Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1370/20.0T8LLE-A.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
LOTEAMENTO URBANO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Aplicam-se às operações de loteamento o regime da propriedade horizontal no que toca à obrigação dos proprietários contribuírem para as despesas das partes comuns, por força do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-10 (RJUE).
II. As atas das reuniões das assembleias dos proprietários dos lotes são tidas como atas de assembleias de condóminos, designadamente para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, podendo assumir a qualidade de título executivo se apresentarem as caraterísticas enunciadas nesse normativo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA

I – RELATÓRIO
Ação
Oposição à execução através de Embargos de Executado
Embargantes/Executados
E… e K…
Embargada/Exequente
APBL – Associação de Proprietários à Beira Lago
Pedido
Extinção da execução.
Causa de pedir
Os Embargantes são proprietários e usufrutuários de uma casa que adquiriram num empreendimento turístico (Lakeside Village, Quinta do Lago, Almancil), casa essa que é uma unidade autónoma e independente, em lote próprio, sem que tenha partes comuns em qualquer condomínio, sendo o empreendimento constituído por várias moradias e também por aquela que pertence aos Embargantes.
Assim, as atas de assembleias de condomínio, não podem valer como título executivo, concretamente quanto aos ora embargantes, inexistindo título executivo, sendo as dívidas em cobrança inexigíveis, pelo que se opõem à execução com base nas alíneas a) e ) do artigo 729º aplicável por força do disposto no artigo 731º, ambos do CPC. Ademais, mostrando-se impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda, justifica-se a suspensão da execução sem prestação de caução.
Mais invocam a exceção de caso julgado por a ora Embargada ter intentado ação declarativa de condenação que correu termos sob o nº 465/2000, do 2º Juízo Cível de Loulé, na qual pedia a cobrança de valores supostamente em dívida pelos Réus a título de “despesas condominiais” e foi decidido pelo Tribunal que não assistia à APBL o direito a tal cobrança, uma vez que não resultava da lei uma obrigação propter rem de contribuírem os Réus para despesas supostamente contraídas e a eles ali reclamadas.
Invocaram, ainda, a exceção de preterição do tribunal arbitral por violação de cláusula compromissória que consta do Regulamento do Condomínio apresentado pela Embargada nestes autos por não ter havido decisão prévia que tivesse sido obtida em tribunal arbitral, nos termos do Regulamento que posteriormente permitisse a instauração da presente execução.
Finalmente, ao abrigo do artigo 310.º do Código Civil, invocam a exceção de prescrição das prestações referentes a 2013 e 2014 (são objeto da execução prestações de 2013 a 2018), uma vez que a execução foi instaurada 2020.

Contestação
Pugna a Embargante pelo indeferimento da oposição à execução, bem como pelo pedido de suspensão da mesma, alegando, em suma, que o Lakeside Village é um loteamento urbano, com partes comuns, estando sujeito às regras dos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil (cfr. artigo 43º, nº 4 do RJUE), sendo para todos os efeitos legais um condomínio e tem como partes comuns, o Lote 3, o Lote 495, as áreas verdes sobrantes dos prédios descritos sob os nºs 1171 e 2897, o campo de ténis, e as áreas de uso exclusivo dos blocos 4, 5 e 6, e do Lote 7, tendo o regulamento do condomínio sido aprovado por deliberação dos proprietários tomada em assembleia geral de 23-11-2012, pelo que os executados na qualidade de proprietários estão sujeitos a tal regulamento (ainda que não tenham participado nas reuniões e deliberações tomadas), a não ser que tivessem impugnado com sucesso a deliberação que o aprovou, nos termos do artigo 1433º, do Código Civil, o que não sucedeu.
Assim, as atas juntas com o requerimento executivo documentam reuniões da assembleia de proprietários, sendo por isso, em sentido técnico, atas de condomínio e, por isso, títulos executivos, por força do disposto no artigo 6º, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25-10.
Quanto à exceção de caso julgado a mesma não se verifica por faltarem os respetivos requisitos.
Ademais, os Embargantes pagaram normalmente as contribuições anuais de condomínio entre 2007 e 2011, aceitando a sua obrigação, baseando-se a presente execução nas obrigações dos Embargantes derivadas do Regulamento do Condomínio de 2012 e reportam-se ao período correspondente aos anos de 2013 a 2018, pelo que a sentença proferida no processo nº 465/2000 não é impeditiva da presente execução.
Também não se verificando a preterição do tribunal arbitral, a que alude a cláusula VII do Regulamento do Condomínio, já que se trata de um processo executivo e só os tribunais estatais têm competência para julgar ações executivas.
Do mesmo modo, também não se verifica a exceção de prescrição, já que em 13-04-2016 a Embargada propôs ação declarativa em face, entre outros, dos aqui Embargantes, na qual peticionou que fossem condenados a pagar as contribuições destes mesmos anos de 2013 e 2014 (proc. 958/16.8T8FAR). Os Executados foram citados e contestaram esse pedido, tendo tomado conhecimento da intenção da Exequente de lhes exigir estes montantes, pelo que o prazo de prescrição foi interrompido, não tendo ainda decorrido depois disso o prazo legal de prescrição.
Saneador-Sentença
O Tribunal elencou as questões a conhecer, nos seguintes termos:
a) Verifica-se a exceção do caso julgado?
b) Os montantes reclamados relativos a 2013 e 2014 estão prescritos?
c) Os escritos dados à execução não constituem título executivo válido?
Tendo proferido decisão de mérito em apreciação das mesmas, julgando improcedente a exceção de caso julgado, a exceção de prescrição, mas procedente a exceção de inexistência de título executivo.
Nestes termos, julgou os Embargos totalmente procedentes, por provados, declarando extinta a execução, com condenação da Exequente/Embargada nas custas devidas.
Recurso
Apelou a Embargante, pugnando no sentido de serem julgados improcedentes os embargos de executado, decidindo-se que a Apelante dispõe de título executivo para cobrança dos valores cujo pagamento estão a ser reclamados, ordenando-se o prosseguimento da execução, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a. Como foi recentemente decidido nesta Colenda Relação, nos doutos acórdãos citados, que versaram sobre este mesmo loteamento, e é jurisprudência dominante, as atas das reuniões das assembleias dos proprietários dos lotes, como as aqui dadas à execução, são tidas como atas de assembleias de condóminos, designadamente para efeitos do disposto no Art. 6º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25 de outubro.
b. Com efeito, este DL contém normas regulamentares dos Arts. 1420º a 1438º-A do Cód. Civil, os quais são aplicáveis ao loteamento dos autos por força da remissão do Art. 43º, n.º 4 do RJUE.
c. Não se trata, portanto, de aplicação analógica do Art. 6º, n.º 1 do DL n.º 268/94, mas de aplicação direta.
d. O entendimento oposto, que nega a exequibilidade destas atas, não serve os interesses da comunidade jurídica, nem dos inúmeros loteamentos aos quais esta questão se aplica, pois seria de todo impraticável, e incomportável para os tribunais, que se obrigassem os condomínios como a Apelante, com dezenas de condóminos, a intentar ações declarativas de cada vez que um deles não pagasse voluntariamente as contribuições devidas.
e. Sendo julgada procedente a apelação, e por força do Art. 665º do Cód. Proc. Civil, deverão V. Exas. apreciar as demais questões colocadas para decisão, que não foram apreciadas em face da solução dada ao litígio, julgando totalmente improcedentes os embargos.
f. No entender da Apelante, a douta decisão recorrida violou as regras legais mencionadas no corpo das presentes alegações, em especial o Art. 6º, n.º 1 do DL n.º 268/94 de 25 de outubro.»

Resposta ao recurso
Os Apelados responderam defendendo a improcedência do recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância deu como provada e não provada a matéria de facto constante da sentença.
Não se encontrando a mesma impugnada, nem havendo lugar oficiosamente a qualquer alteração da matéria de facto, dá-se a mesma por reproduzida (artigo 663.º, n.º 6, do CPC).

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se na seguinte questão: exequibilidade das atas dadas à execução e, sendo as mesmas título executivo, improcedendo os embargos, conhecer das questões não decididas pela 1.ª instância ao abrigo do artigo 655.º, n.º 2, do CPC.

2. A questão a decidir concernente à (in)existência de título executivo enuncia-se de forma mais concretizada nos seguintes termos: as atas dadas à execução são título executivo, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, que é aplicável a realidades não constituídas em propriedade horizontal, mas que estão submetidas ao regime dos artigos 1420º a 1438º- A do Código Civil, como é o caso do loteamento Lakeside Village?

A sentença recorrida considerou que não, em suma, por entender que a remissão feita pelo artigo 43.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-10 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - RJUE) ser apenas para os artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil não estando aí incluída a regra do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94,de 25-10, e dada a excecionalidade da norma, não comporta aplicação analógica, não podendo, por isso, ser aplicada ao caso dos autos.
A sentença segue a jurisprudência acolhida no Ac. da Relação de Lisboa de 12-12-2013[1], lendo-se no respetivo sumário: «O artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, ao dispor sobre a formação de título executivo, é uma norma excepcional que não comporta aplicação analógica, ainda que permita uma interpretação extensiva (artigo 11.º CC), não sendo por isso aplicável à situação de compropriedade resultante de loteamento.»
Porém, a questão tem sido decidida em sentido diverso em vários arestos desta Relação de Évora em situações em tudo semelhante à dos autos, inclusivamente em relação ao mesmo loteamento Lakeside Village, e que, salvo o devido respeito, se afigura mais consentânea com a interpretação das normas em causa e com a realidade económica e social que a situação apresenta.
Por ordem de antiguidade da sua prolação, mencionam-se:
- Ac. RE, de 05-11-2020[2], lendo-se no sumário:
«- Para efeitos de aplicação do regime legal atinente à propriedade horizontal, considera-se condomínio a realidade decorrente de operação de loteamento (cfr. artigos 1438.º-A do CC e 43.º/4 do DL n.º 555/99, de 16/10);
- As atas das reuniões das assembleias dos proprietários dos lotes são tidas como atas de assembleias de condóminos, designadamente para efeitos do disposto no artigo 6.º/1 do DL n.º 268/94, de 25/10, podendo assumir a qualidade de título executivo se apresentarem as caraterísticas enunciadas nesse normativo;».
- Ac. RE, de 24-02-2022[3], lendo-se no sumário:
«A solução mais consentânea com as normas implicadas e com a filosofia integradora do instituto da propriedade horizontal é a que admite a aplicação direta da norma do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 (com natureza regulamentar) aos proprietários dos lotes de empreendimentos turísticos, uma vez que estão submetidos ao regime legal da propriedade horizontal.»
- Ac. RE, de 10-03-2022[4], lendo-se no sumário:
«I – Para efeitos de aplicação do regime legal atinente à propriedade horizontal, considera-se condomínio a realidade decorrente de operação de loteamento (cfr. artigos 1438.º-A do CC e 43.º, n.º 4, do DL n.º 555/99, de 16/10.
II - As atas das reuniões das assembleias dos proprietários dos lotes são tidas como atas de assembleias de condóminos, designadamente para efeitos do disposto no artigo 6.º, nº 1, do DL n.º 268/94, de 25/10, assumindo a qualidade de título executivo se apresentarem as caraterísticas enunciadas naquele normativo.”
- Ac. RE, de 28-04-2022[5], lendo-se no sumário:
«1 – A solução mais consentânea com as normas implicadas e com a filosofia integradora do instituto da propriedade horizontal é a que admite a aplicação directa da norma do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 (com natureza regulamentar) aos proprietários dos lotes de empreendimentos turísticos, uma vez que estão submetidos genericamente ao regime legal da propriedade horizontal.
2 – Consequentemente, revestem a natureza de títulos executivos as actas das respectivas assembleias de proprietários, desde que preenchem os requisitos gerais de exequibilidade.»
A fundamentação jurídica que sustenta o largo consenso que se vem formando nesta Relação sobre esta matéria, encontra-se sintetizada no supra citado acórdão de 24-02-2022, que passamos a transcrever:
«Está em causa determinar se as atas das assembleias de proprietários duma urbanização que disponha de espaços comuns se integra na categoria de “documentos que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, nos termos do art. 703º, 1, d) CPC.
Entendeu o tribunal a quo que inexiste título executivo, porquanto o art. 6º do DL n.º 268/94, de 25-10 que estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal, e que atribui o estatuto de título executivo à ata da assembleia de condóminos, é uma norma excecional e enquanto tal não tem aplicação analógica (art. 11º CC).
Desse modo, o art. 43º nº 4 do DL n.º 555/99, de 16-12 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação) que prevê que: - “4 - Os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil” - não remete em bloco para o regime da propriedade horizontal, remete apenas para os artigos 1420º a 1438º-A do Código Civil, ou seja, para uma parte desse regime, não podendo, por isso, apesar da analogia de situações, abranger a norma do art. 6º do DL 268/94 de 25-10, por ser esta uma norma excecional.
Seguiu o tribunal a quo, de muito perto, a fundamentação do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/12/2013, proferido no processo nº 2292/10.8TBOER-A.L1-8 (Luís Correia de Mendonça).
Cremos que não obstante o rigor formal dessa interpretação, outro é o nosso entendimento, em concordância, entre outros, com o acórdão desta Relação de Évora de 05/11/2020, proferido no processo nº 3152/18.0T8LLE-A.E1 (Isabel Peixoto Imaginário) e que contempla um litígio semelhante ao dos autos.
Vejamos:
Está em causa um empreendimento do tipo aldeamento turístico que tem diversas áreas ou espaços verdes, e equipamentos existentes nos lotes 3, 7 e 495, de natureza privada e de utilização coletiva (factos 19, 20 e 21) e que constituem partes comuns das moradias e dos blocos de apartamentos resultantes dos loteamentos licenciados e construídos.
Dispõe o art. 43 nº 4 do DL n.º 555/99, de 16 -10 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação) que: «Os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil».
Os artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil para que o diploma remete contemplam o regime da propriedade horizontal no respeitante aos “Direitos e encargos dos condóminos” e “Administração das partes comuns do edifício”.
Sendo, por força de tal remissão, aplicável ao empreendimento dos autos o regime do Código Civil atinente aos direitos e encargos dos condóminos, entendidos como tal os proprietários dos lotes que beneficiam dessas partes comuns (arts. 1420.º a 1429.º-A do CC) e, atinente à administração das partes comuns do edifício, entendido como tal os lotes dos proprietários (arts. 1430.º a 1438.º-A do CC).
Ora, o regime da propriedade horizontal constante do Código Civil e em que assenta a remissão, foi alterado pelo DL n.º 267/94, de 25-10 (que veio alterar o regime da propriedade horizontal constante do Código Civil e o Código do Registo Predial) constituindo o DL nº 268/94, de 25-10 regulamentação dele, logo, também daquela parte do Código Civil.
Este DL n.º 268/94, de 25/10, surgiu da “necessidade de desenvolver alguns aspetos do regime da propriedade horizontal, aliada à opção de preservar a integração da disciplina daquele instituto no Código Civil, explica a aprovação do presente diploma. Na verdade, as regras aqui consagradas estatuem ou sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o Código Civil ou com carácter regulamentar, e têm o objetivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”, conforme se lê na sua introdução.
Entre essas normas regulamentares, estatuiu que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte – cfr. art. 6º nº1.
A solução mais consentânea com as normas implicadas e com a filosofia integradora do instituto da propriedade horizontal é a que admite a aplicação direta da norma do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 (com natureza regulamentar) aos proprietários dos lotes de empreendimentos turísticos, uma vez que estão submetidos ao regime legal da propriedade horizontal (às partes verdes e de utilização coletiva infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada destes aplicam-se as normas dos artºs 1420.º a 1438.º-A do Código Civil).
Resulta da factualidade provada que, os proprietários dos lotes aprovaram um regulamento que denominaram de Regulamento de Condomínio.
Reuniram regularmente em assembleia de proprietários do condomínio, submetendo a votação as contas e os orçamentos anuais relativos a encargos com espaços tidos como comuns. Nomearam administração, reclamaram o pagamento de verbas aos proprietários dos lotes, nomeadamente aos recorridos. O que, se compatibiliza com o regime legal da propriedade horizontal consagrado nos arts. 1420.º e ss do CC.
Assim, ao contrário do tribunal a quo é nosso entendimento que as atas juntas aos autos de execução constituem título executivo, nos termos do nº 1 do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25.10.
Tendo o legislador atribuído força executiva à ata da assembleia de condóminos, aqui proprietários, permitindo ao “condomínio” aqui “associação de proprietários do aldeamento com empreendimento turístico” a instauração de ação executiva contra o proprietário da fração (condómino) devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção acordada, nos termos do art.º 1424.º do C. Civil, fica o “condomínio” dispensado de recorrer ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento desse crédito.
A fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da aprovação da aprovação da despesa em assembleia de condóminos, não da vontade expressa ou implícita do condómino em integrar o condomínio.
Tendo contudo ao seu alcance, a possibilidade de votar contra proposta que considere ilegal ou antirregulamentar, bem como de impugnar a ata da assembleia de condóminos nos termos do art. 1433 CC.
A ata da assembleia de condóminos que aprove o orçamento das despesas é título executivo contra os condóminos que a não impugnaram, para obter o pagamento das contribuições não pagas atempadamente (Ac. TRE de 15-12-2009, P. 793/04.6TBEVR.E1- Relator: Silva Rato).
O silêncio dos condóminos é considerado como aprovação da deliberação comunicada (art. 1432, nº 11 CC).
Ora, no caso em discussão, nada se demonstra que permita considerar não estarem os embargantes vinculados ao conteúdo das atas.»

Concorda-se inteiramente com a interpretação jurídica acima exposta tanto mais que está em causa o mesmo loteamento e a situação factual é exatamente a mesma.
Concluindo-se, assim, que existe título executivo, pelo que não pode subsistir a sentença proferida, que tem de ser revogada.
O que significa que têm de ser apreciadas as questões suscitadas nos embargos e que ainda não se encontram decididas, ao abrigo do disposto no artigo 655.º, n.º 2, do CPC.
No caso, transitou em julgado a apreciação das questões relativas ao caso julgado, prescrição e preterição do tribunal arbitral.
A que se adiciona, agora, a resolução da questão da existência de título executivo.

3. Falta aferir da exigibilidade da obrigação exequenda porquanto os Embargantes alegam, em suma, que não devem as quantias referidas nos pontos 4 a 11 do requerimento executivo, por: (i) não reconhecerem, nem terem aprovado o Regulamento das partes comuns, nem terem participado ou aprovado qualquer deliberação tomada nas assembleias gerais da Associação exequente; (ii) por não reconhecerem a existência de partes comuns condominiais que respeitem ao seu imóvel não estando vinculados a obrigações que não contraíram; (iii) por já pagarem a entidades terceiras públicas os serviços públicos as taxas devidas pela utilização do seu imóvel e inserção no local.
Na apreciação destas questões, adianta-se, desde já, que nenhuma razão assiste aos Embargantes.
Aliás, trata-se de questões que, de uma forma mais ou menos particularizada, também já foram objeto de anterior apreciação jurisprudencial, mormente nos acórdãos supra citados, que decidiram em sentido desfavorável ao defendido pelos ora Embargantes.
No que concerne à aprovação do Regulamento das partes comuns, falta de participação/aprovação por parte dos Embargantes e inexistência de uma realidade condominial caraterística da propriedade horizontal, importa sublinhar que estamos perante uma operação de loteamento que implicou na constituição de múltiplos lotes com áreas de utilização coletiva de natureza privada, ao qual se aplica, como já acima referido, os artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil (e não todo o regime da propriedade horizontal).
Efetivamente, nos termos do artigo 2.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-10 (RJUE), e alterações posteriores, definem-se as operações de loteamento como «as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento».
E nos termos do artigo 43.º, n.º 4, do RJUE, «os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil
Destes normativos concluiu-se que aos loteamentos onde foi ou venha a ser feita edificação urbana da qual resulte divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento, aplica-se o regime atinente aos direitos e encargos dos condóminos, entendidos estes como os proprietários dos lotes que beneficiam dessas partes comuns, como resulta dos artigos 1420.º a 1429.º-A do Código Civil, aplicando-se à administração das partes comuns do edifício, entendido como lotes, o disposto nos artigos 1430.º a 1438.º-A do Código Civil.
No caso em apreço, o Regulamento de 23-11-2012 foi aprovado por maioria e a validade da deliberação da aprovação não depende da unanimidade de todos os proprietários, constando no Ponto I («ASPECTOS GERAIS»), o seguinte:
«1. Este Regulamento aplica-se ao condomínio existente sobre as áreas comuns do Empreendimento Lakeside Village, objeto de propriedade comum a todos e cada um dos lotes (e edifícios neles construídos) conforme disposto no artigo 43.º, n.º 4 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação regulado pelo Decreto-lei 555/99.
2. O Lakeside compreende toda a área designada no Plano de Urbanização da Quinta do Lago- UOP5 como Lote SUT-AL7 e corresponde ao conjunto dos loteamentos licenciados pela Câmara Municipal de Loulé ao abrigo dos alvarás de loteamento 2/86 e 6/96, respeitantes à 1ª Fase, Aldeamento Turístico do Lago e à 2ª Fase, Aldeamento Turístico do Lago (…), respectivamente, conforme planta que se junta como Anexo I.
3. O Regulamento tem por objecto directo a utilização das áreas comuns e a prestação dos serviços comuns e aplica-se indirectamente à utilização das Unidades Habitacionais, na medida em que tal utilização possa afectar o uso das áreas comuns.
4. São destinatários do Regulamento todos os Proprietários e demais utilizadores das Unidades Habitacionais por direito próprio ou mediante autorização dos respectivos proprietários, o Administrador e todas as pessoas ou entidades que o auxiliem ou colaborem com o mesmo no exercício das suas funções.»
Ora, os Embargante adquiriram a sua propriedade, identificada no ponto 5 dos factos provados («O prédio urbano denominado “Lote (…) - 1ª Fase, Aldeamento Turístico do Lago”, situado em (…) Quinta do Lago, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…) está inscrito a favor dos Embargantes/executados E… e K… pela Ap. (…)»), antes de se encontrar aprovado o Regulamento de 23-11-2012, do qual resulta que a propriedade dos Embargantes se encontra incluída naquele empreendimento, tendo aplicado às áreas e infraestruturas comuns do Lakeside Village - Condomínio de Lakeside Village o dito Regulamento.
Veja-se, assim, o ponto 4 dos factos provados onde consta expressamente que no Ponto II do Regulamento referente à Identificação das Unidades Habitacionais e das áreas comuns incluí a moradia dos Embargantes como sendo uma das 92 ali identificadas, encontrando-se servida pelas áreas comuns também ali identificadas (cfr. Ponto II, n.ºs 1 a 8).
Ora, os Embargantes não impugnaram a aprovação do Regulamento de 2012, o que podiam ter feito ao abrigo do artigo 1433.º do Código Civil.
Nem se diga, como alegam na resposta ao recurso, que não podiam impugnar deliberações que não reconhecem e às quais são alheios, tratando-se, assim, de um ato de terceiro.
Trata-se de argumentação juridicamente irrelevante, porquanto as deliberações tomadas aquando da aprovação do Regulamento de 2012 afetam-nos diretamente, na medida em que estabelecem áreas comuns que servem a sua propriedade o que implica o pagamento de fundos e despesas do condomínio, assistindo-lhe o direito de as impugnarem, quer na perspetiva da inexistência de um condomínio, quer na perspetiva do questionamento dos valores aplicáveis nos termos do Regulamento do condomínio e das deliberações que os aprovaram.
Não o tendo feito na altura própria e no meio processual adequado, estão vinculados ao deliberado e, na qualidade de proprietários integrados no referido condomínio, estão obrigados a contribuir para as despesas comuns, nos termos do que for deliberado pela assembleia de proprietários.
O argumento da duplicação de pagamentos por já terem pago a outras entidades os custos dos serviços que lhes foram prestados em relação ao seu imóvel, também não colhe porque o que está em causa é o cumprimento das suas obrigações como condóminos quanto ao pagamento do valor das despesas comuns.
Tendo a execução sido instaurada contra os proprietários do imóvel pela exequente APBL- Associação dos proprietários à Beira Lago, na qualidade de administradora do condomínio denominado «Administração das Partes Comuns do Lakeside Village – Quinta do Lago» e tendo sido junto com o requerimento executivo as atas referentes às assembleias de proprietários do Lakeside Village realizadas em 22-03-2013, 04-04-2014, 25-03-2015, 6-04-2015, 29-03-2017 e 22-03-2018, nas quais, além do mais, foram aprovados os montantes a pagar pelos proprietários dos imóveis (vivendas e apartamentos) que integram o Empreendimento Lakeside Village para manutenção das áreas comuns e equipamentos instalados nos lotes 3, 7 e 495 do empreendimento, tendo também sido junta a ata da assembleia geral de proprietários realizada em 21-03-2019 que, além do mais, aprovou os montantes em dívida por diversos proprietários, sendo que relativamente aos Embargantes/Executados E… e K…, proprietários da Villa (…), consta como estando em dívida as contribuições e despesas respeitantes aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor global de €20.071,00, a que acrescem juros de mora desde a data em que as contribuições se tornaram devidas e ainda €750,00 por cada ano, de despesas de cobrança, e tendo-se concluído que as referidas atas enquanto atas das reuniões das assembleias dos proprietários dos lotes, por via do disposto no artigo 34.º, n.º 4, do RJUE que remete para os artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil, são tidas como atas de assembleias de condóminos, designadamente para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, podendo assumir a qualidade de título executivo se apresentarem as caraterísticas enunciadas nesse normativo, o que se verifica na situação presente, a conclusão final a retirar é que a quantia exequenda é exigível, improcedendo totalmente os embargos.
Em consequência, procede a apelação, impondo-se a revogação da sentença recorrida e o prosseguimento da execução.

4. Dado o decaimento, as custas dos Embargos e da Apelação ficam a cargo dos Embargantes/Apelados (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em:
a)- Julgar procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida;
b)- Julgar improcedentes os Embargos de Executado, determinando-se o prosseguimento da execução.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 09-06-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] Proferido no proc. n.º 2292/10.8TBOER- A.L1-8 (Luís Correia de Mendonça), em www.dgsi.pt
[2] Proferido no proc. n.º 3152/18.0T8LLE-A.E1(Isabel Imaginário), em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º processo n.º 1372/20.6T8LLE-A.E1 (Anabela Luna de Carvalho), em www.dgsi.pt, subscrito pela ora Relatora e pelo 1.º Adjunto.
[4] Proc. n.º 1368/20.8T8LLE-A.E1 (Manuel Bargado), em www.dgsi.pt, relatado por ora 2.º Adjunto.
[5] Proc. n.º 1276/20.2T8LLE-A.E1 (José Lúcio), em www.dgsi.pt, relatado por ora 1.º Adjunto e subscrito pelo 2.º Adjunto.