Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
570/20.7T8EVR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACEBOOK
DECLARAÇÃO
PRIVACIDADE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) a mensagem produzida pelo trabalhador num grupo fechado de Whatsap, onde desabafou sobre a organização da empresa, criticando-a em termos grosseiros, mas sem visar alguém em particular de forma clara e direta, não constitui causa justificativa suficiente para o seu despedimento.
ii) os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização do que as partes tenham alegado têm que resultar da instrução da causa e sobre eles as partes têm que ter tido a possibilidade de se pronunciar e oferecer prova, não podendo o tribunal da Relação apreciá-los se não tiverem sido alegados e se não tiverem sido trazidos à discussão durante a audiência de julgamento nos termos referidos, constituindo, nesta hipótese, questão nova.
iii) a compensação por danos não patrimoniais não pode ser atribuída se não se provarem danos desta natureza. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: C…, Lda (ré).
Apelado: A… (autor).

Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora.

1. O A. intentou processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a R., apresentando o competente formulário.
Realizada a audiência de partes prevista no art.º 98.º-F do Código de Processo do Trabalho, não foi alcançada a conciliação.
Notificada para apresentar a motivação do despedimento, a entidade patronal veio fazê-lo, pedindo que o despedimento seja julgado válido e eficaz, uma vez que o trabalhador adotou um comportamento que traduz uma violação dos deveres consignados na alínea a) do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho, tratando-se de comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências torna imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, acrescentando que se encontravam reunidos os pressupostos a que alude o art.º 351.º 1 e 2, a), e foi observado o formalismo previsto nos art.ºs 353.º e seguintes.
A entidade patronal alega para o efeito, e em suma, que:
No dia 29 de dezembro de 2019, o trabalhador colocou um vídeo num grupo de WhatsApp onde estão vários colegas de loja, onde, visualizando o estado desarrumado da loja, acompanhou com as suas seguintes declarações: “Isto um gajo acorda, chega à loja logo de manhã é logo bombardeado com cenas de vitrines e putas que os pariu a todos mas depois as prioridades estão-se a cagar. Estão-se a cagar se há promoções para pôr, se há prateleiras para pôr que não existem, se há Natal para encaixotar, estão-se a cagar. E depois ainda se estão a cagar mais para o tem de se fazer, porque esta loja aqui, pronto, passamos pelos pingos da chuva, e vamos passando, é assim, sempre passámos e vamos passando, encostamo-nos a um canto e tá-se fixe, agora, esta merda que aqui está, esta merda que aqui está, eu quero ver quem é que é, se os vitrinistas ou os armazenistas que vêm para aqui como sempre, porque isto é muito bom falar pela merda do whatsapp, mas depois quando chega a hora de fazer a real, está tudo a esconder e a mexer no cabelo e a ir para o escritório, porque é que merda que se passa nesta loja é que é muito escritório e pouco trabalho físico.”.
2º O vídeo foi remetido a partir do telefone do colega Nuno e foi elaborado na sequência de o encarregado de loja ter efetuado um aviso à equipa sobre prioridades de tarefas, algo com o que o trabalhador se terá sentido penalizado.
3º As menções a enrolar o cabelo e a ir para o escritório são sobretudo dirigidas à subgerente da loja, A…, que também recebeu o vídeo.
4º As ofensas são particularmente ofensivas para os dois encarregados de loja, pois é a direção da loja que é especialmente denegrida e vilipendiada no vídeo e que são vexados pelo vídeo em causa.
5º Não é o exercício crítico que é censurável, mas a forma como este é feito, em termos que extravasam claramente a liberdade de expressão no local de trabalho num quadro hierárquico por parte de colega e subordinados.
6º A conduta descrita, assumida pelo trabalhador de forma consciente e culposa, quebrou inabalavelmente o elo de respeito mútuo e de confiança que existia na relação de trabalho que este mantém com a entidade patronal.
Através da contestação que deduziu, o trabalhador pediu que o despedimento seja julgado ilícito por ser inválida a única prova produzida no procedimento disciplinar e por falta de justa causa, sendo a ré em consequência condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, nos termos do disposto no art.º 389.º, 1, b), e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença nos termos do n.º 1 do art.º 390.º, sem prejuízo do disposto no art.º 98.º-N, n.ºs 1 a 3, do Código do Processo de Trabalho, e deduziu pedido reconvencional, peticionando que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, ao abrigo do preceituado na alínea a) do n.º 1 do art.º 389.º. .
Alega o trabalhador para o efeito, e em suma, que:
1º A nota de culpa foi-lhe entregue em mão no dia 24 de fevereiro de 2020 e, ao contrário do que se afirma no ponto 2 da decisão final, apresentou a sua defesa por escrito em 9 de março de 2020, que enviou por correio registado.
2º Na sua defesa confessava os factos, explicando, contudo, que as afirmações foram proferidas num grupo restrito e privado de WhatsApp, externo à empresa, onde os seus membros trocavam opiniões sobre o trabalho e os mais variados assuntos.
3º E explicava a razão do seu desabafo, sendo que a filmagem da situação que encontrou ao iniciar o serviço, quer na loja, quer no armazém, falam por si sobre a razão daquele.
4º Por outro lado, como facilmente se conclui da gravação, as afirmações são feitas para todo o grupo e não para ninguém em particular.
5º Apesar do vernáculo usado não existe nenhuma expressão que possa ser qualificada de injuriosa para qualquer dos restantes trabalhadores.
6º Só após os trabalhos de pré inventário e inventário, em que participou ativamente, e passado praticamente dois meses, é que foi instaurado o processo disciplinar e foi suspenso preventivamente.
7º Desde a sua admissão sempre exerceu as suas funções de forma diligente, assídua e interessada, e sempre demonstrou interesse e brio profissional para que a loja estivesse organizada de acordo com os padrões de qualidade e a imagem de marca da entidade patronal.
8º Foi o seu brio profissional que esteve na base do desabafo e a crítica ao que encontrou ao entrar ao serviço.
9º Além do desabafo, nunca teve qualquer comportamento que merecesse reparo da entidade patronal ou dos seus superiores hierárquicos.
10º Continuou a desempenhar as suas funções com a mesma diligência, assiduidade e brio profissional.
11º O ambiente de trabalho não sofreu alteração até a sua suspensão preventiva, mantendo um normal relacionamento com todos os colegas da loja.
12º É certo que utilizou uma linguagem pouco urbana, mas a mesma não traduz qualquer desrespeito para com os seus colegas de trabalho.
13º Não foi considerada a sua defesa e a justificação do seu comportamento, nem o seu arrependimento.
14º À data do despedimento auferia a remuneração mensal de € 630, um subsídio de alimentação diário de € 6,05 e um abono para falhas de € 29.
15º Em 31 de março de 2020, a entidade patronal pagou-lhe, em consequência do despedimento, a quantia líquida de € 1 846,35 mas não lhe facultou o respetivo recibo.
16º A entidade patronal declarou à Segurança Social que aquele valor líquido correspondia a € 2 352,68.
17º Não gozou as férias vencidas em 1 de janeiro de 2020.
18º A entidade patronal nunca lhe proporcionou qualquer formação profissional.
19º Até à presente data não conseguiu arranjar emprego, embora esteja inscrito no Centro de Emprego desde 22 de abril de 2020.
20º Não recebeu qualquer subsídio de desemprego.
21º Só em 3 de junho de 2020, após a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, é que a entidade patronal deu cumprimento ao disposto no art.º 341.º do Código do Trabalho, enviando-lhe o Modelo 5044, Declaração de Situação de Desemprego, o que na prática impediu que até à presente data o desenvolvimento do processo de subsídio de desemprego.
22º Em consequência da atitude da premeditada da entidade patronal, não enviou esta a declaração com a comunicação da decisão de despedimento, como seria normal numa empresa com a sua dimensão, sendo uma obrigação legal que não pode ignorar.
23º Em consequência deste comportamento da entidade patronal, está até agora privado de meios mínimos de subsistência, vivendo da ajuda de familiares, após se ter esgotado o “pecúlio” que a entidade patronal lhe pagou em função do despedimento.
24º Tal agravou a sua angústia o sofrimento, que se vê sem rendimentos e sem perspetivas de trabalho a curto prazo, atenta a grave crise desemprego provocada pela pandemia.
25º Vive em união de facto com A… e o casal tem um filho menor com um ano e oito meses de idade.
26º Entretanto, a sua companheira também ficou desempregada, por não lhe ter sido renovado o contrato a termo.
A entidade patronal apresentou resposta ao pedido reconvencional peticionando que mesmo seja julgado improcedente por não provado.
Foi proferido despacho saneador que considerou a instância válida e regular, foi admitido o pedido reconvencional, foi dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova e foram admitidos os róis de testemunhas.
Procedeu-se a julgamento, como consta da respetiva ata,
Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto e tendo em atenção as disposições legais supracitadas:
1.º Declaro a ilicitude do despedimento do trabalhador A… pela entidade patronal C…, Lda.
2.º Condeno a entidade patronal a pagar ao trabalhador uma compensação em valor equivalente a três meses de retribuição base (considerando que a antiguidade remonta a maio de 2018 e o despedimento a março de 2020, ou seja, menos de três anos), até à data do trânsito em julgado da presente decisão (sendo que a retribuição base mensal a atender ascende ao montante de € 630), o que totaliza o montante de € 1 890, sendo que a este montante acrescem os juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, à taxa legal.
3.º Condeno a entidade patronal a pagar ao trabalhador as retribuições que seriam devidas desde a data do despedimento, 18 de março de 2020, e até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo as férias e os subsídios de férias e de Natal devidos no referido período, sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se referem os art.ºs 390.º, 2, c), do Código do Trabalho, e 98.º-N, 1 a 3, do Código do Processo do Trabalho, a determinar através do incidente de liquidação, se for necessário, acrescido dos juros de mora vencidos desde a data da liquidação e vincendos, à taxa legal.
4.º Condeno a entidade patronal a pagar ao trabalhador uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2 000, sendo que a este montante acrescem os juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, à taxa legal.
5.º Condeno a entidade patronal ao pagamento das custas processuais – art.º 527º do Código de Processo Civil.
Fixo à ação o valor de € 3 890 (art.ºs 98.º-P, 2, do Código de Processo do Trabalho, e 297.º, 1 e 2, do Código de Processo Civil).

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
1. REVISAO DA MATÉRIA DE FACTO
i. No ponto 20 da matéria dada como provada é referido que O trabalhador requereu a atribuição de subsídio de desemprego em 03 de julho de 2020, tendo-lhe sido atribuído em setembro um subsídio no montante diário de € 15,35, com efeitos à data do requerimento, pelo período de 344 dias (facto provado por documento não impugnado – declaração do Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Évora junta a fls. 109).
ii. Sucede que o ofício em questão é datado de 21 de agosto, nada constando sobre o facto de ser atribuído em setembro.
iii. Em função do que deverá ser alterado o teor do facto de modo a que, em vez tendo-lhe sido atribuído em setembro um subsídio se leia tendo-lhe sido atribuído em agosto um subsídio (…).
iv. Reveste particular interesse para a apreciação da matéria apurar exatamente as consequências que a publicação do vídeo teve na equipa e, em particular, junto dos dois responsáveis da loja.
v. Os depoimentos transcritos de D…, A… e Na… são unânimes no sentido de que, por efeito direto da conduta do Recorrido:
- o ambiente da loja se ter deteriorado de forma muito considerável;
- o encarregado D… perdeu confiança no trabalhador e sentiu que seria mais difícil gerir a equipa;
- a relação entre a vice encarregada A… e o Recorrido se ter quase extinto, mesmo a nível profissional, subsistindo apenas um cumprimento pessoal de cortesia;
vi. Tais factos, por serem relevantes para a decisão da causa, deverão ser considerados na decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
vii. Artigo 11 da motivação de despedimento:
- provado que as ofensas constante do vídeo são particularmente dirigidas aos para os dois encarregados de loja.
viii. Factos não alegados mas que se consideram relevantes para a apreciação da matéria:
- o encarregado D… perdeu confiança no trabalhador e sentiu que seria mais difícil gerir a equipa;
- a relação entre a vice encarregada A… e o Recorrido se ter quase extinto, mesmo a nível profissional, subsistindo apenas um cumprimento pessoal de cortesia, não lhe tendo o trabalhador nunca pedido desculpa pelo sucedido;
- o ambiente da equipa de trabalho da loja deteriorou-se de forma muito considerável após a publicação do vídeo;
DA JUSTA CAUSA PARA DESPEDIMENTO
1. Da violação do dever de respeito
Do dever de respeito
ix. A par do dever principal de prestar o ser serviço, o trabalhador assume, com a celebração do contrato de trabalho, um conjunto de deveres assessórios, que estão genericamente enunciados no artigo 128.º do CT, entre os quais o dever de respeito.
Do propósito ofensivo do vídeo
x. Na sentença, defende-se que, estripado da linguagem obscena, o vídeo assume-se como uma mera acção para a chamada de atenção de aspetos da loja que poderiam ser melhorados.
xi. Não é verdade.
xii. A publicação do vídeo pelo trabalhador foi feita na sequência de uma chamada de atenção por parte da chefia da loja ao trabalho do trabalhador, que este considerou injusto e desadequado.
xiii. É neste ressentimento que reside a motivação direta para a elaboração do vídeo: não na vontade de ajudar a melhorar a loja, mas no despeito que o recorrido sentiu por ter recebido da sua chefia alguma nota que considerou injusta e é esse rancor que determina o conteúdo obsceno do vídeo e na vontade, que preside ao vídeo, de ofender os encarregados.
xiv. Todo o vídeo é marcado por esse ressentimento e nele, e apenas nele, se justifica a linguagem obscena e ofensiva utilizada.
xv. Pretender-se, como se faz na sentença recorrida, procurar o sentido do vídeo despido da linguagem obscena, a fim de aí encontrar um propósito lícito, colaborante e não ofensivo é totalmente falacioso: o vídeo não pode, objetivamente, ser lido de forma separada da utilização de expressões injuriosas dirigidas aos superiores hierárquicos do recorrido – e, designadamente, por não ser assim entendido por um destinatário médio na posição da recorrente.
Consciência dos atos
xvi. Na sentença diz-se que a conduta do trabalhador foi tomada “a quente”, induzindo uma reação impulsiva, não pensada e porventura não totalmente consciente.
xvii. Não é verdade.
xviii. As instruções dos superiores foram proferidas no dia anterior ao vídeo; o vídeo foi publicado de manhã do dia seguinte às mesmas terem ocorrido.
xix. Portanto, o recorrido teve uma noite de sono, encontrando-se, portanto, num estado em que teve tempo para refletir, tendo a sua conduta sido totalmente pensada e querida e não fruto de uma reação impulsiva momentânea.
O conteúdo insultuoso das declarações
xx. Na decisão em crise, defende-se que as declarações do trabalhador não representam uma “forma de insultar ou desrespeitar os colegas, em particular as chefias” e que o palavreado obsceno apenas servia “de muleta“ para mostrar a irritação pelo estado da loja representa uma forma totalmente distorcida de ver a realidade e a intenção que, manifestamente, subjaz à publicação do vídeo.
xxi. Note-se que, no papel de julgador, o juiz coloca-se ele próprio no lugar do empregador médio e como tal é chamado a valorizar se a dita mensagem seria ou não ofensiva;
pergunta-se, então, que empregador médio não consideraria o teor da narrativa do vídeo ofensiva, desrespeitadora e insultuosa?
xxii. Mais: qual seria o empregador que, confrontado com um documento desta natureza, se dedicaria a procurar no arrazoado de palavrões e ofensas um propósito benigno e elevado?
xxiii. Ocorre manifesta violação do dever de respeito, por a conduta do trabalhador, referindo-se aos seus superiores pessoalmente e ao trabalho por si realizado de forma obscena e insultuosa, ter ultrapassado todos os limites do que fosse tolerável e socialmente aceitável no contexto da relação laboral ou pessoal existente, sem qualquer justificação e apenas para se devolver um agravo de que julgou ter sido vítima
Das consequências da infração
Das consequências imediatas da publicação do vídeo
xxiv. Independentemente de quaisquer consequências que em concreto pudessem teradvindo, o vídeo, de per si, sustenta totalmente a perca de confiança q determinaria a impossibilidade da manutenção do contrato – cabendo ao recorrido, salvo o devido respeito, demonstrar que das consequências da sua conduta não resultaram quaisquer sequelas para a relação laboral.
A exponencialização dos danos por via da publicação do vídeo
xxv. O caráter ofensivo das declarações do recorrido foi substancialmente potencializado pelo facto de tais injúrias e ofensas ter sido divulgado por toda a equipa, assim se adicionando à injúria o vexame e desafio à autoridade dos superiores hierárquicos.
xxvi. A ausência de uma posição firme por parte da recorrida implicaria uma degradação inexorável e inadmissível dos critérios disciplinares da recorrida.
Das consequências em concreto no funcionamento da loja
xxvii. Ora, tem-se aqui presente a peticionada alteração da resposta à matéria de facto.
xxviii. Com a publicação do vídeo, os dois encarregados de loja se sentiram ofendidos, como não poderiam deixar de se ter sentido e que esse sentimento, totalmente natural e previsível, prejudicou a relação de trabalho com o trabalhador, fazendo o encarregado de loja deixar de confiar no trabalhador e a vice encarregada deixar de falar com o trabalhador – além de todo o ambiente na loja ter ficado mais tenso.
xxix. E repare-se que o trabalhador nunca pediu desculpa pelo sucedido, não mostrando qualquer arrependimento – mesmo na resposta à nota de culpa, a par de manifestar o seu arrependimento, permite-se afirmar, em manifesta falta à verdade, que o vernáculo não foi dirigido a ninguém em particular nem tem natureza injuriosa (ponto 9 e artigo 13 da contestação), assim se escusando de assumir os atos que praticou e as respetivas consequências.
Da existência de justa causa
xxx. A conduta do recorrido, assumida de forma livre e consciente, consubstancia uma violação do dever de respeito e a sua publicação ao resto da equipa, a qual (1) tem ínsita um total desfasamento e inultrapassável com o procedimento exigível a um qualquer colaborador da recorrente, bem como (2) uma evidenciação de incapacidade de se inserir na lógica de trabalho em equipa subjacente à organização dos estabelecimentos da recorrente, além de (3) criar um antecedente comportamental que, se não fosse devidamente atalhado, geraria uma degradação insuportável nos critérios disciplinares da recorrente e, por fim, (4) gerou profundo mal estar e perturbação no funcionamento da loja.
xxxi. Face ao grau de lesão assim registado, a recorrente perdeu a confiança no recorrido, não lhe sendo exigível, nem a qualquer empregadora na sua posição em concreto, manter o contrato de trabalho, mesmo que com a aplicação de sanção de menor gravidade.
xxxii. Em face do que deverá a douta sentença proferida ser revogada e substituída por outra que reconheça a licitude do despedimento levado a cabo pela ora recorrente.
DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Da ausência de prova de danos não patrimoniais
xxxiii. Da sustentação da decisão decorre que se considerou que, por via da inexistência de outros rendimentos no agregado familiar (mau grado o despedimento da companheira do recorrido ter ocorrido apenas em julho), o atraso na remessa do impresso por parte da recorrente, afetou, de forma grave o bem estar físico e psicológico do recorrido.
xxxiv. Sucede que, a respeito dos danos físicos e psicológicos do recorrido não existe um único facto na matéria dada como provada que o sustente.
xxxv. Não se nega, naturalmente, que o despedimento constitui uma vicissitude dura.
xxxvi. Mas isso não é suficiente, por si só, para sustentar um dano não patrimonial que mereça a tutela do direito – sendo certo que, para a ilicitude do despedimento, havia já sido arbitrada uma compensação.
xxxvii. E não é, pura e simplesmente, suficiente afirmar-se que, não auferindo receitas e tendo de viver com apoios familiares, o recorrido tenha forçosamente de ter sofrido uma grave violação no seu bem estar físico e psicológico – infelizmente essa é uma situação recorrente e desagradável, mas longe de determinar, de forma necessária e evidente, q seja causadora de danos não patrimoniais.
xxxviii. Isto é, a decisão determina a compensação de um dano que não se provou e que, na verdade, não foi sequer alegado.
Da não existência de dano
xxxix. Independentemente da demora causada pela omissão da recorrente, dever-se-á aferir do dano sofrido pelo recorrido também à luz do que foi a sua conduta no processo de atribuição do subsídio.
xl. Assim, e antes de mais, o recorrido apenas se inscreveu no centro de emprego – facto essencial para apresentar o pedido de subsídio, em 22 de abril, um mês depois de ser despedido.
xli. Não tendo recebido o impresso, não contactou a recorrente diretamente a solicitar o envio do mesmo, optando por pedir a intervenção da ACT para o efeito.
xlii. Sendo que o recorrido, tendo recebido em 5 de junho o impresso em falta, apenas em 3 de julho, isto é, quase um mês depois, apresentou o pedido de subsídio.
xliii. Ora, não se afigura compatível com o dano considerado, de grave ofensa do seu bem estar físico e psicológico por via da inexistência de rendimentos, o facto de o recorrido ter demorado um mês a inscrever-se no centro de desemprego e outro mês a, obtida a posse do impresso, apresentar o pedido de subsídio: será plausível afirmar-se que uma pessoa em situação dramática espere um mês para fazer uma inscrição e outro mês para entregar um simples pedido de subsídio?
Da limitação da culpa da Recorrente
xliv. Dos cerca de cinco meses decorridos entre o despedimento, em 23 de março, e a atribuição do subsídio de desemprego, em 21 de agosto de 2020, o atraso imputável à recorrente é de apenas um mês e meio, pois antes de 22 de abril o recorrido não se havia inscrito no centro de emprego e depois de 5 de junho poderia ter entregue o pedido de imediato, não sendo naturalmente imputável à recorrente o tempo que a Segurança Social demora a processar estes pedidos.
xlv. Neste contexto, não pode deixar de se considerar quase absurda a condenação no pagamento de € 2 000 ao recorrido: se o próprio recorrido foi responsável pelo atraso em dois meses, que racional terá condenar a recorrente em compensar o recorrido por danos não patrimoniais sofridos em cerca de mês e meio?
xlvi. Importa ainda considerar que a omissão de envio se deu num momento em que, pela primeira vez, foi decretado um recolher obrigatório generalizado e o fecho em larga escala da actividade comercial deixando as empresas numa situação particularmente caótica que, não justificando que omissão, deverá ser considerada como atenuante.
xlvii. Assim, e sem conceder quanto à não exigibilidade de qualquer compensação, esta nunca poderia ser superior a € 100, o que apenas se concede para benefício da exposição.
Da revogação da condenação
xlviii. Neste contexto, deverá a condenação no pagamento de uma compensação ao recorrido ser substituída por outra que absolva a recorrente do pedido ou que, no limite, e sem conceder, em valor não superior a € 100.
xlix. Decidindo como decidiu, a sentença violou o disposto no artigo 351.º do CT e 405.º/1 do CC.
Nestes termos, deverá o presente recurso proceder, por provado e, em consequência, ser a douta sentença recorrida substituída, declarando-se licito o despedimento do recorrido levado a cabo pela recorrente e absolvendo a recorrente do pedido compensatório ou, no limite e sem conceder, reduzindo-se o mesmo para valor não superior a € 100.

3. O autor não respondeu.

4. O Ministério Público junto desta relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
As partes foram notificadas e não responderam.

5. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Face ao que se decidir nos pontos anteriores, apurar se o despedimento é lícito e suas consequências.
3. Os danos não patrimoniais.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
Da motivação do despedimento
1.º A ré explora uma cadeia de retalho de artigos de casa (facto não impugnado e provado por documento não impugnado – certidão permanente junta a fls. 16 a 22).
2.º O autor era trabalhador da ré, desempenhando as funções de operador de loja (facto provado por documento não impugnado – contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 70 a 75).
3.º No dia 29 de dezembro de 2019, o trabalhador colocou num grupo de WhatsApp onde estão vários colegas de loja, designadamente A…, Na…, J… e o encarregado de loja D…, um vídeo onde, visualizando o estado desarrumado da loja, acompanhou com as suas seguintes declarações: “Isto um gajo acorda, chega à loja logo de manhã é logo bombardeado com cenas de vitrines e putas que os pariu a todos mas depois as prioridades estão-se a cagar. Estão-se a cagar se há promoções para pôr, se há prateleiras para pôr que não existem, se há natal para encaixotar, estão-se a cagar. E depois ainda se estão a cagar mais para o tem de se fazer, porque esta loja aqui, pronto, passamos pelos pingos da chuva, e vamos passando, é assim, sempre passámos e vamos passando, encostamo-nos a um canto e tá-se fixe, agora, esta merda que aqui está, esta merda que aqui está, eu quero ver quem é que é, se os vitrinistas ou os armazenistas que vêm para aqui como sempre, porque isto é muito bom falar pela merda do whatsapp, mas depois quando chega a hora de fazer a real, está tudo a esconder e a mexer no cabelo e a ir para o escritório, porque é que merda que se passa nesta loja é que é muito escritório e pouco trabalho físico.” (facto provado por acordo e pelo vídeo visualizado em sede de julgamento, cujo teor não foi impugnado).
4.º O vídeo foi remetido a partir do telefone do colega N… (facto não impugnado).
5.º O vídeo foi elaborado na sequência de as chefias da loja terem efetuado um aviso à equipa sobre prioridades de tarefas, algo com o que o trabalhador se terá sentido penalizado.
6.º As menções a enrolar o cabelo e a ir para o escritório são sobretudo dirigidas à subgerente da loja, A…, que também recebeu o vídeo.
Da contestação e reconvenção
7.º O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade patronal em 28 de maio de 2018, mediante contrato de trabalho a termo certo (facto provado por documento não impugnado – contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 70 a 75).
8.º Em 10 de maio de 2019 as partes outorgaram o aditamento ao contrato de trabalho de trabalho, mediante o qual este foi renovado pelo período de 6 meses, até 27 de novembro de 2019 (facto provado por documento não impugnado – aditamento ao contrato de trabalho junto a fls. 76/77).
9.º A nota de culpa foi entregue ao trabalhador no dia 24 de fevereiro de 2020 (facto provado por documento não impugnado – nota de culpa junta a fls. 40 a 42).
10.º O trabalhador apresentou a sua defesa por escrito, enviada por correio registado em 9 de março de 2020 (facto provado por documento não impugnado – fls. 78 a 80).
11.º Na sua defesa o autor declarou que confessava os factos, explicando que as afirmações foram proferidas num grupo restrito e privado de WhatsApp, externo à empresa, onde os seus membros trocavam opiniões sobre o trabalho e os mais variados assuntos (facto provado por documento não impugnado – defesa do trabalhador no procedimento disciplinar junta a fls. 78/79).
12.º E afirmou que “há muito que vinha criticando o modo como o trabalho estava distribuído e também a falta de brio na realização de algumas tarefas com reflexo negativo na imagem da loja perante os clientes, designadamente em matéria de organização e apresentação dos produtos” (facto provado por documento não impugnado – defesa do trabalhador no procedimento disciplinar junta a fls. 78/79).
13.º O trabalhador participou nos trabalhos de pré inventário e inventário da entidade patronal (facto não impugnado).
14.º O trabalhador foi suspenso preventivamente em 24 de fevereiro de 2020 (facto provado por documento não impugnado – carta junta a fls. 91).
15º O trabalhador nunca teve qualquer comportamento que merecesse reparo da entidade patronal ou dos seus superiores hierárquicos (facto não impugnado).
16.º À data do despedimento, 18 de março de 2020, o trabalhador auferia a remuneração mensal de € 630, um subsídio de alimentação diário de € 6,05 e um abono para falhas de € 29 (facto não impugnado).
17.º Em 31 de Março de 2020, a entidade patronal pagou ao trabalhador, em consequência do despedimento, a quantia líquida de € 1 846,3 (facto não impugnado).
18.º O trabalhador está inscrito no Centro de Emprego desde 22 de abril de 2020 (facto provado por documento não impugnado – declaração do Instituto do Emprego e da Formação Profissional junta a fls. 81).
19.º Em 5 de junho de 2020, após a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, a entidade patronal enviou ao trabalhador o Modelo 5044 - Declaração de Situação de Desemprego (facto provado por documento não impugnado – processo da Autoridade para as Condições do Trabalho junto a fls. 110 a 152).
20.º O trabalhador requereu a atribuição de subsídio de desemprego em 03 de julho de 2020, tendo-lhe sido atribuído em setembro um subsídio no montante diário de € 15,35, com efeitos à data do requerimento, pelo período de 344 dias (facto provado por documento não impugnado – declaração do Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Évora junta a fls. 109).
21.º O trabalhador está desempregado e tem recebido ajuda de familiares.
22.º Vive em união de facto com A… e o casal tem um filho menor.
23º A companheira do trabalhador também ficou desempregada em 07 de julho de 2020, por não lhe ter sido renovado o contrato a termo.
Da resposta à reconvenção
24.º A ré comunicou na base de dados da Segurança Social a cessação do contrato com o autor, com indicação do respetivo motivo, no dia 15 de abril de 2020 (facto provado por documento não impugnado – print do processo da Autoridade para as Condições do Trabalho junto a fls. 136).

B) APRECIAÇÃO

B1) Impugnação da matéria de facto

A apelante pretende que seja alterada a redação do facto dado como provado no ponto 20, no sentido se ser retirada a referência ao mês de setembro, pois, o documento da segurança social não refere este mês.
A apelante tem razão. O subsídio de desemprego foi concedido com efeitos à data do requerimento, ou seja, a partir de 03.07.2020, como consta da notificação da segurança social, não impugnada.
Assim, altera-se a redação do ponto 20 dos factos provados da sentença, nos termos seguintes:
“20.º O trabalhador requereu a atribuição de subsídio de desemprego em 03 de julho de 2020, tendo-lhe sido atribuído um subsídio no montante diário de € 15,35, com efeitos à data do requerimento, pelo período de 344 dias”.
A apelante pretende que seja acrescentada a matéria de facto provada, nos termos seguintes:
“Artigo 11 da motivação de despedimento:
- provado que as ofensas constante do vídeo são particularmente dirigidas aos para os dois encarregados de loja.
viii. Factos não alegados mas que se consideram relevantes para a apreciação da matéria:
- o encarregado D… perdeu confiança no trabalhador e sentiu que seria mais difícil gerir a equipa;
- a relação entre a vice encarregada A… e o recorrido se ter quase extinto, mesmo a nível profissional, subsistindo apenas um cumprimento pessoal de cortesia, não lhe tendo o trabalhador nunca pedido desculpa pelo sucedido;
- o ambiente da equipa de trabalho da loja deteriorou-se de forma muito considerável após a publicação do vídeo;
Os factos que a apelante pretende que sejam dados como provados não foram alegados, incluindo o que refere como estando no ar.º 11.º da motivação de despedimento.
Este último artigo do articulado motivador não contém este facto, nem está contido no dito articulado.
O art.º 5.º do CPC, aplicável, ex vi, art.º 1.º n.º 2, alínea a), do CPT, prescreve:
1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Os factos que a apelante pretende que sejam dados como provados não estão alegados.
Os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização do que as partes tenham alegado têm que resultar da instrução da causa e sobre eles as partes têm que ter tido a possibilidade de se pronunciar e oferecer prova[1].
O momento próprio para o efeito é durante a audiência de discussão e julgamento. Se durante a produção da prova forem referidos factos instrumentais ou complementares dos factos fundadores do direito, mesmo não alegados, o juiz pode tê-los em conta depois da parte contrária ter oportunidade de se pronunciar e ser produzida prova sobre os mesmos.
Se a apelante/empregadora entendia que foram trazidos à discussão factos instrumentais, complementares ou concretizadores deveria ter sugerido/requerido ao tribunal para que fossem considerados. Não o tendo feito nessa ocasião, não pode vir apenas agora, em sede de recurso, pretender que tais factos sejam considerados, por ser questão nova.
O tribunal da Relação só pode apreciar questões de facto e de direito que foram ou devessem ter sido apreciadas na sentença recorrida. Não é válida a opção de aguardar para a fase de recurso, na hipótese da decisão lhe ser desfavorável, para vir invocar factos novos não submetidos ao império do contraditório e análise decisório no tribunal recorrido.
Assim, não se toma conhecimento desta parte da impugnação da matéria de facto.
Em qualquer caso, dir-se-á que a expressão que a apelante diz constar do artigo 11 da motivação de despedimento: “que as ofensas constantes do vídeo são particularmente dirigidas (aos) para os dois encarregados de loja”, revela-se conclusivo. É necessário alegar os factos concretos a partir dos quais se pode concluir ou não se as ofensas eram dirigidas aos encarregados, o que a apelante não fez.

B2) Apurar se o despedimento é lícito e suas consequências

O art.º 351.º do CT prescreve que constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (n.º 1).
O n.º 2 deste mesmo artigo enumera exemplificativamente comportamentos do trabalhador, suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os eus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
O texto produzido pelo trabalhador é suscetível de violar do dever de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho, com urbanidade e probidade, previsto no art.º 128.º n.º 1, alínea a), do CT.
Poderia ainda ser suscetível de enquadrar-se no art.º 351.º n.º 2, alínea i), do CT, na parte que diz respeito, no âmbito da empresa, a injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes.
Os factos com interesse direto para a apreciação desta matéria são os seguintes:
“3.º No dia 29 de dezembro de 2019, o trabalhador colocou num grupo de WhatsApp onde estão vários colegas de loja, designadamente A…, Na…, J… e o encarregado de loja D…, um vídeo onde, visualizando o estado desarrumado da loja, acompanhou com as suas seguintes declarações: “Isto um gajo acorda, chega à loja logo de manhã é logo bombardeado com cenas de vitrines e putas que os pariu a todos mas depois as prioridades estão-se a cagar. Estão-se a cagar se há promoções para pôr, se há prateleiras para pôr que não existem, se há natal para encaixotar, estão-se a cagar. E depois ainda se estão a cagar mais para o tem de se fazer, porque esta loja aqui, pronto, passamos pelos pingos da chuva, e vamos passando, é assim, sempre passámos e vamos passando, encostamo-nos a um canto e tá-se fixe, agora, esta merda que aqui está, esta merda que aqui está, eu quero ver quem é que é, se os vitrinistas ou os armazenistas que vêm para aqui como sempre, porque isto é muito bom falar pela merda do whatsapp, mas depois quando chega a hora de fazer a real, está tudo a esconder e a mexer no cabelo e a ir para o escritório, porque é que merda que se passa nesta loja é que é muito escritório e pouco trabalho físico.”
4.º O vídeo foi remetido a partir do telefone do colega N… (facto não impugnado).
5.º O vídeo foi elaborado na sequência de as chefias da loja terem efetuado um aviso à equipa sobre prioridades de tarefas, algo com o que o trabalhador se terá sentido penalizado.
6.º As menções a enrolar o cabelo e a ir para o escritório são sobretudo dirigidas à subgerente da loja, A…, que também recebeu o vídeo.
11.º Na sua defesa o autor declarou que confessava os factos, explicando que as afirmações foram proferidas num grupo restrito e privado de WhatsApp, externo à empresa, onde os seus membros trocavam opiniões sobre o trabalho e os mais variados assuntos.
12.º E afirmou que “há muito que vinha criticando o modo como o trabalho estava distribuído e também a falta de brio na realização de algumas tarefas com reflexo negativo na imagem da loja perante os clientes, designadamente em matéria de organização e apresentação dos produtos”.
Começaremos por realçar que não está provado que a mensagem colocada pelo autor no grupo de WhatsApp, onde estão vários colegas de loja, tenha sido inserida durante o tempo de trabalho.
Trata-se de uma mensagem colocada num grupo privado, fechado, onde o trabalhador se sentiu confortável para colocar a mensagem em causa. Analisado o seu conteúdo e o contexto em que foi produzida, verificamos que usa repetidamente termos grosseiros. A mensagem em si não é dirigida a uma pessoa em particular, a não ser a referência implícita a uma colega.
Trata-se de um desabafo proferido pelo trabalhador, sob a forma escrita num grupo do whatsapp, externo à empresa.
Poderia colocar-se a questão da legalidade da prova obtida para a prova da mensagem, uma vez que a empregadora não faz parte do grupo. Contudo, esta questão não foi colocada pelas partes, pelo que não sendo matéria de conhecimento oficioso, este tribunal não a pode apreciar.
O trabalhador usou uma linguagem grosseira, mal-educada, mas em contexto de informalidade, num grupo fechado onde estavam também colegas de trabalho.
Não se dirige a ninguém em particular, mas ao grupo. Mostra-se zangado com a organização da loja e desabafa nos termos em que o fez perante e dentro de um grupo fechado. As afirmações produzidas, neste contexto, não têm a gravidade que teriam como se tivessem sido produzidas no local de trabalho.
A conduta do trabalhador é censurável, na medida em que critica a organização do trabalho de forma grosseira, mas não a tal ponto de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
A empregadora poderia eventualmente aplicar ao trabalhador uma sanção mais leve, mas não o despedimento. Está provado que: “15º O trabalhador nunca teve qualquer comportamento que merecesse reparo da entidade patronal ou dos seus superiores hierárquicos”, pelo que, tendo em conta o contexto em que as afirmações foram produzidas e a ausência de antecedentes disciplinares, não se mostra que a mensagem produzida pelo autor tenha uma gravidade tal que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Existe o direito à crítica educada e dentro das regras de urbana civilidade. A forma como o trabalhador se exprimiu constitui o exercício do direito à crítica de forma censurável, mas mesmo assim insuficiente para justificar o despedimento com justa causa, daí que seja ilícito, tal como bem decidiu a sentença recorrida.
Termos que que a apelação improcede quanto a esta questão.

B3) Os danos não patrimoniais

O art.º 389.º n.º 1, alínea a), do CT prescreve que sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
Estes danos são apurados em cada processo e é relativamente a cada caso concreto que é avaliada a sua repercussão na vida e na saúde dos lesados.
A compensação pelos danos não patrimoniais tem vindo a ganhar relevo e importância ao longo das últimas décadas, na medida em que se tem vindo a entender que a saúde não é apenas a que diz respeito ao corpo físico, mas também ao bem-estar emocional, psicológico, social, espiritual, financeiro, em resumo, diz respeito à qualidade de vida perdida em consequência do dano sofrido.
Como não é possível desfazer as dores sofridas, as angústias, as ansiedades, os medos, atribui-se uma quantia pecuniária à vítima que não é uma indemnização, mas antes uma compensação que visa minorar esses padecimentos. A atribuição de uma quantia em dinheiro permitirá ao beneficiário o acesso a bens que de outro modo não teria e dessa forma mitigar o sofrimento.
Para compensar os lesados, deverá aplicar-se o disposto nos artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
A aplicação do artigo 494.º deve ser tido em consideração nas situações em que o responsável responde com culpa. O bom senso manda atender às circunstâncias concretas do caso. Daqui resulta que a compensação a atribuir poderá ser fixada em montante inferior ou superior àquele em que o seria normalmente, se o justificarem a situação económica do responsável e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
O artigo 494.º do CC prescreve em geral para todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais. Tem em vista permitir atenuar a responsabilidade se as circunstâncias do caso concreto o justificarem.
Por seu turno, a primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º do CC estabelece o critério especial que deve ser aplicado para calcular o montante pecuniário da compensação pelos danos não patrimoniais, quer exista ou não fundamento para a atenuação especial prevista no artigo 494.º do CC. Os danos serão liquidados equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a gravidade dos danos em si e as circunstâncias do caso.
Com interesse direto para apreciação do direito à compensação pelos danos não patrimoniais, está provado que:
“21.º O trabalhador está desempregado e tem recebido ajuda de familiares.
22.º Vive em união de facto com A… e o casal tem um filho menor.
23.º A companheira do trabalhador também ficou desempregada em 07 de julho de 2020, por não lhe ter sido renovado o contrato a termo”.
Não resulta destes factos que o trabalhador tenha sofrido danos patrimoniais em consequência do despedimento ilícito.
Os factos mostram a vulnerabilidade económica a que ficou sujeito o trabalhador, mas este não logrou provar que tal afetou a sua saúde. A existência do dano é condição imprescindível para a compensação por danos não patrimoniais. Não está provado que o trabalhador tenha sofrido danos desta natureza.
Termos em que a apelação procede nesta parte e se absolve a empregadora deste pedido.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente parcialmente, alterar a redação do facto 20 dado como provado, absolver a empregadora do pedido de compensação por danos não patrimoniais e confirmar a sentença recorrida quanto ao mais.
Custas pela ré/apelante e autor/apelado na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção do autor.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 15 de abril de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
_____________________________________
[1] Neste sentido, Acs. STJ, de 11.10.2019, processo n.º 24369/16.6T8LSB.L1.S1; de 10.09.2015, processo n.º 819/11.7TBPRD.P1.S1; de 27.01.2010, processo n.º 1551/03.0TBLLE.E1.S1 e de 23.09.2003, processo n.º 03B1987, todos em www.dgsi.pt/jstj.