Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1954/20.6T8GMR-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL
VEÍCULO
CONDUTOR
PROPRIETÁRIO
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação - quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, interposta contra o Fundo de Garantia Automóvel e os responsáveis civis (arts. 47º e 62º do D.L. 291/2007 de 21 de Agosto) - a obrigação daquele é subsidiária, como garante perante o lesado, da obrigação de indemnização dos responsáveis civis pelos danos causados, com os limites definidos nas als. a) a c) do art. 49º do SORCA.
II – A legitimidade passiva em acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidentes de viacção, prevista no art. 62º/1 do DL 291/2007 de 21 de Agosto, fica assegurada com a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel e de um dos responsáveis civis, entendendo-se por este não só o proprietário do veículo, em regra, sujeito da obrigação de seguro, como também o condutor e o detentor do veículo.
III – Não é civilmente responsável o dono do veículo que o tenha emprestado a terceiro – o detentor –, sendo o condutor do veículo funcionário desta, que assim não o conduzia ao seu serviço e no seu interesse, não tendo, pois, a sua direcção efectiva.
IV – Não viola o litisconsórcio necessário passivo, o despacho que declare extinta a instância relativamente ao proprietário do veículo interveniente em acidente de viacção que não beneficie de seguro válido e eficaz, quando também sejam intervenientes o seu condutor e detentor.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

Na presente acção declarativa[1], sob a forma de processo comum, destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de Acidente de Viação, que AA, residente na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., instaurou em 24-04-2020 contra G..., S.A., com sede na Avenida ..., ..., ..., F... - Companhia de Seguros S.A., com sede no Largo ..., ..., ..., Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Avenida ..., ..., ..., ..., ..., A... - Reparações Auto, Lda, com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ... e BB, residente na Rua ..., ..., União de freguesias ... (... e ...), concelho ..., decorreu a sua legal tramitação.

Na 1ª sessão da Audiência de Julgamento, em 18-01-2023, tendo-se apurado que havia sido, entretanto, declarada a insolvência da R. A... - Reparações Auto, Lda, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária do FGA, que se pronunciou nos seguintes termos:
Notificada da declaração da insolvência de A... - Reparações Auto, Lda. E atendendo ao litisconsórcio necessário passivo do FGA, requer-se que seja notificado o Administrador de Insolvência nomeado nos autos de insolvência para vir indicar qual o estado do processo.
Mais se requer que seja habilitada nos presentes autos a Massa Insolvente A... - Reparações Auto, Lda, para que os autos prossigam os seus termos contra esta.
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da 1ª R., pelo mesmo foi dito, dever ser ordenada a intervenção nos presentes autos de que quem substitua a entidade insolvente.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
A presente ação declarativa, sob a forma comum, foi intentada, entre outros, contra a Ré A..., Lda.
No decurso do processo, apurou-se que a Ré foi declarada insolvente, através de sentença proferida a 30.01.2022, transitada em julgado a 21.02.2022, conforme informação constante da certidão permanente.
Da consulta eletrónica do processo de insolvência com o n.º 2723/21.... mais resulta que foi decretado o encerramento da atividade da insolvente e a abertura da fase da liquidação do ativo, conforme despacho de 21.04.2022.
Nos termos do Acórdão Uniformizador n.º 1/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 39, de 25.02.2014, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º, do Código do Processo Civil (CPCiv).
De acordo com esse Acórdão Uniformizador, a perda de utilidade da ação destinada ao reconhecimento do direito de crédito tem a ver com a abertura da fase de reclamação de créditos, por consequência da declaração de insolvência, onde os credores estão adstritos ao pedido do reconhecimento do crédito de que se arrogam titulares.
A convocação dos credores – através do incidente de reclamação – constitui uma consequência usual da sentença declaratória de insolvência, exceto nos casos de insuficiência da massa insolvente, em que aquela decisão é proferida com carácter limitado, nos estritos termos previstos no artigo 39º, do CIRE.
Na situação dos autos, vista a sentença cuja incorporação nos autos se determinou, a decisão de insolvência foi decretada sem a limitação a que alude o artigo 39º, do CIRE, tendo-se fixado prazo para a reclamação de créditos, encontrando-se inclusive o apenso de liquidação já encerrado (cfr. informação também obtida).
Salvo o devido respeito, a manutenção da sociedade declarada insolvente na lide mostra-se desprovida de utilidade, já que o reconhecimento que aqui fosse efetuado nunca dispensaria a reclamação no processo de insolvência.
Quanto à questão do litisconsórcio necessário passivo agora suscitada, sem prejuízo de melhor opinião, a lei não prevê nenhum mecanismo de substituição de pessoas coletivas declaradas insolventes pelos seus administradores de insolvência nos casos em que a ação de insolvência prossegue para liquidação do ativo.
Deste modo, por força da jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador n.º 1/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 39, de 25.02.2014, declara-se extinta a presente instância, por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 277º/e), do CPCiv, quanto ao pedido indemnizatório formulado a respeito da 4.ª Ré A..., Lda.
Um 1/5 das custas em dívida da presente ação são da responsabilidade do Autor e da 4.ª Ré em partes iguais, atento o disposto no artigo 536º/1/2, e), do CPCiv.
Registe e notifique.
Valor da ação: o fixado no despacho saneador.
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Inconformado com o supra aludido despacho de 18-01-2023, veio o R. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA) interpor recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O despacho alvo de recurso não obedece aos termos legais aplicáveis, bem como, aquela que é intervenção do FGA, ora réu, regulada pelo DL n.º 291/2007, na medida em que viola o litisconsórcio necessário passivo.
2. Ora, da consagração do litisconsórcio necessário passivo decorre que a condenação dos demandados – FGA e responsável ou responsáveis civis – quando deva ter lugar, é uma condenação solidária, dada a existência de uma concorrência de responsabilidades.
3. A legitimidade do FGA tem que ser considerada pela conjugação dos artigos 54.º e 62.º, ambos do DL n.º 291/2007. Sendo que, este último prevê a condenação conjunta e solidária do FGA e os responsáveis civis.
4. A obrigação do FGA não é própria, mas sim acessória, de garantia, sendo um responsável subsidiário face ao responsável próprio e principal que é sempre o responsável civil pela eclosão do sinistro.
5. Tal como refere o Acórdão do STJ datado de 23.09.2008: “perante a subsidiariedade da obrigação de garantia, a responsabilidade do garante haverá de aferir-se pela existência e pela medida da obrigação garantida, de sorte que, extinta a obrigação do responsável civil, com ela se extingue a posição de seu garante encabeçada pelo FGA.”
6. Atendendo ao carácter especial e particular do FGA, e por inerência, a posição dos responsáveis civis, somos de parecer, que não é aplicável na situação sub judice a doutrina constante do acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013.
7. O FGA, não tendo qualquer responsabilidade pela eclosão do acidente, intervém na relação controvertida tão só como mero garante de uma obrigação de terceiro e, por este motivo o litisconsórcio necessário passivo entre ele e o responsável civil configure um litisconsórcio unitário.
8. A tentativa de aplicação da uniformização da jurisprudência referida a esta situação concreta constituiria uma adaptação a uma problemática muito específica como a debatida nos presentes autos – em que a intervenção da massa insolvente em substituição da insolvente visa prevenir uma situação de litisconsórcio necessário passivo, sem que esta mesma problemática sequer tivesse sido aflorada naquela decisão.
9. Sendo que, no acórdão uniformizador citado no despacho recorrido não se abordou qualquer situação de facto similar à presente, na qual o facto gerador do eventual crédito provém de um facto ilícito – a inexistência de seguro.
10. Para que a instância se extinga quanto ao responsável civil, terá que se extinguir necessariamente quanto ao FGA.
11. Logo a declaração de insolvência não poderia, à partida, tornar inútil a manutenção na lide do responsável civil quando o facto gerador é ilícito e doloso.
12. Apesar do previsto no CIRE, nada impende, salvo melhor opinião, que os créditos não possam - ou não tenham - que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se trata de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
13. A substituição do insolvente faz-se através da habilitação da massa insolvente, representada pelo administrador de insolvência, de acordo com o disposto no artigo 85.º, n.º3 e 81.º, n.º1, ambos do CIRE.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido de acordo com o recurso ora apresentado.
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Não se vislumbra dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, a questão a decidir consiste em aferir se o despacho supra descrito deve ser revogado e substituído por outro, nos termos pedidos pelo recorrente.
 
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, bem como o que infra se consigna:
Em causa, apresenta-se-nos uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de Acidente de Viação, nos termos do disposto nos arts. 483º e ss., 503º do CC e 552º e ss. do CPC.

Foi alegado na p.i. que no acidente ocorrido em 22-10-2018, cerca das 17 horas e 40 minutos, na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., foram intervenientes:

a) O veículo agrícola (tractor) com a matrícula ..-..-NU (doravante e abreviadamente apenas identificado por ...), propriedade do A. e na altura por ele conduzido (Cfr. Doc. n.º ...);
b) O veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-LX-.. (doravante e abreviadamente apenas identificado por LX), propriedade de CC e na altura por ele conduzido (Cfr. Doc. n.º ...);
c) O tractor agrícola com a matrícula ..-..-NE (doravante e abreviadamente apenas identificado por DD), acoplado do reboque com matrícula AV-....4 6, propriedade de EE e na altura por ele conduzido (Cfr. Doc. n.º ...);
d) O veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-FP-.. (doravante e abreviadamente apenas identificado por FP) propriedade de A... Lda e na altura conduzido por BB (Cfr. Doc. n.º ...).

Quanto à legitimidade passiva dos 3º, 4ª e 5º RR., foi alegado na p.i., o seguinte:
75.º
A 4.ª R. é proprietária do veículo ..-FP-.., na altura, conduzido pelo 5.º R. no interesse e por contra daquela, pelo que é a estes que incumbirá o pagamento de todos os danos resultantes do acidente de viação nos termos expostos supra.
76.º
Todavia, à data do acidente de viação sub judice o veículo FP não detinha seguro obrigatório de responsabilidade civil válido e eficaz por danos a terceiros decorrentes do mesmo veículo, pelo que a reparação dos danos causados por este é garantida pelo R. Fundo de Garantia Automóvel, ex vi do disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto-lei 291/2007, de 21 de Agosto.
77.º
E em conformidade com o preceituado no artigo 62.º, n.º 1 do predito Decreto-Lei que “As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”, pelo que se justifica aqui a demanda do 3.º, 4.ª e 5.º RR.

Em 21-10-2021, foi proferido o seguinte despacho:
§ Despacho pré-saneador – convite à sanação de ilegitimidade plural:
Dispõe o artigo 30º/1 do CPCiv, que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; e que o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer.
O pressuposto processual legitimidade consiste numa relação das partes perante o objeto em litígio. Trata-se, pois, dum atributo relacional (e, por isso, eventual), diferenciando-se assim dos pressupostos de personalidade e capacidade judiciárias, caso em que estão em causa qualidades pessoais das partes (Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª edição revista e atualizada, p. 131; Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 51).
Nesta esteira, é em função da posição substancial das partes, que, por regra, se afere quem pode dirigir a pretensão formulada ou deduzir a defesa que contra esta possa ser oposta: no que respeita ao autor, a legitimidade determina-se pela vantagem jurídica adveniente da procedência da ação, e, no que se refere ao réu, pela desvantagem ou prejuízo jurídicos daí decorrentes, com referência à concreta relação jurídica litigada (cfr. artigo 30º/2, do CPCiv).
Todavia, como é consabido, na apreciação do pressuposto relativo à legitimidade das partes, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (cfr. artigo 30º/3, do CPCiv).
No entanto, a norma do n.º 3, do artigo 30º, do CPCiv, ressalva a existência de disposição legal em contrário.
Ora, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 4º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, que a obrigação de outorgar um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel recai sobre todos aqueles que possam ser civilmente responsáveis pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, cujo cumprimento condiciona a possibilidade de circulação (vd. ainda 6º/1, do referido diploma legal).
E, nos termos do artigo 64º/1, a), Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, as ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a) só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório; b) contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior.
Verifica-se que, por via desta norma, o legislador identifica concretamente quem deve figurar na ação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação enquanto sujeito processual civil, determinando que, quando o pedido formulado se conter dentro do capital mínimo obrigatório para o seguro obrigatório, a ação deve ser proposta unicamente contra a empresa seguradora.
No caso concreto, o Autor demandou a companhia seguradora Tranquilidade, que garante a responsabilidade emergente da circulação dos veículos com as matrículas ..-LX-.. e ..-..-NE e do reboque AV-....4 6, mas também o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), por entender que um dos veículos intervenientes, que tinha a matrícula ..-FP-.., circulava sem seguro válido e eficaz. Para além disso, intentou ainda a ação contra a sociedade proprietária dessa viatura, enquanto responsável civil.
A este respeito, o artigo 48º/1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, determina que o FGA satisfaz as indemnizações decorrentes de acidentes rodoviários ocorridos em Portugal e originados:
a) Por veículo cujo responsável pela circulação está sujeito ao seguro obrigatório e, seja com estacionamento habitual em Portugal, seja matriculados em países que não tenham serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros;
b) Por veículo cujo responsável pela circulação está sujeito ao seguro obrigatório sem chapa de matrícula ou com uma chapa de matrícula que não corresponde ou deixou de corresponder ao veículo, independentemente desta ser a portuguesa;
c) Por veículo cujo responsável pela circulação está isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ainda que com estacionamento habitual no estrangeiro.
Nos termos do disposto no artigo 49º, Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, o FGA garante, nos termos do n.º 1 do artigo 48º, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por:
a) Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros;
b) Danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz;
c) Danos materiais, quando, sendo o responsável desconhecido, deva o Fundo satisfazer uma indemnização por danos corporais significativos, ou tenho veículo causador do acidente sido abandonado no local do acidente, não beneficiando de seguro válido e eficaz, e a autoridade policial haja efetuado o respetivo auto de notícia, confirmando a presença do veículo no local do acidente.
Nessa sequência, o artigo 62º/1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, prescreve que as ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o FGA e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.
Sustentou a Ré A... que o responsável pelo acidente não foi ela, porque nele nunca interveio, sendo mera proprietária de um veículo que emprestou e, por isso, estando a ser conduzido por terceiro, é este quem a lei se refere como responsável civil. Acrescentou ainda que a falta de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido implica um ilícito de mera ordenação social (contra-ordenação), sancionado com uma coima, e não a atribuição automática de culpa em qualquer sinistro.
Para efeitos do disposto no artigo 62º/1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, por responsável civil deve entender-se, entre outros, a pessoa sobre quem recai a obrigação de proceder ao seguro obrigatório e não cumpriu essa obrigação, aferido à luz do que preceitua o artigo 4º/1, do referido diploma legal, acima transcrito, onde se inclui o proprietário (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 06.12.2017, proferido no processo n.º 2635/13.2TBVFX.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, tendo o Autor configurado a Ré como proprietária do veículo (qualidade que não foi por esta impugnada), do ponto de vista processual, esta é parte legítima.
No entanto, para além do sujeito obrigado a segurar, a ação para efetivação de responsabilidade civil contra o FGA deve ainda ser intentada contra o causador do acidente (ou seja, o condutor, quanto autor da ação material propriamente dita), mas também contra o detentor do veículo (porque, eventualmente, ele poderá vir a ser responsabilizado à luz do artigo 503º, do Código Civil). A presença do proprietário e do condutor não dispensam a demanda do detentor, quando este último não coincida com os primeiros (cfr., sobre o assunto, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.01.2015, proferido no processo n.º 895/12.5TAGRD.C1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.01.2018, proferido no processo n.º 1173/14.OT2AVR.P1.SA, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
É esta, sem prejuízo de melhor critério, a interpretação que mais se coaduna com o artigo 54º/3, do Decreto-Lei n.º 291/2007, que determina que, satisfeita a indemnização, são solidariamente responsáveis ao FGA o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.
A este respeito, a Ré A... alegou que emprestou o veículo a terceiro. Essa realidade, no requerimento de resposta com a REFª: ...31, não foi impugnada pelo Autor (apenas os artigos 1º e 2º, da contestação); o que esta, isso sim, invocou foi que o facto de ter emprestado o veículo não faz com que a proprietária perca a sua direção efetiva.
Mas a conclusão sobre a manutenção/perda da direção efetiva constitui uma questão que dependerá do que se apurar quanto aos circunstancialismos do caso concreto na fase da instrução (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.09.2012, processo n.º 862/04.2TBPMS.C1, disponível em www.dgsi.pt), e a discutir em sede de apreciação jurídica da causa, relevando já no plano substantivo (e não ao nível da regularidade processual).
O que é necessário, para assegurar a validade formal da instância, é que estejam presentes todos aqueles que potencialmente podem vir a responsabilizados pela indemnização reclamada nos autos, correspondendo estes ao proprietário, condutor e ao detentor.
Como se disse, o Autor, apesar de ter impugnado que o condutor estivesse ao serviço de outra pessoa jurídica (que não a Ré A...), não pôs em causa que tivesse havido o empréstimo.
Deste modo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 6º e 590º/2, a), do CPCiv, e 62º/1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, convido o Autora fazer intervir, do lado ativo da relação jurídica processual, a detentora do veículo identificada pela Ré A... (no artigo 7º da contestação), sob pena de ilegitimidade plural e consequente absolvição dos Réus da instância.

Em resposta, veio o A. nos termos do disposto nos artigos 33.º, 316.º, n.º 1 e ss, todos do CPC, deduzir INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.º
A R. A... alegou na sua douta contestação que quem conduzia o veículo FP, interveniente no acidente sub judice, era um funcionário da sociedade comercial que gira sob a denominação “E... - Eventos, Lda.”, com sede na avenida ..., ..., ..., ...;
2.º
Nos termos do disposto no artigo 62.º, número 1, do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21/08, “as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”.
3.º
- Face ao alegado pela R. A... e uma vez que o A. só agora obteve conhecimento que o condutor do veículo FP não é funcionário daquela, nem conduzia aquele ao seu serviço e no seu interesse, mas antes ao serviço e no interesse da sociedade “E... - Eventos, Lda.”, NIPC ..., com sede na avenida ..., ..., ..., ..., REQUER a V/ Ex.a, ao abrigo do disposto nos artigos 33.º, n.º 1 e 316.º e ss, todos do CPC, se digne admitir o chamamento desta sociedade à presente ação, para intervir na relação jurídico processual sub judice.
4.º
De acordo como o preceituado na alínea a) do número 1 do artigo 318.º do CPC, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, o chamamento para intervenção pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º, do mesmo diploma legal.
5.º
O chamamento da sociedade “E... - Eventos, Lda.” visa a sanação da preterição inicial de litisconsórcio necessário, em cumprimento do disposto no artigo 62.º, número 1, do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21/08, uma vez que, repita-se, na data de propositura da ação o A. desconhecia que o condutor do FP conduzia este veículo em nome no interesse daquela.
6.º
Assim, admitindo-se o chamamento da predita sociedade deve a presente ação prosseguir os seus termos contra:
a) Companhia de Seguros T..., S.A.;
b) F... - Companhia de Seguros, S.A.;
c) Fundo de Garantia Automóvel;
d) A... - Reparações Auto, Lda;
e) BB; e
f) E... - Eventos, Lda.
7.º
Em razão do que antecede, deve ser admitido o presente incidente de intervenção provocada da sociedade “E... - Eventos, Lda.” à presente lide, para que a ação possa prosseguir contra todos, ex vi do disposto no artigo 33.º, n.º 1 do CPC e artigo 62.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, o que expressamente o Requer a V/ Ex.a.

O que deu azo a que em 11-12-2020 tenha sido proferido o seguinte despacho:
 - REFª: ...32:
No seguimento do despacho proferido a 26.10.2020, e ao abrigo do que dispõe o artigo 316º/1, do Código do Processo Civil (CPCiv), admito a intervenção principal provocada da sociedade “E... - Eventos, Lda.”, NIPC ..., com sede na avenida ..., ..., ..., ..., determinando a sua citação para os termos da presente ação, observando-se o que preceitua o artigo 319º/1,2, do CPCiv.
Custas do incidente a cargo da Requerente (cfr. artigo 539º/1, do CPCiv).
Valor do incidente: o que vier a ser fixado aos autos principais (cfr. artigo 304º/1, do CPCiv).
Notifique.

Posteriormente, no despacho saneador, conheceu-se da excepção de ilegitimidade arguida pela R. A... - Reparações Auto, Lda, nos seguintes termos:
§ Da exceção de ilegitimidade arguida:
Dispõe o artigo 30º/1 do CPCiv, que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; e que o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer.
O pressuposto processual legitimidade consiste numa relação das partes perante o objeto em litígio. Trata-se, pois, dum atributo relacional (e, por isso, eventual), diferenciando-se assim dos pressupostos de personalidade e capacidade judiciárias, caso em que estão em causa qualidades pessoais das partes (Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª edição revista e atualizada, p. 131; Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 51).
Nesta esteira, é em função da posição substancial das partes, que, por regra, se afere quem pode dirigir a pretensão formulada ou deduzir a defesa que contra esta possa ser oposta: no que respeita ao autor, a legitimidade determina-se pela vantagem jurídica adveniente da procedência da ação, e, no que se refere ao réu, pela desvantagem ou prejuízo jurídicos daí decorrentes, com referência à concreta relação jurídica litigada (cfr. artigo 30º/2, do CPCiv).
Todavia, como é consabido, na apreciação do pressuposto relativo à legitimidade das partes, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (cfr. artigo 33º/3, do CPCiv).
No entanto, a norma do n.º3, do artigo 30º, do CPCiv, ressalva a existência de disposição legal em contrário.
Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 4º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, que a obrigação de outorgar um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel recai sobre todos aqueles que possam ser civilmente responsáveis pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, cujo cumprimento condiciona a possibilidade de circulação (vd. ainda 6º/1, do referido diploma legal).
E, nos termos do artigo 64º/1, a), Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, as ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a) só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório; b) contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior.
Verifica-se que, por via desta norma, o legislador identifica concretamente quem deve figurar na ação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação enquanto sujeito processual civil, determinando que, quando o pedido formulado se conter dentro do capital mínimo obrigatório para o seguro obrigatório, a ação deve ser proposta unicamente contra a empresa seguradora.
No caso concreto, a Autora demandou as companhias SEGURADORAS ... e F..., que garantem a responsabilidade emergente da circulação dos veículos com as matrículas ..-LX-.. e ..-..-NE, respetivamente, mas também o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), por entender que um dos veículos intervenientes, que tinha a matrícula ..-FP-.., circulava sem seguro válido e eficaz. Para além disso, intentou ainda a ação contra a sociedade proprietária dessa viatura, enquanto responsável civil.
Neste conspecto, o artigo 48º/1, a), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, determina que o FGA satisfaz as indemnizações decorrentes de acidentes rodoviários ocorridos em Portugal e originados por veículo cujo responsável pela circulação está sujeito ao seguro obrigatório e, seja com estacionamento habitual em Portugal, seja matriculado em países que não tenham serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 49º/1, b), Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, o FGA garante, nos termos do n.º 1 do artigo 48º, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz.
Nessa sequência, o artigo 62º/1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, prescreve que as ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o FGA e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.
Sustentou a Ré A... que o responsável pelo acidente não foi, até porque nele nunca interveio, a aqui Ré, sendo esta mera proprietária de um veículo que emprestou e, por isso, conduzido por terceiro que, este sim, interveio num acidente de viação e será a quem a lei se refere como responsável civil. Acrescentou ainda que a falta de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido, implica um ilícito de mera ordenação social (contra-ordenação), sancionado com uma coima, e não a atribuição automática de culpa em qualquer sinistro.
Para efeitos do disposto no artigo 62º/1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, por responsável civil deve entender-se, entre outros, a pessoa sobre quem recai a obrigação de proceder ao seguro obrigatório e não cumpriu essa obrigação, aferido à luz do que preceitua o artigo 6º/1, do referido diploma legal, onde se inclui o proprietário (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 06.12.2017, proferido no processo n.º 2635/13.2TBVFX.L1-2).
Assim, tendo a Autora configurado a Ré como proprietária do veículo (qualidade que não foi por esta impugnada), do ponto de vista processual, esta é parte legítima.
No entanto, para além do sujeito obrigado a segurar, a ação para efetivação de responsabilidade civil contra o FGA deve ainda ser intentada contra o causador do acidente (ou seja, o condutor, quanto autor da ação material propriamente dita), mas também contra o detentor do veículo (porque, eventualmente, ele poderá vir a ser responsabilizado à luz do artigo 503º, do Código Civil).
E a presença do proprietário e do condutor não dispensam a demanda do detentor, quando este último não coincida com os primeiros (cfr., sobre o assunto, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.01.2015, proferido no processo n.º 895/12.5TAGRD.C1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.01.2018, proferido no processo n.º 1173/14.OT2AVR.P1.SA, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
É esta, sem prejuízo de melhor critério, a interpretação que mais se coaduna com o artigo 54º/3, do Decreto-Lei n.º 291/2007, que determina que, satisfeita a indemnização, são solidariamente responsáveis ao FGA o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.
Por força disso, convidou-se o Autor a fazer intervir, do lado ativo da relação jurídica processual, a detentora do veículo identificada pela Ré A... (no artigo 7º da contestação), sob pena de ilegitimidade plural e consequente absolvição dos Réus da instância.
A Autora correspondeu a esse convite, deduzindo o incidente de intervenção contra a sociedade E... – EVENTOS, L.DA, a qual foi devidamente citada (embora não tenha apresentado contestação – cfr. AR de fls. 207).
Assim, na presente ação, estão presentes todos aqueles que potencialmente podem vir a responsabilizados pela indemnização reclamada nos autos, correspondendo estes, por um lado, quanto aos veículos com seguro, às respetivas companhias seguradoras (F... e SEGURADORAS ...) e, quanto ao veículo sem seguro, ao proprietário, condutor e ao detentor e, bem assim, o FGA, estando, por isso, assegurada a regularidade processual da instância (do ponto de vista da sua legitimidade).
Deste modo, julga-se improcedente a exceção de ilegitimidade arguida.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entende a recorrente não ter sido acertado o despacho recorrido, por não obedecer aos termos legais aplicáveis, bem como, aquela que é intervenção do FGA, ora réu, regulada pelo DL n.º 291/2007, na medida em que viola o litisconsórcio necessário passivo.
Será mesmo assim?

Como já referido supra, no presente acidente de viação estão envolvidos 4 veículos, sendo que relativamente ao FP, em termos de legitimidade passiva, para assegurar o litisconsórcio necessário, porque à data do acidente de viação sub judice o veículo FP não detinha seguro obrigatório de responsabilidade civil válido e eficaz por danos a terceiros decorrentes do mesmo veículo, nos termos do art. 62º/1 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto (regime actual do Seguro Automóvel Obrigatório), o A. demandou além da proprietária e do condutor, também o garante FGA. E, tendo a proprietária alegado na sua contestação ter emprestado o veículo a terceiro, sendo uma mera proprietária de um veículo que emprestou e, por isso, estando a ser conduzido por terceiro, é este quem a lei se refere como responsável civil, por não ter o A. impugnado tal realidade, foi este convidado a fazer intervir, do lado ativo da relação jurídica processual, a detentora do veículo identificada pela Ré A... (no artigo 7º da contestação), sob pena de ilegitimidade plural e consequente absolvição dos Réus da instância. O que ele fez, deduzindo incidente de intervenção provocada da sociedade “E... - Eventos, Lda.”, oportunamente admitido e que foi regularmente citada.
Em consequência da declaração da insolvência da R. A... - Reparações Auto, Lda., nos termos do Acórdão Uniformizador n.º 1/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 39, de 25.02.2014, decidiu o Tribunal a quo declarar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 277º/e), do CPCiv, quanto ao pedido indemnizatório formulado a respeito da 4.ª Ré A..., Lda.
Com o que discorda o recorrente FGA, por violar o litisconsórcio necessário passivo, já que a obrigação do FGA não é própria, mas sim acessória, de garantia, sendo um responsável subsidiário face ao responsável próprio e principal que é sempre o responsável civil pela eclosão do sinistro.
Como se refere no Ac. da RL proferido em 25-01-2022[2], No regime actual do Seguro Automóvel Obrigatório, em caso de acidente de viação, conhecido o responsável que não beneficie de seguro válido e eficaz, sendo o Fundo de Garantia Automóvel garante da satisfação das indemnizações perante a vítima, o litisconsórcio necessário tem como consequência relevante aumentar a possibilidade de o Fundo obter ressarcimento do pagamento efectuado.
Apesar da obrigação do FGA e do responsável civil não serem verdadeiramente solidárias, no contexto do artigo 497º do Código Civil, antes de solidariedade imprópria ( imperfeita ou impura), certo é que, perante o lesado, ambos respondem solidariamente, como se afirma no artigo 54º, nº3, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto; tal comportará a necessidade de condenação solidária dos demandados, alcançando, assim, em economia de tempo e meios, a definição dos pressupostos do direito de sub-rogação do FGA, sob pena de o regime processual propugnado redundar em “pura inutilidade”.
Referindo-se, ainda, no Ac. da RC proferido em 28-02-2023[3], que Nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação - quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, interposta contra o Fundo de Garantia Automóvel e os responsáveis civis (artsº 47 e 62 do D.L. 291/2007 de 21 de Agosto) - a obrigação daquele é subsidiária, como garante perante o lesado, da obrigação de indemnização dos responsáveis civis pelos danos causados, com os limites definidos nas alíneas a) a c) do artº 49 do SORCA.
Como assim, tem razão o apelante FGA quando refere ter o estatuto de mero garante, pelo que, não tendo qualquer responsabilidade pela eclosão do acidente, intervém na relação controvertida tão só como mero garante de uma obrigação de terceiro e, por este motivo o litisconsórcio necessário passivo entre ele e o responsável civil configure um litisconsórcio unitário.
Todavia, in casu, em que o responsável civil não coincide com o proprietário do veículo, a extinção da instância relativamente a este, mantém assegurada a legitimidade passiva, na medida em que permanece o responsável civil.
Efectivamente, a legitimidade passiva em acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação, prevista no art. 62º/1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto fica assegurada com a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel e de um dos responsáveis civis, entendendo-se por este não só o proprietário do veículo, em regra, sujeito da obrigação de seguro, como também o condutor e o detentor do veículo. Não sendo civilmente responsável o dono do veículo – a sociedade “A... - Reparações Auto, Lda” – que o terá emprestado a terceiro – a sociedade E... - Eventos, Lda –, sendo o condutor do veículo FP funcionário desta, que assim não o conduzia ao seu serviço e no seu interesse, mas antes ao serviço e no interesse da mencionada sociedade “E... - Eventos, Lda”, por esses factos não integrarem a comissão a que alude o art. 500º do CC que pressupõe uma relação de dependência entre comitente e comissário. Também o dono do veículo não tinha a direcção efectiva deste nem este circulava no seu interesse, mas apenas no interesse do detentor. Pelo que, como já mencionado no despacho de 21-10-2021 do Tribunal a quo, que convidou a A. a fazer intervir, do lado activo da relação jurídica processual, a detentora do veículo identificada pela Ré A... (no artigo 7º da contestação), sob pena de ilegitimidade plural e consequente absolvição dos Réus da instância, ficou assegurada a legitimidade passiva, in casu, com a intervenção desta e do FGA, sem necessidade da intervenção do dono desse veículo[4].
Pelo que, e sem necessidade de mais considerações, dúvidas não temos que o despacho alvo de recurso não viola o litisconsórcio necessário passivo.

Improcede, pois, a apelação.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 04-05-2023

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., Guimarães - ... - Juiz ...
[2] In Proc. nº 2373/18.0T8CSC.L1-7 e acessível in www.dgsi.pt.
[3] In Proc. nº 2010/21.5T8LRA.C1 e acessível in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, cfr. o Ac. da RL de 29-03-2006, prolatado no Proc. nº 7519/2003-3 e acessível in www.dgsi.pt, ainda na vigência do DL 522/85 de 31.12 e com referência ao então art. 29º/6, em tudo similar ao actual 62º/1.