Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
341/19.3T8ORM.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: Está excluída da competência dos Juízos de Comércio a preparação e julgamento de procedimentos cautelares com vista à suspensão de deliberações sociais de associações sem fim lucrativo.
Decisão Texto Integral: CONFLITO DE COMPETÊNCIA N.º 341/19.3T8ORM.E1 (ENTRE O JUÍZO LOCAL CÍVEL DE OURÉM E O JUÍZO DE COMÉRCIO DE SANTARÉM)


Nestes autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberação social que o requerente (…), residente na Rua (…), n.º 1-r/c, Monte Abraão, Queluz, instaurou no Juízo Local Cível de Ourém, contra os requeridos “Clube Atlético (…)”, associação sem fins lucrativos, “Mesa da Assembleia Geral do Clube Atlético (…)” e “Direcção do Clube Atlético (…)”, todos com sede na Rua (…), n.º 11-r/c, em Ourém, vem agora suscitado – oficiosamente – o presente incidente para a resolução do conflito negativo de competência que surgiu entre os Mm.os Juízes desse Juízo Local Cível de Ourém e do Juízo de Comércio de Santarém, intentando agora que se dirima o conflito instalado, consabido que nenhuma de tais autoridades judiciárias ora aceita o cargo de proceder à tramitação daquele mencionado procedimento, atribuindo-se mutuamente a competência para tal. São termos em que deverá o conflito ser solucionado, determinando-se qual das duas instâncias – Juízo de Comércio de Santarém/Juízo Local Cível de Ourém – é a competente para apreciar estes autos.
As partes envolvidas (sendo que os requeridos já se mostram citados para o procedimento cautelar e contestaram) e o Ministério Público não emitiram qualquer pronúncia sobre a resolução do presente conflito.
Nada obsta, pois, a que se conheça do mesmo.
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) Em 20 de Março de 2019 instaurou o Requerente (…), no Juízo Local Cível de Ourém, procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, contra os Requeridos “Clube Atlético (…)”, “Mesa da Assembleia Geral do Clube Atlético (…)” e “Direcção do Clube Atlético (…)”, a formular os seguintes pedidos: “a) Ordenar a suspensão da execução da deliberação tomada pela Mesa da Assembleia Geral de 10/03/2019; b) Ordenar a suspensão da execução da deliberação tomada pela Assembleia Geral de 11/03/2019; c) Ordenar que os Requeridos se abstenham de praticar quaisquer actos de gestão do Clube, mormente a contratação, renovação ou dispensa de quaisquer atletas ou elementos de equipas técnicas de todos os escalões do Clube; d) Fixar uma sanção pecuniária compulsória que se revele suficientemente dissuasora do desrespeito pela decisão do Tribunal, para que a exequibilidade e eficácia da presente providência seja efectiva”, tudo nos termos e com os fundamentos constantes do douto articulado que constitui fls. 2 verso a 17 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (a data de entrada está aposta a fls. 33 verso dos autos).
2) Entretanto, por douto despacho do Mm.º Juiz do processo, proferido a 22 de Março de 2019, foi ordenada a remessa dos autos ao Juízo Central de Comércio do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, por se ter entendido ser o competente para os tramitar, declarando-se, ao mesmo tempo, a sua própria incompetência para o fazer (vide o seu respectivo teor completo, a fls. 35 dos autos, que aqui se dá, igualmente, por reproduzido na íntegra).
3) Mas por douto despacho do Mm.º Juiz desse Juízo de Comércio de Santarém proferido no dia 06 de Junho de 2019, declarou-se este Juízo também “incompetente em razão da matéria para conhecer do mérito do presente procedimento cautelar” (vide tal douta decisão a fls. 80 a verso dos autos, aqui dada por integralmente reproduzida).
4) Ambos os despachos transitaram já em julgado (vide fls. 81 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão do Tribunal da Relação é a de saber se é competente para tramitar e julgar o presente processo cautelar de suspensão de deliberação social o Juízo Local Cível de Ourém – onde entrou inicialmente – ou o Juízo de Comércio de Santarém – para onde fora remetido (recorde-se que nos termos do nº 2 do artigo 113.º do Código de Processo Civil, “Se o presidente do tribunal entender que há conflito, decide-o sumariamente” – sublinhado nosso).

Mas cremos bem, salva melhor opinião, que assistirá agora razão a quem defendeu que o processo havia sido correctamente instaurado no Juízo Local Cível de Ourém e não no Juízo de Comércio de Santarém – assim devendo o mesmo voltar a Ourém.

Pois que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada”.
E pelo seu artigo 128.º, n.º 1, alínea d), “Compete aos juízos de comércio preparar e julgar as acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais”; sendo que pelo n.º 3, “A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.

Ora, volvendo já ao caso sub judicio, pareceria que o Juízo de Comércio de Santarém seria, assim, o competente para tramitar o procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais aqui em causa.
Porém, é preciso enquadrar melhor a situação.

Pois que se tratam, aqui, de deliberações sociais de uma associação sem quaisquer fins lucrativos – o “Clube Atlético (…)” e os seus órgãos – como resulta logo do artigo 1.º dos seus Estatutos (vide fls. 20 dos autos).
[Já quanto ao seu objecto social, diz aí o seu artigo 2.º que “O C.A.O. tem por objectivo a promoção e desenvolvimento da formação e prática desportivas, em toda e qualquer modalidade, bem como a formação e animação cultural e recreativa e a defesa dos valores, usos e tradições de relevante interesse local e regional”].

Ora, não parece que o legislador tenha criado os Juízos Especializados de Comércio para tratar de assuntos relativos a associações recreativas ou culturais sem fins lucrativos – que merecem naturalmente toda a consideração pelo papel que desempenham nas comunidades locais onde se inserem e na sociedade em geral, mas justamente essa sua natureza não demanda qualquer característica de especialização por parte dos Tribunais ou Juízos para se ocuparem das questões que lhes são inerentes. Pois será o fim lucrativo que problematizará as situações que demandam uma maior especialização da máquina judiciária.

Remetemos para o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, citado no douto despacho do Juízo do Comércio, de 18 de Março de 2002, na base de dados do ITIJ, processo n.º 02B2491, que diz em sumário: “I – Os tribunais judiciais são os competentes em razão da matéria para prepararem e julgarem uma acção de anulação de deliberações sociais da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e consequentemente, para decidirem a correspondente providência cautelar de suspensão dessas mesmas deliberações; II – Na comarca do Porto são competentes as varas cíveis e não o tribunal do comércio”.
Aí se afirma, com efeito: “Trata-se de criar tribunais onde serão tratadas as questões mais complexas respeitantes à actividade empresarial (…)”.

Razões para que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se mostre com competência para a apreciação deste processo cautelar o Juízo Local Cível de Ourém, onde o mesmo foi, de resto, instaurado primeiro.
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Decidindo.

Assim, face ao exposto, decido resolver o conflito suscitado atribuindo a competência para o processo ao Juízo Local Cível de Ourém, onde inicialmente fora instaurado.
Sem custas.
Registe e notifique.
Évora, 04 de Julho de 2019
Mário João Canelas Brás