Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
33555/20.3YIPRT.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: INJUNÇÃO
CITAÇÃO
PRESUNÇÕES
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- Se estiver provado um facto que antes a lei presumia ter ocorrido, mesmo que com contornos diferentes, ou se se provar o facto contrário ao presumido, não se pode aplicar a presunção.
II- A citação presumida, nos termos do artigo 230.º do Código de Processo Civil, é afastada pela citação real mesmo que ocorrida posteriormente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 33555/20.3YIPRT.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…), Equipamentos em Madeira, Lda. apresentou requerimento de injunção contra (…), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 13.974,41 de capital, juros de mora sobre tais valores, contabilizados à data de apresentação do requerimento de injunção em € 736,95, e outras quantias no valor de € 200,00 a título de despesas.
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Tendo-se considerado que a oposição apresentada pela requerida estava fora de prazo, foi proferida sentença que a condenou no pedido.
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Desta sentença recorre a requerida alegando, no essencial, que não se conforma com o que na sentença afirma que a Ré, não ilidiu a presunção de que a missiva remetida pelo Balcão Nacional de Injunções no dia 03 de julho, nunca foi entregue à ora Recorrente; certo é que foi o próprio Balcão Nacional de Injunções que considerou que a missiva de dia 03 de julho foi entregue a terceiro não identificado e com assinatura ilegível.
E, como tal, foi o Balcão Nacional de Injunções que decidiu promover nova citação, a qual veio a ocorrer no dia 28 de julho de 2020, citação que foi entregue pessoalmente à Ré.
Assim, a única citação válida e eficaz, corretamente efetuada, foi a citação ocorrida no dia 28 de julho, data em que se iniciou a contagem do prazo de 15 dias para deduzir oposição à Injunção.
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Os factos que o tribunal teve em conta são os seguintes:
- foi dirigida à Ré carta de citação com AR, mostrando-se o AR assinado por terceiro com data de 03 de Julho de 2021.
- em 22/07/2020 foi expedido aviso a que alude o artigo 233.º do Código de Processo Civil;
- em 15/09/2020 a Ré apresentou oposição.
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Existe outro facto relevante que, por isso mesmo, deve ser agora incluído pois resulta dos documentos emitidos pelo Balcão Nacional de Injunções:
- O Balcão Nacional de Injunções que decidiu promover nova citação, a qual veio a ocorrer no dia 28 de julho de 2020, citação que foi entregue pessoalmente à Ré.
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Escreve-se na sentença o seguinte:
«Considerando que dos autos constava um AR de citação assinado por terceiros e datado de 3 de Julho de 2020, a mera alegação de que foi citada em 28 de Julho – sem qualquer explicação adicional quanto aos factos que sustentam a sua citação apenas nessa data – é manifestamente exígua para se considerar que, naquele momento, foi invocado o afastamento daquela presunção, considerando que tal afastamento impunha a alegação de factos que permitissem concluir pela citação apenas em 28 de Julho. Factos esses que a Ré apenas veio invocar no requerimento de 15/12/2021».
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No confronto entre o facto presumido e o facto real, acontecido, devemos dar prevalência ao segundo pois que o Direito lida com factos reais; caso estes sejam desconhecidos, a lei estabelece presunções que podem ser afastadas – é este o regime deste meio de prova contido no artigo 350.º do Código Civil.
E estando a presunção ilidida, isto, verificando-se que o facto desconhecido que a lei presumia não aconteceu, porque outro facto de valor ou conteúdo diferente ocorreu, a presunção cede lugar perante a realidade.
A presunção estabelecida no artigo 230.º do Código de Processo Civil, está sujeita ao regime geral.
Importa, no entanto, ter bem em conta o que se presume.
Não se presume a citação propriamente dita, mas sim que a carta, que foi recebida por terceiro, foi entregue ao destinatário (preceito citado, n.º 1). Por isso, esta presunção não se ilide com a alegação de que a citação foi feita noutro dia; ela é afastada com a alegação que a carta lhe não foi entregue.
E sobre isto a requerida nada alega na sua oposição.
A prova da citação numa data diferente daquela que a lei presume não afasta a presunção de que a citação foi feita numa data anterior; só afastaria isto a prova de que a carta não foi, afinal, recebida pelo citando.
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O que se expõe é o que resulta do regime geral das presunções.
No entanto, devemos considerar bem o que está aqui em discussão: a citação. Este acto, como é sabido, tem uma importância fulcral no processo uma vez que a sua falta ou a sua nulidade leva à nulidade dos actos posteriores à petição inicial. Não é por acaso que a lei manda o tribunal verificar se a citação foi feita com as formalidades legais (artigo 566.º do Código de Processo Civil) quando o réu de maneira nenhuma intervém no processo.
Tendo em conta o especial valor da citação, e o cuidado que se deve ter na sua realização, importa perguntar se, mesmo que não ilidida a presunção do citado artigo 230.º, ainda assim prevalece a citação presumida (que é disto que se trata afinal).
Como há pouco se disse, se estiver provado um facto que antes a lei presumia ter ocorrido, mesmo que com contornos diferentes, ou se se provar o facto contrário ao presumido, temos que a presunção perde sentido. Por um lado, a realidade confirma-a e, por outro a realidade contraria-a.
Seja numa situação ou noutra, a verdade é que é a realidade das coisas que prevalece (o que desde logo resulta da cláusula geral que estabelece o carácter relativo das presunções), isto é, de atender-se ao que realmente aconteceu e não àquilo que a lei presume ter acontecido.
No nosso caso temos um facto presumido (citação no dia 3 de Julho) e um facto real (citação no dia 28 de Julho).
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Outro argumento se deve afirmar.
Os cidadãos têm o direito de confiar nas instituições públicas, sejam tribunais ou órgãos administrativos. Estas instituições, estes serviços públicos comprometem-se com as suas declarações e as suas acções. E se porventura alguma lesão é causada às partes estas não têm que arcar com as suas consequências.
Isto mesmo resulta do Código de Processo Civil. Com efeito, o artigo 157.º, n.º 6, dispõe que os «erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes». Além deste, e como concretização deste princípio geral, temos o artigo 191.º, n.º 3 (a respeito da nulidade da citação, o que aqui nos interessa particularmente), ao estatuir que se «a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado».
Quando o Balcão Nacional de Injunções ordena e realiza uma nova citação, por a primeira não ter sido realizada, o citando confia no prazo legal a contar desta nova citação. É o que decorre da lei e é o que decorre do princípio da confiança nos organismos públicos.
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Em face do que antecede, temos por certo que se deve dar valor ao facto verdadeiro e não ao presumido.
Isto significa (e é este o objecto do recurso) que o prazo para contestar terminava a 28 de Setembro e não a 3 deste mês.
A contestação foi apresentada no dia 15 de Setembro pelo que estava em prazo.
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Também em consequência do que antecede, a sentença não se pode manter.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 16 de Dezembro de 2021
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário: (…)