Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
575/11.9TTVRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
NOÇÃO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Cabe à autora, nos termos previstos no art.º 342.º n.º 1 do Código Civil, alegar e provar os factos que se mostrem suficientes para convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume a natureza de contrato de trabalho.

II – A existência de horário de trabalho, a utilização de equipamento e utensílios da Ré, bem como a existência de ordens e instruções provenientes de directores da ré não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviços.

III - Tendo a autora sido contratada pela D. R. C. N., para prestar serviços de apoio administrativo aos diversos programas que a Ré desenvolveu no âmbito de projectos comunitários, atenta a natureza das funções a sua prestação teria de estar adstrita a um horário e os utensílios e equipamentos utilizados teriam de ser postos à disposição pela ré, deixando por isso de ser considerados de índices relevantes quanto à existência de subordinação jurídica.

IV- O facto de se ter provado que a autora recebia ordens e instruções dos directores da ré, revela-se manifestamente insuficiente para se concluir pela existência de subordinação jurídica, uma vez que o contrato de prestação de serviço também não é incompatível com a existência de instruções, determinações ou ordens sob a forma como o serviço deve ser prestado.

V – Não abona a tese da subordinação jurídica o facto de a autora não ter recebido retribuição de férias, nem subsídio de férias, nem de natal.

VI – O nomen iuris que as partes deram aos contratos (Contrato a termo certo e contratos de prestação de serviços) e o facto das cláusulas neles inseridas se harmonizarem com o contrato de prestação de serviço, não sendo decisivos para a qualificação de tais contratos, não deixam de assumir no caso concreto relevância decisiva na qualificação do contrato, já que a matéria de facto provada não nos permite concluir, com alguma segurança, que a vontade negocial que esteve subjacente a execução dos contratos foi outra.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: A. C..
APELADO: D. R. C. N.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães -J1

I – RELATÓRIO

A. C., residente no Bairro …, instaurou no extinto Tribunal do Trabalho de Guimarães, a presente acção declarativa com processo comum contra D. R. C. N., com sede na Praceta …, pedindo que:
a) se declare a ilicitude e nulidade do despedimento da autora, com as legais consequências;
b) seja a ré condenada a reintegrar a autora, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade ou, em alternativa, caso a autora venha a optar, ser a ré condenada a pagar à autora a indemnização em substituição da reintegração no montante de €14.580,00;
c) seja a ré condenada a pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €10.000,00;
d) seja a ré condenada a pagar à autora a quantia total de €4.860,00, a titulo de diuturnidades vencidas e não pagas;
e) seja a a ré condenada a pagar à autora as fracções proporcionais da retribuição de férias e subsídio de férias referente ao ano de admissão e vencidas em 01 de Janeiro de 2000, no valor de €1.357,94;
f) seja a ré condenada a pagar à autora a quantia global de €18.000,00, a título de retribuições de férias e subsídio de férias, respeitante ao período de 1/1/2001 a 1/01/2011;
g) seja a ré condenada a pagar à autora as fracções proporcionais da retribuição de férias e do subsídio de férias referente ao ano da cessação do contrato de trabalho, no valor de €1.482,94;
h) seja a ré condenada a pagar à autora as fracções proporcionais de subsídio de Natal referente ao ano de admissão, no valor de €678,97;
i) seja a ré condenada a pagar à autora a quantia global de €8.250,00, a título de subsídio de Natal, respeitante aos anos de 2000 a 2010;
j) seja a ré condenada a pagar à autora a fracção proporcional da retribuição de subsídio de Natal referente ao ano da cessação do contrato, no valor de €714,47;
k) juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
A Ré, representada pelo Ministério Público, contestou a acção por excepção e por impugnação, concluindo pela sua absolvição da instância, ou caso assim não se entenda pela sua absolvição do pedido.
Respondeu a Autora às excepções deduzidas concluindo pela sua improcedência.
Prosseguiram os autos os seus regulares termos e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolver o S.E.C. – D. R. C. N., dos pedidos formulados nos autos pela autora a A. C..
Custas a cargo da autora – cfr. art. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.”
Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora A. C. interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes:

CONCLUSÕES:

1.º A decisão proferida fez errada decisão da matéria de facto e, especialmente, incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.
2.º; 3.º 4.º (…)
5.º Em função do supra exposto, resulta que se impunha decisão diversa da proferida, no sentido de se dar como provada que:
a) As empresas Livros Técnicos, Lda. e I – Prestação de Serviços, Lda., foram usadas pela ré como “TF” oi “HDP” para encobrir a verdadeira relação de trabalho entre autora e ré;
b) A ré comunicou verbalmente à autora que prescindia dos seus serviços a partir de 11 de Fevereiro de 2011.
6.º O Tribunal recorrido fez errada decisão da matéria de facto.
7.º e 8.º (…)
9.º Sendo, também, certo que o tribunal, não se encontra vinculado à denominação que o mesmo carreia na sua epígrafe como se afirmou, por exemplo, no Acordão STJ, processo 074/07.0TTLSB.L1.S1, DE 10/11/2010:
“6. O nomen iuris que as partes deram ao contrato (Contrato de Avença) e o facto das cláusulas nele inseridas se harmonizarem com o contrato de prestação de serviço, não sendo decisivos para a qualificação do contrato, <…> não poderá deixar de assumir relevância decisiva na qualificação do contrato, salvo nos casos em que a matéria de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato.”
10º - E que obrigam a analisar diferentes aspetos tópicos, do contrato de trabalho ou não, e culminado na chamada subordinação jurídica para se concluir pela sua existência, em concreto deverá ser analisada: remuneração mensal, horários de trabalho, local trabalho, instruções, meios e instrumentos de trabalho, pagamentos das retribuições, subsídios de férias e /ou Natal.
11º - Pelo que é certo, e sem margem para dúvidas, que a A. nunca deixou de receber uma retribuição, certa, mensal, estável e líquida, cumpria um horário de trabalho, determinado pela direção da R., trabalhava onde a direção da R. lhe ordenou, era detentora de chaves e procedia à abertura das portas, no horário de expediente, da R.., extravasou o seu âmbito de “competências” contratualmente fixadas, pois que não arquiva ou organizava processo somente relacionados com os projetos ao abrigo dos quais os contratos foram elaborados, mas todo o arquivo e expediente da R, tal como assegura os serviços de receção desta e de acordo com os seus procedimentos internos.
12º - E se o fez tudo isto foi porque para tal recebeu instruções de seus superiores hierárquicos.
13º - Portanto, fazia-o sobre ordens e direção dos seus superiores de tal instituição, aqui R.
14º - Tarefas essas que sem uma ordem e um poder de direção efetivo não fariam qualquer sentido, nem seria expectável (e muito menos exigível…) que a A. o tivesse feito estes anos todos sem o ser subordinada a um tal poder de direção que lho havia ordenado que assim o fizesse.
15º - Não somente para a concretização de um ou outro objetivo contratual, mas sim para as tarefas gerais relacionadas com o arquivo, expediente geral, receção e afins no do dia-a-dia e que lhe eram solicitadas – e cumpridas.
16º - Utilizando para o efeito os meios que lhe foram fornecidos pela R., sua propriedade, onde até tinha secretária, computador e demais materiais de escritório, assim como um posto de trabalho na receção, certo e fixo, onde recebia as pessoas que a tal serviço se dirigissem pois que também acumulava as suas tarefas de arquivo e expediente variado com as funções de rececionista.
17º - Colocando à mercê da sua entidade patronal a sua disponibilidade e capacidade de fazer o que de melhor pudesse nas tarefas que lhe eram solicitadas, vendendo “o seu trabalho”, o seu tempo, - Art. 1152º CC e não para cumprir um qualquer objetivo contratual duma prestação de serviço, nem “vendendo um objetivo ou resultado”. – Art. 1154º CC
18º - Pelo exposto, foi um contrato de trabalho que, ao longo dos tempos, existiu entre A e R. e que por imperativos unilaterais desta mesma R. foi sendo reformulado sob diferentes capas contratuais, mas nunca se alterando a sua essência e/ou tarefas desempenhadas.
19º - Desde 3 de Fevereiro de 1999 nunca se alterou a posição da A. relativamente à R., nem as tarefas que desempenhou ao longo destes 12 anos.
20º - Aliado ao facto, nos termos do Art. 12º do Código de Trabalho estabelecer:
(Presunção de contrato de trabalho)
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (nosso sublinhado, por se verificar provado nos presentes autos)

21º - Pelo que, nos termos do Art. 350, n.º 2 do CC beneficia a A. de tal presunção a seu favor, dispensando-a, diretamente, de fazer a prova do contrato, mas destes elementos e que acima estão sublinhados foram os a que a ela diretamente dizem respeito, carreados e provados nos autos.
22º - Presunção esta que, muito antes da prova carreada, permite estabelecer o contrato existente como de trabalho, também desde já e por cautela se invoca expressamente.
23º - E que permite mercê desta presunção também ver-se-lhe aplicado tal regime do contrato de trabalho. – Art. 12º CT e Art. 350, n.º 2 CC.
24º - A A. foi dispensada antes de qualquer invocação de nulidade, anulabilidade ou qualquer outro vício no seu contrato, tendo sido somente informada, verbalmente, que cessaria funções.
25º - Ora, verificado que foi a existência de tal contrato, embate-se agora e em sede processual com a imperatividade estabelecida no Dec.-Lei 427/89 que regulamentava, à data dos factos, a relação jurídica de emprego na Administração Pública., sendo certo que a A. sabe, na sua boa-fé, que sempre foi encontrada solução para perpetuar esta sua relação laboral durante todos estes anos que antecederam esta comunicação unilateral de “rescisão”.
26º - Sendo certo que tal imperatividade vincula, acima de tudo, a sua entidade patronal, não podendo ser assacadas “culpas” à A., por tal ter sido o imposto pela entidade patronal que com ela contratou, pois era a R. que tinha de desenvolver os esforços para resolver a situação, o que esta fez, quiçá de forma ilegal, mas durante várias direções e ao longo dos referidos 12 anos que a relação laboral durou.
27º - E assim perpetuando a situação que para a R. era conveniente pela falta que a A. fazia aos serviços, num encandeado de atos simulados, com uma aparência de legalidade perante a sua tutela, - Art. 240º CC.
28º - E quando a A. veio pretender reconhecer a sua situação porque de um dia para outro foi dispensada, vem a R. invocar tal nulidade, coisa que não pode fazer, desde logo porque foi esta a provocar a situação de simulação junto da sua hierarquia / tutela afrontando a mais elementar noção de justiça, boa fé e bons costumes... -. Art. 240º CC.
29º - E proibida nos termos do Art. 243º do Código Civil, o que desde já expressamente se invoca, sendo a A., para efeitos da lei, uma terceira, de boa-fé, pois que o fez, talvez um pouco ingenuamente, mas convicta da legalidade nem nunca esperou que a sua entidade patronal fosse a primeira a violar imperativos legais e vem invocar a situação de simulação que ela própria criou e usufruiu enquanto entendeu, vindo agora, passados 12 anos, unilateralmente, invocar precisamente a ilegalidade que ela, própria criou!
30º - Pelo que, nos termos do Art. 243º, n.º 1 e 2 CC, desde já, se invoca tal simulação, com as consequências daí decorrentes.
31º - Configurando, mesmo, tal exercício do direito de “dispensa” ou da “invocação da nulidade do contrato” um abuso de direito, tal como se encontra definido no Art. 334º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício dum direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
32º - Pois que a sua invocação agora (e depois da simulação por si operada) excede manifestamente os limites da boa fé, assim como os mais elementares bons costumes.
33º - Abuso de direito este que ora e expressamente também de invoca, por ter todos os seus pressupostos preenchidos
34º - Por outro lado, determina o Art. Artigo 500.º - (Responsabilidade do comitente)
“1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.”

35º - Verifica-se, pois, nos presentes autos que os contratos celebrados, e que esconderam a relação laboral subjacente, foram firmados pelos sucessivos diretores da R., que o fizeram na qualidade de “representantes com poderes para o ato” por parte da entidade Estado e mais concretamente da aqui R. e no exercício da função que lhe foi confiada, contra instruções (legais, neste caso), mas intencionalmente para fazer perdurar no tempo a colaboração da A com a R..
36º - Pelo que sempre será o comitente, neste caso a R., responsável por tais comportamentos ao longo do tempo praticados pelos vários diretores que assim, e em seu nome, procederam.
37º - Como determina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo:01B3701, de 31-01-2002:
“IV. A responsabilidade pelo risco instituída no artigo 500º, Código Civil congrega três pressupostos : (1) vínculo sobre comitente e comissário (assente na liberdade de escolha e na subordinação), (2) prática de facto ilícito no exercício da função do comissário, e (3) responsabilidade deste.”
38º - Pressupostos que, sem margem para considerações, se encontram preenchidos nos presentes autos e ora expressamente se invocam.
39º - Ora, por outro lado e nos termos do Art. 562º do CC privilegia-se a chamada reparação in natura,
40º - O que no caso dos presentes autos é o reconhecimento, conforme solicitado pela A., do seu contrato de trabalho, que ora expressamente se alega e requer, com a sua consequente reintegração no posto de trabalho e pagamento dos montantes devidos e em falta, abaixo melhor concretizados.
41º - Ou, subsidiariamente, aos créditos que têm emergentes de tal contrato e melhor concretizados no seu pedido, assim como pela cessação unilateral e ilegal do mesmo – Art. 566º CC – o que expressamente também se alega para todos os devidos e legais efeitos, conforme abaixo se concretizarão.
42º - Aliás, tal situação, ou melhor, o entendimento de tal imperatividade no ingresso na administração pública, a entender-se assim, gerará conflito com o preceituado na Constituição da Republica Portuguesa, adiante CRP.
43º - Violando, entre outros e em especial os seus Art 22º, 47º, 53º e 58º da CRP, no sentido de ser interpretado literal e cegamente o Dec.-Lei 247/89, e no entendimento que lhe é dado, sem cuidar um aspeto teleológico do mesmo e, especialmente, do ordenamento jurídico enquanto um todo, articulado, coerente e racional.
44º - Pois que diz-nos o Artigo 47.º da CRP (Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública) :”1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.
2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.”.
45º - E se é certo que a A. não acedeu por concurso, certamente não foi por culpa sua, mas por escolha, “chamamento”, se se preferir, de tal entidade aqui R. e que fez esta sua permanência, durante todo este hiato de tempo, perdurar, por via dos contratos que foi criando.
46º - Mas é certo acedeu e exerceu durante os 12 anos que lá se encontrou em condições de igualdade com os demais colegas as tarefas que foi incumbida, sob ordens e direção dos seus superiores hierárquicos, não sendo legítimo ser agora discriminada em relação aos demais, aos seus “colegas”.
47º - Pelo que, por força de tal imperativo constitucional, não se pode agora vir, conjugado com Art. 13º da CRP criar uma desigualdade injusta, ilegal, inconstitucional e imoral, inconstitucionalidade esta que ora também se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
48º - Ainda no Artigo 53.º da CRP diz-nos: (Segurança no emprego)
“É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”
49º - E que pretende evitar as arbitrariedades, abusos, despedimentos e atos afins da parte mais “fraca” da equação que normalmente é o trabalhador, segurança esta, não só pelo tempo decorrido em que prestou serviço à R. deverá a A. ver reconhecida, assim como pela estabilidade do seu trabalho, não obstante as capas fraudulentas que o mesmo foi “vestido” ao longo de tal hiato de tempo, mercê dos sucessivos contratos efetuados.
50º - Mas que o Estado, e neste caso concreto a R., como pessoa de bem que deveria ser, devia reconhecer primeiro que qualquer pessoa, sob pena dele Estado, na figura da R., estar a cometer, em cima da ilegalidade do passado que pode ter sido a contratação daA., ainda e presentemente uma inconstitucionalidade grosseira, inconstitucionalidade esta que também ora expressamente se alega para todos os devidos e legais efeitos!
51º - Ainda o Artigo 58.º da CRP (Direito ao trabalho) afirma-nos:
“1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego;
b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;
c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.”
52º - Ao proceder da forma descrita, e mais grave ao persistir nessa posição errada, viola a R. o Art. 58º da CRP, pois que nos termos do seu número 2 incumbe ao estado promover uma série de políticas no sentido do pleno emprego e de igualdade de escolhas, e, em suma, promover tal emprego, pelo que tal entendimento, de novo, incorre em inconstitucionalidade, situação que desde já e também para todos os devidos e legais efeitos expressamente se invoca!
53º - Por último, estabelece o Artigo 22.º Responsabilidade das entidades públicas
“O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
54º - O que conjugado com o já citado Art. 500º do Código Civil levará precisamente à conclusão que aí se chegou, ou seja, da obrigatória de reintegração da trabalhadora, aqui A., sob pena de, não o fazendo, não só violar tal preceito, como especialmente cometer uma outra (nova) inconstitucionalidade, coisa que ora também expressamente se invoca!

Subsidiariamente,
55º - Determina o Art. 122º do Código de Trabalho: “O contrato de trabalho que seja declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.
2 - A ato modificativo de contrato de trabalho que seja inválido aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afecte as garantias do trabalhador”
56º - Sem conceder, sempre dirá a A. que, conforme acima se viu existiu um contrato de trabalho entre ela e a R.., sendo que tal contrato, e por mero dever de patrocínio se concede tal, produziu efeitos até ser “dispensada”, ou seja despedida por ato unilateral.
57º - Mesmo que tal contrato, terminado em Fevereiro de 2011 venha a ser declarado nulo, por força do Dec.-Lei 427/89, sempre verá a A. produzir os efeitos que peticionou na sua petição inicial e que aqui se dão por integralmente reproduzidos,
58º - Pois que o período de trabalho durou de 1999 até Fevereiro de 2011 e esta veio intentar a ação em Dezembro de 2011 e somente na decorrência da presente ação foi tal “nulidade” referida, coisa que nunca no passado havia sido, tendo sido, isso sim, dispensada, verbalmente das suas funções.
59º - Pelo que sempre terá, por força deste dispositivo legal, direito ao montante aí peticionados e que serão:
a) ser a R. condenada a pagar à A. a indemnização em substituição da reintegração no montante de 14 580,00 €;
b) Ser a R. condenada a pagar à A. a título de danos não patrimoniais a quantia de 10 000,00 €;
c) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia total de 4 860,00 €, a título de diuturnidades vencidas e não pagas;
d) Ser a R. condenada a pagar à A. as fracções proporcionais da retribuição de férias e subsídio de férias referentes ao ano de admissão e vencidas em 1 de Janeiro de 2000, no valor de 1 357,94 €;
e) Ser a R. condenada a pagar à A. as retribuições de férias e subsídio de férias vencidas e não pagas em 1 de Janeiro de 2001, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2002, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2003, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2004, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2005, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2007, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2008, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2009, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2009, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2010, no valor de 1 500,00 €; mais a retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2011, no valor de 1 500,00 €; num total de 18 000,00 €;
f) Ser a R. condenada a pagar à A. as fracções proporcionais da retribuição de férias e subsídio de férias referentes ao ano de cessação do contrato, no valor de 1 482,94 €.
g) Ser a R. condenada a pagar à A as fracções proporcionais de subsídio de Natal referente ao ano de admissão, no valor de 678,97 €;
h) Ser a R. condenada a pagar à A. as retribuições de subsídio de Natal vencidas e não pagas referente ao ano de 2000, no valor de 750,00 €; ao ano de 2001 no valor de 750,00 €; ao ano de 2002 no valor de 750,00 €; ao ano de 2003 no valor de 750,00 €; no ano de 2004 no valor de 750,00 €, no ano de 2005 no valor de 750,00 €; ao ano de 2006 no valor de 750,00 €; no ano de 2007 no valor de 750,00 €; ao ano de 2008 no valor de 750,00 €; ao ano de 2009 no valor de 750,00 €; ao ano de 2010 no valor de 750,00 €; num total de 8 250,00 €;
i) Ser a R. condenada a pagar à A. a fracção proporcional da retribuição de subsídio de Natal referentes ao ano de cessação do contrato, no valor de 741,47 €;
j) Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
k) Ser a R. condenada a pagar à A. as retribuições, diuturnidades, subsídios de férias e de Natal que se vencerem desde a data do despedimento até final.
60º - Pois como muito bem colocou a questão o Tribunal da Relação de Coimbra, na APELAÇÃO Nº 435/09.3TTCBR.C1 , de 15-12-2010 (Legislação: DL Nº 427/89, DE 7/12, ARTºS 7º E 8º DA LEI Nº 23/2004, DE 22/06; 116º, Nº 1, 436º, 437º E 439º DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003. ESTADO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. EFEITOS. CESSAÇÃO. DESPEDIMENTO ILÍCITO. DIREITOS DO TRABALHADOR)
“Um contrato de trabalho nulo, celebrado com o Estado, cessado por declaração unilateral deste em 2007, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, e aos factos extintivos, a ele respeitantes, ocorridos antes da declaração de nulidade, aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato constantes do Código do Trabalho de 2003.
Se o contrato nulo cessar por declaração que configure um despedimento ilícito, são-lhe aplicáveis as normas sobre esta forma de cessação, tendo o trabalhador direito a indemnização substitutiva da reintegração, às retribuições intercalares e a indemnização por danos não patrimoniais.”
(nosso sublinhado e negrito)
61º - Ou o seguinte aresto: “II- À cessação unilateral do contrato de trabalho por iniciativa da empregadora, uma Junta de Freguesia, verificada antes da declaração de nulidade do mesmo contrato, aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho (artigo 123.º, número 1, citado) que, no caso, se considera ilícita, porque realizada sem justa causa e sem prévia elaboração de processo disciplinar.”
Cfr. Acórdão do STJ, 4.ª Secção, de 04-07-2013, proc. n.º 2079/09.0TTPNF.P1.S1, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e7a8d0b089b57bda80257b9e005950be?OpenDocument
62º - O Tribunal recorrido violou, assim, por erro de interpetação e aplicação o disposto nos artigos 240º, 243º, 334º, 350º, 500º, 562º, 1152º e 1154º do C.C., 12º, 116º, n.º 1, 122º, 436º, 437º e 439º do Código do Trabalho, 7º do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7/12, 8º da Lei n.º 23/2004 de 22/06, 22º, 47º, 53º e 58º da C.R.P.”
Termina a Recorrente pugnando pela revogação da sentença e da sua substituição por outra que determine a procedência do recurso, conforme o por si alegado alegado.
A Recorrida apresentou contra alegação e requereu a ampliação do recurso pugnando pela manutenção do juízo absolutório contido na sentença recorrida e formula as seguintes conclusões:
1ª) A Autora impugna a matéria de facto sem observar as exigências de especificação e localização prescritas na lei para o efeito, devendo, por isso, o recurso ser, nessa parte, rejeitado (cfr. artº 640º, nºs 1, alínea b) e 2, alínea a) do CPCivil);
2ª) A douta sentença recorrida, em face do objecto do processo e da prova atendível constante e produzida no seu âmbito, reflecte acertadas valoração probatória e enquadramento jurídico, nenhum reparo merecendo o nela formulado juízo absolutório;
3ª) A prova relevante e atendível constante e produzida nos autos não permite, manifestamente, assentar a “factualidade” que a Autora pretende se considere provada e impõe, do mesmo passo, a total improcedência da acção (conforme explanado na fundamentação da douta sentença recorrida);
4ª) Sem prejuízo, por mera cautela de patrocínio e a título subsidiário (nos termos e para os efeitos previstos no artº 636º, nºs 1 e 2 do CPCivil), impugna-se a sentença recorrida quanto aos seguintes pontos da matéria de facto:
i) Data do termo da prestação de serviço/actividade da Autora ao Réu/DRCN – que, de acordo com a prova produzida, se situou em Dezembro de 2010 e não como, consta da sentença (ponto 13 dos factos provados) em 31/01/2011 (cfr. fls 370); (Elemento probatório que impõe tal asserção: declarações da própria Autora, nos excertos que atrás se transcreveram e cuja concreta localização - 34:12-34:36, 35:21-35:36 e 42:15-42:21- se indicou também no corpo alegatório);
ii) Não elencamento na factualidade dada como provada de que no âmbito e na vigência do contrato de trabalho celebrado em 02/08/2010 entre a Autora e a I - Serviços, Lda., era esta entidade quem controlava a assiduidade daquela (por meio de folhas de registo próprias que a mesma cumpria assinar), lhe pagava a respectiva retribuição e emitia os correspondentes recibos e, bem assim, que a Autora tinha perfeita noção da precariedade da relação que manteve com o Réu/DRCN; [Elementos de prova que demonstram e impõem o assentamento de tal matéria: os documentos constantes de fls 81/90 (folhas de horas e recibos de vencimento) e 268/270 (contrato de trabalho) e os excertos das declarações da Autora cuja transcrição e concreta localização - 11:31-12:17, 16:34-16:47, 16:57-17:34, 18:17- 18:36 e 42:28-42:55 – constam também do corpo alegatório];
5ª) Requerendo-se, outrossim, para a mesma eventualidade, a apreciação da na contestação arguida prescrição dos créditos reclamados pela Autora, considerando a(s) data(s) do início da na sentença reconhecida actividade por ela prestada ao Réu/DRCN, por intermédio das empresas LIVROS TÉCNICOS, LDA. e I - Serviços, Lda./II - Prestação de Serviços;
6ª) Prescrição essa que, em caso de atribuição de natureza laboral à relação mantida entre a Autora e o Réu/DRCN no período temporal anterior à da vinculação daquela às referidas empresas, já se tinha verificado à data da instauração da presente acção (22/12/2011; cfr. fls 3/72) – por totalmente transcorrido então o respectivo prazo, de 1 ano, estabelecido no artº 337º, nº1 do CT;
7ª) Termos em que, considerando e relevando o que exposto se deixou, deverá ser rejeitado e/ou negado provimento ao pela Autora interposto recurso e mantido e confirmado o juízo absolutório contido na douta sentença recorrida.”
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões trazidas à apreciação deste Tribunal da Relação são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Da natureza dos contratos celebrados entre as partes;
- Da simulação e da responsabilidade do comitente;
- Do abuso de direito
- Das inconstitucionalidades
Da ampliação do recurso
- impugnação da matéria de facto
- prescrição

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se como provados os seguintes factos:
1. A autora foi admitida pela ré, em 3 de Fevereiro de 1999, através do Fundo de Desemprego, nos termos da Portaria 192/96, de 30 de Maio, diploma que regula a actividade ocupacional de trabalhadores a receber prestações de desemprego, adiante designados «trabalhadores subsidiados», e de trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica, provenientes ou não de actividades sazonais, adiante designados «trabalhadores em situação de comprovada carência económica».
2. A partir de Julho de 2000, a autora prestou serviço para a ré, pagando-lhe esta através de recibos verdes;
3. A 1 de Março de 2002, a autora celebrou com a ré, D. R. C. N., um contrato denominado “Contrato a Termo Certo”, com o seguinte clausurado:
“CLÁUSULA PRIMEIRA – Pelo Primeiro Outorgante foi dito que, no seguimento da homologação do projecto “V... Os caminhos da Literatura” por Despacho de 8 de Novembro de 2001, contrata o Segundo Outorgante para fornecimento de serviços equivalentes à categoria de Assistente Administrativo, nomeadamente apoio nas questões administrativas do referido projecto.
CLÁUSULA SEGUNDA – O presente contrato produzirá efeitos após a assinatura, vigorando durante um período de vinte e quatro meses, tempo previsível para a conclusão do projecto.
CLÁUSULA TERCEIRA – O Primeiro Outorgante paga ao Segundo Outorgante a remuneração total ilíquida de €11450,80 Euros a qual será paga em vinte e quatro prestações mensais de 277.12 Euros cada.
CLÁUSULA QUARTA – O Primeiro Outorgante fica obrigado a inscrever o Segundo Outorgante no Centro Regional de Segurança Social da área onde o mesmo desempenha funções, no caso deste ainda não se encontrar inscrito.
CLÁUSULA QUINTA – O Segundo Outorgante comparticipará, nos termos legais, para a respectiva contribuição para a segurança social.
CLÁUSULA SEXTA – o Segundo Outorgante prestará os serviços referidos, não lhe conferindo o presente contrato a qualidade de agente administrativo.
CLÁSULA SÉTIMA – O presente contrato pode ser livremente denunciado por qualquer das partes em qualquer momento com aviso prévio de sessenta dias e sem obrigação de indemnizar.
CLÁULUSA OITAVA – Os encargos resultantes do presente contrato têm cabimento no orçamento desta Delegação Regional. (…)”.
4. A 1 de Março de 2003, a autora celebrou com a ré, D. R. C. N., um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, com o seguinte clausurado (na parte que interessa):
“Cláusula primeira – O 1º Outorgante, com o apoio financeiro do programa “INT… III, viu aprovada a candidatura do projecto “Cultura sem Fronteira” apresentada ao programa citado, em parceria com a Junta da Galiza – Conselheria de cultura, Comunicação Social e Turismo – direcção Geral de Promoção Cultural tendo como objectivo o intercâmbio cultural entre regiões Norte de Portugal e a Galiza. (…).
Cláusula Segunda – Pelo presente contrato, o 2º Outorgante obriga-se a prestar ao 1º Outorgante, os seguintes serviços, de natureza administrativa:
a) Organização e arquivo do dossiê do projecto.
b) Colaboração na organização das actividades do projecto.
c) Outros trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento do projecto.
Cláusula Terceira – o 2º Outorgante obriga-se a desenvolver os trabalhos mencionados na cláusula anterior sob orientação dos técnicos responsáveis pela execução do projecto.
Cláusula Quarta – O 1º Outorgante pagará ao 2º Outorgante a importância de €7.768,80 (sete mil, setecentos e sessenta e oito euros).
O pagamento deste montante será efectuado em 10 prestações mensais, sendo cada uma dessas prestações no valor de €776,88 (setecentos e setenta e seis euros e oitenta cêntimos).
Cláusula Quinta – O presente contrato tem início na data da sua assinatura e terá o seu termo a 31 de Dezembro de 2004, conforme condições estipuladas nas cláusulas 2 e 4.
Cláusula Sexta – O 1º Outorgante poderá unilateralmente rescindir ou modificar o presente contrato, no caso de incumprimento pelo 2º Outorgante de qualquer das suas obrigações definidas nos termos deste contrato.
Cláusula Sétima – No caso de rescisão do contrato pelo 1º Outorgante, desde que cumpridas as condições estipuladas na cláusula sexta, o segundo Outorgante constitui-se na obrigação de reembolsar as importâncias recebidas, acrescidas de juros a taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição. Para tal o Outorgante será notificado pelo 1º Outorgante para, no prazo de 15 dias úteis, efectuar o pagamento previsto nesta cláusula.
Cláusula oitava – O 2º Outorgante poderá, por requerimento escrito, solicitar a desistência do projecto ou da respectiva execução, desde que proceda à restituição integral das importâncias (que) haja recebido, acrescidas de juros calculados à taxa legal desde a data em que foram colocadas à sua disposição. (…)”.
5. A 25 de Outubro de 2004, a ré emitiu a seguinte declaração: “Para os efeitos se declara que, A. C., desempenha na D. R. C. N., em regime de aquisição de serviços, funções equiparadas a Assistente Administrativo”.
6. A 2 de Janeiro de 2005, a autora celebrou com a ré, D. R. C. N., um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, com o seguinte clausurado:
“Cláusula primeira – O 1º Outorgante, com o apoio financeiro do programa “INT... III A, viu aprovada a candidatura do projecto “Encontro de Culturas” apresentada ao programa citado, em parceria com a Junta da Galiza – Conselheria de cultura, Comunicação Social e Turismo – Direcção Geral de Promoção Cultural tendo como objectivo o intercâmbio cultural entre regiões Norte de Portugal e a Galiza. (…).
Cláusula Segunda – Pelo presente contrato, o 2º Outorgante obriga-se a prestar ao 1º Outorgante, os seguintes serviços, de natureza administrativa:
d) Organização e arquivo do dossiê do projecto.
e) Colaboração na organização das actividades do projecto.
f) Outros trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento do projecto.
Cláusula Terceira – o 2º Outorgante obriga-se a desenvolver os trabalhos mencionados na cláusula anterior sob orientação dos técnicos responsáveis pela execução do projecto.
Cláusula Quarta – O 1º Outorgante pagará ao 2º Outorgante a importância de €9.720,84 (nove mil, setecentos e vinte euros e sete cêntimos).
O pagamento deste montante será efectuado em 12 prestações mensais, sendo cada uma dessas prestações no valor de €810,07 (oitocentos e dez euros e sete cêntimos).
Cláusula Quinta – O presente contrato tem início na data da sua assinatura e terá o seu termo a 31 de Dezembro de 2005, conforme condições estipuladas nas cláusulas 2 e 4.
Cláusula Sexta – O 1º Outorgante poderá unilateralmente rescindir ou modificar o presente contrato, no caso de incumprimento pelo 2º Outorgante de qualquer das suas obrigações definidas nos termos deste contrato.
Cláusula Sétima – No caso de rescisão do contrato pelo 1º Outorgante, desde que cumpridas as condições estipuladas na cláusula sexta, o segundo Outorgante constitui-se na obrigação de reembolsar as importâncias recebidas, acrescidas de juros a taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição. Para tal o Outorgante será notificado pelo 1º Outorgante para, no prazo de 15 dias úteis, efectuar o pagamento previsto nesta cláusula.
Cláusula oitava – O 2º Outorgante poderá, por requerimento escrito, solicitar a desistência do projecto ou da respectiva execução, desde que proceda à restituição integral das importâncias (que) haja recebido, acrescidas de juros calculados à taxa legal desde a data em que foram colocadas à sua disposição. (…)”.
7. A 7 de Setembro de 2005, a ré emitiu a seguinte declaração: “Para os devidos efeitos se declara que, A. C., desempenha na D. R. C. N., em regime de aquisição de serviços, funções equiparadas a Assistente Administrativo”.
8. A 19 de Dezembro de 2006, foi proposta à autora pela ré a celebração de contrato de prestação de serviços administrativos por 12 meses (de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2007) pelo montante de €9.975,00, acrescido de IVA, se o montante a isso estiver sujeito, pago em 12 prestações mensais, no âmbito do projecto comunitário
“Letras na Corrente” financiado ao abrigo do Programa INT... III A, para execução das seguintes tarefas:
- Colaboração na organização das actividades do projecto;
- Organização e arquivo do dossier do projecto;
- Outros trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento do projecto.
- Outros trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento do projecto.
9. A 3 de Março de 2009, a autora, remeteu à ré, a seguinte missiva: “Em resposta ao convite efectuado pela ré, para a aquisição do serviço de um administrativo no âmbito do projecto de Cooperação Transfronteiriça, para efeitos de acompanhamento da execução das tarefas: colaboração na organização das actividades do projecto; organização e arquivo do dossier do projecto; outros trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento do projecto, venho por este meio comunicar a minha disponibilidade bem como confirmar o valor de 4950€ para execução do referido serviço pelo período de 150 dias.
Informo que o valor acima mencionado se encontra sujeito a retenção de IRS de 20% e que o mesmo está sujeito a IVA de 20%.
10. A 30 de Novembro de 2009, a então Directora Regional da Ré, na cessação das suas funções, emitiu a favor da autora, uma “Carta de Recomendação”, de seguinte teor: “A. C., portadora do Bilhete de Identidade nº. …, trabalhou na D. R. C. N., com sede em Vila Real, desde 1999 até à presente dada.
11. Desempenhou diversas funções de acordo com as necessidades do serviço, de forma exemplar e eficiente- ao longo dos anos dedicou-se de forma mais permanente ao atendimento, arquivo e serviço administrativo, demonstrando uma capacidade de aprendizagem, competência e uma disponibilidade total, trabalhando mesmo, por iniciativa própria, para lá do seu horário de trabalho, para garantir o bom funcionamento do serviço.
Do ponto de vista do relacionamento interpessoal, integra-se facilmente em qualquer grupo de trabalho, acata e dá opiniões válidas, é honesta e idónea.
Entendo, por isso, no momento em que cesso funções de direcção na D. R. C. N., dar testemunho das suas qualidade e recomendá-la como uma excelente candidata a qualquer vaga, adequada ao seu perfil profissional, em empresa pública ou serviço do estado.”.
12. Durante o ano de 2010, a autora trabalhou nas instalações da ré, por intermédio da sociedade Livros Técnicos, Lda., exercendo funções de Técnico/Arquivista, tendo recebido da Livros Técnicos, Lda., a quantia de €5.572,00.
13. A 2 de Agosto de 2008 a 31 de Janeiro de 2011, a autora prestou serviço nas instalações da ré, por intermédio das sociedades I - SERVIÇOS, LDA. – / II – Prestação de Serviços, Lda., com quem autora celebrou “Contratos Individuais de Trabalho – Termo Certo Não Renovável”, com a retribuição base líquida de €750,00 e €4,27 de subsídio de alimentação.
14. A autora desempenhou, nas instalações da ré, sitas no Edf. …, Avª …, em Vila Real, serviço de arquivista, de telefonista, de secretariado, de expedição/recepção e registo de correspondência, expediente geral, processamento de texto em memorandos, cartas/ofícios, relatórios, preparava e conferia documentação de apoio à actividade da ré.
15. A autora possuía chaves das instalações, com as quais, muitas vezes, abria e fechava as instalações da ré.
16. A autora, na execução dessas tarefas, utilizou equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, nomeadamente.
17. A autora, na execução dessas tarefas, demonstrou capacidade de aprendizagem, competência e total disponibilidade.
18. A autora recebia ordens e instruções dos directores da ré.
19. A autora praticava um horário de trabalho de Segunda a Sexta-feira, das 9H00 às 12H30 e das 14H00 às 17H00.
20. Com a cessação dessas funções a autora ficou angustiada e passou a sofrer de ansiedade e depressão.
21. A ré não instaurou qualquer procedimento disciplinar à autora.
22. A ré não pagou à autora qualquer quantia a título de diuturnidades.
23. A ré não pagou à autora qualquer retribuição a título de férias.
24. A ré não pagou à autora qualquer quantia a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Da impugnação da matéria de facto.
A Recorrente nos pontos 1.º) a 6.º) das suas conclusões sustenta que a decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto se revela de incorrecta, pois deveria ter dado como provados os factos que considerou de não provados, devendo por isso com base nas declarações de parte da Autora, nos depoimentos das testemunhas e nos documentos juntos com a petição, proceder-se a alteração da matéria de facto.
Os factos dados como não provados são os seguintes:
a) As empresas Livros Técnicos, Lda. e I - SERVIÇOS, LDA. –/II – Prestação de Serviços, Lda., foram usadas pela ré como “TF” ou “HDP” para encobrir a verdadeira relação de trabalho entre autora e ré;
b) A ré comunicou verbalmente à autora que prescindia dos seus serviços a partir de 11 de Fevereiro de 2011.
A Recorrida defende que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento do disposto no artigo 640º ns.º 1, al. b) e 2, al. a) do CPC.
Vejamos.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o art. 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 640º do C.P.C. no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do Dec. Lei nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. n.º 1348/12.7TTBRG que incidiu sobre uma decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães “cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado.
Existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre, que tem, desde logo de apresentar a resposta que considera correta, às questões de facto impugnadas”.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, pág. 158, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) …;
b) …;
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) (…);
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
No caso em apreço, a recorrente insurge-se contra a decisão do tribunal mediante prova oral sem associá-la a excertos directamente retirados dos depoimentos, transcrevendo-os, e sem a delimitação final da temporização desses trechos que lhe poderiam interessar.
Na verdade, a Recorrente/Apelante limitou-se nas suas alegações de recurso a transcrever integralmente as declarações de parte prestadas pela autora e a transcrever integralmente os depoimentos das testemunhas na parte em que foram inquiridas pelo seu ilustre mandatário para depois de fazer um breve resumo de tais depoimentos concluir que quer das declarações de parte prestadas pela Autora, quer dos testemunhos prestados por F. C., A. A., O. S., M. B. e C. D. resultam provados os factos dados como não provados, não podendo nem devendo ser valorizados os depoimentos de J. R. e de A. S. por se revelarem de contraditórios sem que indique donde resulta a contradição, pois também se limita a transcrevê-los, sem proceder a qualquer análise critica dos mesmos.
Por um lado, a Recorrente cumpriu com o ónus de impugnação da matéria de facto ao especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados – os factos que constam da sentença recorrida como não provados e a decisão que no seu entender deveria ser proferida – tais factos devem ser dados como provados – cfr. artigo 640.º n.º 1 als. a) e c) do CPC. Mas por outro lado, no que respeita aos concretos meios probatórios, que impunham decisão diversa da recorrida, não cuidou de dar cabal cumprimento ao previsto no n.º 2, al. b), do art.º 640.º do CPC, remetendo para as por si transcritas declarações e depoimentos testemunhais, sem especificar e localizar os concretos excertos/passagens das mesmas que impunham decisão diversa da acolhida na sentença recorrida. A recorrente insurge-se assim contra a decisão do tribunal mediante prova oral sem associá-la a excertos directamente retirados dos depoimentos das testemunhas e sem que faça qualquer apreciação crítica dos mesmos
Ou seja, por incorrecção na sua valoração que deveria levar a outra decisão, a recorrente não formula qualquer análise critica com relevância em defesa da discordância quanto a essa parte da prova e que a 1ª instância avaliou de forma negativa.
Da alegação da Recorrente não se retira, nem resulta, pois esta não explica, como é que das declarações ou dos depoimentos das testemunhas transcritos os factos dados como não provados deviam ser dados como provados.
Com efeito, a Recorrente nada concretiza (seja no corpo das alegações ou nas respetivas conclusões de recurso), designadamente no que respeita à análise critica dos meios de prova, considerados pelo tribunal a quo e que impunham uma decisão diversa daquela a que chegou o referido Tribunal, sendo por isso vagas e insuficientes as alusões a eventual/pretenso erro na apreciação da matéria de facto controvertida, por inadequada valoração de provas produzidas.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 4/02/2016 proferido no Proc.º n.º 283/08.8TBCHV-A.G1 “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº 4 do art. 607º do Cód. Processo Civil, que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
A Recorrente não observou devidamente os aludidos ónus de impugnação, quer por falta de indicação de onde se encontra o erro, quer por falta de análise crítica dos meios de prova considerados na sentença, limitando-se a concluir que os factos dados como não provados devem ser dado como provados.
Em face do exposto e porque consideramos que se mostra incumprida a condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto prevista no ns.º 1, al. b) e 2 al. a) do artigo 640º, do CPC, ao optar a recorrente por não indicar com exactidão as passagens da gravação pretensamente valoradas de forma errada, sendo que mesmo que transcritas continuava a exigir-se a indicação da concreta delimitação do excerto, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela Recorrente/Apelante.
Mas ainda que assim não entendêssemos ainda deixamos consignado o seguinte:
Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.
Depois de termos analisado as provas afigura-se-nos dizer que a pretensão da recorrente sempre seria de improceder, pois não existe qualquer erro notório na apreciação da prova.
Ora, nem das declarações de parte, nem dos depoimentos das testemunhas, nem dos documentos juntos aos autos resulta a prova de qualquer um dos factos que a Recorrente pretende que sejam dados provados, sendo certo que relativamente à data em que a autora deixou de prestar a sua actividade, nem das suas declarações resulta que tal terá sucedido no dia 11 de Fevereiro de 2011, já a mesma declarou que deixou de prestar serviços para a Ré no final de Dezembro de 2010.
Relativamente à prova documental, designadamente aos documentos ns.º1 a 12 juntos com a petição inicial teremos de dizer que os mesmos só por si revelam-se de manifestamente insuficientes para dar qualquer um dos factos não provados como provado, pois como salienta o tribunal a quo “-Relativamente à matéria factual dada como não provada, o tribunal respondeu pela forma negativa, na medida em que não foi produzida prova (testemunhal ou documental), tendente à comprovação desses factos.”
Resumindo o julgador da 1ª instância de forma precisa, exaustiva e pormenorizada fundamentou e motivou a decisão relativamente à matéria de facto, a qual não merece qualquer reparo.
É assim de manter a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, que se considera de definitivamente assente.

Da natureza dos contratos celebrados entre as partes
Mantendo-se inalterada a matéria de facto é com base no quadro factual fixado pelo tribunal a quo que se irão apreciar as questões de direito suscitadas
Insurge-se a Recorrente relativamente ao facto do tribunal a quo não ter reconhecido que entre Autora e Ré vigorou entre 1999 e 2011 um contrato de trabalho, importando por isso proceder agora à qualificação da relação contratual (ou relações contratuais) ao abrigo da qual a Autora exerceu as suas funções nas instalações da Ré, sitas no Edifício …, Vila Real entre 3 de Fevereiro de 1999 e Janeiro de 2011.
Há que ter presente que o contrato de trabalho é um negócio não formal, meramente consensual, sendo fundamental para proceder à operação de qualificação apreciar os factos apurados relativamente ao modo como se desenvolveu a prestação de trabalho da A. durante o período temporal em análise.
Resulta dos factos provados, que a autora:
- iniciou a sua relação contratual com a Ré em 3 de Fevereiro de 1999, através do Fundo de Desemprego, ao abrigo da Portaria n.º 192/96, de 30/05, diploma este que regula a actividade ocupacional de trabalhadores a receber prestações de desemprego, adiante designados «trabalhadores subsidiados», e de trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica, provenientes ou não de actividades sazonais, adiante designados «trabalhadores em situação de comprovada carência económica».
- A partir de Julho de 2000, a autora prestou serviço para a ré, pagando-lhe esta através de recibos verdes;
- A 1 de Março de 2002, a autora celebrou com a ré, D. R. C. N., um contrato denominado “Contrato a termo certo” com termo a 31/12/2004;
- Na vigência desse contrato a termo certo, em 1 de Março de 2003, a autora celebrou com a Ré, um contrato denominado “Contrato de prestação de Serviços” no âmbito do projecto “Cultura sem Fronteiras” do programa INT... III – A, com termo a 31/12/2004.
-A 2 de Janeiro de 2005, a autora celebrou com a ré, D. R. C. N., um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços” no âmbito do projecto “ Encontro de Culturas” do Programa INT... III –A, com termo a 31/12/2005;
- A 19 de Dezembro de 2006, a ré enviou uma proposta à autora propondo-lhe a celebração de contrato de prestação de serviços administrativos por 12 meses (de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2007) pelo montante de €9.975,00, acrescido de IVA, se o montante a isso estiver sujeito, pago em 12 prestações mensais, no âmbito do projecto comunitário “Letras na Corrente” financiado ao abrigo do Programa INT... III A.
-A 3 de Março de 2009, a autora, remeteu à ré, a seguinte missiva: “Em resposta ao convite efectuado pela ré, para a aquisição do serviço de um administrativo no âmbito do projecto de Cooperação Transfronteiriça, para efeitos de acompanhamento da execução das tarefas: colaboração na organização das actividades do projecto; organização e arquivo do dossier do projecto; outros trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento do projecto, venho por este meio comunicar a minha disponibilidade bem como confirmar o valor de 4950€ para execução do referido serviço pelo período de 150 dias, informando-a de que o valor acima mencionado se encontrava sujeito a retenção de IRS de 20% e que o mesmo está sujeito a IVA de 20%
- Durante o ano de 2010, a autora trabalhou nas instalações da ré, por intermédio da sociedade Livros Técnicos, Lda., nas funções de funções Técnico/Arquivista, tendo recebido da Livros Técnicos, Lda., a quantia de €5.572,00.
- A 2 de Agosto de 2008 a 31 de Janeiro de 2011, a autora prestou serviço nas instalações da ré, por intermédio das sociedades I – Serviços, Lda./ II – Prestação de Serviços, Lda., com quem autora celebrou “Contratos Individuais de Trabalho – Termo Certo Não Renovável”, com a retribuição base líquida de €750,00 e €4,27 de subsídio de alimentação.
- A autora, no âmbito daqueles contratos e projectos desempenhou, entre 3/02/1999 a 31/01/2011, nas instalações da ré, sitas no Edf. …, em Vila Real, as funções de arquivista, de telefonista, de secretariado, de expedição/recepção e registo de correspondência, expediente geral, processamento de texto em memorandos, cartas/ofícios, relatórios, preparava e conferia documentação de apoio à actividade da ré.
- A autora, na execução dessas tarefas, utilizou equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, nomeadamente, possuía chaves das instalações, com as quais, muitas vezes, abria e fachava as instalações da Ré.
- A autora, recebia ordens e instruções dos directores da ré.
- A autora praticava um horário de trabalho de segunda a sexta-feira, das 9.00 às 12.30 e das 14.00 às 17.00 horas.
- A ré não instaurou qualquer procedimento disciplinar à autora.
- A ré não pagou à autora qualquer quantia a título de diuturnidades.
- A ré não pagou à autora qualquer retribuição a título de férias, nem qualquer quantia a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
Está assim provado que a relação contratual entre as partes iniciou-se em fevereiro de 1999 e veio a terminar em Janeiro de 2011, passando por várias vicissitudes, pois inicialmente a actividade da autora foi realizada ao abrigo de um programa ocupacional de trabalhadores a receber prestações de desemprego, a partir de Julho de 2000 passou a prestar serviços a “recibos verdes”, entre 1/03/2002 e 1/03/2003 prestou serviço ao abrigo de um contrato denominado de “contrato a termo certo” com termo a 31/12/2004, que não chegou ao seu termo por ter sido substituído, por um outro contrato denominado de “contrato de prestação de serviços”, com termo a 31/12/2204, passando a autora a partir daí a prestar serviço à Ré mediante sucessivos contratos de prestação de serviços celebrados quer com a ré quer através de empresas prestadoras de serviços, com as quais a autora celebrou contratos individuais de trabalho.
Tudo isto para dizer que tendo a relação contratual o seu início antes da publicação e, consequentemente, antes quer da entrada em vigor, em 1.12.2003, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, quer da entrada em vigor em 13/02/2009 do Código do Trabalho revisto, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 e sendo certo que a sua cessação ocorreu já na vigência do Código do Trabalho revisto, coloca-se desde logo a questão de saber se a qualificação do contrato deve ser aferida à luz do Código do Trabalho ou se, pelo contrário, deve ser apreciada à face do regime jurídico-laboral que anteriormente vigorava.
A resposta encontra-se no n.º 1 do art.º 8.º Lei n.º 99/2003, de 27/08, pois aí se estipula que, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes – que para o caso dos autos são irrelevantes –, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
Assim sendo e caso se venha a entender que a relação em apreço nos autos, é de trabalho subordinado, passou a estar sujeita ao Código do Trabalho e ao Código do Trabalho revisto, após a data em que estes, respectivamente entraram em vigor.
Contudo no que diz respeito à sua eventual qualificação como contrato de trabalho, o regime legal a atender já não será o contido no Código do Trabalho, mas sim o regime anterior a este, ou seja, o regime do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1965 (LCT).
Com efeito, tal como se defendeu no acórdão do STJ de 10/11/2010, Proc. n.º 3974/7.OTTLSB.L1.S1 (relator Sousa Peixoto) “estando a qualificação jurídica do contrato dependente da vontade real das partes, aquando da celebração do mesmo, é óbvio que a qualificação não pode deixar de ser considerada como um efeito daquela vontade. E, constituindo esta um facto totalmente passado antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, torna-se evidente, nos termos da segunda parte do n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 99/2003, que o regime aplicável à qualificação do contrato não é o do Código do Trabalho, mas sim o que estava em vigor aquando da celebração do contrato.
Só assim não seria relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí se tinha existido.”
Ora, dos factos provados não resulta que o relacionamento entre as partes tenha sofrido oscilações relevantes ao longo do tempo em que o vínculo se manteve, razão pela qual, na apreciação da questão agora sub judice, não iremos levar em conta o disposto no Código do Trabalho, designadamente no que concerne à presunção legal da existência de contrato de trabalho, verificados que sejam determinados factos e que se encontra prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, presunção essa que a LCT não previa e que, por essa razão, não pode ser levada em conta na qualificação do contrato.
Apreciando agora a questão da qualificação do contrato importa recordar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
Quer o artigo 1.º da LCT, quer o artigo 1152.º do Código Civil definem o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
O artigo 1154.º do Código Civil define o contrato de prestação de serviços como sendo “aquele em que umas das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe.
Ora o contrato de trabalho tem assim como objecto a prestação de uma actividade e como elemento que o distingue dos demais a subordinação jurídica, que se traduz no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e directivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Por seu turno o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, isto é, sem estar sujeita ao poder de direcção da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, por em diversas situações ser difícil de perceber o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Contudo a subordinação jurídica, sendo um conceito jurídico, não pode ser directamente apreendida e, daí, que a jurisprudência e a doutrina preconizem o recurso ao chamado método tipológico que consiste em buscar na situação real em que a relação contratual se desenvolve ou desenvolveu os aspectos factuais que normalmente ocorrem no modelo típico do contrato de trabalho e que, em regra, constituem manifestações da sujeição do trabalhador ao poder directivo do empregador, sendo que cada um desses aspectos funcionará como um indício da existência da subordinação jurídica.
São vários os elementos indiciários uns de carácter interno outros de cáracter externo reveladores da existência de subordinação jurídica.
Como elementos indiciários de carácter interno, normalmente indica-se: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; a execução da prestação em local definido pelo empregador; a existência de controlo sobre o modo como a prestação do trabalho é efectuada; a obediência às ordens e a sujeição à disciplina imposta pelo empregador; a propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; a remuneração em função do tempo de trabalho e a integração do prestador da actividade na estrutura organizativa do empregador.
E, como indícios de carácter externo à relação, normalmente indica-se: a observância do regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.
Por fim importa salientar que para além daqueles indícios, também há que relevar, quando o contrato tenha sido reduzido a escrito como sucede no caso em apreço, o “nomen juris” que as partes lhe deram e o teor das cláusulas que nele foram inseridas, uma vez que tais indícios, apesar de não serem decisivos para a qualificação do contrato – pois o que releva, efectivamente não é a denominação que lhe foi dada pelas partes nem as cláusulas que nele foram inseridas, mas sim os termos em que o mesmo foi executado – não podem deixar de assumir relevância para ajuizar da vontade das partes no que diz respeito ao regime jurídico que escolheram para regular a relação entre elas estabelecida, designadamente quando os outorgantes são pessoas instruídas e esclarecidas. Neste sentido ver entre outros Acórdão do STJ de 8/10/2008, proferido no processo n.º 1328/08.
Por último salientamos que os indícios atendíveis não podem, nem devem ser isoladamente considerados, uma vez que, de per si, assumem, uma patente relatividade, tendo de ser sopesados na sua globalidade, não esquecendo que cabe à autora, nos termos previstos no art.º 342.º n.º 1 do Código Civil, alegar e provar os factos que se mostrem suficientes para convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume a natureza de contrato de trabalho.
Revertendo agora ao caso dos autos desde já deixamos consignado que a autora efectivamente não logrou provar a natureza laboral do vínculo contratual que manteve com a Ré.
Vejamos.
No que toca aos chamados índices internos acima assinalados, provou-se que a autora na execução das tarefas utilizou equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, praticou um horário de trabalho de segunda a sexta-feira das 9.00 às 12h30 e das 14h00 às 17h00.
Ora, tendo a Autora sido contratada ao longo dos anos para prestar, nas instalações de um organismo desconcentrado do MC que integra a administração directa do Estado, como sucede com a D. R. C. N., serviços de arquivista, de telefonista, de secretariado, de expedição/recepção e registo de correspondência, processamento de texto em memorandos, preparação e conferência de documentação de apoio à ré, inseridos em programas de apoio financeiro que a Ré abraçara é evidente que as suas funções teriam de ser desempenhadas dentro do horário de funcionamento daquele serviço e que os instrumentos de trabalho e equipamentos que a autora utilizou teriam de pertencer à Ré. A sua prestação atento ao trabalho que teria de desenvolver e o local onde o teria de realizar, não podia deixar de estar adstrita ao cumprimento de determinado horário, bem como à utilização de equipamentos da Ré, sendo que o horário de trabalho, bem como os instrumentos de trabalho, embora típicos do contrato de trabalho, não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviço, mormente nos casos em que a prestação tem de ser necessariamente realizada em determinado local, como era o caso.
Neste contexto, a existência de um horário de trabalho bem como a utilização dos equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré não assumem relevância especial no que toca à qualificação do contrato.
Também se provou que a autora possuía chaves das instalações, com as quais abria e fechava as portas das referidas instalações, este facto também não assume relevância especial, atenta a natureza da prestação a que a autora estava obrigada, bem como o facto da mesma ter necessariamente de ser desempenhada nas instalações da Ré, tendo por isso de entrar e sair das mesmas.
Por outro lado, no que respeita à existência do poder de direcção por parte da Ré, apenas se provou que a autora recebia ordens e instruções dos directores da ré, o que se nos afigura ser manifestamente insuficiente para se concluir pela existência do mesmo, uma vez que o contrato de prestação de serviço também não é incompatível com a existência de instruções, determinações ou ordens sob a forma como o serviço deve ser prestado.
Por fim, no que respeita à remuneração provou-se que a autora ao longo dos anos auferia uma retribuição anual, paga em prestações mensais em consonância com o número de meses de duração de cada um dos contratos, sendo certo que a partir de Agosto de 2008 e até ao término da relação contratual a Autora passou a prestar serviços à Ré por intermédio de duas sociedades, tendo pelo menos relativamente a uma delas celebrado um contrato individual de trabalho a termo certo não renovável, com a retribuição base líquida de €750,00 e €4,27 de subsídio de alimentação.
Ora, apesar da autora mensalmente ter recebido uma prestação retributiva pelos serviços prestados, teremos de dizer que esta forma de retribuição de prestação mensal, não é exclusiva do contrato de trabalho. Por outro lado, importa salientar que também se provou que a Ré nunca pagou à autora qualquer retribuição a título de férias, subsídio de férias e de natal, estas sim poderiam assumir algum relevo para efeitos da qualificação laboral do vínculo contratual, uma vez que se trata de prestações que são típicas do contrato de trabalho.
Acresce ainda dizer que a matéria de facto é absolutamente omissa acerca da eventual sujeição da autora ao poder disciplinar da ré, quer ao regime de faltas a que estaria sujeita, sendo que estes elementos, por serem específicos do contrato de trabalho, seriam relevantes para ajuizar da natureza laboral do contrato, pois o facto de se ter dado como provado que a ré nunca instaurou qualquer procedimento disciplinar à autora não nos permite daí retirar qualquer conclusão relativamente ao facto da autora ter estado ou não sujeita ao poder disciplinar da Ré.
Por fim, não podemos deixar de atender ao nomen iuris que as partes deram aos sucessivos contratos e ao teor das respectivas cláusulas, o que, não sendo decisivo, não deixa de assumir especial relevo, pois deles resulta manifesta a vontade negocial das partes, vontade essa que não poderá deixar de assumir relevância na qualificação do contrato, com excepção dos casos em que os factos provados nos permitem concluir com alguma segurança, que a vontade das partes foi uma outra que esteve subjacente à execução do contrato.
No caso em apreço a autora começou a prestar serviços na DRCN (D. R. C. N.), pelo IEFP e posteriormente foi celebrado um contrato denominado contrato a termo certo, seguidamente e ainda no decorrer da vigência deste contrato viria a ser celebrado um outro denominado de “contrato de prestação de serviços”, ao abrigo de um outro projecto levado a cabo pela Ré. Posteriormente foram celebrados outros contratos denominados de prestação de serviços ao abrigo de projectos aprovados e levados a cabo pela Ré ao longo dos anos, programas estes financiados por fundos comunitários. No âmbito destes contratos a autora comprometeu-se a fornecer serviços de cariz administrativo designadamente de apoio às questões administrativas dos diversos projectos, organização e arquivo dos dossiês, realização de trabalhos compatíveis e necessários ao desenvolvimento dos projectos etc. Ultimamente a autora vinha prestando os seus serviços de técnico/arquivista, por intermédio de outras sociedades Livros Técnicos, Lda., I - Serviços, Lda. e por fim II - Prestação de Serviços contratando a Ré com aquela empresas.
Ora, as cláusulas dos contratos apelidados de “contrato a termo certo” e “contrato de prestação de serviços” que as partes celebraram entre si ao abrigo dos diversos programas que a ré viu aprovados e foi desenvolvendo harmonizam-se perfeitamente com este tipo de contrato, nomeadamente não existe qualquer cláusula referente à subordinação jurídica da autora, sendo certo que em cada um destes contratos contêm uma cláusula na qual se estipula o pagamento global pelo serviço a prestar a pagar proporcionalmente pelo número de meses acordado como sendo o da duração de cada um destes contratos.
Dúvidas não temos ao afirmar que a vontade negocial, expressa nos diversos documentos que titulam o contrato, foi no sentido de que a prestação da autora ficasse sujeita ao regime do contrato de prestação de serviço, sendo certo que da matéria de facto dada como provada, devidamente ponderada na sua globalidade, não resulta que a execução do contrato se tenha efectivamente processado noutro regime que não aquele, ou seja os factos não nos permitem concluir que a autora prestou a sua actividade à Ré em regime de subordinação jurídica.
Acresce dizer que o facto da autora desde Agosto de 2008 e até ao final da relação contratual ter passado a prestar os seus serviços à Ré por intermédio de empresas com as quais contratou em nada altera a nossa posição relativamente à natureza contratual da relação estabelecida entre Autora e Ré, apenas se podendo acrescentar que face à relação contratual estabelecida com tais empresas, essa sim de natureza laboral, o acerto de contas final devido por força do término da relação laboral teria de ter sido efectuado com a empresa por conta da qual a Autora se encontrava juridicamente subordinada.
Na verdade tal como se escreveu na sentença recorrida “… após a sucessão de contratos de prestação de serviços celebrados directamente entre autora e ré, esta, durante o ano de 2010, trabalhou para a ré por intermédio da sociedade “Livros Técnicos, Lda.”, sociedade a quem, por despacho, foi adjudicada, por directo, o serviço de técnico arquivista, desempenhando funções de Técnico/Arquivista e que em 02/08/2010, a autora celebra o contrato denominado “Contrato Individual de Trabalho Termo Certo Não Renovável”, com o nº. 1.3460.2010, com a “I – Serviços, Lda.”, de cuja clausula primeira consta que “O Trabalhador é admitido ao serviço da Primeira Outorgante para, sob a autoridade e direcção desta, desempenhar com zelo, diligência e competência as funções correspondentes à actividade de Assistente Técnico …” e, da cláusula quinta consta que “O presente contrato terá o seu início em 02-08-2010 e termo em 31-012011, não sendo renovável, o que as partes aqui deixam expressamente declarado, atribuindo ambas desde já, a essa declaração, o sentido de manifestação da vontade de o fazer cessar na data do seu termo, para todos os efeitos legais”.
Ora, foi também no âmbito deste contrato individual de trabalho a termo certo, não renovável, que a autora prestou serviços à ré, por intermédio da referida sociedade I – Serviços, Lda.” entre 02/08/2008 a 31/01/2011.”
Em suma de toda a factualidade apenas resulta que a autora prestou ao longo dos anos diversos serviços de cariz administrativo à Ré quer através de celebração de contratos de prestação de serviços celebrados directamente com a ré, quer por intermédio de sociedades que se obrigaram a prestar determinados serviços à Ré, tendo para o efeito sido contratada pelo menos por uma destas sociedades de forma subordinada.
Tudo para concluir que, perante o exposto, nada resulta que sustente os pedidos formulados nos autos pela autora, a título de declaração de ilicitude do despedimento; a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e a título de créditos laborais.
Em face do exposto a pretensão da autora não pode deixar de improceder, pois tal como acima deixamos expresso sobre si recaía o ónus de alegar e provar os factos que nos permitissem concluir pela existência de uma relação contratual de natureza laboral.
Ora, o facto de não se reconhecer a existência do contrato de trabalho ainda que com fundamentos distintos dos defendidos pelo tribunal a quo, é suficiente para determinar a improcedência de todos os pedidos formulados pela Autora e confirmar a sentença recorrida já que todos eles tinham como pressuposto a natureza laboral do vínculo que manteve com Ré, ficando também desde logo prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões de recurso uma vez que que todas tinham como pressuposto a natureza laboral da relação contratual.
Por último impõe-se consignar que em face do juízo de afastamento da natureza laboral da relação contratual estabelecida entre Autora e Ré fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso suscitada pelo recorrido quer relativamente à alteração da matéria de facto quer relativamente à excepção da prescrição dos créditos reclamados pela Autora, razão pela qual não se conhecerá a mesma.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação, assim confirmando a decisão recorrida
Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
Guimarães, 19 de Outubro de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Cabe à autora, nos termos previstos no art.º 342.º n.º 1 do Código Civil, alegar e provar os factos que se mostrem suficientes para convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume a natureza de contrato de trabalho.

II – A existência de horário de trabalho, a utilização de equipamento e utensílios da Ré, bem como a existência de ordens e instruções provenientes de directores da ré não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviços.

III - Tendo a autora sido contratada pela D. R. C. N., para prestar serviços de apoio administrativo aos diversos programas que a Ré desenvolveu no âmbito de projectos comunitários, atenta a natureza das funções a sua prestação teria de estar adstrita a um horário e os utensílios e equipamentos utilizados teriam de ser postos à disposição pela ré, deixando por isso de ser considerados de índices relevantes quanto à existência de subordinação jurídica.
IV- O facto de se ter provado que a autora recebia ordens e instruções dos directores da ré, revela-se manifestamente insuficiente para se concluir pela existência de subordinação jurídica, uma vez que o contrato de prestação de serviço também não é incompatível com a existência de instruções, determinações ou ordens sob a forma como o serviço deve ser prestado.

V – Não abona a tese da subordinação jurídica o facto de a autora não ter recebido retribuição de férias, nem subsídio de férias, nem de natal.

VI – O nomen iuris que as partes deram aos contratos (Contrato a termo certo e contratos de prestação de serviços) e o facto das cláusulas neles inseridas se harmonizarem com o contrato de prestação de serviço, não sendo decisivos para a qualificação de tais contratos, não deixam de assumir no caso concreto relevância decisiva na qualificação do contrato, já que a matéria de facto provada não nos permite concluir, com alguma segurança, que a vontade negocial que esteve subjacente a execução dos contratos foi outra.

Vera Sottomayor