Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3347/20.6T8STB-A.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da alínea e) do artigo 310º do Código Civil, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
II. A circunstância de as prestações serem imediatamente exigíveis e o credor ter direito ao recebimento de todo o capital em dívida, por via do vencimento antecipado das prestações, não tem a virtualidade de transmutar a prescrição de curto prazo em prescrição ordinária.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa instaurada por Hefesto STC, SA., contra J. e M., em que a exequente reclamou o pagamento de capital e juros calculados a partir de 16.04.2002 e de 23.03.2001 (alegando que as prestações deixaram de ser pagas justamente em 16.04.2002 e 23.03.2001), vieram os executados deduzir oposição por embargos.
Fundamentaram a sua pretensão alegando, em síntese, que em face da data de incumprimento, o crédito da exequente encontra-se prescrito na parte em que os juros ultrapassem os cinco anos anteriores à citação.
Concluíram pedindo a procedência dos embargos, reduzindo-se a quantia exequenda nos termos peticionados.

2. Recebidos os embargos, a exequente contestou alegando que o prazo de prescrição a considerar é de vinte anos, pois o incumprimento definitivo implicou que o plano de pagamentos inicialmente acordado ficasse sem efeito, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, pugnando pela improcedência dos embargos.

3. Nada tendo sido oposto pelas partes à prolação de decisão com dispensa de audiência prévia e considerando que os autos continham elementos suficientes para, sem necessidade de mais provas, para se decidir de mérito, foi proferida decisão a seguinte decisão:
“… considerando procedente a excepção da prescrição dos juros, julgo os presentes embargos procedentes e, consequentemente, determino o prosseguimento da execução para pagamento do capital em dívida e dos juros contados desde 12.07.2015 até pagamento”.

4. Inconformado interpôs a Exequente/Embargada o presente recurso, que motivou, pedindo a revogação da decisão recorrida, quanto à prescrição dos juros vencidos até 12/07/2015, com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O douto Tribunal a quo proferiu sentença que julgou procedente a excepção de prescrição de juros e, em consequência determinou o prosseguimento da execução para pagamento de capital e dos juros contados desde 12.07.2015 até pagamento.
2.ª O Julgador a quo julgou procedente a invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e capital não amortizado, considerando aplicável a alínea d) do artigo 310.º do Código Civil à situação sub judice;
3.ª Ora e salvo o devido respeito e que é muito, douta sentença recorrida, fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos.
4.ª Estão em causa mútuos bancários que não foram liquidados pelos devedores.
5.ª A Recorrente entende que ao contrato de mútuo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil);
6.ª Da celebração do contrato de empréstimo outorgado por escritura pública que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, resulta uma única obrigação: a de pagamento;
7.ª A perda de benefício do prazo aplicável, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital e dos juros desde o incumprimento, ocorrendo uma convolação numa noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, bem como os juros, os quais não poderão estar sujeitos ao prazo prescricional de 5 anos;
8.ª De harmonia com o teor dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e de Guimarães citados nas motivações (processos n.ºs 525/14.0TBMGR-A.C1 e 589/15.0T8VNF-A.G1), na eventualidade da existência de um incumprimento no plano de reembolso acordado, o exequente pode considerar, ao abrigo do disposto no artigo 781.º, do Código Civil, vencida toda a dívida, pelo que o montante dividendo assume a sua natureza original de capital e de juros, ficando aquele sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do Código Civil;
9.ª A jurisprudência citada entende, salvo o devido respeito, que, uma vez vencidas todas as prestações, não estamos perante o reembolso de quotas de capital e de juros amortizáveis, mas, outrossim, do capital mutuado;
10.ª Por consequência e ao contrário do que propugna a decisão recorrida, a alínea d) do artigo 310.º do Código Civil não se aplica à situação sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo;
11.ª Ou seja, estando a dívida incorporada em título executivo – escritura pública – documento exarado por notário que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1 do Código Civil, não se aplicando a alínea d) do artigo 310.º do mesmo código);
12.ª A douta sentença recorrida fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito à prescrição, pois a factualidade impunha ao Tribunal que a oposição fosse julgada improcedente;
13.ª Sem embargo, a douta sentença recorrida, recorre ao disposto no artigo 310.º, do Código Civil, nos termos do qual as razões justificativas das prescrições de curto prazo destinam-se a obstar a situações de ruína económica por parte do devedor;
14.ª O legislador não quis, como parece, agora, com as interpretações que vão sendo dadas àquela disposição legal (310.º, alínea d), do Código Civil), nem favorecer o credor, nem prejudicar o devedor;
15.ª Conforme já expendido e consta do elenco de factos provados, entre a Recorrente e os mutuários foi celebrado um contrato de mútuo, entregando a primeira aos últimos uma quantia aos primeiros que estes se comprometeram a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado (artigos 1114.º e 781.º, do Código Civil) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios (artigos 1145.° do Código Civil e 395.° do Código Comercial);
16.ª Os mutuários não satisfizeram as prestações a partir de 16.04.2002 e 23.03.2001, o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no artigo 781.°, do Código Civil;
17.ª Desde que ocorre o vencimento imediato, fica sem efeito o plano acordado, passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital e juros.
18.ª Salvo melhor opinião, o artigo 310.º, do Código Civil só pode ser interpretado como aplicável aos frutos civis ou rendimentos ou a créditos inerentes ao gozo continuado de uma coisa, isto é, às prestações periódicas, dependentes do factor tempo. Neste sentido vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16.09.2008, processo n.º 4693/2008-l ou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15.10.2013, processo n.º 3992/12.3TBPRD.Pl, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
19.ª A douta sentença recorrida não podia, salvo o devido respeito, restringir o prazo de prescrição de juros de 20 para 5 anos, sobretudo tendo já ocorrido o vencimento imediato de todas as prestações, porquanto, atenta a própria natureza do contrato de mútuo e que tem inerente a obrigação de restituição de capital (artigo 1142.°, do Código Civil), cessou o reembolso fraccionado e periódico do capital;
20.ª Cabe ao Julgador interpretar a lei, tendo em conta os interesses do devedor, não o onerando, excessivamente, mas, também os interesses do credor que tem direito à restituição do capital e à compensação pelo tempo (juros), em que disponibilizou o mesmo, ao devedor (artigo 9.°, do Código Civil);
21.ª Tratando-se de um mútuo destinado à aquisição de um imóvel, o capital e os juros do exequente são assegurados pela existência de uma hipoteca voluntária constituída e registada.
22.ª O artigo 4.°, do Código do Registo Predial, dando forma adjectivo-processual ao disposto no artigo 687.°, do Código Civil, preceitua o efeito constitutivo do registo da hipoteca, cuja eficácia entre as próprias partes, depende da realização do registo;
23.ª O registo existe, pois, para assegurar a estabilidade de certo tráfico jurídico com a correspondente protecção do adquirente que confia na fé pública, resultante das presunções do registo;
24.ª E, nessa medida, a segurança do registo não pode, sem mais, ser coarctada com uma interpretação que reduz o prazo de prescrição;
25.ª Acresce que o tempo de duração do contrato e a inerente remuneração do capital mutuado fazem parte da actividade societária da Recorrente, a qual empresta capital com o propósito de receber os respectivos juros;
26.ª E assim é que, reconhecendo essa realidade contratual, o artigo 1147.°, do Código Civil e o artigo 9.°, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, determinam a obrigação do pagamento de juros remuneratórios para o caso de antecipação de reembolso;
27.ª A interpretação acolhida, na douta sentença recorrida, aplicada de forma generalizada, levaria à ruína, não do consumidor, mas das Instituições Bancárias, que concedem crédito, e se vêem, depois, em caso de incumprimento, impedidos de reaver, até o capital que emprestaram;
28.ª Sucede, porém, desde que ocorreu o vencimento imediato de toda a dívida, esta não se encontrava repartida em prestações pagáveis num dado decurso temporal periódico.
De notar que no caso em apreço, o contrato em causa já tinha sido peticionado no âmbito do processo 2305/07.0TBST, que correu termos na Comarca de Setúbal, Setúbal – Inst. Central – Secção de Execução – J1, tendo peticionado os mesmos contratos, tudo em menos de 20 anos, tendo a mesma sido extinta por deserção.
29.ª A dívida passou a ser exigível, na sua totalidade, atenta a ausência de pagamento de uma prestação que determinou o vencimento das restantes.
30.ª Perante o não pagamento de uma prestação do capital mutuado, o artigo 781.º, do C.C. concede ao credor o direito de exigir de imediato ao mutuário o pagamento da totalidade do capital (cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações), o que se fez notar pelas intervenções judiciais, pelo que dúvidas inexistem de que tomaram conhecimento, pelo menos, nessa data, de que a exequente pretendia dissolver o vinculo contratual existente entre elas, ao exigir a totalidade das prestações vencidas e vincendas.
31.ª Pode assim dizer-se que o teor das intervenções judiciais acima referidas traduz o acto de vontade da exequente em efectivar o termo do contrato de mútuo com base no incumprimento definitivo do plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, acto esse que foi comunicando aos mutuários em dívida, mormente através da citação, muito antes do prazo dos 20 anos.

5. Não se mostram juntas contra-alegações.

6. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se ocorreu a prescrição dos juros moratórios pedidos para além dos 5 anos anteriores à citação dos executados.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A execução baseia-se em escritura pública celebrada no dia 16.02.2000, nos termos da qual a CEMG e os executados declararam que a primeira concedia aos segundos um empréstimo no montante € 24.939,89 (Esc. 5.000.000$00), obrigando-se os executados a reembolsar o referido montante em sessenta prestações mensais e sucessivas de capital e juros, sendo a primeira das quais devida no dia 16.03.2000.
2. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre as fracções autónomas “A” e “B” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número (…) da freguesia de (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…).
3. A execução baseia-se em documento denominado contrato de abertura de crédito em conta corrente, assinado no dia 18.02.2000, nos termos do qual a CEMG abriu aos executados um crédito até ao montante de € 12.469,95 (Esc. 2.500.000$00), pelo prazo de seis meses, renovável, obrigando-se os segundos a amortizar integralmente o saldo devedor, de capital e juros, no termo do prazo contratual ou das suas renovações.
4. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre as fracções autónomas a que se alude em 2..
5. Os embargantes deixaram de pagar as prestações em 16.04.2002 (documento referido em 1.) e 23.03.2001 (documento referido em 3.).
6. No requerimento executivo, a exequente alega além do mais o seguinte:
“Por contrato datado de 30-10-2015, a Caixa Económica Montepio Geral, cedeu o(s) crédito(s) que detinha sobre o(s) Executado(s) à Hefesto STC, S.A., todas as garantias acessórias a ele inerentes, conforme Contrato de Cessão de Créditos, que ora se junta e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
(…)
No âmbito do contrato supra mencionado, incluiu-se o crédito sobre o(s) ora Executado(s), melhor identificados na relação de créditos cedidos constante do referido contrato e do respectivo DOCUMENTO COMPLEMENTAR, parte integrante do mesmo, cfr. Contrato de Cessão de Créditos junto.
(…)
O que faz com que, presentemente, a ora Exequente seja a actual titular dos créditos sub judice.”.
7. O processo executivo apenso deu entrada em juízo em 07.07.2020.
8. A embargante foi citada para os termos da execução em 24.07.2020, ao passo que o embargante foi citado em 04.08.2020.
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B) – O Direito
1. Como se diz na sentença recorrida, estamos perante duas execuções (cumuladas), baseadas em escritura pública e em contrato de abertura de crédito em conta corrente, sendo que, em face do alegado na petição de embargos, a prescrição do crédito de juros constituía o único fundamento a apreciar, nada se impondo decidir quanto à eventual prescrição do crédito correspondente ao capital, uma vez que a prescrição é uma excepção que não é do conhecimento oficioso do tribunal, só podendo ser conhecida se for expressamente invocada por aquele a quem aproveita, nos termos do artigo 303º do Código Civil.
E, conhecendo da dita prescrição dos juros, entendeu-se na sentença recorrida que o prazo da prescrição a aplicar era o previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil, onde se estipula que prescrevem no prazo de cinco anos “[o]s juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades”.
Assim, e atendendo ao facto de a execução ter sido instaurada em 07/07/2020 e se ter a prescrição por interrompida em 5 dias após a instauração da execução, nos termos do artigo 323º, n.º 2, do Código Civil, isto é, desde o dia 12/07/2020, concluiu-se pela verificação da prescrição dos juros contabilizados desde o incumprimento dos contractos até 11/07/2015, tendo a exequente apenas direito aos que se venceram a partir de 12/07/2015.
A exequente não concorda com a aplicação ao caso do prazo curto da prescrição, invocando que a alínea d) do artigo 310º do Código Civil não se aplica à situação sub judice, porquanto ao contrato de mútuo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil), que da celebração do contrato de empréstimo outorgado por escritura pública que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, resulta uma única obrigação - a de pagamento, e que a perda de benefício do prazo aplicável, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital e dos juros desde o incumprimento, ocorrendo uma convolação numa noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, bem como os juros, os quais não poderão estar sujeitos ao prazo prescricional de 5 anos.
Vejamos:

2. A prescrição é o instituto jurídico pelo qual os direitos subjectivos se extinguem se não forem exercidos durante certo lapso de tempo fixado na lei (artigo 298°, n.º 1 do Código Civil), e tem como principal fundamento a inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para exercitar um direito, se abstém de o fazer. Sustenta-se numa ideia de negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência essa que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna desmerecedor de protecção jurídica.
Este instituto visa a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a protecção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.

3. Ora, no caso concreto, em que a exequente vem exigir o pagamento do capital em dívida à data do incumprimento do pagamento das prestações, e dos juros moratórios, invocando o vencimento antecipado de todas as prestações, nos termos do artigo 781º do Código Civil, como resulta do requerimento executivo, entende-se que os juros moratórios em causa, vencidos para além dos 5 anos a contar da citação, não só se encontram prescritos por via da aplicação da norma da alínea d) do artigo 310º do Código Civil, como se decidiu na sentença, como também por via da aplicação na norma da alínea e) do mesmo preceito, a qual, tendo em conta a interpretação jurisprudencial que vem sendo seguida, acarretaria igualmente a aplicação do prazo prescricional de 5 anos quer às prestações de capital quer aos juros, caso tivesse sido assim invocada.
Senão vejamos:

4. No artigo 310º do Código Civil consagra-se casos de prescrição extintiva com prazo mais reduzido, justificando-se o estreitamento uma vez que que estão em causa direitos que têm, em regra, por objecto prestações periódicas.
Tem entendido a jurisprudência que, no mútuo bancário, em que o reembolso da quantia emprestada foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas prestações que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, prestações essas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
Veja-se neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2016 (proc. n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1), disponível como os demais citados, em www.dgsi.pt, onde se concluiu, com apelo ao Acórdão do mesmo Tribunal, de 27/03/2014, proferido na sequência de revista excepcional (proc. n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1), que:
«I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.»
II. Na verdade, neste caso – apesar da obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.»
Neste sentido, aderindo aos fundamentos convocados nos citados arestos, já se pronunciou este Colectivo pelos acórdãos de 11/04/2019 (proc. n.º 308/16.3T8LLE-A.E1), de 05/12/2019 (proc. n.º 6299/17.6T8STB-A.E1), e de 25/11/2021 (proc. n.º 96/20.9T8ENT-A.E1), este dois últimos não publicados.
E, em sentido idêntico, indica-se, ainda, a título meramente exemplificativo, os acórdãos desta Relação, de 02/10/2018 (proc. n.º 552/17.6T8PTG-A.E1), relatado pela aqui 2ª Adjunta, de 14/03/2019 (proc. n.º 1806/13.6TBPTM-A.E1), e de 07/11/2019 (proc. n.º 1599/18.0T8SLV-A.E1).

5. E não se diga que, considerando-se vencidas todas as prestações, em consequência do incumprimento, deixa de haver prestações, sendo imediatamente exigível o pagamento de todos os valores do contrato, ficando a dívida sujeita ao prazo ordinário de 20 anos.
A circunstância de as prestações serem imediatamente exigíveis e o credor ter direito ao recebimento de todo o capital em dívida, por via do vencimento antecipado das prestações, não tem a virtualidade de transmutar a prescrição de curto prazo em prescrição ordinária. Tal facto nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida, sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na alínea e) do artigo 310.º do Código Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.
Com o vencimento antecipado das prestações, seja por via da aplicação da norma do artigo 781º do Código Civil, seja através de clausula contratual nesse sentido, norma e cláusula esta que são estabelecidas em benefício do credor, este fica em condições de poder exercer o seu direito, nos termos do n.º 1 artigo 306º do Código Civil, podendo exigir o pagamento das prestações de capital vencidas. Mas tal significa, tão só, que o credor passa a poder exigir o pagamento imediato de todas as prestações de capital que, de acordo com o plano inicialmente estabelecido, deviam ser pagas escalonadamente no tempo, e não que o prazo da prescrição se alterou. A prescrição respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida.
Assim, operando o vencimento antecipado das prestações, tem o credor de instaurar a competente acção nos cinco anos subsequentes, sob pena de prescrição, caso não ocorra qualquer acto interruptivo ou suspensivo da mesma.
De facto, como se esclarece no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 18/10/2018 (proc. n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), «[a] circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição …»
Este entendimento corresponde ao já anteriormente sufragado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, tomo 2, pág. 82, onde se conclui que: «I – Nos termos do art. 310º e) do C. Civil prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com os juros respectivos, independentemente de haver capitalização de juros. II – O facto de vencida uma quota e não paga e se vencerem todas as posteriores não releva para efeitos da sua prescrição, porque esta respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida». (sublinhado nosso)
Também neste sentido se pronunciou o acórdão desta Relação de Évora, de 07/11/2019, supra-referido, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 23/05/2019 (proc. n.º 316/18.0T8PDL.L1-6).

6. Deste modo, tendo em conta que a prescrição não é do conhecimento oficioso e que nos embargos apenas se invocou a prescrição dos juros moratórios pedidos, “na parte que ultrapassem os 5 anos anteriores à citação dos executados”, quer por via da aplicação da alínea e) do artigo 310º do Código Civil, quer em aplicação da alínea d) do mesmo preceito, que a sentença aplicou, ocorreu a prescrição, e, por conseguinte, não é exigível o pagamento dos referidos juros.

7. Em face do exposto, improcede a apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida, que declarou a prescrição dos juros vencidos até 11/07/2015.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
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Évora, 9 de Junho de 2022
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)