Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
397/12.0TBPTG-D.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
NULIDADE DA SENTENÇA
CUSTAS
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A fundamentação das decisões judiciais não impõe uma enumeração exaustiva de todas as soluções possíveis, mas antes se basta com indicação das soluções determinantes que a fundam e que simultaneamente arredam outras possibilidades.
II - Como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
III - Decorre implicitamente dos artigos 16.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, que as partes beneficiárias do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo à data das sentenças e dos acórdãos, vencidas nas ações ou nos recursos, não estão sujeitas ao pagamento de custas lato sensu.
IV - Esta solução é, aliás, implicitamente confirmada pelo disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, é dispensado o ato de contagem do processo sempre que o responsável pelas custas beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA deduziu contra BB o presente incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos, CC, pedindo a “efetivação das prestações de pensão de alimentos em falta, mediante notificação à entidade patronal para dedução do valor em dívida, na retribuição do requerido”.
Alegou, em resumo, que o requerido não liquidou a prestação de alimentos devida ao CC, no valor de € 100,00 (cem euros) mensais, tal como estava obrigado a partir de Dezembro de 2016, conforme acordo estabelecido no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, situação que se manteve, durante o período de 48 meses, até novembro de 2020 (inclusive), encontrando-se em dívida o montante de € 4.800,00, a que acrescem os respetivos juros de mora. Só a partir de dezembro de 2020 é que o requerido começou a pagar aquela prestação, sendo que o requerido aufere uma retribuição mensal superior a € 1.000,00 mensais.
Notificado, o requerido respondeu, afirmando que não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos por ter acordado informalmente com a requerente que abdicava das visitas semanais e férias, e que não pagava a pensão de alimentos ou pagaria quando pudesse e entendesse ser conveniente, mais referindo que durante o período em causa, era a avó paterna que recebia em sua casa o CC, sendo ela também que comprava roupa e calçado por conta da prestação de alimentos e durante muitos meses pagava os € 100,00 que o requerido devia pagar.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de se julgar verificado o incumprimento e se condenasse o requerido no pagamento das prestações de alimentos vencidas e vincendas, face à ausência de prova junta pelo requerido e, bem assim, ao teor das suas alegações.
Foi então proferida a seguinte decisão:
«Atenta a posição processual assumida pelo(a) Requerido(a), não se torna necessária a realização de outras diligências para a decisão do incidente de incumprimento, já que lhe cabia o ónus de alegar e provar o pagamento das quantias alegadamente em dívida – artigos 293.º, n.º 3 e 574.º, n.º 2, ambos do novo Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 33.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.
Veio o requerido invocar que não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos por acordou informalmente com a progenitora que abdicava de visitas semanais e férias e não pagava a pensão de alimentos ou pagaria quando pudesse e entendesse ser conveniente.
Ora tal acordo não foi submetido a homologação pelo tribunal, e ainda que o tivesse sido nunca o mesmo seria susceptível de ser homologado, na medida em que não é lícito aos progenitores trocar dias de visita pela prestação de alimentos, nem o pagamento da pensão pode ficar dependente da conveniência do obrigado à prestação alimentar.
Assim e sem necessidade de ulteriores considerações, deve ser reconhecido o incumprimento por banda do(a) Requerido(a).
Em face do exposto, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 7, in fine do RGPTC, no seguimento da douta promoção do Ministério Público que antecede, reconheço o incumprimento do(a) Requerido(a) nos moldes requeridos e, em consequência, julgo integralmente procedente por provado o presente incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, condenando o(a) Requerido(a) no pagamento das pensões de alimentos vencidas e vincendas.
Custas do presente incidente pelo(a) Requerido(a), cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do NCPC ex vi artigo 33.º do RGPTC e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.»
Inconformado, o requerido apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
1º. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls.., que declarou o incumprimento da prestação de alimentos por parte do aqui recorrente, em relação ao filho CC, condenando-o a pagar a quantia de €4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros).
2º. O recorrente não se conformando com a douta sentença proferida vem apresentar o presente recurso.
3º. Existe acordo de regulação das responsabilidades parentais, alterado recentemente, segundo o qual o pai pagaria a título de pensão de alimentos a quantia de €100,00
4 º. Recorrente e recorrida acordaram que, o pai poderia pagar quando pudesse
5º. Tal acordo, feito de livre vontade, foi feito por uma questão de justiça equitativa e a recorrida não impugnou, nem pôs em causa a veracidade de tal acordo
6º. O recorrente não se quer, nem quis “livra” de pagar, apenas quer que seja tido em consideração o acordo assumido livremente pelas partes que alteraram as responsabilidades parentais
7º. A avó paterna pagou inúmeras prestações de alimentos ao neto CC e a recorrida deu o seu consentimento, pelo que é pacifico que a pensão de alimentos foi paga inúmeras vezes pela avó paterna, e a recorrida não devolveu esse dinheiro, mas o Tribunal não apurou qual o número de prestações pagas pela avó paterna.
8º. No entanto o recorrente após o mês de dezembro de 2020 tem pago atempadamente a prestação de alimentos de €100,00
9º. No âmbito dos presentes autos o Recorrente nunca confessou estar em divida, a título de pensão de alimentos do menor, não resulta qualquer confissão, das suas palavras, o recorrente disse sempre que a avó paterna pagou por ele, e sublinha que dada a sua impossibilidade financeira/económica temporária, era a avó paterna que pagava as prestações a que aquele estava obrigado e durante muitos meses pagou a totalidade das prestações.
10º. Tais factos não foram atendidos pelo tribunal a quo, pelo que existe omissão de pronúncia quanto a esses factos alegados
11.º Mesmo que não se conseguisse apurar o valor exacto ou os momentos temporais daquela prestação efectuada pela avó paterna, sempre se deveria ter pronunciado, o juiz a quo, valorando, ou desvalorando as declarações das partes e indicar a sua posição.
12º. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
13º. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença Havendo omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC a sentença é nula.
14.º Mais, ao decidir como decidiu, a douta sentença de que se recorre, violou o disposto no nº 3 do artº 3º do CPC, integrando a violação do princípio do contraditório, o que, salvo melhor opinião, consubstancia a prática de uma nulidade processual, que influi no exame ou decisão da causa.
15º. A não observância do principio do contraditório, no sentido de ser concedida ás partes a possibilidade de se pronunciarem.
16º. Salvo melhor opinião, não podia o Tribunal recorrido decidir a questão em mérito sem prévia audição da parte contrária, sem a produção de qualquer prova, e sem realizar audiência de julgamento, sob pena de se violar o princípio do contraditório,
17º. Razão pela qual, se está in casu, perante uma nulidade que influi na decisão da causa, sendo que tal omissão infringe os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e de defesa
18º. Entende-se ainda, que a douta sentença não se encontra devidamente fundamentada no que concerne á lei aplicável, bem como as razões.
19º. Nos termos do disposto no artº 615º nº 1, alínea b) do CPC, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Tal vicio emerge, pois da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artº 208º, nº 1 da CRP e no artº 154º do CPC.
Dispõe o nº 1 deste preceito que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
E acrescenta o nº 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”. Esta disposição indicia pois que o dever de fundamentação das decisões judiciais conhece diferentes graus.
20º No caso vertente, a sentença recorrida foi proferida no âmbito dos presentes autos de incumprimento de responsabilidades parentais, Esta figura processual, que o RGPTC qualifica como processo especial constitui um incidente processual, sempre que o regime do exercício das responsabilidades parentais tenha sido fixado no âmbito de processo judicial (vd, artº 41º nº 2 do RGPTC)
21º O dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no artº 154º do CPC, quanto a decisão visada revista a natureza de sentença; entendida esta como “o ato pelo qual o Juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” artº 152º nº 2 do CPC.
22º Assim, e não obstante o RGPTC não contenha disposições legais que qualifiquem como sentença d decisão final do processo de incumprimento das responsabilidades parentais, o certo é que se trata de um incidente com a estrutura de uma causa, visto que corre termos em autos próprios, e alei prevê uma tramitação própria, com articulados, a saber, o requerimento inicial e as alegações do/a requerido/a e uma audiência de pais, além de outras diligências eventuais .vde artº 41º nº 2 e3 e 7 do RGPTC, tal remete-nos, pois, para os normativos que regem a fundamentação da sentença, a saber, os nº 3 e 4 do art 607º do CPC
23º. o recorrente/requerido litigou e litiga, ainda, com recurso ao apoio judiciário, facto este também desconsiderado na sentença a quo, que o condenou em custas no montante de 1 UC.
24º. Nos termos do artº 18º nº 4 da lei nº 34/2004 de 29 de julho, o apoio judiciário, é extensível a todos os apensos, inclusivamente ao apenso D, e presente recurso, motivo pelo qual a sentença a quo deverá ser reformada no que a este ponto respeita, importando a sua não responsabilidade por custas nos termos indicados na sentença proferida na primeira instância, o que se requer alterado que junto de v a Exa se requer conhecida
Assim deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, farão Vªs Exas Senhores Juízes Desembargadores a costumada Justiça»

O Ministério Público contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se houve violação do princípio do contraditório;
- se a decisão recorrida enferma de nulidade;
- se a decisão recorrida deve ser reformada quanto a custas.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do antecedente relatório, havendo ainda a considerar que nas alegações que produziu, o requerido não arrolou testemunhas nem apresentou qualquer outro meio de prova.

O DIREITO
Da violação do princípio do contraditório
Segundo o recorrente, a decisão recorrida «violou o disposto no nº 3 do artº 3º do CPC, integrando a violação do princípio do contraditório, o que, salvo melhor opinião, consubstancia a prática de uma nulidade processual, que influi no exame ou decisão da causa», já que que «não podia o Tribunal recorrido decidir a questão em mérito sem prévia audição da parte contrária, sem a produção de qualquer prova, e sem realizar audiência de julgamento».
Mas não tem razão o recorrente.
Ao princípio do contraditório consagrado no nº 3 do art. 3º do CPC, «subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham. Posto que a necessidade de observância do contraditório seja replicada em diversos preceitos avulsos, tal não diminui o relevo da sua enunciação como princípio geral que se impõe em todas as fases processuais, especialmente nos articulados e na apresentação e produção de meios de prova (art. 415º»[1].
Ora, contrariamente ao que afirma o recorrente, não houve qualquer violação do princípio do contraditório, desde logo porque o requerido/recorrente foi citado para, no prazo de 5 dias, alegar o que tivesse por conveniente quanto ao suscitado incumprimento das prestações alimentares a seu cargo, tendo o mesmo respondido nos termos que acima sumariamente se deixaram expostos.
O facto de a decisão ter sido proferida sem produção de prova e sem a realização da audiência de julgamento poderia constituir, eventualmente, a omissão de um ato prescrito por lei, gerador de nulidade processual, mas nunca a violação do princípio do contraditório, como se afigura evidente.
Assim, sem necessidade de outras considerações, improcede este segmento do recurso.

Da nulidade da decisão recorrida
Segundo o recorrente a decisão recorrida enferma de nulidade numa dupla vertente: falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
Vejamos.
A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º do CPC.
A causa de nulidade da sentença tipificada na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.
Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[2], «O due process positivado na Constituição Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais».
E, de entre os princípios através dos quais a doutrina e a jurisprudência têm densificado o aludido princípio do processo equitativo, encontra-se o direito à fundamentação das decisões.
O dever de fundamentação das decisões dos tribunais, consagrado no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, obedece a razões que radicam, entre outros, e citando a terminologia dos mencionados autores[3], na teleológica jurídico-constitucional dos princípios processuais. Serve para a clarificação e interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efetuado por instâncias judiciais superiores e contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais.
Com efeito, a fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação sempre colocaria em causa as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual que estão ínsitas na motivação da decisão, ou seja, permitir às partes o eventual recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação em causa e, simultaneamente, permitir o controlo dessa decisão, colocando o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos seguros, um juízo concordante ou divergente.
É por isso que na elaboração da sentença e na parte respeitante à fundamentação, deve «o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final» - art. 607º, nº 3, do CPC.
E, nos termos nº 4 do mesmo artigo 607º, «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Como já referia Alberto dos Reis[4], a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas. Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.
O artigo 154º do CPC ocupa-se da densificação desse dever estatuindo, desde logo, que o mesmo se estende a todos os pedidos controvertidos e a todas as dúvidas suscitadas no processo (nº 1), não podendo a justificação consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (nº 2).
Esta fundamentação não impõe, porém, uma enumeração exaustiva de todas as soluções possíveis, mas antes se basta com indicação das soluções determinantes que a fundam e que simultaneamente arredam outras possibilidades.
No caso concreto, porque se trata de uma decisão que julgou procedente o incidente de incumprimento suscitado pela requerente sem a realização de julgamento, não tinha a mesma de enunciar factos provados ou não provados, bastando-se com a indicação das razões/fundamentos que levaram a considerar desde logo procedente o incidente.
Ora, a decisão recorrida, ainda que concisa, encontra-se suficientemente fundamentada, indicando as razões pelas quais se tornava desnecessária a realização de outras diligências para a decisão do incidente de incumprimento, assim como a irrelevância/ineficácia do invocado acordo entre progenitores para que o requerente tivesse deixado de pagar as prestações a que estava obrigado, referindo que tal acordo nunca foi submetido a homologação pelo tribunal e a insusceptibilidade do mesmo alguma vez poder ser homologado, por não ser lícito aos progenitores trocar dias de visita pela prestação de alimentos, nem o pagamento da pensão poder ficar dependente da conveniência do obrigado à prestação alimentar, o que parece óbvio.
O que parece retirar-se das conclusões do recorrente, é que este não se conforma com a decisão recorrida, por entender que a decisão da causa não podia ser alcançada sem a produção de prova - que por sinal não indicou na sua resposta -, o que não configura um caso de nulidade da sentença por falta de fundamentação, mas uma eventual nulidade processual.
A decisão recorrida não enferma, pois, da causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

E, ao invés do que considera o recorrente, a decisão recorrida não é nula por omissão de pronúncia.
De acordo com a alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula «[q]uando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do CPC, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido[5].
Ora, o requerido/recorrente limitou-se a alegar que a sua mãe, avó da criança CC, durante muitos meses pagava os € 100,00 que o requerido devia pagar, sem indicar minimamente quais as prestações que foram pagas, em que meses ou sequer juntou os respetivos comprovativos de pagamento, ou indicou quaisquer meios de prova.
Diz o recorrente que «[m]esmo que não se conseguisse apurar o valor exacto ou os momentos temporais daquela prestação efectuada pela avó paterna, sempre se deveria ter pronunciado, o juiz a quo, valorando, ou desvalorando as declarações das partes e indicar a sua posição», e foi justamente isso que fez o Tribunal a quo, ao referir na decisão recorrida que o ónus de alegação e prova cabia ao requerido/recorrente (artigos 293.º, n.º 3 e 574.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 33º do RGPTC), sendo certo que o mesmo não indicou qualquer prova com a resposta que apresentou.
O Tribunal a quo conheceu, pois, do que tinha de conhecer, não enfermando a decisão recorrida da nulidade invocada.

Das custas do incidente
Insurge-se ainda o recorrente quanto à sua condenação nas custas do incidente, por litigar com apoio judiciário.
Vejamos.
A concessão do apoio judiciário, na modalidade constante do artigo 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, em nada altera o dever legal quanto à decisão sobre a responsabilidade das partes em matéria de custas, porque os beneficiários do apoio judiciário não gozam de isenção de custas, mas apenas a «dispensa, total ou parcial, do pagamento de custas», nos termos do citado preceito legal.
Assim, a decisão recorrida, como é, aliás, usual em inúmeras decisões, devia também fazer menção ao apoio judiciário concedido, dizendo, por exemplo, “Custas do incidente pelo requerido, sem prejuízo do apoio judiciário concedido”, sem que, contudo, tal menção não seja imposta por lei, sendo inócua a sua falta, não prejudicando o recorrente de qualquer forma, mantendo-se na sua plenitude de efeitos o benefício do apoio judiciário concedido para todos os atos do processo[6].
Sem prejuízo, sempre se deverá ter em consideração o que a propósito desta matéria refere Salvador da Costa[7]:
«(…), a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo decorrente da concessão do apoio judiciário, sem qualquer condição ou limite, a que a alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, se reporta, já aponta no sentido de que a parte beneficiária daquele apoio, enquanto o for, está dispensada do pagamento das custas, seja as atinentes às ações, seja as relativas aos recursos.
Na verdade, concedido o referido apoio judiciário, se não for cancelado no decurso do processo em função do qual tenha sido concedido, pelos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 34/2004, mantém-se eficaz até ao trânsito em julgado da decisão final. [..]
Decorre, pois, implicitamente, das referidas normas que as partes beneficiárias do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo à data das sentenças e dos acórdãos, vencidas nas ações ou nos recursos, não estão sujeitas ao pagamento de custas lato sensu.
Esta solução é, aliás, implicitamente confirmada pelo disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, é dispensado o ato de contagem do processo sempre que o responsável pelas custas beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.»
Concordando com este entendimento, temos vindo ultimamente, no segmento decisório dos acórdãos que proferimos, quando a parte vencida tenha apoio judiciário, a declarar não estar a mesma vinculada ao pagamento das custas.
Seja como for, pelas razões anteriormente apontadas, não se justifica uma reforma da decisão recorrida quanto a custas.
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencido, o recorrente suportaria as respetivas custas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527º, nºs 1 e 2, e 529º, nºs 1 e 4, do CPC, as quais não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem tributação, em face do apoio judiciário de que beneficia o recorrente.
*
Évora, 10 de novembro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

__________________________________________________
[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 21.
[2] Constituição da República Portuguesa Anotada, I Volume, págs. 414-415.
[3] Ob. cit., pp. 526-527.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, p. 139.
[5] Cfr., inter alia, o acórdão do STJ de 08.02.2011, proc. 842/04.8TBTMR.C1.S1.
[6] Neste sentido, o acórdão desta Relação de 09.02.2021, proc. 2351/18.9T9STB.E1, in www.dgsi.pt.
[7] A condenação das partes vencidas no pagamento de custas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam, in https://blogippc.blogspot.com/2021/05/a-condenacao-das-partes-vencidas-no.html.