à execução dizia respeito a dividas vencidas de condomínio, relativas deliberações anteriores não impugnadas, e cuja obrigação de pagamento não foi impugnada nos embargos deduzidos pelo executado, nem a ata o tinha sido anteriormente.
13. Acresce ainda que, o tribunal confrontado com os embargos e requerimento executivo, também não solicitou o aperfeiçoamento ou a junção de elementos adicionais á ata, o que no caso e apesar de o executado não ter levantado qualquer questão quanto ao montante e responsabilidade pelo pagamento, poderia ter resolvido qualquer outra questão, evitando demoras na cobrança da divida ao condomínio.
14. Fez-se incorrecta aplicação dos artigos 186 nº 2 alínea a), 576 nºs 1 e 2, 577, b) 578, e ainda das disposições do artigo 6° nº1 do Dec-Lei 268/94 de 25/10.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com o que a fará a costumada, JUSTIÇA!»
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.


2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1ª Questão - Saber se a decisão é nula por excesso de pronúncia.
2ª Questão – Saber se o requerimento executivo é inepto e se a acta tem força executiva/ que requisitos deve revestir a acta de condomínio para que possa servir de título executivo?


3 - Apreciando o recurso.

1.ª questão – Saber se a sentença é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC

O recorrente invoca a nulidade da sentença prevista no art.º 615.º, n.º 1, e) do CPC, por condenação em objecto diverso do pedido, argumentando que uma vez que o executado só alegou a prescrição e que efectuou pagamentos e não alegou a inexistência da divida, nem que não compreendia a sua origem e proveniência, o tribunal não podia decidir sobre a questão da inexistência da falta de titulo, que não lhe foi posta.
Vejamos:
Nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. e) do C.P.C. “[é] nula a sentença quando” - excesso de pronúncia (alínea e) - “[o] juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Deve ser conjugado com o art.º 609.º, n.º 1 do C.P.C. que determina que a “sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” em homenagem ao princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual).
Ou seja, o “juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”. (Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, páginas 67 e 68).
Ora, in casu, foi invocada na Oposição a prescrição e o tribunal oficiosamente conheceu da falta de título.
Quid juris?
A acção executiva tem necessariamente por base um título executivo de alguma das espécies legalmente previstas, designadamente os documentos particulares que revistam determinados requisitos (artigo 703º nº 1 do CPC).
E o tribunal conhece oficiosamente da falta ou da insuficiência do título executivo no caso de a secretaria não ter recusado a acção executiva com esse fundamento. – cfr. art. 726º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil.
Ora, na Oposição à Execução o princípio deve ser o mesmo: Ainda que o oponente não tenha invocado a falta ou insuficiência de título executivo, base necessariamente documental da acção executiva, pode o tribunal, a título oficioso, dela conhecer – Neste sentido Ac. RL de 30.11.2010, processo n.º 5170/07.4TMSNT-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
Com efeito, os fundamentos de mérito invocados na oposição pressupõem, necessariamente, a consideração do teor do título executivo, elemento indispensável à definição dos limites subjectivos e objectivos da execução, o que depende, obviamente, da verificação dos requisitos de exequibilidade desse título.
Por conseguinte, quando a inexequibilidade do título se configure como questão prévia, prejudicial ao conhecimento do objecto da própria oposição, será então lícito ao juiz conhecer dela, em sede do procedimento de oposição, o que é o caso.
Improcede assim a nulidade invocada.


2ª Questão – Saber se o requerimento executivo é inepto e se a acta tem força executiva/ que requisitos deve revestir a acta de condomínio para que possa servir de título executivo?

A decisão baseou-se na falta de causa de pedir e considerou o pedido inepto, por não explicar a forma de cálculo das quantias em dívida, limitando-se a referir um valor global, o que impossibilita o tribunal de conhecer a forma de composição da dívida e impossibilita o Executado de se exercer uma defesa cabal.
Entendeu que o documento apresentado não é dotado de exequibilidade, pois não existe deliberação sobre a fixação da quota-parte devida por cada condómino, nem o prazo de pagamento de quotas.
Conclui por isso que, há uma nulidade insanável que traduz uma excepção dilatória e conduz à absolvição da instância.
Quanto a este fundamento, invoca o recorrente que o mesmo não é válido pois indicou o valor da dívida e referiu que dizia respeito às quotas entre Julho de 2012 e Outubro de 2016 e que o executado não negou tal divida, apenas a sua prescrição.
Alega que, contrariamente ao decidido, a acta tem força executiva pois contém uma deliberação que aprovava a dívida já há muito vencida e que tal acta não é posta em causa pelo executado.
Vejamos:
Embora a decisão recorrida incorrectamente omita a fixação dos factos, com relevância para a decisão, resulta pontualmente da mesma e especialmente do documento que traduz a acta em causa nos autos que:
Da acta consta” A divida total no final do exercício é no valor X pertencente ás seguintes fracções:
- BB..Fracções …€ 6.382.88.”
Nos termos do no n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, “[a] acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
A jurisprudência dividiu-se sobre o significado da expressão “contribuições devidas”.
Efectivamente, uns entendem que apenas são título executivo as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, com indicação do prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino, outros entendem que é suficiente a acta que retracte a deliberação do condomínio onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida para cada condómino.
Dito de outra forma:
Uns defendem uma interpretação restritiva, só considerando títulos executivos as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino, argumentando que se assim não for apenas se constata a existência da dívida.
Parece ser este o entendimento da decisão recorrida.
Outros admitem como suficiente que a acta inclua a deliberação da mesma assembleia onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino.
Parece ser este o entendimento do exequente/recorrente.
Ora, no caso dos autos da Acta nº.8 da Assembleia de Condóminos, consta uma lista dos condóminos/fracções devedores e apenas o respectivo valor global da mesma.
Não resulta a indicação do valor mensal das prestações devidas pelo condómino ora Embargante, ou seja, a quota-parte mensal a seu cargo nas despesas de condomínio, por correspondência à permilagem da área da fracção, o período temporal da dívida em execução e os valores parciais e totais em equação.
No nosso entender esta acta não pode constituir título executivo pois não permite a compreensão do valor global através do cálculo aritmético.
No fundo, traduz apenas a mera declaração do administrador quanto ao valor que considera em dívida, sem qualquer premissa que demonstre objectivamente a obrigação de pagamento.
É que, a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respectiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinado montante ao condomínio.
Defendemos que, como já se expressou no Ac. desta Relação de 02-05-2019, proc. nº 4010/15.5T8LLE-A.E1, (relatora Maria João Faro e adjunta a aqui relatora):
«De acordo com o disposto no art.º 6º nº 1, do DL nº 268/94, de 25.10., a acta de condomínio para que possa servir de título executivo tem de conter: deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, fixação da quota-parte devida por cada condómino e fixação do prazo de pagamento respectivo;
Unicamente uma acta com o conteúdo assinalado reveste as condições para que se possa fazer uso de acção executiva, com vista à realização coactiva duma prestação que deve ser certa, líquida e exigível (cfr. art.º 802º do CPC).
Só tal acta demonstrará a constituição de uma obrigação, bem como a data do seu vencimento, e assim documentará uma prestação que é certa, e exigível e que poderá ser liquidada através do requerimento executivo no qual se descriminarão as ditas prestações não pagas e que estão em dívida de acordo com o preceituado nos art.s. 713º e 716º nº1 do CPC.
(..)tais requisitos reconduzem-se à:
-Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;
-Fixação da quota-parte devida por cada condómino;
-Fixação do prazo de pagamento respectivo.
Apenas a acta que preencha estes requisitos constitui fonte da obrigação exequenda e vale como expressão da vontade do colectivo que se impõe aos condóminos, ainda que não tenham aprovado a dívida.»
Dito de outra forma, entendemos que, a acta da assembleia de condóminos, para constituir título executivo, nos termos do artigo 6.º, no 1 do DL no 268/94, de 25/10, terá que conter a deliberação dessa assembleia quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles constando elementos bastantes que permitam chegar a tais montantes, através de simples operação aritmética.
No mesmo sentido, entre outros, Ac. RP de 18.02.2019 Proc. nº 25136/15.0T8PRT-A.P1 (Relator: Manuel Fernandes) e Ac. RC 23-01-2018 de proc. nº 7956/15.7T8CBR-A.C1 (Relator: António Domingos Robalo), donde realçamos a seguinte passagem: « Ponderando os argumentos de ambas as posições, temos para nós que o que melhor se adequa ao espírito da lei é o primeiro, desde logo por a fonte da obrigação pecuniária do condómino derivar da aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia, ao que se acrescenta ser esse o sentido da última parte do segmento normativo do n.º 1 do art.º 6.º do D.L. 268/94, de 25 de Outubro, ao referir “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Assim, face ao exposto e como bem se refere na sentença recorrida, da acta resulta apenas o valor global da dívida e não mais que isso, pelo que, pelas razões expostas, a mesma não constitui título executivo, como concluiu a decisão recorrida.
Improcede assim o recurso.


Sumário:
I - De acordo com o disposto no art.º 6º nº 1, do DL nº 268/94, de 25.10., a acta de condomínio para que possa servir de título executivo tem de conter: deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, fixação da quota-parte devida por cada condómino e fixação do prazo de pagamento respectivo;
II - Não preenche estes requisitos a acta onde só consta uma lista dos condóminos/fracções devedores e apenas o respectivo valor global da mesma, pois não permite a compreensão da natureza da divída, sendo apenas a mera declaração do administrador quanto ao valor que considera em dívida, sem qualquer premissa que demonstre objectivamente a obrigação de pagamento.


4 – Dispositivo.

Pelo exposto os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Évora, 24.10.2019
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita