Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
70/18.5T8STC.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO NO ESTRANGEIRO
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A descaracterização do acidente prevista na alínea a) do nº1 do artigo 14º da Lei nº 98/2009 (LAT), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de regras de segurança desrespeitadas por parte do destinatário/trabalhador; (ii) atuação voluntária/consciente do destinatário/trabalhador, embora não intencional, por ação ou omissão e sem causa justificativa; (iii) nexo de causalidade entre a conduta voluntária e o acidente.
II. A inobservância das regras de segurança, pelo trabalhador, pode ter outras causas justificativas para além das situações referidas no n.º 2 do artigo 14.º da LAT.
III. Um trabalhador que acede a uma zona restrita, sem ter cartão individual de acesso à mesma, acompanhando o seu superior hierárquico, em cumprimento de uma ordem que lhe foi dada por este, não viola, sem causa justificativa, a regra de segurança que impõe que só possa aceder à zona quem tem cartão individual de acesso.
IV. Para que se verifique a situação que exclui o direito à reparação pelo acidente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) que se verifique negligência grosseira do sinistrado; (ii) que essa negligência grosseira constitua a causa exclusiva do acidente.
V. A apreciação da negligência grosseira, deve ser feita, sempre, tendo em consideração as específicas e concretas condições do sinistrado e nunca em função de um padrão geral ou abstrato de conduta.
VI. Não assume um comportamento temerário, e muito menos em elevado grau, um trabalhador que se limita a acompanhar o superior hierárquico a uma zona de acesso restrito, e que ao descer um lanço de escadas, o seu pé esquerdo fica preso entre o último degrau e o chão, o que provocou o seu desequilíbrio e a consequente queda.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Na presente ação especial de acidente de trabalho, que R.B. fez prosseguir para a fase contenciosa, demandando “Emiátomo – Projetos e Manutenção Industrial, Lda” e “Zurich – Companhia de Seguros, S.A.”, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Por tudo o exposto, o tribunal julga parcialmente procedente a presente ação e em consequência, reconhecendo como acidente de trabalho, o acidente que vitimou o autor R.B., no dia 17 de Dezembro de 2017, consequentemente:
a) Condena a 1.ª R. “Emiátomo – Projetos e Manutenção Industrial, Lda.” No pagamento ao autor da quantia de €6.528,81 (seis mil quinhentos e vinte e oito euros e oitenta e um cêntimo) a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrido, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que cada prestação é devida, até efetivo e integral pagamento;
b) Condena a 1.ª R. no pagamento ao autor da quantia de €2.019,38 (dois mil e dezanove euros e trinta e oito cêntimos) a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária parcial, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que cada prestação é devida, até efetivo e integral pagamento.
c) Condena a 1.ª R. no pagamento ao autor da pensão anual e vitalícia no valor de €1.108,38 (mil cento e oito euros e trinta e oito cêntimos), a que corresponde o capital de remição de €16.460,55 (dezasseis mil quatrocentos e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), quantia devida desde 15 de Junho de 2018 e a que acrescem juros de mora desde então à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;
d) Condena a 1.º R. no pagamento ao autor do valor de €265,28 (duzentos e sessenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos) a título de despesas, a que acrescem juros de mora à taxa legal, devidos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento;
e) Absolve a 2.ª R. de todos os pedidos deduzidos pelo autor.
*
Custas pela 1ª R. [art.º 527.º, do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho].
*
Valor da ação: €25.274,02 (vinte e cinco mil duzentos e setenta e quatro euros e dois cêntimos), cfr. artigo 120.º, do CPT.
*
Registe e notifique, observando o disposto no artigo 24.º, do Código de Processo do Trabalho.»
Não se conformando com o decidido, veio a 1.ª ré interpor recurso para esta Relação, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«I - O presente recurso é interposto da sentença proferida pela 1ª Instância que, para além do mais, condenou a recorrente no pagamento ao Autor de diversas quantias como consequência de um alegado acidente de trabalho ocorrido em 17 de Dezembro de 2017, nas instalações da PDO CRM Project, em Omã, em zona da obra denominada “Train I” da SRCPP (Saih Rawl Central Processing Plant), situada em área classificada de “Brown field”, considerada perigosa devido à presença de atmosferas explosivas, sendo que o objeto do presente recurso restringe-se à discordância de facto e de direito quanto ao julgamento efetuado da matéria relativa à descaracterização do acidente - tema da prova “da violação de regras de segurança pelo autor, suscetíveis de descaracterizar o acidente de trabalho”;
II - A prova produzida nos autos e dos mesmos constante, designadamente a prova documental e as declarações das testemunhas, cuja reapreciação das respetivas declarações gravadas se requer, importa a alteração dos factos 24, 25, 26, 62, 63, 68 e 81 julgados como provados, como dos factos D, F, G, H, P, Q e R julgados como não provados e, consequentemente, a alteração da decisão de Direito, pelo que o presente recurso é de facto e de Direito, com reapreciação da prova gravada;
III – Considerando o alegado pela recorrente na contestação e toda a matéria julgada como provada em 58º a 61º, 64º a 68º, 80º, 81º, 84º, 86º e 87º, bem como o correto julgamento da matéria de facto objeto do presente recurso, tem que concluir-se que estão provados todos os elementos necessários para a descaracterização do acidente;
IV - As instalações da PDO CRM Project, em causa nos autos, referem-se a uma central/instalações de gás, de enorme dimensão (cfr. facto 80º), situada no meio do deserto do Sultanato de Omã, de onde decorre como evidente a perigosidade do local (em especial da Brown Field, por tratar-se de área com atmosfera explosiva, conforme está provado), como a importância atribuída às normas de segurança e a essencialidade do respetivo cumprimento;
V - No exercício das suas funções, o Autor não carecia de deslocar-se à zona classificada como Brown Field, tendo o Tribunal julgado incorretamente os factos 25º, 26º, 62º, 63º e 68º da matéria de facto julgada como provada e D, P, Q e R da matéria de facto julgada como não provada;
VI – Decorre do contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora recorrente e a empreiteira da obra, junto aos autos a fls., bem como das declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas, que o âmbito dos serviços prestados pela recorrente – logo, por todos os trabalhadores desta, incluindo o Autor – era exclusivamente a operação de sala de controlo;
VII - À data dos factos, o Autor não se encontrava ainda a trabalhar na sala de controlo, não porque tivesse incumbido de qualquer outra tarefa distinta, que implicasse ou permitisse aceder à zona de Brown Field, mas porque se encontrava nos escritórios, a estudar o trabalho que teria que desenvolver na sala de controlo, situado a quilómetros de distância da referida zona, o que igualmente decorre das declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas;
VIII – Decorre ainda das declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas, que o Autor não necessitava de ter conhecimento físico das instalações no exercício das suas funções, como não podia sequer deslocar-se à Brown Field para visualizar e conhecer equipamentos;
IX – Assim, perante a prova produzida e considerando a dimensão das instalações e respetivas características, é manifesto que, no exercício das suas funções de Operador de Sala de Controlo, o Autor não podia, nem carecia, de deslocar-se à Brown Field, ao contrário do que o próprio alega e foi julgado como provado, sendo a sua atividade prestada exclusivamente na sala de controlo, que era o seu local específico de trabalho, improcedendo a fundamentação da decisão recorrida;
X - A fundamentação da decisão recorrida quanto aos factos 63º (dos factos provados) e D, P e Q (dos factos não provados), constante da pág. 20 da decisão, não é fundamentação próprio senso, pois o Tribunal recorre aos factos que julgou como provados para fundamentar a prova dos factos, quanto teria que recorrer à prova produzida;
XI - A fundamentação quanto ao facto 25º dos factos provados, constante das págs. 25 e 26 transcritas em sede de alegações, improcede igualmente perante a prova produzida, designadamente as declarações transcritas supra referidas, sendo o próprio Autor a única pessoa que sustenta o alegado trabalho que estaria incumbido de realizar na Brown Field, sem que tal tenha correspondência com qualquer outra prova.
XII – A “visualização” da Brown Field não era necessária ao Autor, não se compreendendo que, para tanto, M. tivesse pedido ao Autor colaboração; como aliás para fechar uma válvula, pois seria necessária autorização específica, que o Autor não tinha, conforme igualmente resulta das declarações transcritas;
XIII – A fundamentação da decisão recorrida parte, ainda, de um pressuposto falso e não provado: o de que M. era superior hierárquico do Autor; e que, nessa qualidade, M. poderia ter “atribuído” funções ao Autor fora do escopo das funções deste;
XIV – Ao contrário do constante da fundamentação da decisão recorrida, do aditamento contratual acordado posteriormente (em Abril de 2018) entre a Ré e a empreiteira decorre precisamente que só a partir de Abril de 2018 a Ré começou a realizar no local, por intermédio dos seus trabalhadores, outras tarefas para além da operação de sala de controlo;
XV – Improcede ainda a fundamentação do Tribunal recorrido porque da prova produzida, em especial das declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas, como do doc. n.º 8 junto à contestação, resulta que para além do cartão – que é atribuído a todos os trabalhadores do complexo, após a frequência da formação em segurança – é necessária autorização específica para o concreto trabalho a realizar, documento este que o Autor igualmente não tinha, o que deve julgar-se como provado;
XVI – Assim, perante a prova produzida, o correto julgamento dos factos em análise importa: que se julguem como não provados os factos julgados como provados em 25º, 26º e 62º; que se altere o julgamento do facto 63º (eliminando-se o ponto D dos factos não provados), no sentido de no mesmo passar a constar que “A atividade desenvolvida pelo A. deveria ser prestada exclusivamente na sala de controlo, sendo que à data dos factos se encontrava a ser prestada exclusivamente nos escritórios para preparação daquela”; que se altere o julgamento do facto 68º, no sentido de no mesmo passar a constar que “No dia 17 de Dezembro de 2017, ao aceder à zona “Brown Field”, o A. sabia que o fazia sem o necessário cartão de acesso e autorização específica de trabalho”; que se julgue como provada a matéria a que se refere o ponto P dos factos julgados como não provada, julgando-se como provado que “O local de trabalho do Autor era a sala de controlo, sendo que à data dos factos eram os escritórios situados na Green Field”; que se julgue como provado o facto constante do ponto Q da matéria julgada como não provada, ou seja, que se julgue como provado que “ Para o integral exercício das suas funções, o A. não carecia de ter conhecimento físico da planta, ou de conhecer a localização e características de quaisquer equipamentos existentes na “Brown Field”; e que se julgue como provado o facto constante do ponto R da matéria julgada como não provada, ou seja, que “Os operadores de sala de controlo não tinham autorização para aceder àquela zona das instalações.”;
XVII – Do exposto resulta igualmente a prova dos factos a que se refere o ponto H da matéria de facto julgada como não provada, já que se é certo que não ficou demonstrado qual o trabalho que o Autor estava a realizar – se um “biscate”, se de outra natureza – não menos certo é que dúvidas não existem de que, estivesse a fazer o que estivesse a fazer, não se encontrava o Autor a desenvolver qualquer atividade para a Ré;
XVIII - M. não era superior hierárquico do Autor, tendo o Tribunal julgado incorretamente os factos 24º da matéria de facto julgada como provada e F, G e H da matéria de facto julgada como não provada;
XVIII – A prova da relação hierárquica com M. era ónus do Autor, por tê-lo alegado, o que não logrou, considerando a prova produzida dos autos, mormente as declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas, das quais não resulta a prova das funções exercidas por M.;
XIX - Resulta, no entanto, do depoimento de (…), acima transcrito nas alegações e que se dá por reproduzido, que o Deputee Manager era (…); e resulta dos referidos depoimentos transcritos que, no local, o superior hierárquico do Autor era (…);
XX – Mais existe prova documental nos autos que demonstra a ilegitimidade do pedido de M., ou o que equivale a dizer, que demonstra que este não era superior hierárquico do Autor, designadamente o doc. n.º 8 junto à contestação;
XXI – A própria recusa dos colegas de trabalho do Autor, provada em 81º, indicia que este não era superior hierárquico dos trabalhadores da aqui recorrente;
XXII – Em consequência, necessária, e considerando o escopo funcional do Autor, deve julgar-se como provado o ponto F dos factos julgados como não provados, ou seja, que “O A. decidiu aceder à referida zona sem qualquer causa justificativa”;
XXIII - Não sendo M. superior hierárquico do Autor, como não era, e não estando o Autor a desempenhar qualquer função que lhe incumbisse nos termos contratuais, como não estava, outra conclusão não se pode retirar senão que não estava a trabalhar para a Ré, de onde a prova do ponto H da matéria de facto julgada como não provada; não sendo M. superior hierárquico do Autor, como não era, não pode este ter dado qualquer ordem ao Autor, estando provado unicamente que lhe pediu para acompanhá-lo, aliás como fez aos demais trabalhadores, que recusaram;
XXIV – Perante a matéria de facto julgada como provada, em especial os pontos 58º, 59º, 60º, 61º, 65º e 66º a 68º, e as declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas, deve julgar-se como provado o ponto G dos factos não provados;
XXV - Tendo a Ré remetido ao Autor as instruções específicas de segurança, tendo o Autor tido formação específica sobre a instalação e os locais onde podia e não podia aceder, sabendo o Autor que não podia aceder à Brown Field, apenas pode concluir-se que, em face da essencialidade do cumprimento das normas de segurança, conhecida pelo Autor, tinha ordens expressas para não incumprir tais normas de segurança, de entre as quais para sem a necessária autorização e documentação não aceder à Brown Field;
XXVI – Assim, em face da prova produzida, o correto julgamento dos factos em análise importa: que se altere o facto 24º dos factos julgados como provados, passando a julgar-se como provado unicamente que “Nessas circunstâncias, pelas 17h30 (hora de Omã), o A. encontrava-se na zona da obra denominada “Train I” da SRCPP, situada em área classificada de “Brown Field”, acompanhando M. e a pedido deste.”; que se julgue como provado o ponto F da matéria de facto julgada como não provada, ou seja, que “O A. decidiu aceder à referida zona sem qualquer causa justificativa.”; que se julgue como provado o ponto G da matéria de facto julgada como não provada, ou seja, que “O autor tinha ordens expressas da 1.ª R. para sem o necessário cartão de acesso, não acompanhar terceiros.”; que se altere e julgue como provado o ponto H da matéria de facto julgada como não provada, ou seja, que “No momento em que o A. se encontrava na “Brown Field” não estava a trabalhar para a 1.ª R.”;
XXVII - O Autor tinha o dever de recusar-se a aceder à Brown Field, tendo o Tribunal julgado incorretamente o facto 81º da matéria de facto julgada como provada;
XXVIII - Não sendo a pessoa que solicitou a sua deslocação à Brown Field superior hierárquico, tal solicitação insere-se no quadro da colaboração e boa-vontade entre colegas de trabalho; sendo tal pessoa superior hierárquico, o Autor tinha o dever de recusar, por ser uma ordem ilegal e ilegítima, violadora das condições e normas de segurança estabelecidas;
XXIX - A fundamentação da decisão recorrida acolhe uma tese de desresponsabilização do trabalhador, o que não é correto; tendo a empregadora cumprido todas as suas obrigações em matéria de segurança, como cumpriu, a obrigação de cumprimento das regras impende sobre todos os intervenientes da relação laboral, incluindo os trabalhadores;
XXX – Em especial em instalações com a natureza e a dimensão das objeto dos autos, onde trabalham milhares de pessoas, a responsabilidade coletiva e individual dos trabalhadores é uma das linhas de defesa de qualquer trabalho ou projeto, sem prejuízo da responsabilidade da empregadora e de todos os participantes;
XXXI - Perante uma situação concreta, como a dos autos, em que ao trabalhador é solicitado que faça algo que, de acordo com as normas de segurança que conhece, não pode fazer, não é defensável que não tenha a obrigação de recusar; pelo contrário, tem esse ónus, sabendo que, naquelas específicas circunstâncias de tempo e local, perante a perigosidade das instalações e a grande exigência de segurança, ao aceitar pode colocar em risco milhares de pessoas e toda a infra-estrutura;
XXXII - O dever de colaboração com os colegas de trabalho não se sobrepõe ao dever de diligência e cuidado no exercício da prestação laboral; como, admitindo uma relação hierárquica entre o solicitante e o trabalhador, uma ordem ilegítima ou ilegal pode e deve ser incumprida, o que decorre igualmente das declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas;
XXXIII – Em face da prova produzida, designadamente das declarações gravadas acima transcritas nas alegações e que se dão por reproduzidas, deve alterar-se o julgamento da matéria de facto constante de 81º dos factos provados, julgando-se como provado que “Dois colegas de trabalho do autor recusaram o pedido de M. para o acompanhar à Brown Field, por tal pedido implicar violação das regras de segurança impostas no local”;
XXXIV - Os colegas de trabalho do Autor recusaram o pedido de M. porque o mesmo era ilegal e ilegítimo, violador das normas de segurança sendo que, à semelhança dos seus colegas, o Autor podia e devia tê-lo recusado;
XXXV - Em suma, em face da prova produzida, maxime da prova gravada produzida em audiência de julgamento, o julgamento da matéria de facto foi incorreto quanto aos factos 24, 25, 26, 62, 63, 68 e 81 dos factos julgados como provados, como dos factos D, F, G, H, P, Q e R julgados como não provados, pelo que deve alterar-se tal julgamento, nos termos acima referidos;
XXXVI – Considerando a matéria de facto julgada como provada e o disposto no artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.ºs 2 e 3 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, deve julgar-se o acidente como descaracterizado, absolvendo-se a recorrente da respetiva reparação; Com efeito
XXXVII - No que respeita à alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, o que está em causa nestes autos é a circunstância de o acidente provir de ato do sinistrado que importa violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, sendo que deve concluir-se pelo preenchimento de todos os pressupostos a que se refere a norma;
XXXVIII – Em face da matéria de facto provada nos autos, o sinistrado não atuou com causa justificativa, nos termos em que esta deve apreciar-se de acordo com a Lei;
XXXIX - O que está em causa na análise da causa justificativa é o conhecimento das regras pelo sinistrado e a sua capacidade/instrução para apreensão das mesmas, facto que está absolutamente demonstrado nos autos; ao contrário do que consta da decisão recorrida, não está em causa a obediência a superior hierárquico, pois, como vimos, tal não legitima uma atuação inadimplente; como não está em causa a colaboração com colegas de trabalho, pois tal igualmente não legitima a atuação em violação das normas de segurança;
XL - O acidente in casu ocorreu por causa do acesso à Brown Field pelo sinistrado, zona à qual não podia aceder, tendo-se colocado voluntariamente em situação de perigo – que não é apenas de explosão, mas também de circulação, já que o conhecimento das escadas e acessos do local, da forma se operar os equipamentos, etc, tudo isso faz parte do perigo inerente a cada uma das zonas das instalações;
XLI - A análise efetuada pelo Tribunal sobre o nexo de causalidade não foi correta;
XLII - Assim, por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, deve julgar-se o acidente como descaracterizado, absolvendo-se a recorrente da respetiva reparação;
XLIII - Ainda que assim não se entendesse, sempre terá que entender-se encontrar-se preenchida a situação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da mesma Lei, ou seja, descaracterizar-se o acidente por ter provindo exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
XLIV – Em face da matéria de facto provada nos autos e relembrando que o sinistrado aceitou acompanhar M. mesmo após ter presenciado a recusa de dois outros colegas de trabalho por incumprirem regras de segurança, a conduta do sinistrado constitui negligência grosseira, na aceção da Lei, tendo sido a causa exclusiva do acidente;
XLV - O comportamento do sinistrado ao aceder à Brown Field foi perigoso, arriscado e correndo riscos desnecessários, em especial considerando que conhecia as normas de segurança e conhecia a essencialidade do cumprimento das mesmas, em especial atendendo ao tipo de instalações em causa;
XLVI - Assim, também por força do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, deve julgar-se o acidente como descaracterizado, absolvendo-se a recorrente da respetiva reparação;
XLVII - Ao contrário do constante da decisão recorrida, a prova produzida nos autos, designadamente a prova documental e as declarações das testemunhas, cuja reapreciação das respetivas declarações gravadas se impõe, importa a alteração dos factos 24, 25, 26, 62, 63, 68 e 81 julgados como provados, tal como importa a alteração do julgamento efetuado sobre os factos D, F, G, H, P, Q e R julgados como não provados, tudo nos termos supra expostos e, consequentemente, o correto julgamento da matéria de facto impõe a alteração da decisão de Direito, devendo absolver-se a recorrente da reparação dos danos emergentes do alegado sinistro;
XLVIII - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.ºs 2 e 3, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, pelo que deve a decisão proferida em 1ª Instância ser revogada, substituindo-se por outra que absolva a recorrente da reparação dos danos emergentes do evento objeto dos autos, por descaracterização do acidente.»
Contra-alegou o autor, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi observado o prescrito no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à confirmação da sentença recorrida.
A recorrente respondeu, reiterando o alegado no recurso.
Mantido o recurso, foram dispensados os vistos legais, com a anuência dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2.ª Descaracterização do acidente.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O autor nasceu em 9 de Maio de 1974. (1)
2. Em 17.12.2017 o autor exercia as funções correspondentes à categoria profissional de DCS Control Room Operator – Operador de Sala de Controlo, sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª R. (1.º PI)
3. Por documento escrito datado de 10.11.2017, intitulado contrato de trabalho a termo incerto, a 1.ª R. e o autor acordaram que com início a 10 de Novembro de 2017 e fim na data em que terminasse a obra, que este prestaria para aquela sob a sua autoridade e direção, a atividade correspondente à categoria profissional de DCS Control Room Operator sendo-lhe atribuída esta categoria, obrigando-se o A. a realizar a preparação, desenvolvimento e execução de trabalhos de DCS Control Room Operators, na obra no PDO CRM Project (Petroleum Development Oman Condensate Recovery Maximization Saih Rawl Central Processing Plant SRCPP and Saih Nihaida Gas Plant SNGP), em Omã, que tinha sido adjudicada à 1.ª R. (2.º e 3.º PI)
4. Para o efeito, o autor obrigou-se a prestar o seu trabalho na sede da 1.ª Ré em Sines, bem como nas instalações da obra Saih Rawl Central Processing Plant (SRCPP) & Saih Nihaida Gas Plant (SNGP) Condensate Recovery Maximization (CRM), situadas no Sultanato de Omã (4.º PI).
5. Por aquele acordo, foi estipulado o período normal de trabalho semanal de 40 horas, sendo o dia de descanso semanal obrigatório conforme o do cliente da 1.ª R. e país em causa.
6. E foi estipulado que o horário normal de trabalho do autor seria definido pela 1.ª R.
7. Por esse acordo foi ainda estipulado que a 1.ª R. pagaria ao autor a retribuição base de €1.200,00, sem prejuízo de futuras atualizações nos termos da lei, acrescida dos subsídios de Natal e férias ou outros legalmente previstos e aplicáveis.
8. O autor prestava o seu trabalho durante seis dias consecutivos, de Sábado a quinta-feira, com um dia de descanso, à sexta-feira. (5.º PI)
9. E após dois meses de prestação de trabalho, o autor tinha direito a quinze dias de descanso em Portugal, variando a data da rotação consoante as necessidades do projeto, designadamente, da empreiteira e da dona da obra. (6.º PI)
10. Como contrapartida do seu trabalho, entre o autor e a 1.ª R. previamente ao acordo escrito foi acordado que aquele auferia €21,75/hora, executando entre as 240 e as 372 horas/mês. (7.º e 8.º PI)
11. Para apurar o valor a pagar ao autor pelas horas de trabalho prestado nos termos acordados, mensalmente este elaborava uma folha de horas “timesheet”, com os dias e horas de trabalho prestado, que posteriormente as de Novembro e Dezembro/2017 foram verificadas e autorizadas pelo Deputy Commissioning Manager M. e as de Janeiro e Fevereiro/2018 pelo Commissioning Manager (…) e pelo Site Manager (…) da CRM OHLI SENER JV. (9.º PI)
12. Depois de acordar o valor do vencimento de €21,75/hora, a 1.ª R. apresentou ao A. o contrato de trabalho, onde consta o vencimento base de €1.200,00. (10.º PI)
13. Tendo sido explicado ao A. pela 1.ª R., que o valor constante no contrato de trabalho correspondia ao valor declarado para efeitos de descontos legais e o remanescente não sujeito a descontos. (11.º PI)
14. Durante a execução do contrato, o vencimento auferido pelo A. variou consoante o número de horas de trabalho que efetivamente prestou. (12.º PI)
15. Entre 10 de Novembro de 2017 e 20 de Fevereiro de 2018, o A. auferiu os vencimentos seguintes, calculados segundo o valor de €21,75/hora:
(Dá-se aqui por reproduzido o quadro que consta na sentença recorrida) (artigo 13.º PI).
16. O A. viajou para Omã no dia 10 de Novembro de 2017. (14.º PI)
17. O horário de trabalho na obra em Omã era de Sábado a quinta-feira, por regra, 10 horas por dia. (14.º PI)
18. Por ordens e instruções do empreiteiro/dono da obra, com a anuência da 1.ª Ré, por vezes o A. trabalhou para além deste horário. (14.º PI)
19. Segundo a cláusula décima quinta do acordo entre a 1.º R. e o autor, todo o omisso seria regulado nos termos do Código do Trabalho e demais legislação aplicável e em vigor, não existindo regulamentação coletiva aplicável.
20. Segundo a cláusula décima sexta do contrato as partes expressamente convencionaram que a lei aplicável ao contrato de trabalho e consequentemente relação laboral, seria a lei portuguesa.
21. Consta na cláusula décima sétima do contrato de trabalho, que a 1.ª Ré contratou um seguro de acidentes de trabalho com a 2.ª Ré, titulado pela Apólice n.º 004487449, o qual abrange o A. (15.º PI)
22. Por isso, o A. ficou convencido de que a 1.ª R. transferiu a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais para a 2.ª Ré. (16.º PI)
23. No dia 17 de Dezembro de 2017, o A. encontrava-se ao serviço da 1.ª Ré, nas instalações da obra Saih Rawl Central Processing Plant (SRCPP) & Saih Nihaida Gas Plant (SNGP) Condensate Recovery Maximization (CRM), situadas no Sultanato de Omã. (18.º e 19.º PI)
24. Nessas circunstâncias, pelas 17h30 (hora de Omã), o A. encontrava-se na zona da obra denominada “Train I” da SRCPP, situada em área classificada de “Brown Field”, acompanhando o Deputy Commissioning Manager, M., seu superior hierárquico na obra, em cumprimento de ordens deste. (20.º PI)
25. Tendo-se deslocado àquele local, para além do mais, a fim de visualizarem equipamentos e tomar conhecimento acerca da localização e características dos mesmos. (21.º PI)
26. No âmbito das funções desempenhadas pelo A., era necessário ter o conhecimento físico da planta. (21.º PI)
27. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, quando o A. descia um lanço de escadas verticais, o seu pé esquerdo ficou preso entre o último degrau e o chão, o que causou o desequilíbrio seguido de queda do A. no chão. (22.º PI)
28. M. tentou agarrar o A. para reduzir o impacto da queda. (23.º PI)
29. De imediato foram ativados os procedimentos de emergência nas instalações da obra. (24.º PI)
30. Na sequência do acidente, por volta das 18h36, e depois de administrados os primeiros socorros pelo médico presente nas instalações da obra, o A. foi transportado de ambulância para a Clínica da companhia Muscat-Omã. (25.º PI)
31. No dia seguinte o A. foi transportado para o Hospital de Nizwa, no Sultanato de Omã. (26.º PI)
32. Nesse local, o A. efetuou radiografia (RX), que veio a revelar que não tinha nenhuma fratura. (27.º e 28.º PI)
33. Em consequência do sucedido, o A. comunicou a ocorrência à 1.ª R. (29.º PI)
34. A 1.ª R. deu instruções ao A. para regressar a Portugal. (30.º PI)
35. O A. regressou a Portugal no dia 20 de Dezembro de 2017. (31.º PI)
36. No dia 21 de Dezembro de 2017 o A. deslocou-se ao Hospital Cuf Infante Santo, onde foi observado por médico que lhe prescreveu ressonância magnética. (32.º PI)
37. No dia 22 de Dezembro de 2017, o A. realizou a RM na Clínica Cuf Almada, cuja despesa foi suportada pela 1.ª R. (33.º e 35.º PI)
38. Entre os dias 26 e 29 de Dezembro de 2017 e os dias 3 e 10 de Janeiro de 2018, o A. submeteu-se a sessões de fisioterapia em Vila Nova Santo André, num total de 10 sessões. (36.º PI)
39. Tais sessões importam em €20,00 cada sessão, no total de €200,00, que a 1.ª R. não aceitou pagar. (37.º e 38.º PI)
40. Em consequência direta e necessária do acidente, o autor sofreu designadamente, uma entorse do joelho esquerdo e lesão ligamentar vs lesão meniscal com dor residual. (39.º PI)
41. Em resultado do acidente, o autor sofreu dores e limitação dos movimentos com o joelho esquerdo. (43.º e 47.º PI)
42. O acidente de trabalho foi participado ao Tribunal pela esposa do A. (40.º PI)
43. O A. regressou a Omã de muletas, a pedido da 1.ª R., tendo desempenhado a sua atividade, com serviços reduzidos. (44.º e 45.º PI)
44. O A. careceu de intervenção cirúrgica artroscópica. (50.º PI)
45. Para realização das sessões de fisioterapia, o A. deslocou-se em dez dias, em viatura própria, da sua residência em Sines para Vila Nova de Santo André e regresso. (52.º PI)
46. O autor tem nacionalidade portuguesa.
47. A 1.ª R. trata-se de sociedade comercial com sede em Portugal, no Edifício Zils, Escritório 515, Monte Feio, Sines.
48. Ao abrigo do acordo que o vinculava à 1.ª R., o A. nunca trabalhou em território português. (3.º contestação)
49. O contrato de trabalho foi celebrado de acordo com minuta de que a 1.ª R. dispõe, constando por lapso dos seus serviços que o seguro de acidentes de trabalho estava contratado na seguradora Zurich. (6.º contestação)
50. Com data de 30.10.2017, entre a 1.ª R., como primeira parte, a Oman Production & Marketing C.L.L., C.R. (OPAMCO) como segunda parte e o A., como terceira parte foi celebrado acordo escrito designado por “Registo de Contrato de Trabalho”, pelo qual foi estabelecido o «enquadramento comercial através do qual a Segunda Parte deve registar a Terceira Parte (funcionários) designada/selecionada pela Primeira Parte junto do Ministério do Trabalho e o Departamento de Imigração da Polícia Real de Omã e emitir vistos de trabalho legais para comprovar as operações da Primeira Parte no Sultanato de Omã», constituindo o acordo total entre a Primeira Parte, a Segunda Parte e a Terceira Parte e contendo todos os termos e condições do emprego, não podendo ser alterado a menos que tal alteração seja registada por escrito por todas as partes. (13.º contestação)
51. Por esse acordo, a 1.ª R. para além do mais, obrigou-se a reconhecer e concordar que a OPAMCO não tem responsabilidade por fornecer quaisquer pagamentos ou benefícios ao A., devendo providenciar um Seguro de vida, formação e Cobertura da Indemnização de Trabalhadores ao A., sendo responsável por qualquer pagamento e/ou indemnização por morte ou ferimentos sofridos pelo Pessoal durante a vigência do contrato, sendo responsável por todas as responsabilidades decorrentes nos termos do Decreto Real n.º 35/2003 (a “Legislação Laboral de Omã”) ou qualquer outra lei, regra ou regulamento em relação ao autor (incluindo, sem carácter limitativo, os pagamentos de todos os salários, subsídios de férias, subsídios de serviço e subsídios de doença), reconhecendo que a OPAMCO não teria responsabilidade por fornecer quaisquer pagamentos ou benefícios ao A. e garantindo assegurar que o pessoal cumpriria todas as leis, regras e regulamentos do Sultanato de Omã em qualquer momento (13.º contestação)
52. Por esse acordo, o autor como terceira parte, obrigou-se, para além dos mais, nos seguintes termos:
«3.1.(…) concorda em ser registada sob a Segunda Parte e reconhece que não será considerada um funcionário por esse motivo, pelo que não terá direito a um salário ou qualquer indemnização ou benefícios. (…).
3.2 (…) reconhece que é considerada um funcionário registado sob a Primeira Parte, e apenas ela deve ser patrocinada pela Segunda para fins de obtenção de um visto de residência e autorização de trabalho.
3.3. (…) reconhece que a Segunda Parte não será responsável pelas responsabilidades decorrentes nos termos do Decreto Real n.º 35/2003 (a “Legislação Laboral de Omã”) ou qualquer outra lei, regra ou regulamento em relação ao autor (incluindo, sem carácter limitativo, os pagamentos de todos os salários, subsídios de férias, subsídios de serviço e subsídios de doença). (…) reconhece e concorda que a Segunda Parte não assumirá qualquer responsabilidade por providenciar pagamentos ou benefícios.
3.4. (…) reconhece e concorda em trabalhar no comissionamento em projeto PDO-CRM em Omã com a Primeira Parte.
(…)
3.6. (…) concorda em aceitar o emprego e desempenhar as funções da posição de acordo com o seu contrato de trabalho com a Primeira Parte.
3.7. (…) reconhece e concorda que o seu salário durante o período de serviço nos termos do presente Contrato, que o seu salário e benefícios deverão ser pagos diretamente pela Primeira Parte.
(…)
3.10. (…) deverá ser sujeita a e a respeitar a Legislação Laboral de Omã.
3.11. (…) compromete-se por este meio a cumprir as Leis e os costumes de Omã.»
53. Na sequência desse acordo, a 1.ª R. contratou a OPAMCO para obtenção e tramitação dos documentos e procedimentos necessários relativos aos trabalhadores, incluindo obtenção dos respetivos vistos, exames médicos, seguros de assistência médica e seguro de acidentes de trabalho e demais documentos necessários para trabalhar em Omã. (13.º contestação)
54. A 1.ª R. pagou a esta sociedade nos meses de Outubro e Novembro/2017 e Janeiro e Fevereiro/2018 os valores referentes aos serviços contratados, incluindo o de seguro de acidentes de trabalho. (14.º contestação)
55. Relativamente ao A., a 1.ª R. efetuou um pagamento adiantado à OPAMCO, no valor de 60 RO (moeda local) em Novembro/2017 e, em Janeiro e Fevereiro/2018, pelos referidos serviços, pagou respetivamente 300 RO. (14.º contestação)
56. A OPAMCO celebrou com a New India Assurance contrato de seguro de indemnização de trabalhadores, titulado pela apólice n.º 91895174102188, incluindo o autor, sendo o período do seguro de 18.12.2017 a 17.12.2018, o qual se encontrava sujeito à legislação local que rege as indemnizações por ferimentos e doenças ocupacionais de acordo com o Decreto do Sultão n.º 40 de 1977. (18.º contestação)
57. O autor, em conjunto com os demais colegas de trabalho, deveria executar para a 1.ª Ré as funções de Operador de Sala de Controlo na obra acima identificada, estando o seu trabalho sujeito ao controlo da empregadora, como da empreiteira e da dona da obra. (21.º e 22.º contestação)
58. O cumprimento dos aspetos relativos à segurança em obra é um dos aspetos essenciais na relação contratual entre a 1.ª R., a empreiteira e a dona da obra, constituindo condição para a prestação das respetivas atividades. (23.º e 24.º contestação)
59. Por isso, a dona da obra e a empreiteira ministram formação específica na matéria a todos os colaboradores do projeto, dando-lhes também a conhecer as “PDO Life Saving Rules” (manual sobre as regras de segurança da dona da obra), designadamente através de formação específica sobre o mesmo com a duração de dois dias. (25.º contestação)
60. O Autor frequentou, nos dias 16/11/2017, 17/11/2017 e 18/11/2017 a 24/11/2017, as sessões de formação específica sobre as normas de segurança no local do projeto, denominadas “ORT” (Orientation Course for Supervisory Staff), “HSELFS” (Health and Safety Executive Leadership for Front Line Supervisors e “PTWS (Permit to Work System) Training”. (27.º contestação)
61. Por isso, o A. tinha conhecimento das normas de segurança impostas no local e sabia da essencialidade do cumprimento das mesmas, designadamente sobre a existência de zonas às quais apenas é permitido o acesso a pessoas especificamente autorizadas para o efeito, as quais possuem cartões de identificação individuais e através dos quais o dono da obra controla as autorizações de acesso. (26.º e 28.º contestação)
62. O A., no exercício da sua atividade, poderia ter de se deslocar a todas as áreas necessárias ao desenvolvimento da sua atividade, podendo ser necessária a referida autorização em determinada área. (29.º contestação)
63. A atividade desenvolvida pelo A. deveria ser prestada essencialmente na sala de controlo. (30.º contestação)
64. Quer a dona da obra, quer a empreiteira, deram instruções específicas à 1.ª Ré para o cumprimento das condições de segurança no local. (31.º contestação)
65. A 1.ª Ré enviou ao A. as instruções específicas para cumprimento das condições de segurança. (32.º contestação)
66. No dia 17 de Dezembro de 2017, pelas 17:30 horas, o autor acedeu à zona da obra denominada “Train I” da SRCPP (Saih Rawl Central Processing Plant), situada em área classificada de “Brown field”, considerada perigosa devido à presença de atmosferas explosivas, à qual não podia ter acesso, sem ter autorização para o efeito (cartão), local onde ocorreu a sua queda. (34.º e 35.º contestação)
67. Não foi a única vez que o A. acedeu a essa zona, sem o referido cartão e sabendo que teria de o ter para acesso. (36.º contestação)
68. No dia 17 de Dezembro de 2017, ao aceder à zona “Brown Field”, o A. sabia que o fazia sem o necessário cartão de acesso. (37.º contestação)
69. O A. não chegou a prestar quaisquer trabalhos preparatórios, complementares ou de finalização na sede da 1.ª R. (49.º contestação)
70. Dos recibos de vencimento do autor consta:
Dezembro/2017 - €1.200,00 de ordenado base, €2.769,85 de ajudas de custo (31 dias), €100,00 de subsídio de Natal e €100,00 de subsídio de férias;
Janeiro/2018 - €1.200,00 de ordenado base, €1.161,55 de ajudas de custo (13 dias), €100,00 de subsídio de Natal e €100,00 de subsídio de férias;
Fevereiro/2018 - €1.200,00 de ordenado base, €2.055,05 de ajudas de custo (23 dias), €66,67 de subsídio de Natal, €66,77 de subsídio de férias e €13,56 de subsídio de refeição (3 dias). (51.º contestação)
71. Durante o período em que prestou atividade no estrangeiro, o A. auferia sob o descritivo “ajudas de custo” o valor € 89,35 por cada dia de trabalho efetivamente prestado. (52.º contestação)
72. Para além do mais, por ser uma atividade de elevada especialização, para o A. e outros colegas, na negociação pré-contratual foi utilizado o valor/hora como critério retributivo para apurar o valor global a liquidar. (55.º contestação)
73. Os tempos de trabalho do A. eram verificados no local através de folhas de horas (timesheets). (57.º contestação)
74. Por indicação do cliente, a 1.ª R. considerou que nas timesheest de Janeiro e Fevereiro de 2018 apresentadas pelo A. este fez constar a prestação de trabalho que tinha indicação para não prestar, desde Janeiro de 2018. (58.º contestação)
75. Entre os dias 21 de Janeiro de 2018 e 20 de Fevereiro de 2018, o A. registou no mapa mensal de horas de trabalho (timesheet), um total de 366 horas de trabalho. (61.º contestação)
76. No início de Março de 2018 a 1.ª R. foi alertada para a possibilidade de registo incorreto de horas. (65.º contestação)
77. Por mensagem de correio eletrónico de 29 de Março de 2018, remetido por (…), JV Human Resources Manager, a 1.ª R. foi informada que de acordo com as instruções dadas pelo Site Manager, devido à incapacidade temporária do A., houve autorização para que apenas trabalhasse 10 horas/dia, de sábado a quinta-feira e ordens expressas para não trabalhar ás sextas-feiras, tendo por isso solicitado a retificação em conformidade da folha de horas, bem como da respetiva fatura, sob pena de não ser feito o pagamento. (65.º e 68.º contestação)
78. Devido a esta situação, a fatura relativa ao trabalho prestado neste período apenas pôde ser emitida em Abril de 2018. (66.º contestação)
79. Posteriormente ao acidente, a 1.ª R. esclareceu que a referência à 2.ª Ré se tratou de lapso. (74.º contestação)
80. As instalações da obra ocupam dezenas de hectares no deserto. (76.º contestação)
81. Dois colegas de trabalho do autor recusaram o pedido de M. para o acompanhar à Brown Field. (78.º contestação)
82. O A. foi assistido pelos serviços clínicos da OPAMCO em Omã em 01.02.2018, na sequência da participação do sinistro efetuada pela 1.ª Ré, os quais lhe efetuaram diversos exames e propuseram tratamento, designadamente fisioterapia e cirurgia artroscópica. (83.º contestação)
83. O A. recusou tratamento em Omã. (84.º contestação)
84. Por isso, também com fundamento na violação de normas e segurança pelo A. e face á sua situação clínica, em 4 e 15 de Fevereiro/2018, o cliente ordenou à 1.ª Ré que o A. saísse da obra em 20.02.2018, tendo este regressado a Portugal. (84.º contestação)
85. Após ter estado em Portugal, o autor regressou para Omã para trabalhar, não tendo contactado os serviços clínicos que o haviam assistido. (87.º contestação)
86. Com fundamento no acesso sem autorização à zona de “Brown Field” e na adulteração das timesheets, foi instaurado ao autor inquérito prévio e procedimento disciplinar. (101.º contestação)
87. Tal procedimento foi arquivado por inutilidade superveniente da lide, atendendo à denúncia do contrato de trabalho por iniciativa do Autor. (102.º contestação)
88. Ao autor foi fixada:
Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 18.12.2017 até 01.02.2018;
Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 10%, desde 02.02.2018 até 14.06.2018;
Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 2%, com alta clínica em 14.06.2018. (apenso para fixação de incapacidade)
89. Em 17.12.2017, a 1.ª R. não tinha transferido para a 2.ª R. a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente ao autor, por contrato de seguro, não tendo, por isso participado o sinistro a esta. (4.º contestação 2.ª R.)
-
E considerou que não se provaram os seguintes factos:
A. O autor submeteu-se às sessões de fisioterapia por prescrição médica. (36.º PI)
B. No momento da contratação, o A. optou pela aplicação ao contrato da Lei de Omã, de forma a ter assistência imediata garantida em caso de acidente de trabalho. (4.º contestação)
C. Por lapso, não por escolha, consta do contrato de trabalho ser aplicável a lei portuguesa, o que não corresponde à vontade manifestada pelas partes no momento da contratação. (6.º contestação)
D. A atividade desenvolvida pelo autor era prestada exclusivamente na sala de controlo.
E. Os acessos do autor a zonas não autorizadas ocorreram apesar do responsável pelo local lhe ter ordenado que saísse e dos responsáveis hierarquicamente superiores em obra, por várias vezes, lhe terem transmitido que não podia estar em zonas não autorizadas e ordenado a sua saída do local.
F. O A. decidiu aceder à referida zona sem qualquer causa justificativa. (38.º contestação)
G. O autor tinha ordens expressas da 1.ª R. para sem o necessário cartão de acesso, não acompanhar terceiros. (39.º contestação)
H. No momento em que o A. se encontrava na “Brown Field” estava a fazer um “biscate” para terceiros e não a trabalhar para a 1.ª R. (43.º e 44.º contestação)
I. O valor de €89,35, pago a título de ajudas de custo, destinou-se a compensar o A. por despesas realizadas, designadamente com alimentação, bem como outros custos aleatórios decorrentes do facto de encontrar-se no estrangeiro. (53.º contestação)
J. Desde o primeiro momento foi acordado entre as partes que o cálculo da retribuição do A. teria como base a retribuição base mensal de €1.200,00. (56.º contestação)
K. Desde Janeiro de 2018, o autor cumpriu as instruções dadas no sentido de que só tinha autorização para trabalhar no máximo até 10 horas diárias, de sábado a quinta-feira. (59.º contestação)
L. No momento de registar as horas de trabalho diárias, o A. colocou mais horas do que as efetivamente trabalhadas. (60.º contestação)
M. Das 366 horas registadas pelo autor, este apenas trabalhou 270 horas:
- Janeiro de 2018, trabalhou 10 horas nos dias 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, e 31, não tendo prestado a sua atividade profissional no dia 26 de Janeiro de 2018 (sexta-feira), tudo perfazendo um total de 100 horas de trabalho;
- Fevereiro de 2018, trabalhou 10 horas nos dias 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 20, não tendo prestado a sua atividade profissional nos dias 2, 9 e 16 de Fevereiro de 2018, tudo perfazendo um total de 170 horas de trabalho. (62.º a 64.º contestação)
N. Todos os valores pagos ao A. constam dos respetivos recibos de vencimento e foram sujeitos aos descontos legalmente devidos. (70.º contestação)
O. O A. sabia que seria segurado em Omã. (74.º contestação)
P. O trabalho do A. era prestado exclusivamente na sala de controlo, pelo que o seu local do trabalho nunca foi “as instalações da obra”, mas sim a sala de controlo. (75.º e 76.º contestação)
Q. Para o integral exercício das suas funções, o A. não carecia de ter conhecimento físico da planta, ou de conhecer a localização e características de quaisquer equipamentos existentes na “Brown Field”. (79.º contestação)
R. Os operadores de sala de controlo não tinham autorização para aceder àquela zona das instalações. (80.º contestação)
S. Caso o A. não tivesse recusado o tratamento em Omã, não teria atualmente quaisquer sequelas. (86.º e 93.º contestação)
T. Durante o período de incapacidade temporária, o A. efetuou viagens de turismo e outras atividades de lazer. (92.º contestação).
*

IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
(…)
Concluindo, a impugnação da decisão factual improcede na totalidade.
*
V. Descaracterização do acidente
A segunda questão apresentada no recurso relaciona-se com a defendida descaracterização do acidente, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
Analisemos tal questão.
De harmonia com o preceituado no aludido artigo 14.º, n.º 1, alínea a), inexiste direito de reparação dos danos decorrentes do acidente que «for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.»
Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1, estipula o n.º 2 do normativo que se considera «que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento, ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la».
Esta causa excludente do direito à reparação não constitui novidade introduzida pela Lei nº 98/2009, pois já a Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, Base VI, sob a epígrafe “Descaracterização do acidente”, consagrava:
«1- Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu ato ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal.»
Também a Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, no artigo 7.º, subordinado à mesma epígrafe, dispunha:
«1. Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei.»
Sobre a matéria, escreveu-se, com interesse, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/12/2012, P. 686/10.8TTLRS.L1.4[3]:
«Confrontando essas normas, vê-se que na evolução da Lei n.º 2127, para a lei 107/97, as únicas inovações consistiram em acrescentar – na alínea a) - que a violação das condições de segurança pode incidir quer sobre as estabelecidas pela entidade empregadora (na terminologia anterior, entidade patronal), quer em relação às “previstas na lei”; e, para além disso, que foi acrescida uma norma procurando clarificar quando se deve entender “existir causa justificativa da violação das condições de segurança” (o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99). Por último, constata-se que daquela última lei para a atual não resultou qualquer inovação, apenas havendo alterações de redação e terminologia (empregador, em vez de entidade empregadora), para além da inclusão do n.º 2, no art.º 14.º, em resultado da opção legislativa pela inclusão de normas regulamentadoras na própria lei, deixando de existir um diploma regulamentador autónomo.
Feita esta constatação, é seguro afirmar-se que mantêm inteira validade e atualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais suscitados pela interpretação e aplicação desta causa excludente do direito à reparação, desde a mais longínqua Lei 2127, passando pela mais recente, mas também já revogada, Lei n.º 100/97.
Na esteira do que já era entendido na Lei n.º 2127, acima expresso pelas palavras de Cruz de Carvalho, há um entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, respaldada também na doutrina, no que respeita à causa excludente do direito à reparação, a que se reporta a al. a), do art.º 7.º da lei n.º 100/97. Elucida-o o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2012, onde a propósito se pode ler o seguinte:
- «Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) ato ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o ato ou omissão do sinistrado e o acidente.
Em suma: a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.
Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.»
E, mais adiante, conclui, «[s]e o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entender (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99).»
Note-se que, na mesma linha fundamental de entendimento, o sobredito acórdão de 17 de Maio de 2007, referindo-se à segunda situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, afirma que «[s]e a lei se basta, na espécie, com o pressuposto assinalado — ausência de causa justificativa — é porque recai sobre o trabalhador um especial dever de observar […] as condições de segurança que lhe são impostas», dever especial que «é tanto mais evidente quanto é certo que a lei só justifica a omissão quando seja de concluir que o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento da norma impositiva ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la — artigo 8.º, n.º 1, supra citado».
[Proferido no processo 827/06.0TTVNG.P1.S1, Pinto Hespanhol; no mesmo sentido, vejam-se, ainda os Acórdãos do STJ seguintes: 17-05-2007, Proc.º 07S053, Sousa Grandão;22-11-2007, Proc.º 07S3657, Pinto Hespanhol; 19-12-2007, Proc.º 07S3381, Bravo Serra; 25-03-2009, Proc.º 09S0227, Pinto Hespanhol; 3-06-2009, Proc.º 1321/05.1TBAGH.S1, Bravo Serra; 9-12-2010, Proc.º 838/06.5TTMTS.P1.S1, Mário Pereira;18-05-2011, Proc.º 1368/05.8TTVNG-C1.S1, Pinto Hespanhol; 3-10-2012, Proc.º 54/03.8TBPSR.E1, Gonçalves Rocha; 28-11-2012, Proc.º 181(07.2TVFIG.C1.S1, Pinto Hespanhol, todos eles disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]»
Não vislumbramos qualquer razão para divergir desta jurisprudência, que, pelo que sabemos, não tem gerado controvérsia.
Assim, podemos afirmar que a descaracterização do acidente prevista na alínea a) do nº1 do artigo 14º da Lei nº 98/2009, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de regras de segurança desrespeitadas por parte do destinatário/trabalhador; (ii) atuação voluntária/consciente do destinatário/trabalhador, embora não intencional, por ação ou omissão e sem causa justificativa; (iii) nexo de causalidade entre a conduta voluntária e o acidente.
Quanto ao ónus probatório da situação excludente do direito à reparação do acidente, o mesmo recai sobre quem a invoca.[4]
Reportando-nos ao caso dos autos, afigura-se-nos que, não obstante, o autor tenha acedido à área “Brown Field”, sem possuir o cartão de acesso que era obrigatório possuir para aceder à zona de acordo com as regras de segurança estabelecidas, o mesmo atuou em consonância com ordens de trabalho que lhe foram determinadas por pessoa a quem devia obediência (o superior hierárquico M.). Ademais, não lhe foi vedado o acesso à referida área restrita por quem tinha competência para impedir tal acesso.
Deste modo, a inobservância das regras de segurança não só tem uma causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador[5]), como, mesmo que considerássemos que o autor poderia recusar o cumprimento de uma ordem ilegal, mas não o fez, o comportamento assumido perderia alguma relevância face às circunstâncias vivenciadas.
Mas, sobretudo o que mais se destaca é que não ficou demonstrado que tenha sido o facto de o autor ter entrado sem o cartão individual de acesso na área “Brown Field” a causa da verificação do acidente. Se o autor já tivesse o mencionado cartão e tivesse acedido ao local de acordo com as regras estabelecidas, o acidente verificado poderia ter ocorrido na mesma.
Destarte, não ficou demonstrada a existência de uma relação de causalidade entre a inobservância, pelo sinistrado, de uma regra de segurança e a ocorrência do acidente, o que exclui a verificação da situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, que havia sido invocada.
Analisemos agora se o acidente ocorreu por exclusiva negligência grosseira do sinistrado.
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, não dá direito á reparação o acidente que «provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado».
A utilização da expressão “provier exclusivamente”, utilizada pelo legislador, implica a existência de um nexo de causalidade adequada e exclusiva entre o comportamento caracterizável como negligência grosseira, assumido pelo sinistrado, e o evento lesivo[6].
Relativamente à definição do que seja “negligência grosseira”, é o próprio legislador que refere no n.º 3 do artigo 14.º: «Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.»
Conforme refere Carlos Alegre: «”Comportamento temerário” e “alto e relevante grau” são conceitos vagos que dificilmente se podem analisar, a não ser ponderando situações concretas, com pessoas concretas e em locais concretos. Significa isto que entendemos que tais conceitos não devem ser “medidos” face ao comportamento ideal do “bónus pater familiae”. Por outro lado, o uso indiscriminado do conceito temerário pode punir atos de abnegação e heroísmo, normalmente caracterizados pela sua temeridade, e não premiá-los como seria de justiça.»[7].
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na análise dos diversos casos concretos que têm sido submetidos à sua apreciação, tem balizado e densificado o conceito geral e abstrato utilizado na lei.
No Acórdão de 21-03-2013, Proc. nº 191/05.4TTPDL.P1.S1, escreveu-se o seguinte:
«(…) a lei acolheu a figura da negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.
Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares, que deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato de conduta»
No Acórdão de 24-10-2012, Proc. n.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1, definiu-se o conceito abstrato utilizado da lei, nos seguintes termos:
«A negligência grosseira é uma modalidade de negligência qualificada.
(…)
A negligência grosseira pressupõe um desrespeito pelo dever de cuidado especialmente censurável, em grau particularmente elevado, centralizado numa indiferença acentuada do agente perante o perigo inerente ao exercício da atividade que prossegue comportando uma dimensão de temeridade, materializado na omissão de cumprimento das precauções e cautelas mais elementares.
No entender de MENEZES LEITÃO, “de acordo com o critério de apreciação da culpa em abstrato, a culpa grave corresponde a uma situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria suscetível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma”.
A negligência grosseira, operativa para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho deve ser apreciada caso a caso, em função das particularidades da situação em causa, tomando como pontos de referência a forma como o sinistrado se posiciona perante o perigo decorrente da sua conduta e a dimensão da censura que a sua indiferença perante a potencialidade de ocorrência do sinistro justifica.
Também aqui o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, no n.º 2 do seu artigo 8.º nos apresenta um critério para o preenchimento do conceito.
Refere-se naquela norma que se entende “por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
Deste modo, afirma-se que a negligência grosseira se materializa num comportamento temerário em alto e elevado grau, mas depois retira-se do espaço daquela forma de negligência as situações em que esse comportamento temerário deriva da «habitualidade ao perigo do trabalho executado», “da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”, elementos que delimitam por sua vez negativamente aquela forma de negligência, tornando-a não censurável, o que leva a que a mesma nestas situações não descaracterize o acidente.
Ao excluir do espaço da negligência grosseira e ao afastar a descaracterização do acidente, a lei contemporiza com elementos desculpabilizantes típicos no mundo do trabalho, tais como a habituação ao risco, a confiança na experiência como fator de controlo do risco inerente à atividade profissional e aos usos e costumes da profissão que poderão em certas situações potenciar alguma dimensão de temeridade causal do acidente e que contribuem por esta via para a ocorrência de acidentes.
A Lei n.º 100/97, substituiu o conceito de conceito de “falta grave e indesculpável da vítima”, que constava da alínea b) do n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo conceito de “negligência grosseira” acima referido, vindo, contudo, depois o legislador do Decreto-Lei n.º 143/99, a utilizar para delimitação negativa do conceito de negligência grosseira que especifica, os elementos que o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, utilizava no seu artigo 13.º para delimitar aquele conceito de falta grave e indesculpável da vítima.
Referia-se naquela norma que “não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
A descaracterização do acidente com este fundamento exige, pois, que se demonstre não só que o acidente resultou, de forma exclusiva, de negligência do sinistrado, mas também que tal falta de diligência no cumprimento do dever geral de cuidado, tal como se tenha configurado no caso, é suscetível de permitir a consideração da conduta do sinistrado como um “comportamento temerário em alto e elevado grau” e que se demonstre igualmente que tal forma de agir não resulta da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
Não obstante os acórdãos citados se reportarem ao anterior regime de reparação dos acidentes de trabalho, a sua fundamentação permanece aplicável ao atual regime vigente.
Tentando sintetizar o que resulta da jurisprudência citada, é possível afirmar que uma atuação com negligência grosseira é configurável sempre que se verifique:
- Um comportamento temerário (arriscado, imprudente, perigoso, arrojado);
- Em alto e relevante grau (o risco do comportamento é elevado, importante, significativo);
- E que não resulte: (i) da habitualidade ao perigo do trabalho executado (o contacto frequente, normal, com o risco inerente a um determinado trabalho tende a fazer “baixar” as defesas e cautelas do trabalhador); (ii) da confiança na própria experiência profissional (o conhecimento adquirido pela prática e a superação das dificuldades que vão surgindo nesse contexto, é geradora de confiança quer no evitar da concretização de riscos quer na obtenção de respostas e soluções para qualquer problema que surja); (iii) dos usos e costumes da profissão (práticas habituais, reiteradas ao longo do tempo, de uma forma generalizada e que implicam uma certa convicção da sua obrigatoriedade).
Importa também salientar que a apreciação da negligência grosseira, deve ser feita, sempre, tendo em consideração as específicas e concretas condições do sinistrado e nunca em função de um padrão geral ou abstrato de conduta.
Posto isto, e regressando à apreciação do caso concreto, não se nos afigura que o acidente ocorrido tenha sido causado, exclusivamente, por negligência grosseira do sinistrado.
O autor entrou na área “Brown Field” a coberto de uma ordem de trabalho que lhe foi transmitida pelo seu superior hierárquico.
O acesso foi-lhe permitido por quem deveria controlar o acesso restrito à área.
Não foi a única vez que o autor acedeu à área sem o cartão de acesso, o que é suscetível de criar alguma “banalização” ou “habitualidade” da situação, do ponto de vista do trabalhador.
A queda do autor ocorreu porque ao descer um lanço de escadas, o seu pé esquerdo ficou preso entre o último degrau e o chão, o que provocou o seu desequilíbrio e a consequente queda.
Ora, do exposto não resulta que qualquer conduta assumida pelo autor se possa considerar temerária e, muito menos, em elevado grau.
Além disso, mesmo que o comportamento do autor fosse caracterizável como grosseiramente negligente, que não é, o acidente não teria ocorrido em exclusiva consequência desse comportamento.
Efetivamente, se foi o próprio superior hierárquico do autor (com responsabilidades acrescidas em relação ao mesmo, nomeadamente ao nível da proteção da segurança e saúde do seu subordinado) que determinou que o autor o acompanhasse para a execução de um trabalho numa área de acesso restrito, sem ter tido em conta que este não tinha o cartão de acesso, sempre haveria aqui uma responsabilização repartida pelo incumprimento das regras de segurança.
Enfim, atendendo ao acervo de factos provados, não é possível afirmar que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Em suma, a recorrente não logrou demonstrar que se verificou qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.
Como tal, sufragamos a decisão da 1.ª instância que concluiu não haver lugar à descaracterização do acidente.
Na sequência do exposto, o recurso deverá ser julgado improcedente.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 9 de junho de 2022
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] A testemunha esclareceu que lhe foi dado o cartão de acesso à “Brown Field”, dois ou três dias depois de ter feito a formação.
[3] Consultável em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2008, Rec. N.º 1163/08-4, acessível em “Sumários”, Set/2008; Acórdão da Relação do Porto de 13-01-2014, P. 400/11.0TTMTS.P1; e, Acórdão da Relação de Coimbra, de 25-03-2004, P. 3654/03.
[5] Cfr. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e doenças profissionais”, 2.ª edição, pág. 61, para além de que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, pode ter outras causas justificativas para além das dificuldades daquele em conhecer ou entender a norma legal ou estabelecida pelo empregador, conforme é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2017, Proc. 1205/10.1TTLSB.L1.S1 e no Acórdão da Relação do Porto de 15-11-2021, Proc. 852/18.8T8OAZ.P1, publicados em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2005, publicado em “CJ/STJ”, 2005, T. 2.º, pág. 269 e Acórdão da Relação de Coimbra de 27-01-2005, P. 3591/04.
[7] In “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais- Regime Jurídico”, 2.ª edição, pág. 187.