Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
38/18.1EACBR.E1
Relator: BERGUETE COELHO
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Sem colidir com o AFJ 4/2010, a única opção verdadeiramente válida e fundada para aferir do critério distintivo a estabelecer entre a distinção entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses jogos e outras formas de jogo, a que aludem, respectivamente, os arts. 1.º e 159.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, o último na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01., deverá resultar dos elementos que se revelem, essencialmente, na vertente das características do jogo.

2 - Para concluir por máquina que desenvolve tema próprio de jogo de fortuna ou azar, não é imprescindível que as suas regras de execução e de funcionamento sejam exactamente iguais às daqueles jogos, sendo que mesmo estes podem assumir contornos diferentes mas sem perder a sua intrínseca identidade, geralmente reconhecida.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
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1. RELATÓRIO

Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, realizado o julgamento e por via da procedência parcial da acusação do Ministério Público, a arguida (…) foi condenada pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na pena de 60 (sessenta) dias de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, substituindo-se a pena de prisão por 60 dias de pena de multa nos termos do disposto nos arts. 45.º e 47.º do Código Penal, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia total de € 660,00.

Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso, formulando as conclusões:
A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa à Recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível da máquina que o Tribunal “a quo” apoda como do “tipo roleta” (única pela qual “vem” condenada), entende-se modestamente que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.
B. Desde logo porque, uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, verificando-se, a título de exemplo, em jogos sociais do Estado, nos quais nem sequer existe a “garantia” de que todos os prémios se encontrem em jogo, a cada momento do mesmo.
C. A acrescer, o facto de a máquina em causa não pagar directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolver um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que apenas o seu modo de funcionamento eléctrico a “distingue” da máquina objecto de fixação de Jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, sendo que também aí os prémios poderão ser convertidos em dinheiro.
D. É de aplicar uma tal jurisprudência, fixada pelo STJ, na medida em que, o que interessa é o espírito e pensamento por trás daquela, bem como da própria lei, sendo certo que não seria a máquina dos autos em que “pensava” o legislador quando decidiu restringir a prática/exploração às zonas de jogo.
E. Até porque, reportando-se a norma proibitiva e punitiva da conduta imputada ao Recorrente ao ano de 1989, e atendendo ao preâmbulo do diploma em causa (D.L. n.º 422/89, de 02/12), o qual é o “espelho” do pensamento e vontade do legislador, sempre teremos que concluir que o “tipo e o modo de jogo” desenvolvido pela máquina dos autos se encontra fora do âmbito de aplicabilidade daquele aludido art. 108º.
F. Sem descurar que, toda e qualquer norma penal, jamais, e em momento algum, poderá ser alvo de qualquer interpretação extensiva relativamente aos elementos do tipo e às concretas situações de facto a que se reporta, o que deverá ser relevado com o facto de à data da publicação do diploma legal em causa ser totalmente imprevisível ao legislador a existência de máquinas como a ora em causa nos autos, não se subsumindo o seu funcionamento, por isso, a uma tal previsão legal e consequente punibilidade penal.
G. Não se afigura possível uma qualquer viciação num jogo tão rudimentar, sem toda a envolvência dos denominados jogos de casino, sendo que os próprios valores despendidos são de pouca relevância, não influindo o valor de cada jogada, porque sempre igual, num qualquer prémio, além do que, não se trata de um qualquer tema próprio pois que não existe uma qualquer aposta concreta e não são possíveis apostas múltiplas ou dobra de apostas.
H. A possibilidade de uso de uns quaisquer pontos ganhos, a que se alude na
factualidade provada, sempre estaria limitada à utilização de 1 (um) ponto de cada vez, sendo por isso impossível de gastar todos os pontos de uma vez, do “tudo ganhar” ou “tudo perder”, sendo certo que o valor pago não mais é do que o “preço” da jogada e não uma aposta.
I. O valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas o “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e prédeterminado (Cfr. neste sentido, Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).
J. Tendo por base o supra referido Acórdão do STJ questiona-se de quais as diferenças existentes entre o jogo dos autos e aquele outro para além do já referido funcionamento eléctrico, tanto que, fundando-se também em tal douto Aresto, tem sido diversa a Jurisprudência que vem entendendo máquinas como a dos autos como não consubstanciando um jogo de fortuna ou azar,
K. Designadamente, os, doutos, Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, Acórdãos desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015.
L. Ademais, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”,
M. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, concluindo-se que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros.
N. A máquina dos autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, encontrando-se, por isso, afastada a aplicabilidade da al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, sendo que a possibilidade de conversão dos pontos em numerário também não é “suficiente” para se concluir pela integração num tipo de jogo, na medida em que, nas próprias modalidades afins tal conversão se apresenta como possível, “apresentando-se” ela própria como uma contra-ordenação.
O. Porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina com funcionamento/jogo similar à dos presentes autos, sendo uma tal “abordagem” efectuada por referência àquilo que resulta e se “defende” no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, será de referir o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt),
P. No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “colorama”).»
Q. Por fim, e porque igualmente no sentido da aplicabilidade da Jurisprudência fixada pelo STJ ao caso presente, de referir o recente douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (proferido no âmbito do Proc. n.º 271/11.7ECLSB.E1 da Secção Criminal – ao que se sabe, não “publicado”),
R. No qual se conclui que «não merece a qualificação de crime a exploração de jogos como os desenvolvidos pelas máquinas em apreço nestes autos, ainda que as mesmas atribuam prémios em dinheiro e ainda que as mesmas desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar.», pois que, «o entendimento que está (quanto a nós) subjacente ao Acórdão de Uniformização de jurisprudência nº 4/2010 deve também ser aplicado às máquinas em discussão nos presentes autos».
U. Do exposto, de referir que temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, cujos “prémios” a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos tendo por base um “plano de prémios” existente na própria máquina, e cujas variáveis se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,
T. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa.
U. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 1º, 3º, 4º e 108º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13º, 18º e 29º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra decisão que absolva a Recorrente da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenada, com o que modestamente se entende, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1. A recorrente recorre apenas de Direito, na medida em que entende que os factos dados como provados, que nem coloca em crise, não consubstancia, no seu douto entendimento crime de exploração ilícita de jogo, mas tão só uma mera contraordenação.
2. Examinada a douta sentença recorrida mostram-se inequivocamente provados todos os elementos constitutivos, objectivos e subjectivos, do crime de exploração ilícita de jogo, de que a recorrente foi declarada autora material, na medida em que a descrição da máquina electrónica e do funcionamento do jogo por ela desenvolvida, não difere muito do funcionamento das máquinas electrónicas, tipo “roleta” presentes nos Casinos deste país, nem das mesas de jogo com roletas manuais (cuja simulação em ambiente digital são desenvolvidas em máquinas como a que foi apreendida nestes autos), em que se joga fichas e se a bolinha calhar no número, vermelho ou preto, correspondente à casa em que a ficha colocada pelo jogador, este pode continuar a jogar ou solicitar que troque a ficha por dinheiro, independentemente do valor em causa, ser de pouca ou elevada dimensão monetária.
3. O vício do jogo e a impulsão para o mesmo, é o mesmo, quer se jogue no Casino, quer se jogue em máquinas que desenvolvam temas, como é o caso dos autos, próprios de Casinos em máquinas electrónicas, expostas e exploradas em Cafés.
4. Atenta a descrição funcional do jogo, feita pericialmente, não se diga tratar-se de interpretação extensiva da norma legal que tipifica o crime de exploração de jogo ilícito, na medida em que a própria explicação do desenvolvimento do jogo preenche, de per se, a tipicidade prevista naquela norma.
5. Nesta conformidade, o douto enquadramento jurídico feito pela sentença recorrida aos factos dados como provados não merece qualquer censura.
6. Os artigos 4º e 108º da Lei do Jogo, na interpretação aventada pela recorrente, não são inconstitucionais conforme já foi aflorado pelo Acórdão 99/2002 proferido pelo Tribunal Constitucional, porquanto, não sendo penalmente punível os vícios de jogo e a liberdade de jogar, a impulsão dessa actividade em jogos de fortuna e azar próprios dos Casinos, lesa directa ou indirectamente bens jurídicos tutelados e protegidos constitucionalmente e isso acontece, mesmo que o jogador exerça essa actividade em jogos que desenvolvam temas próprios dos de Casino, explorados em estabelecimentos comerciais não licenciados para explorar tais jogos.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando na íntegra a referida resposta e no sentido que o recurso deve ser julgado improcedente.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), a arguida nada veio acrescentar.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo do conhecimento oficioso de causas de nulidade da sentença, de outras nulidades que não se encontrem sanadas e de vícios da decisão, a que se referem os arts. 379.º, n.º 1 e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, em sintonia, designadamente, com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e conforme, entre outros, os Acórdãos do STJ: de 13.05.1998, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; e de 3.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 3.ª edição, Rei dos Livros, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.
Assim, reside em apreciar, unicamente, do preconizado enquadramento do jogo desenvolvido pela máquina com a inscrição “Colorama” como modalidade afim de jogos de fortuna ou azar.
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No que ora releva, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) A 2 de Maio de 2018, pelas 17:15h, no estabelecimento denominado (…), explorado pela arguida, esta mantinha exposta e acessível ao público, para ser utilizada pelos seus clientes, uma máquina com a inscrição Colorama.
2) Tal máquina possui um mecanismo para introdução de moedas, que, quando ativado, aciona uma roleta eletrónica num mostrador circular, que ilumina sequencialmente os pontos luminosos ali existentes, dando uma sensação de movimento giratório idêntico ao de uma roleta de casino, detendo-se aleatoriamente num dos pontos, dos quais 8 estão identificados pelos números 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100, e 200. Caso o ponto luminoso aleatoriamente selecionado corresponda a um dos que estão identificados com números, o utilizador ganha os pontos correspondentes ao valor exibido, de contrário não ganha qualquer ponto. Os pontos assim obtidos são depois convertidos em prémios em dinheiro, à razão de €1,00 por ponto.
3) Na mesma ocasião, a arguida mantinha exposta e acessível ao público, para ser utilizada pelos seus clientes, uma máquina eletrónica, constituída por uma estrutura contendo um computador um monitor táctil, e um mecanismo de introdução de notas.
4) Na referida máquina, o utilizador aposta dinheiro na esperança aleatória de ganhar mais dinheiro como prémio, dependendo o resultado única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia do jogador.
5) A arguida atuou com o propósito concretizado de disponibilizar aos clientes do café que explorava os jogos constantes da máquina que ali mantinha, ciente das características do mesmo, bem sabendo que consistia em jogo de fortuna ou azar, em que o jogador aposta uma quantia em dinheiro na esperança aleatória de obter um prémio, e em cujo resultado depende fundamentalmente da sorte, independentemente da perícia dos jogadores.
6) A arguida atuou de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7) A arguida explora um café, não tendo sido possível apurar os concretos rendimentos que aufere.
Mais se provou que:
8) A arguida encontra-se desempregada.
9) O seu marido trabalha como (…), auferindo a remuneração mensal de €910,00.
10) Reside como seu marido em casa própria adquirida com recurso a empréstimo bancário pelo qual paga uma prestação mensal de cerca de € 300,00.
11) Paga ainda uma prestação mensal devida por crédito pessoal contraído para aquisição de veiculo, cuja prestação mensal é de € 190,00.
12) Tem uma filha menor, de 3 anos de idade.
13) Possui a licenciatura de enfermagem.
14) A arguida não tem registados quaisquer condenações no seu certificado de registo criminal.

Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
a) A máquina em questão disponibilizava jogos de vídeo poker, em que, após a inserção do dinheiro e a seleção do valor da aposta, surgem dispostas de forma aleatória cinco cartas de um baralho, podendo o jogador fixar algumas delas, e solicitar que sejam apresentadas novas cartas em detrimento das que não foram fixadas. O objetivo do jogo é o de conseguir combinações premiadas, o que dependerá exclusivamente da sorte, independentemente da perícia do jogador. Quando obtém uma combinação premiada o jogador pode coletar os pontos, ou continuar a jogar. Caso falhe, perderá os pontos obtidos. Os pontos auferidos são convertidos em dinheiro.
b) A mesma máquina disponibilizava igualmente jogos de slotmachine, ou seja, jogos em que, após inserção do dinheiro e seleção do valor da aposta, surgem no ecrã cinco colunas com símbolos, com movimento giratório semelhante ao das máquinas de slots disponibilizadas em casinos. As colunas assim exibidas giram aleatoriamente, fixando-se em cada uma delas um dos símbolos exibidos. Caso os símbolos assim apurados correspondam a uma das combinações premiadas, o jogador aufere os pontos correspondentes. Os pontos auferidos são convertidos em dinheiro.
c) A mesma máquina disponibilizava ainda jogos de roleta eletrónica, em que o cenário de jogo é composto por um círculo delimitado por pontos luminosos, dos quais 8 estão identificados pelos números 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100, e 200. Com a introdução de moedas, inicia-se a jogada, e o ecrã vai iluminando sequencialmente os pontos luminosos, dando uma sensação de movimento giratório idêntico ao de uma roleta de casino, detendo-se aleatoriamente num dos pontos. Caso o ponto luminoso aleatoriamente selecionado corresponda a um dos que estão identificados com números, o utilizador ganha os pontos correspondentes ao valor exibido, de contrário não ganha qualquer ponto.
d) Os pontos assim obtidos são depois convertidos em prémios em dinheiro, à razão de €1,00 por ponto.
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Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.

Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum como impõe o art. 127º do CPP.
Assim, em obediência ao disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, importa indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal. O tribunal formou a sua convicção a partir da conjugação da prova produzida, criticamente analisada, designadamente, toda a prova documental junta aos autos designadamente a constante de fls. 35 a 44 (auto de notícia, auto de exame e apreensão e fotos do equipamento eletrónico de pequena dimensão com a denominação “Colorama”, da sua localização em balcão, da sua ligação à corrente elétrica, da ranhura na lateral para introdução de moedas, do moedeiro, fechadura do mesmo e respetiva chave e parafusos metálicos destinados a apagar os créditos assim como de um outro equipamento composto de computador e ecrã tátil da marca comercial Asus, uma ranhura para introdução de notas e um moedeiro e da sua ligação à corrente elétrica), 45 (talão de máquina registadora com data de 02.05.2018 do qual consta o nome comercial do estabelecimento de café seguido do nome da arguida, telefone, morada, contribuinte fiscal, endereço de email).
Importa referir que a arguida não prestou declarações.
No entanto, para prova do elencado em 1), 2) e 3) dos factos dados como provados, o Tribunal fundou a sua convicção no depoimento das testemunhas (…), inspetores da ASAE, os quais confirmaram que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos na acusação, procederam à fiscalização dos equipamentos eletrónicos existentes no interior do estabelecimento comercial mencionado nos autos, que descreveram de forma pormenorizada no que respeita ao local onde estes dois equipamentos se encontravam – no balcão e virados para o publico/clientes, à sua composição/estrutura com destaque nas ranhuras para moedas ou notas ou modo de eliminação de créditos, apresentação e ligação à corrente e modo e acionamento do seu funcionamento. No que respeita à máquina que identificaram como máquina 1 e de roleta eletrónica, relataram que, depois de testarem e visualizarem o funcionamento da máquina e testarem o jogo de roleta eletrónica da mesma, concluíram que o referido jogo era, em aparência e desenvolvimento, idêntico a um jogo de fortuna ou azar, descrevendo em pormenor o modo como se desenvolvia o jogo, fazendo-o nos mesmo termos dos dados como provados em 2). O segundo equipamento, que designaram no auto de noticia de máquina 2, foi referido que, pese tentaram testar e mas não foi possível visualizar o desenvolvimento dos jogos que a mesma pudesse desenvolver por ser necessário realizar uma sequência de toques no ecrã que faria aparecer um teclado virtual e nele ser digitado um determinado código numérico, que de acordo com os inspetores de jogos que os acompanhavam permitiram o acesso aos jogos de fortuna e azar designadamente do tipo de slot machines e de póquer, razão pelo qual, e por força dessa forte suspeita, foi efetuada a apreensão cautelar desse equipamento. Nos moedeiros dos dois equipamentos, abertos porque pessoa que se encontrava no estabelecimento, pessoa cujo nome só os inspetores (…) se conseguia recordar, lhes forneceu a chave da máquina, onde não encontraram qualquer quantia monetária.
Todas referiram que o estabelecimento se encontrava aberto ao publico, tendo a testemunha (…) referido que se encontravam clientes no seu interior. Os seus depoimentos mereceram credibilidade atenta a forma isenta e coerente como depuseram, sendo ainda sustentados pelos demais elementos existentes nos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 35 a 36 verso, auto de exame e apreensão de fls. 37 a 38 verso e relatório fotográfico de fls. 39 a 42.
Para prova do vertido em 1) dos factos dados como provados, o Tribunal estribou-se no depoimento das testemunhas supra mencionadas, as quais confirmaram que foram atendidos pelo funcionário do café que ali se encontrava, sendo que apenas os já indicados inspetores se recordavam do nome do mesmo, tendo os inspetores (…) e o identificaram o mesmo como funcionário e o inspetor (…) referiu que a pessoa que estava no café e os acompanhou na inspeção era marido ou companheiro da arguida.
Teve ainda o Tribunal em consideração, o talão da caixa registadora constante de fls. 45, datado do dia da fiscalização e de onde consta o nome da Arguida, que, em conjugação com o depoimento da (…), com o teor do auto de noticia e do auto de exame e apreensão, nos permite concluir que a arguida era à data a exploradora do referido estabelecimento de café. Refira-se que, pese a arguida não ter prestado declarações, quando lhe foi perguntada a profissão, a mesma disse estar desempregada desde que deixou o café e sendo certo que não identificou o café, referiu-se a “o café”, em razão de saber o assunto que a trazia a esse tribunal.
No que concerne ao facto elencados em 2), o Tribunal fundou ainda a sua convicção no teor do auto de notícia de fls. 35 a 36 verso, no auto de exame e apreensão de fls. 37 a 38 verso e no conteúdo dos exames periciais juntos a fls. 79 a 82, o qual confirma as características do equipamento apreendido como maquina 1 e do jogo por esta máquina desenvolvido nos termos que constam do auto de noticia e ditos testados e relatados pelas testemunhas. De referir, como se refere no referido exame pericial, que a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo existente para o efeito sendo que o jogo apresenta como resultados pontuações que constituem ganhos em resultado de uma jogada premiada porque se fixou num dos pontos luminosos que tem assinaladas números e que através do acionamento de um botão preto permite ao jogador continuar a jogar ou terminar de jogar e solicitar os pontos ganhos que são convertidos em dinheiro, à razão económica de €1,00 por ponto. Essas pontuações/ganhos obtidos não são dependentes da arte do jogador, mas exclusivamente da sorte.
De facto, não pode o Tribunal deixar de ter em consideração que o homem-médio sabe, atenta a difusão que este tipo de jogos vem sofrendo, que os jogos de fortuna ou azar apenas podem ser explorados em estabelecimentos que para esse efeito se mostrem licenciados, sendo que, na eventualidade de se desconhecer a forma de os legalizar, sobre os exploradores impende o ónus de se informarem e diligenciarem pela sua legalização. Por outro lado, a colocação de tais máquinas no estabelecimento comercial apenas é justificada pela circunstância de - assim nos diz a experiência comum- as mesmas atraírem clientes, que acabam por jogar e deixar dinheiro no estabelecimento, quer pelo facto de jogarem, quer pelo facto de lá se manterem, acabando por consumir produtos do estabelecimento.
Acresce que, o próprio local onde a máquina se encontrava e o modo como estava – ligada - leva-nos a concluir, ante as regras da experiência comum, que a mesma fosse utilizada.
Tudo ponderado, entendeu o Tribunal ter-se produzido prova de que a Arguida tinha noção do carácter ilícito da máquina, da sua forma de funcionamento e tinha intervenção direta na sua exploração, tendo até a chave do moedeiro.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente às condutas dos arguidos foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
No que respeita ao segundo equipamento o relatório pericial de fls. 73 a 78 confirma as características do equipamento, mas não com o grau de certeza exigível, as suspeitas dos referidos inspetores. Na verdade, uma vez que não se mostrou possível aos peritos o acesso ao desenvolvimento dos jogos através da referida sequência de toques específicos no ecrã, a peritagem foi feita ao disco rígido e aos ficheiros neste existentes, tendo nestes sido detetado springs que mostram ligações dos referidos ficheiros ao desenvolvimento de um jogo do tipo videopoker denominado “jolly card” e ligações a outros ficheiros de execução ou de conteúdos dotados de capacidade e necessários ao desenvolvimento de jogos de fortuna e azar assim como a correlação com um identificado site referenciado pelo servidor ali identificado como fornecedor de jogos de fortuna e azar, e comprovado o acesso ao referido site. O relatório pericial refere o procedimento da normal de ativação da maquina que, com o código correto e conexão ao servidor, faz aparecer um conjunto de ícones que são botões de seleções de jogos de fortuna e azar do tipo slot machine, vídeo poker e roleta disponibilizados pela dita máquina, jogos cujo funcionamento ali se descreve. Mas refere especificamente não ter sido possível verificar os jogos de fortuna e azar em desenvolvimento, apenas que a máquina apresenta recursos (aplicações instaladas) que a capacitam de desenvolver algo mais do que à partida aparenta, nomeadamente jogos de fortuna e azar. Temos para nós que ter aplicações/ficheiros e ligações a ficheiros que a capacitam a desenvolver jogos de fortuna e azar não se mostra suficiente para concluir que a referida máquina desenvolve jogos de fortuna e azar. Acresce que a descrição do que é o procedimento normal de ativação da máquina que, com o código correto e conexão ao servidor, faz aparecer um conjunto de ícones que são botões de seleções de jogos de fortuna e azar do tipo slot machine, vídeo poker e roleta disponibilizados pela dita máquina, mas não se executar esse procedimento ( por não se ter conseguido) de forma a verificar que efetivamente aparecem os botões que permitem selecionar jogos e fazê-los desenvolver para ver se podem classificar-se como jogos de fortuna e azar e designadamente ali se desenvolvem os jogos tipo slot machine, vídeo poker e roleta que exaustivamente são descritos não é, para nós, suficiente para que possamos dar como provado os fatos dos pontos 4), 5), 6) e 7)da acusação. Em razão disso demos os mesmos como não provados em a), b), c) e d).
Ao nível das condições sócio-económicas da arguida, valorou-se o teor das suas declarações que se mostraram credíveis.
Pela análise do Certificado do Registo Criminal de fls. 240, se considerou provado a inexistência de antecedentes criminais por parte da arguida.

Da qualificação jurídica dos factos:
Face à matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico – penal da conduta da arguida no sentido de determinar qual a tutela jurisdicional que ao caso cumpre dar.
Para tanto, importa salientar que segundo a Teoria Geral da Infração Criminal, para que um determinado ato humano seja punível, é necessário que estejam preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, sem que, ao mesmo tempo, interfiram causas de justificação e/ou exculpação.
Vem a Arguida acusada da prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº 1 com referência aos art.ºs 1º, 3º, nº 1, todos do Decreto-Lei nº 422/89, de 02/12, na sua redação atualizada.
O art.º 1.º do DL n.º 422/89, de 02/12, define os jogos de fortuna ou azar (Antes de mais diremos que entendemos, com a maioria da nossa jurisprudência, poder-se definir um jogo de fortuna e azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controlo e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos fatores certos e conjugados. Ou seja, quando a uma causa objetivamente estruturada com fatores e elementos pré-determinados, não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado) como “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”
Determina, por sua vez, o art.º 3.º n.º 1, do mesmo DL, epigrafado de Lei do jogo, que a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles.
Nos termos do art.º 108.º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02/12, “Quem por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.”
Fora dos casinos (art.º 7º do diploma legal citado), a exploração de jogos depende de prévia autorização concedida pelo governo da tutela.
No que concerne à natureza do crime, este é um crime de perigo comum – em que se visa proteger um número indeterminado e indiferenciado de objetos de ação (sendo irrelevante a produção de qualquer resultado, nomeadamente o lucro) – e abstrato – para cuja punição basta a verificação do risco (do perigo) de produção de uma lesão, havendo como que uma “antecipação da proteção jurídica dos bens para momentos anteriores à sua efetiva lesão” (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções elementares de direito penal, 36, nota 45 e Ac. RC, de 1-2-2006, Proc. nº 2324/05, em www.dgsi.pt.).
No que respeita ao bem jurídico tutelado, há que ter presente que o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e que só pode ser exercido por sociedades anónimas a quem o Governo adjudica a respetiva concessão, confinando-se a sua exploração e prática a casinos em zonas de jogo ou, fora daqueles, nos casos excecionados nos art.º 6.º a 8.º - cf. art.ºs 9.º e 3.º, do DL n.º 422/89 (cfr. Acórdão, da Relação do Porto de 26-4-2000, in CJ, ano XXV, tomo II. pág. 244).
Os objetivos do Estado nesta matéria assentam, fundamentalmente, na defesa da honestidade das explorações, no combate ao jogo clandestino, na obtenção de receitas públicas e na dinamização turística das regiões onde estão instalados os casinos.
A utilização da expressão “por qualquer forma” imediatamente antes das palavras “fizer a exploração”, (...) como fórmula abrangente que é, significa que é irrelevante para a existência do crime a forma como se processa a exploração, o que se compreende, atendendo a que o interesse jurídico tutelado é de ordem pública e que são visadas atividades marginais à economia legal, o jogo clandestino.”
Das diversas vezes que o Tribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se sobre esta matéria (Por outro lado, rejeitando a desconformidade constitucional do crime tipificado no artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89 face aos princípios da subsidiariedade do direito penal e da proporcionalidade, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 99/2002, onde decidiu que “a punição penal da exploração de jogos de fortuna ou azar não autorizados não se destina primacialmente a impedir a prática de uma atividade – o jogo – considerada moralmente reprovável. Com efeito, o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo de azar não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem – e normalmente são – prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma atividade que constitui objeto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores. Ora, o que é certo é que em todas estas possíveis situações se encontrarão afetados interesses constitucionalmente protegidos – a segurança dos cidadãos, o respeito da legalidade democrática, a proteção da infância e da juventude, a estabilidade da vida social e económica. E, consequentemente, não se vê que o legislador, ao criminalizar a exploração do jogo, pudesse estar a violar o princípio da necessidade da pena, procedendo a uma opção manifestamente arbitrária ou excessiva”), nunca saiu posta em causa a conformidade constitucional daquele tipo legal de crime, nomeadamente quanto à sua consonância com os princípios estruturantes do direito penal como o da tipicidade, da proporcionalidade e da necessidade das penas. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 93/2001, “a Comissão Constitucional reconheceu que o princípio do nullum crimen sine lege seria inoperante se fosse dada ao legislador ordinário a possibilidade de não determinar com um mínimo de rigor, através do tipo legal, o facto voluntário a considerar punível, sem prejuízo de admitir a inviabilidade de uma total determinação e a eventual contra procedência de um demasiado casuísmo (assim, o Parecer nº 19/78, publicado in – Pareceres da Comissão Constitucional, 6º volume, Lisboa, 1979, pág. 89). Em linha consonante, o parecer nº 32/80 (in Pareceres citados, 14º volume, 1983, pág. 60), após se interrogar sobre o grau admissível de indeterminação ou flexibilidade normativa para os efeitos em causa, reconhece que uma relativa indeterminação dos tipos legais de crime pode mostrar-se justificada, sem que isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade. (…) Ponto é que haja um "completamento normativo" (Maria Fernanda Palma, Direito Penal – Parte Especial – Crimes contra as Pessoas, sumários policopiados, Lisboa, 1983, pág. 49), de modo a que o critério decisivo para aferir do respeito pelo princípio da legalidade [...] residirá sempre em saber se, apesar da indeterminação inevitável resultante da utilização desses elementos (elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas e fórmulas gerais], do conjunto da regulamentação típica deriva ou não uma área e um fim de proteção claramente determinados", nas palavras de Jorge Figueiredo Dias (Direito-Penal – Questões Fundamentais
No crime em questão, está em causa a tutela das áreas concessionadas para o jogo e, no caso concreto das máquinas, estão em causa os casinos existentes nas zonas de jogo ou outros estabelecimentos hoteleiros ou complementares, autorizados, face ao disposto no art.º 7.º n.º 2, daquele DL.
Por outro lado, aponta-se que a criminalização do jogo pretende proteger o cidadão dos malefícios que o mesmo representa a nível social, sendo por demais conhecidos episódios de penúria financeira de várias famílias, entregues ao vício do jogo. Assim, o confinamento do jogo a locais específicos, para tanto restritamente autorizados, ajuda a controlar o risco de verificação de tais malefícios. Mas, por outro lado, é inegável que a lei pretende ainda proteger o próprio Fisco: o jogo explorado em locais não autorizados proporciona a obtenção fácil de rendimentos totalmente desprovidos de controlo fiscal, pelo que a respetiva não punição equivaleria a despojar o Estado dos rendimentos obtidos com os impostos sobre o jogo, que se dispersariam com o recurso a outros locais de jogo não autorizados e, por isso, longe da alçada da fiscalização tributária.
Note-se, porém que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2002 defendeu que “o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem – e normalmente são – prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma atividade que constitui objeto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores”.
Teremos, pois, de considerar que estamos perante um crime complexo que tutela, de forma abrangente, mas disjuntiva, por um lado, a ordem pública e segurança dos cidadãos, a proteção da infância e juventude e a estabilidade social e económica dos cidadãos e, por outro, os interesses económicos da sociedade e os proveitos tributários do Estado. Como forma de salvaguardar todos estes valores, criou-se um sistema de autorização regulada que é, digamos, o bem jurídico imediatamente protegido pela incriminação legal em causa.
Feitas as anteriores considerações, e revertendo ao tipo legal de crime, constituem seus elementos:
a) A exploração de jogos de fortuna ou azar – objeto da ação;
b) Que essa exploração se processe por qualquer forma – modo de ação;
c) A exploração de tais jogos e por tais formas fora dos locais legalmente autorizados – ofensa do bem jurídico tutelado;
d) A existência de dolo em qualquer das suas modalidades – elemento subjetivo (Assim, cfr. A. R. P., de 25 de Setembro de 2002, in www.dgsi.pt, proc. 0210716. Ainda, cfr. Mota Pinto, Pinto Monteiro e João Calvão da Silva, in Jogo e Aposta - Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico-Jurídica, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1982; Rui Pinto Duarte, in O Jogo e o Direito, THEMIS, II, 3 (2001), pág. 69 e ss.; Sérgio Vasques, in Os Impostos do Pecado - O Álcool, o Tabaco, o Jogo e o Fisco, Almedina, 1999; António Patacas, in Jogos de Fortuna ou Azar, Ciência e Técnica Fiscal, 202/204 (Outubro/Dezembro de 1975) e 205/207 (Janeiro/Março de 1976); José de Oliveira Ascensão e António Menezes Cordeiro, in Jogos de Fortuna ou Azar Contrato Administrativo, Revista de Direito Público, ano II, n.º 3 (Janeiro de 1988), pág. 58 e ss.; Maria Lourdes Ramis, «Regimem Jurídico del Juego», Madrid, Marcial Pons, 1992).
Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna ou azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar. Daí que os jogos proporcionados por máquinas com resultados dependentes exclusivamente ou fundamentalmente do acaso sejam considerados de fortuna ou azar, quer paguem, quer não paguem, diretamente, prémios em dinheiro ou em fichas, sendo o seu uso confinado às salas de jogo autorizadas – cfr. Ac. RP de 27/02/2008, proferido no processo nº 0716981, disponível na internet, no site do ITIJ.
Acrescenta-se também que para a consumação do crime de exploração ilícita de jogo, basta a colocação da máquina de jogo em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento – cfr. Acórdão, da Relação de Évora, de 19-5-98, in CJ, ano XXIII, tomo III. pág. 283, onde se poderá ler: «A materialização da exploração da máquina em causa basta-se com a colocação em lugar público e em termos funcionais da referida máquina, de modo a proporcionar aos eventuais interessados, jogadores, a sua utilização. O vocábulo exploração envolve a ideia de desenvolvimento de atividade empresarial, económica, em que se tem em vista a obtenção de lucros - a exploração do jogo nos locais permitidos é feita por empresas a quem o Estado adjudica a concessão da exploração. Estando a exploração inserida no âmbito de uma atividade empresarial, ela ocorrerá independentemente de, em cada momento, a máquina de jogo estar a ser usada ou não. Exploração e prática de jogo são coisas distintas. Aquela é a atividade que tem a ver com o concessionário/empresário/titular do estabelecimento comercial. Esta é o ato levado a cabo pelo jogador/utente. Tanto a exploração como a prática dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais permitidos constituem crimes (arts. 108.º e 110.º, do DL n.º 422/89) que são distintos e autónomos. A prática será sempre lúdica, quer tenha lugar nos casinos ou nos locais proibidos. A máquina pode ser oferecida para utilização lúdica, mas apenas na perspetiva do utente. A exploração visará sempre o lucro, nuns e noutros locais e a mera exposição da máquina tem como objetivo alcançar ganhos. Na ótica do explorador, o objetivo da exposição é o ganho - a máquina não tem função meramente decorativa. Não lhe retira a finalidade, exclusiva, de ganho, a circunstância de se encontrar em local não autorizado.
A estrutura material da conduta não é objeto de descrição típica, sendo incriminada toda a atividade idónea ao exercício da exploração, pouco importando que a exploração da máquina de jogo seja levada a cabo pelo seu proprietário, ou por proprietário ou locatário de estabelecimento comercial, ou por aquele e estes em conjunto. Num outro plano, há a considerar que um homem médio sabe que uma máquina daquele género, com aquelas características, colocada naquele local, inserida num estabelecimento comercial, onde se encontram outras máquinas de jogos, não é propriamente um «bibelô» e que não terá uma função diversa daquela que tem nos locais autorizados, isto é, que se destina a exploração».
Mais se dirá que o conceito de exploração não se confunde com o conceito de exposição, sendo que se mostra suficiente para o preenchimento do tipo que o agente permita o acesso do público à máquina de jogo.
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A propósito de uma máquina do tipo roleta eletrónica como a referida nos autos e dada como provada em ponto 1) e 2) dos factos provados, seguimos o entendimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 8.10.2014 (Processo nº 1301/12.0PBMTS.P1), que refere: “As máquinas do tipo da examinada nos autos, enquanto utilizadas em estabelecimentos abertos ao público, visam claramente a obtenção do lucro baseadas em apostas que não dependem da perícia do jogador mas sim da “sorte ou azar”, encontrando-se as mesmas abrangidas pelo diploma legislativo que regulamenta o jogo.
Ainda a propósito da tentativa da defesa de excluir este tipo da máquina da norma incriminatória, refere-se nesse acórdão do Tribunal da Relação de Évora, como se reproduz, por com o mesmo concordar inteiramente “socorrendo-se do AUJ não colhe, porquanto o acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, nº 4/2010 decidiu:
- «(…) no caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
- Os jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas;
- Os jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (Realce nosso, por se reportar a uma situação em tudo idêntica à da máquina dos autos)».
Mais se refere ainda neste acórdão, que os jogos de fortuna e azar, «estão tipificados de modo exemplificativo, mas no contexto tendencialmente especificados – arts. 1º e 4º, 1 do citado D. L.». A definição genérica do art. 1º é complementada por uma concretização exemplificativa dos vários tipos de jogos de fortuna ou azar, enumerados nas als. a) a g) do nº 1 do art. 4º. Por conseguinte, não obstante, exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez.
A interpretação que se pretendeu dar deste acórdão, aplicando-o ao caso concreto, não colhe, desde logo porque estamos perante uma máquina muito diferente, que pelas características apontadas nos autos não é de modo algum enquadrável na previsão do artº 159º nº 1 e 2 do D. L. 422/89, porque ela não desenvolve uma modalidade de jogo “afim de fortuna ou azar”, mas antes um jogo de “fortuna ou azar”, na previsão do artº 1º do diploma que regula o jogo.
No acórdão deste mesmo Tribunal, de 25.3.2010, no âmbito do Proc. nº 1052/05.2GALSD.P1, disponível em www.dgsi.pt, se pode ler uma definição que não podemos deixar de acolher pelo seu rigor e assertividade:
- “Jogo de fortuna ou azar é aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controlo e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos fatores certos e conjugados. Isto é, a uma causa objetivamente estruturada com fatores e elementos pré-determinados e empiristicamente testados não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado. A conceptualização bipolar utilizada pelo legislador “fortuna ou azar”, colhe o seu fio identificador e a argamassa uniformizadora dos conceitos na definição de acaso. Afinal, tanto para a fortuna como para o azar experienciados na álea do jogo intervém o fator acaso ou uma probabilidade indeterminada e não controlada da parte de quem introduz o elemento desencadeador”.
Pode definir-se o jogo de fortuna ou azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controle e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos fatores certos e conjugados (Neste sentido, Ac. Trib. Relação de Coimbra, de 16-5-2007, Proc. nº 19/05.5FDCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt/trc).
O facto de darem ou não dinheiro ao jogador, não é hoje o que caracteriza os jogos como de fortuna ou de azar, “mas antes uma álea em que existe total indefinição e desproporção entre aquilo que se arrisca e o resultado que se pode obter”. Na verdade, na situação refletida nos autos, pretende-se evitar uma espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos, cfr. Acs. RL, de 7-11-07, Proc. nº 5955/207-3; da RC, de 22-10-08, Proc. nº 17/06.1FANZR.C1; e da RP, de 2-7-08, Proc. nº 0842841; de 20-5-09, Proc. nº 3940/07.2TAVNG.P1; e de 19-10-11, Proc. nº 324/10.9GEGDM.P1, em www.dgsi.pt.
Assim, não pode deixar de ser considerado de fortuna ou azar o jogo desenvolvido pela máquina identificada nos autos, em que o resultado de cada jogada assenta exclusivamente no fator sorte; o modo de funcionamento é igual ou análogo ao do jogo da “roleta eletrónica”, ou “slot machine” usada nos casinos e assenta num sortilégio de fórmulas matemáticas do respetivo software, das quais há-de resultar que as figuras em movimento se detenham em certo ponto do seu percurso, em relação ao qual o jogador não controla de modo algum o desenlace da jogada, ao qual é absolutamente indiferente a sua vontade ou perícia.
Assim, concluímos como neste Acórdão:
Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que o comportamento da arguida refletido nos autos é indiciariamente subsumível ao disposto no art. 108º, 1, do DL 422/89, de 2-12, com referência aos arts. 1º e 3º e 4º nº 1 al. g), do mesmo diploma.
Atendendo ainda a tudo o supra exposto, pode igualmente dizer-se não se verifica, no caso, qualquer inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 4.º e 108.º, ambos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando interpretadas no sentido de que, um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte e cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam previamente definidos e/ou delimitados, constitui um qualquer jogo de fortuna ou azar e designadamente foram violados os princípios da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, e, ainda, o dito princípio da “legalidade” preceituados e decorrentes dos arts. 18.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa.
Resulta da prova produzida que o resultado do jogo é contingente, por assentar fundamentalmente na sorte, e não na perícia do jogador, dado este não ter qualquer intervenção, direta ou indireta, pelo que se conclui que a máquina apreendida nos presentes autos desenvolve um jogo de fortuna ou azar.
No tocante ao modo de ação, o mesmo seria consubstanciado, nos termos supra expostos, pelo facto de o equipamento apreendido estar em funcionamento e em condições de utilização no referido estabelecimento comercial.
Mais resulta da prova produzida que o estabelecimento comercial explorado pela Arguida não é um casino nem sequer se encontra autorizado a proceder à exploração de tais jogos.
Por fim, também se dirá que resultou provado que a Arguida sabia e conhecia a natureza do equipamento instalado no seu estabelecimento comercial e que ali se desenvolviam jogos de fortuna e azar.
Note-se que, o tipo legal do crime de exploração ilícita de jogo não exige quaisquer especiais elementos subjetivos para a sua verificação, não impondo um dolo específico, bastando-se com a interpretação cognitiva e volitiva do agente pelos seus elementos típicos objetivos.
Face ao exposto, apreciando a conduta desenvolvida pela Arguida e subsumindo os factos ao direito, teremos de concluir que os factos praticados preenchem os elementos típicos objetivos e subjetivo, sendo este na modalidade de dolo direto, do crime previsto e punido pelo art.º 108º, n.º 2, por referência aos art.º 1º, 3º e 4º al. g) do Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
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Apreciando:
Assente a matéria de facto, que não padece de qualquer vício, a recorrente manifesta discordância quanto à qualificação jurídica que mereceu o jogo desenvolvido pela máquina com a inscrição “Colorama”, preconizando que, ao invés do decidido, de que se trata de jogo de fortuna ou azar, se entenda que integra modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, redundando na sua absolvição.
Sustenta-o por apelo à fundamentação de diversa jurisprudência e da fixada pelo Acórdão do STJ n.º 4/2010 (de 04.02, in D.R. I Série de 08.03.2010).
Para o efeito, concretiza, no essencial, que uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, verificando-se, a título de exemplo, em jogos sociais do Estado, nos quais nem sequer existe a “garantia” de que todos os prémios se encontrem em jogo, a cada momento do mesmo, o facto de a máquina em causa não pagar directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolver um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que apenas o seu modo de funcionamento eléctrico a “distingue” da máquina objecto de fixação de Jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, sendo que também aí os prémios poderão ser convertidos em dinheiro, o “tipo e o modo de jogo” desenvolvido pela máquina dos autos se encontra fora do âmbito de aplicabilidade daquele aludido art. 108º, toda e qualquer norma penal, jamais, e em momento algum, poderá ser alvo de qualquer interpretação extensiva relativamente aos elementos do tipo e às concretas situações de facto a que se reporta, os próprios valores despendidos são de pouca relevância, não influindo o valor de cada jogada, porque sempre igual, num qualquer prémio, além do que, não se trata de um qualquer tema próprio pois que não existe uma qualquer aposta concreta e não são possíveis apostas múltiplas ou dobra de apostas e, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, concluindo-se que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros.
Cita, para além daquele Acórdão do STJ, de Fixação de Jurisprudência (AFJ), n.º 4/2010, os acórdãos: do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277), da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015, destacando, entre eles, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt) e o Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (proferido no âmbito do Proc. n.º 271/11.7ECLSB.E1) - não publicado.
Finalmente, invoca que a interpretação seguida pelo tribunal recorrido é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa. (Neste sentido, cfr. Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.º 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt).
Vejamos.
Já em anteriores acórdãos, proferidos em 03.11.2015, no proc. n.º 82/12.2PFSTB.E1 e, em 12.03.2019, no proc. n.º 201/13.1EAEVR.E2, este último in www.dgsi.pt, nos debruçámos sobre o assunto aqui em questão, versando máquinas de jogo de características exactamente idênticas à dos autos, então se tendo concluído no sentido consentâneo ao decidido na sentença ora recorrida.
Apesar da alegação agora em análise, também relativamente idêntica à ali carreada, não se descortina razão válida para alterar o fundamentado nesses acórdãos, pelo que se seguirá de perto o que então se escreveu, sem prejuízo do que mereça ser acrescentado.
Não é pacífica, de modo algum, a distinção entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses jogos e outras formas de jogo, a que aludem, respectivamente, os arts. 1.º e 159.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, o último na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01.
Nos termos do art. 1.º do Dec. Lei n.º 422/89:
Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Por seu lado, o art. 4.º do mesmo diploma, descreve tipos de jogos de fortuna ou azar, cuja exploração é autorizada nos casinos, aí se incluindo, designadamente no que ora interessa, na alínea g) do seu n.º 1, “Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
No que respeita às aludidas modalidades afins, dispõe o seu art. 159.º:
“1- Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.
2- São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
3 - (…)”
Ainda, neste âmbito, atente-se no seu art. 161.º, n.º 3:
“As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente, o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos”.
Embora tivesse versado em material diferente daquele que agora está em apreciação (como adiante se explicitará), mas com manifesto interesse para esclarecimento das razões norteadoras da distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos, colhem-se do referido AFJ n.º 4/2010, no qual é citada a abundante jurisprudência que foi sendo produzida (que se dispensa referir), considerações bem pertinentes e, por isso, que aqui se transcrevem:
O problema reside, portanto, em saber qual o critério a adoptar para a distinção dos jogos em máquinas que devem ser considerados ilícito criminal, daqueles que devem ser considerados como ilícito contra-ordenacional.
Quase todos os critérios passados em revista através da jurisprudência não são aceitáveis, pelo menos em pleno, pois não oferecem as características de completude e exaustividade e, sobretudo, não se baseiam nos critérios relevantes que permitiriam distinguir os dois ilícitos. Daí a multiplicidade de soluções jurisprudenciais, cada qual rechaçando os pontos de vista de outra ou outras, de que pretende demarcar-se.
Não está no nosso fito analisar cada um desses critérios. Sempre se dirá, no entanto, que o critério que faz depender o resultado do jogo exclusivamente da sorte foi nitidamente ultrapassado pela legislação, logo a partir da versão originária do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e, mais marcadamente, a partir da alteração deste pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
O critério da distinção pela natureza dos prémios (se consistissem em dinheiro, estar-se-ia em face de um crime; se de outra natureza, em face de uma contra-ordenação) também não serve para operar a destrinça entre os dois ilícitos pela simples razão de que os jogos em máquinas automáticas considerados de fortuna ou azar, segundo a definição do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na versão do Decreto-Lei n.º 10/95, não se enquadra de modo algum nesse critério distintivo.
O critério das «operações oferecidas ao público» tem dado origem a diversificadas considerações jurisprudenciais. O que sejam «operações oferecidas ao público» é coisa que a lei não define. Deste modo, a jurisprudência ou tem ido para definições mais ou menos simplistas ou mais ou menos complexas, neste caso envolvendo um promotor, uma oferta da operação e, em certos casos, um ou vários prémios previamente definidos, sendo o número de jogadores ilimitado, ao passo que, nos jogos de fortuna ou azar, não haveria nada disso, sendo o número de jogadores limitado.
(…)
Quanto aos restantes critérios adoptados e que foram passados em revista, resultam de uma combinação de vários elementos preponderantes neste ou naquele critério de forma a formarem critérios complexos: temática desenvolvida pelos jogos (ou natureza destes) e natureza dos prémios; natureza dos prémios e ofertas ao público, etc.
O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito — ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social — não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associado princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal — uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.
Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas.
A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos regra ou exemplos padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime do que nos tipos contra-ordenacionais.
Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as acções ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou activas pelo recurso à analogia [cf., sobre toda esta problemática, Faria Costa, «Construção e interpretação do tipo legal de crime à luz do princípio da legalidade: Duas questões ou um só problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e segs., e José de Sousa e Brito, «A lei penal na Constituição», Estudos sobre a Constituição, Livraria Petrony, 1978, 2.º vol., pp. 197 e segs.].
Como vimos (…) a lei (artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas [vários jogos bancados, concretamente determinados — alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados — alínea e) — e jogos em máquinas — alíneas f) e g)].
No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas «modalidades afins». Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do artigo 1.º, são os que estão especificados no artigo 4.º, n.º 1”. (…) “. Aliás, o referido artigo 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar [...]», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades [alíneas a) a d)]; os não bancados, também concretamente especificados [alínea e)] e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas [as alíneas f) e g)].
(…)
Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins (…).
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto -Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 21/85, também de 17 de Janeiro.
Também, já em anteriores ocasiões, embora prévias à prolação do AFJ, o assunto foi abordado em acórdãos do ora relator, focando as divergências na jurisprudência (estas são patentes naquele AFJ, dispensando aqui maior desenvolvimento) e entendendo que, pese embora o seu valor argumentativo, nenhum dos critérios usados - serem, ou não, explorados nos casinos, serem, ou não, operações oferecidas ao público, a natureza dos prémios e as características do jogo - deva ser tido por absoluto, com o sentido de que se possa aplicar genericamente e prescinda das especificidades do jogo a apreciar.
E reiterando essa abordagem, sem prejuízo do que se consignou, como referido, no AFJ, afigura-se, aliás sem colidir com este, que a única opção verdadeiramente válida e fundada para aferir do critério distintivo a estabelecer deverá resultar, a nosso ver, e no que aqui releva, dos elementos que se revelem, essencialmente, na vertente das características do jogo.
Ora, analisando a argumentação da recorrente, sem embargo dos acórdãos que refere, resulta que envereda, contrariamente ao fundamentado na sentença, por conferir prevalência a circunstâncias atinentes à problemática dos prémios, invocando, no essencial, que uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, os próprios valores despendidos são de pouca relevância, não influindo o valor de cada jogada, porque sempre igual, num qualquer prémio e não existe uma qualquer aposta concreta e não são possíveis apostas múltiplas ou dobra de apostas.
Relaciona-as com a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pressupondo um impulso/renovação em cada operação, sem a característica de “aposta” e com menor compulsividade.
No entanto, afigura-se que tal critério, além de relativamente fluído para a multiplicidade de jogos que a realidade oferece, não decorre de interpretação conjugada e comparativa dos preceitos legais em questão, quedando-se, ao invés, por suportá-lo tendencialmente em aspectos quantitativos e subjectivos, inadequado à materialidade e à teleologia da devida protecção do bem jurídico subjacente à incriminação (neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08.10.2014, no proc. n.º 1301/12.0PBMTS.P1, e de 13.05.2015, no proc. n.º 7/11.2GCFLG.P1, in www.dgsi.pt).
Entende-se que o maior ou menor valor da quantia pecuniária que o jogador tem de despender para poder jogar nas máquinas, não constitui critério a que se deva atender para aferir se a conduta do agente que explora essas máquinas integra o crime de exploração ilícita de jogo previsto no artigo 108º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, ou a contraordenação prevista no artigo 159º do mesmo diploma legal e mesmo a considerar-se que a ratio legis que preside à proibição genérica de jogos de fortuna e azar, fora dos locais autorizados para o efeito, é aquela que foi considerada pelo STJ, no AFJ n.º 4/2010, ou seja, a prevenção da compulsão do jogo (Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 23.06.2020, no proc. n.º 192/13.9EAEVR.E1, in www.dgsi.pt).
Bem como, de acordo com o sublinhado na sentença, “O facto de darem ou não dinheiro ao jogador, não é hoje o que caracteriza os jogos como de fortuna ou de azar, “mas antes uma álea em que existe total indefinição e desproporção entre aquilo que se arrisca e o resultado que se pode obter”. Na verdade, na situação refletida nos autos, pretende-se evitar uma espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos, cfr. Acs. RL, de 7-11-07, Proc. nº 5955/207-3; da RC, de 22-10-08, Proc. nº 17/06.1FANZR.C1; e da RP, de 2-7-08, Proc. nº 0842841; de 20-5-09, Proc. nº 3940/07.2TAVNG.P1; e de 19-10-11, Proc. nº 324/10.9GEGDM.P1, em www.dgsi.pt”, em sintonia, aliás, também, com o já mencionado AFJ, ao referir-se, neste, que O critério da distinção pela natureza dos prémios (se consistissem em dinheiro, estar-se-ia em face de um crime; se de outra natureza, em face de uma contra-ordenação) também não serve para operar a destrinça entre os dois ilícitos pela simples razão de que os jogos em máquinas automáticas considerados de fortuna ou azar, segundo a definição do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na versão do Decreto-Lei n.º 10/95, não se enquadra de modo algum nesse critério distintivo.
Por seu lado, no que concerne ao alegado, no sentido de que o jogo desenvolvido pela máquina dos autos seja similar ao analisado no AFJ, não merece, também, acolhimento.
Com efeito, inexiste a invocada identidade e não só na perspectiva do modo de funcionamento.
Salientou-se, e bem, no Acórdão desta Relação de Évora de 16.02.2016, no proc. n.º 7/10.0EASTR.E1, in www.dgsi.pt, que se pronunciou acerca de jogo inteiramente idêntico ao dos autos, que trata-se, ali (no AFJ), de máquinas “que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas (…) Em suma, consiste esta máquina apenas num expositor contendo cápsulas premiadas (descrição detalhada em Conde Fernandes, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Paulo Pinto de Albuquerque, José Branco, vol. II, p. 370). Já aqui, o modo de funcionamento das máquinas apreendidas impulsiona ao jogo, através da utilização da pontuação acumulada, permitindo-se apostar os pontos ganhos em novas jogadas.
Noutra vertente, quanto ao critério a que, como a recorrente refere, os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros, afigura-se que o Tribunal não deixou de o respeitar, ao integrar o jogo na previsão da alínea g) do n.º 1 do art. 4.º do Dec. Lei n.º 422/89, sem que tivesse operado interpretação extensiva.
Na verdade, tal como decorre da sentença, “não pode deixar de ser considerado de fortuna ou azar o jogo desenvolvido pela máquina identificada nos autos, em que o resultado de cada jogada assenta exclusivamente no fator sorte; o modo de funcionamento é igual ou análogo ao do jogo da “roleta eletrónica”, ou “slot machine” usada nos casinos e assenta num sortilégio de fórmulas matemáticas do respetivo software, das quais há-de resultar que as figuras em movimento se detenham em certo ponto do seu percurso, em relação ao qual o jogador não controla de modo algum o desenlace da jogada, ao qual é absolutamente indiferente a sua vontade ou perícia.
As características temáticas do jogo reconduzem-se ao típico jogo da “roleta”, pacificamente de fortuna ou azar, cabendo aqui afirmar que, pese embora ligeiras diferenças, como sejam, o jogador não poder escolher o(s) número(s) em que aposta, as semelhanças com esse tipo de jogo são significativas, já que, neste, também é accionado - pelo pagador, pessoa diferente do(s) jogador(es) - o movimento giratório de um prato, sobre o qual aquele irá lançar, em sentido contrário a esse movimento, uma bola, que percorrerá o dito prato até perder velocidade e se imobilizar, aleatoriamente, num dos compartimentos numerados existentes junto à borda do mesmo, ganhando o(s) jogador(es) que hajam efectuado as correspondentes apostas com as fichas que lhe sejam atribuídas e que depois serão trocadas pelo valor que representem.
Acresce que, para concluir por máquina que desenvolve tema próprio de jogo de fortuna ou azar, não é imprescindível que as suas regras de execução e de funcionamento sejam exactamente iguais às daqueles jogos, sendo que mesmo estes podem assumir contornos diferentes mas sem perder a sua intrínseca identidade, geralmente reconhecida.
Aliás, já o preâmbulo do Dec. Lei n.º 22/85, de 17.01 (que alterou o Dec. Lei n.º 48912, de 18.03.1969), acentuava, perante tecnologia, época, com grau de evolução que não se compara ao actual, que São muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
E trata-se, no caso, de máquina automática, prevista no Título III, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 217/2007, de 26.02, que aprovou as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar.
Tal como sublinhado no AFJ, A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas «modalidades afins».
Sendo que, para que um jogo de enquadre nas modalidades de jogo de fortuna ou azar é necessário que, positivamente, detenha todas as caraterísticas (…) do jogo de fortuna ou azar, de acordo com o art. 1.º, e a estrutura dos conceitos tipo do art. 4.º, e, negativamente, não se enquadre no conceito das modalidades afins e estrutura dos respetivos conceito-tipo do art. 159.º (Carlos Alberto Batista Correia, “Dos Jogos de Fortuna ou Azar – O Atual Paradigma na Exploração Ilícita”, Dissertação de Mestrado, Julho.2015, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 24, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/16177/1/BatistaCorreia_2015.pdf).
A conduta da recorrente integra a exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, nos termos do art. 108.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 422/89, no caso, conforme à alínea g) do n.º 1 do art. 4.º do mesmo diploma, uma vez que se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos para tal subsunção e, além do mais, sem contender com a referida jurisprudência fixada.
Ainda, só tal perspectiva está em sintonia com a previsão do referido art. 161.º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 422/89, uma vez que um jogo com as características em causa (similar à “roleta”) não pode considerar-se como modalidade afim de jogo de fortuna ou azar.
Atentando em jogos idênticos ao dos autos e no mesmo sentido, vejam-se o Acórdão do STJ de 27.10.2010, no proc. n.º 2/07.6FHALM.L1-A.S1, e deste Tribunal da Relação de Évora de 07.01.2014, no proc. n.º 67/09.6EASTR.E1, in www.dgsi.pt.
É a solução que melhor se compatibiliza com os critérios da definição do tipo legal, no sentido teleológico a que o AFJ se reporta (fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associado princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal), pelo que a interpretação acolhida pelo tribunal recorrido não viola os princípios da “igualdade”, da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade”, contrariamente ao que a recorrente pretenderia.
Neste âmbito, o Tribunal consignou que “o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2002 defendeu que “o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem – e normalmente são – prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma atividade que constitui objeto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores” e, assim, “de considerar que estamos perante um crime complexo que tutela, de forma abrangente, mas disjuntiva, por um lado, a ordem pública e segurança dos cidadãos, a proteção da infância e juventude e a estabilidade social e económica dos cidadãos e, por outro, os interesses económicos da sociedade e os proveitos tributários do Estado. Como forma de salvaguardar todos estes valores, criou-se um sistema de autorização regulada que é, digamos, o bem jurídico imediatamente protegido pela incriminação legal em causa”.
Bem andou, pois, o Tribunal ao condenar a recorrente pela prática do crime p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1, por referência ao art. 4.º, n.º 1, alínea g), ambos do Dec. Lei n.º 422/89.
*
3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pela arguida e, assim,
- manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 3 UC (arts. 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).

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Processado e revisto pelo relator.
13.Abril.2021
Carlos Jorge Berguete
João Gomes de Sousa