Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3149/17.7T8VCT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INFILTRAÇÕES
RESPONSABILIDADE DO DETENTOR DA COISA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O proprietário de cada fracção autónoma é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro que se abstenha de actos que perturbem o pleno gozo e fruição da sua fracção, tal como resulta do preceituado no art.º 1305.º do Código Civil.

II. O art. 493º/1 do C. Civil estabelece a responsabilidade do detentor da coisa baseada na concepção de não terem sido tomadas as devidas e necessárias precauções para se evitar o dano, fazendo recair sobre aquele uma presunção de culpa, presunção «juris tantum» - que pode ser afastada mediante a prova da sua inexistência conforme prevê o art. 350º/2 - ou mostrando-se que os danos se teriam igualmente causado mesmo sem culpa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

J. P., contribuinte fiscal número …, residente no Lugar d…, Viana do Castelo e M. C., contribuinte fiscal número …, residente no Lugar …, Viana do Castelo vieram instaurar a presente acção comum contra J. M., residente na Rua …, Viana do Castelo e M. P., residente na Rua …, Viana do Castelo e formularam os seguintes pedidos:

- a) Serem os Réus condenados à realização das obras descritas em 34º;
- b) Serem os Réus condenados no pagamento aos Autores da quantia global de € 5.730,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal contados desde a data de citação a até efectivo e integral pagamento;
- c) Serem os Réus condenados a pagar aos Autores a quantia de € 390,00 mensais, por cada mês que se vença na pendência destes autos após Setembro de 2017 e até efectiva realização das obras supra descritas.
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Alegaram, em síntese, o aparecimento de manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho que se situa por baixo do quarto de banho dos réus que e foi alastrando e levou ao aparecimento de manchas no tecto do quarto contíguo à casa de banho, no tecto de outra casa de banho mais pequena e na despensa contígua, provenientes de infiltrações decorrentes das canalizações do piso superior. As manchas de humidade são causadoras de danos.
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Os réus contestaram, invocando, em suma, que os danos descritos pelos AA., a existirem, tiveram a sua origem na inundação proveniente do telhado comum do prédio ocorrida no inverno do ano de 2016, mais deduzindo incidente de intervenção principal provocada dos demais proprietários das fracções do prédio e deduziram incidente de intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros X, S.A..
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Por despacho proferido a fls. 47 e seguintes o Tribunal não admitiu o chamamento dos demais comproprietários e admitiu o chamamento da Companhia de Seguros X, S.A..
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A chamada ofereceu o seu articulado, invocando, em suma, que o contrato de seguro teve início em 6/4/2017, não abrangendo os eventos ocorridos antes do início de tal contrato.
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Foi proferido despacho saneador, requerida e admitida a realização de uma perícia e, subsequentemente realizada a audiência final, com a prolação da sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os réus a realizar as obras descritas no artigo 34º da petição inicial, absolvendo-os do demais peticionado.
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II. O Recurso

Não se conformando com a decisão proferida vieram os AA. apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

1-Os Recorrentes discordam da douta decisão recorrida na parte em que absolveu os R.R/Recorridos do pagamento da quantia global de 5.730,00€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo 2.730,00€ referentes ás rendas que deixaram de auferir entre Março e Setembro de 2017 e 3.000,00€ a título de danos morais) acrescidos de juros à taxa legal contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento; bem como do pagamento da quantia de 390,00€ mensais por cada mês que se vença na pendência destes autos desde Setembro de 2017 e até efectiva realização das obras descritas.
2. Por entenderem que existiu erro manifesto na apreciação da prova que está, em alguns dos pontos, em contradição com a própria decisão.
3. Ao abrigo do disposto no artigo 662º do Cód. Proc. Civil que os Recorrentes, vêm requerer a modificabilidade da matéria de facto relativamente aos pontos dados como não provados que (para facilidade de entendimento se identificaram como alíneas) nas alíneas a), c), d), f) e g).
4. Por entenderem que a douta sentença violou o disposto nos artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º do Cód. Civil, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que condene os R.R nos termos supra peticionados e conforme se demonstrará.
5. Assim, e acerca do ponto dado como não provado identificado como alínea a) entendem os Recorrentes que o mesmo deveria ter sido dado como provado, na medida em que resulta directamente confessado pelos R.R na sua contestação (artº 10º, 11º e 18º) e do ponto 4. da matéria dada como provada;
6. Quanto aos factos identificados nas alíneas c), d) e f): os depoimentos das testemunhas N. B. e D. R. (e de acordo com a matéria dada como provada no ponto 16 e 17) declaram que o apartamento esteve vários anos arrendado e que as humidades e infiltrações foram a causa apontada pelo inquilino para fazer cessar o contrato de arrendamento;
7. As testemunhas J. F., J. V. e S. L. atestaram que o apartamento foi colocado no mercado de arrendamento e existiu bastante procura, mas no entanto ao visitarem o apartamento e constatarem a situação das humidades e infiltrações, os potenciais inquilinos perderam sempre o interesse;
8. Demonstrando-se dessa forma que os danos verificados no imóvel impossibilitaram (e continuam a impossibilitar) o arrendamento.
9. Ademais, resulta das regras do normal acontecer e da experiência comum que quem procure um imóvel destinado a habitação própria e do seu agregado familiar evite um imóvel com infiltrações e humidades prejudiciais à saúde e que necessariamente a curto prazo necessitará da realização de obras com todos os transtornos e incómodos que daí advém….
10. Também o ponto g) primeira parte deveria ter sido dado como provado na medida em que resulta do depoimento da testemunhas J. F., S. L. e J. V. que o Autor/Recorrente, não obstante viver fora do País, indagava incessantemente pela situação do apartamento e vivia angustiado por ver o seu imóvel a degradar-se de dia para dia:
11. Devendo, pelas razões que vem de aduzir-se e por resultar da prova produzida nos autos, ser dados como provados os factos identificados nas alíneas a), c), d), f) e g) -1ª parte.
12. Por outro lado, atendendo à matéria dada como provada nos pontos 12., 13. 15. e 17, impõe-se a procedência total da pretensão dos A.A., ora Recorrentes, concretamente a condenação dos Réus a pagar-lhe os danos e prejuízos sofridos.
13. Com efeito, resulta dos termos conjugados dos artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º do Cód. Civil que o lesado tem direito a ser compensado pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu, procurando-se com a compensação repor o estado de coisas anterior à lesão.
14. Tendo ficado cabalmente demonstrado, em especial pela perícia realizada nos presentes autos que as humidades existentes nas diversas fracções autónomas tinham origens e características diferentes, podendo o senhor perito afiançar, sem margem para dúvida, que no caso das humidades e infiltrações verificadas nas casas de banho do apartamento pertencente aos Autores/Recorrentes as mesmas provinham da utilização das casas de banho situadas no piso superior, isto é, no apartamento pertencente aos R.R./Recorridos; necessariamente deveriam ter os R.R sido condenados ao pagamento das quantias peticionadas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
15. De resto, e salvo o devido respeito, não fará qualquer sentido condenar-se os R.R na realização das obras necessárias à reparação dos danos por si provocados e absolve-los de todas as quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais resultantes da mesma conduta/facto ilícito.
16. Não obstante serem danos insusceptíveis de avaliação pecuniária, a preocupação, angustia e nervosismo sofridos pelo Autor/Recorrente são merecedores da tutela do Direito, não podendo, no nosso modesto entender ser absolutamente desconsiderados.
17. De igual modo, no que respeita aos valores peticionados a título de rendas mensais (quer as vencidas desde Março de 2017 – data de constatação da existência dos danos até à data da instauração da ação), quer as vencidas na pendencia da acção também entendem os Autores/Recorrentes existir obrigação de ressarcimento.
18. Com efeito estando demonstrando que dos danos provocados pelas infiltrações decorreu a impossibilidade de arrendamento do imóvel como pretendido pelos A.A/Recorrentes, essa situação causou perda de ganho dos valores mensais de renda durante esse período de tempo e até que a situação seja regularizada.
19. Tendo ficado demonstrado que os interessados que visitavam o imóvel perdiam o interesse em virtude do estado em que o mesmo se encontrava e, em concreto, pelas humidades e infiltrações existentes nas casas de banho, bem como que o inquilino anterior fez cessar o arrendamento com esse fundamento; tais factos, no modesto entender dos A.A./Recorrentes são justificativos da existência de nexo causal entre os danos e a perda de ganho sofrida.
20. Leia-se o Acórdão da Relação de Lisboa no Processo n.º 10782/2008-6 de 29-01-2009 disponível online in www.dgsi.pt: (…)Verificando-se tal hipótese deve responder, nomeadamente, pelos lucros cessantes decorrentes do facto de a fracção alheia não poder ser dada de arrendamento durante o lapso de tempo em que se mantiveram os efeitos das infiltrações e irreparáveis os estragos. (PR).
21. Assim, a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que condene os R.R/Recorridos no pagamento aos A.A/Recorrentes da quantia 5.730,00€ peticionada, a título de danos não patrimoniais e lucros cessantes; assim como no valor de rendas entretanto vencidas na pendencia destes autos (isto é, desde Setembro de 2017) e até à data de entrega definitiva/conclusão das obras em que os R.R. foram condenados, ou noutros montantes considerados equitativos e justos.
22. A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.

NESTES TERMOS e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que julgue a ação totalmente provada e procedente e, em consequência, condene os R.R. a pagar aos A.A./Recorrentes as quantias peticionadas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais peticionadas
Como é de inteira JUSTIÇA.
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A interveniente X-Companhia de Seguros, S.A. também veio recorrer, concluindo nos seguintes termos:

I-A Recorrente "X - Companhia de Seguros, S.A." interpôs o presente recurso por entender que a Meritíssima Juiz a que não efectuou uma correcta apreciação do julgamento da matéria de facto, bem como um correcto enquadramento jurídico dos factos em apreço, nem efectuou uma correcta aplicação do direito, razão pela qual não concorda com a decisão recorrida,
II. A sentença proferida não pode manter-se uma vez que a mesma traduz a violação do disposto nos artigos 483.°, n.º 1 do artigo 493.º, n,º 1 do artigo 1424.º e 342.° do Código Civil.
III. A ora Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso, pois a condenação dos Réus nos termos sentenciados contende directamente com a sua esfera jurídica, nomeadamente possibilitando a sua posterior demanda em sede de direito de regresso, impondo-se-lhe a decisão ora proferida I originando prejuízos directos na sua esfera jurídica
IV. Daí que, nos termos e ao abrigo do estipulado no n.º 2 do artigo 631.0 do Código de Processo Civil, e como se julgou, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.04,::2008, processo D8All09, que refere no seu sumário "O interveniente acessório tem legitimidade para recorrer da decisão que foi desfavorável para a parte principal".
V. Dos autos resulta como erradamente dada como provada a seguinte matéria:
"12) As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho principal e quarto contíguo a esta têm origem na casa de banho maior que existe no 2,0 andar direito, concretamente numa má vedação da ligação da banheira com a parede;
13) As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho de serviço e despensa contígua a está têm origem na casa de banho mais pequena que existe no 2.º andar direito;"
VI. A decisão quanto à referida matéria de facto baseou-se na interpretação da perícia e esclarecimentos prestados pelo senhor perito em sede de Audiência de Julgamento.
VII. A Meritíssima Juiz a quo Incorreu em erro de julgamento, desconsiderando a globalidade da prova produzida e desconsiderando o depoimento de diversas testemunhas desinteressadas no desfecho da causa, as quais referiram a existência de manchas de humidade, bolores e tintas a descascar nos tectos, paredes e pavimentos de três fracções distintas, o rés-­do-chão, 1.º e 2.º andar do prédio em questão nos autos.
VIII. O relatório pericial, referindo-se à existência de danos em um dos quartos do 2.0 andar e resultantes de uma Inundação, é taxativo quando refere que "Foi possível aferir que o celeiro que existe por cima desse quarto é de dimensões reduzidas, bem como acresce o facto de que o perfil do celeiro não ê o apropriado para o fim, pois em caso de entupimento a água da chuva cai para dentro do Sátão, mais precisamente sobre o quarto onde ocorreu a referida inundação," e
IX-Foi referido pelo senhor perito R. A., a existência, de forma continuada ao longo do tempo, de infiltrações e Inundações transversalmente as diferentes fracções constitutivas do prédio - neste sentido o depoimento prestado em 13 de Novembro de 2018,das 09h52m às 10h20m, do qual resulta que:
a) O 2.° andar direito do prédio, pertencente aos Réus, estava desocupado em Agosto de 2016;
b) Existência de manchas de humidades, mais ou menos generalizadas, em todas as fracções existentes do lado direito do prédio, ou seja rés-do-chão, 1.º andar e 2.º andar;
c) As humidades e manchas concretamente verificadas/visualizadas, mesmo com utilização de banheira, podem demorar meses ou anos a aparecer;
c) A possibilidade/probabilidade destas humidades e manchas de bolores existentes na casa de banho do 1.º andar direito terem origem devido ao chamado fenómeno da condensação;
e) Existência do mesmo tipo de manchas na fracção existente no rés-do-chão direito, igualmente pertencente aos Réus, a qual fica Imediatamente por baixo da fracção do 1.º andar direito pertencente aos Autores;
f) Possibilidade da ocorrência de entupimentos dos caleiros do prédio na eventualidade de ocorrência de fortes chuvadas;
g} Forte probabilidade destes entupimentos serem aptos a originar infiltrações de água nas diferentes fracções e; por maioria de razão, na própria fracção pertencente aos Autores; e
h) Ausência de qualquer ruptura nas tubagens da casa de banho do 2.º andar direito (pertencente aos Réus), que tenha sido directamente percepcionado pelo perito.
X- Em sede de esclarecimentos: O Sr, Perito reconheceu a possibilidade de a origem dos danos ser outra que não as casas de banho dos Réus, colocando em causa a origem dos danos,
XI- Não permitindo a conclusão quanto ao facto causador dos danos ter origem no 2.º andar direito; propriedade dos Réus; nem se podendo considerar verificado o nexo de causalidade entre a existências de manchas; bolores, tintas a descascar e humidades, através de uma concreta acção ou omissão dos Réus, nomeadamente com origem na banheira ou tubagens instaladas na fracção do 2.º andar direito,
XII- Da prova testemunha, produzida resulta a existência de inundações no 2.º andar pertencente aos Réus em data anterior a 2016 e 2017; com origem, designadamente em entupimento de caleiros, zonas comuns do prédios e a inexistência de qualquer ruptura nas tubagens e infiltração de água do 2.º para o 1.º andar direito - Neste sentido o teor dos depoimentos de S. L. em 13 de Novembro de 2018, das 10h42m às 10H57, de M. M. em 13 de Novembro de 2018, das llh18m às 11h45m e de A. V., depoimento de 13 de Novembro das llh46m às llh54m.
XIII. A testemunha A. P., no depoimento prestado em 13 de Novembro das llh46 às llh54, referiu-se aos problemas estruturais do prédio, e existência de graves infiltrações e inundações quando as condições atmosféricas se apresentam adversas, devendo ser realçado o facto desta testemunha ser residente no lado esquerdo do mesmo prédio, facto que, para além de denotar a sua imparcialidade e desinteresse no desfecho da causa, conduziu à confirmação de que o prédio no seu todo sofre de problemas de inundações e infiltrações de água.
XIV. Também a testemunha R. D., ladrilhador de profissão, aquando da deslocação à fracção dos Réus para trabalhos de limpeza e substituição dos danos provocados por uma Inundação, referiu no depoimento prestado em julgamento no dia 13 de Novembro, das 12h48 às 12h55m que assistiu a uma grande concentração de água, tendo podido verificar que, face à quantidade de água existente na fracção dos Réus adveniente dessa inundação, seria impossível, face à experiência por si denotada, não ter a mesma passado para o andar inferior, pertencente aos Autores. XV- Da aludida prova testemunhal resulta que:
a) O prédio em causa é afectado de problemas estruturais, nomeadamente falta de impermeabilização adequada, o que origina frequentes danos por água com origem em partes comuns, como já sucedeu anteriormente a 2014, quando há forte queda de chuva e temporais, bem como frequente entupimento das caleiras do prédio, o que Impede o correcto escoamento da água; e
b) Inundações com grande volume de água ocorridas no 2.º andar, que, inevitavelmente levaram à infiltração da mesma no 1,0 andar, não sendo de excluir a possibilidade de, inclusive, afectarem o rés-do-chão.
XVI- Atento o teor da prova pericial e testemunhal, é manifesto que o julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos 12) e 13) está errado devendo, por essa razão, ser alterado por decisão que os considere como não provados,
XVII. Não se provando a origem dos danos dos Autores, não se prova o facto causador desses mesmos danos,
XVIII- Não logrando os Autores fazer prova do facto causador dos danos e nexo de causalidade, atentas as regras de distribuição do ónus da prova, devem os Réus ser absolvidos do pedido, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.
XIX- O contrato de seguro celebrado entre os Réus e a Chamada, ora Recorrente, teve os seus efeitos reportados a 6 de Abril de 2017, data de início de vigência da cobertura dos respectivos riscos,
XX. O evento danoso e originário das manchas, humidades e bolores foi sempre anterior a, pelo menos, Agosto de 2016, como consta da matéria de facto provada sob os n.ºs 4 e 19,
XXI. Nos termos do n.O 1 do artigo 16.0 das Condições Gerais da apólice de seguro: "Salvo se, por acordo das partes, for acordada uma data diferente, a cobertura dos riscos tem início, atendendo ao previsto na cláusula 12.ª às zero horas do dia imediato ao da aceitação da proposta pelo segurador", o que ocorreu em 6 de Abril de 2017, como se encontra provado no ponto 22 da matéria de facto provada,
XXII, Assente que em Agosto de 2016 aquelas manchas de humidade já existiam, independentemente da sua origem se verificar na fracção dos Réus ou em partes comuns do prédio, os aludidos danos estão e têm de se considerar excluídos das garantias do contrato de seguro por serem anteriores ao mesmo, por aplicação do n.º 1 do artigo 16.0 das Condições Gerais da Apólice n.º 9079148 000001.
XXIII, Não se pode aceitar a conclusão vertida na sentença, quando a Meritíssima Juiz a Quo refere "Não se tendo apurado a data concreta em que ocorreram os danos não é possível concluir que este evento não está abrangido nas garantias do contrato de seguro em causa", já que a regra da divisão do ónus da prova impõe conclusão em sentido contrário, Incumbindo aos Autores provar a responsabilidade, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.
XXIV. Sendo verdade que não se apurou uma data concreta para o aparecimento das manchas de humidade, também não é menos verdade que em Agosto de 2016 as mesmas já existiam na fracção dos Autores,
XXV. Pelo que, face ao teor das Condições Gerais e Particulares da apólice em causa, nenhuma responsabilidade pode ser assacada à Chamada, ora Recorrente.
XXVI. Pelo exposto, deve a sentença proferida peta Tribunal a que ser revogada, e substituída por Acórdão que conheça da alteração à matéria de facto dada como provada nos pontos 12) e 13), tendo por referência a prova pericial e testemunhal produzida, cuja transcrição consta da motivação do presente recurso, com a absolvição dos Réus e as naturais consequências no que à Recorrente diz respeito,
XXVII. Não se entendendo dessa forma, deve a sentença ser revogada e substituída por Acórdão que julgue procedente, por provada, a defesa da Recorrente e julgue procedente a exclusão das garantias do contrato de seguro Multirriscos Habitação, titulado pela apólice 9079148 000001/ na medida em que a data de produção dos efeitos do mesmo se cinge à data de 6 de Abril de 2017 em diante, pelo que, e tendo ficado provada a existência de danos na fracção dos Autores, pelo menos em data anterior a Agosto de 2016, não podem esses eventos ser considerados como "sinistros", nos termos e para os efeitos das Condições Gerais da apólice, e por violação do disposto no n.o 1 do artigo 16.º das aludidas Condições, com as naturais consequências em termos de direito de regresso que não pode, pelo exposto, ser reconhecido.

Termos em que o recurso deve merecer provimento. Assim se fará, como sempre, Inteira e sã JUSTIÇA!
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Os AA. e a interveniente vieram apresentar as suas contra-alegações, pedindo cada um deles a improcedência do recurso do outro.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III. O objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608.º, nº. 2, 635.º, nº. 4 e 639.º, nº. 1, todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013, de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, há que decidir sobre a impugnação da matéria de facto, e, por último da matéria de direito, sendo o caso.
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Fundamentação de facto

1. Os Autores são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra C correspondente ao 1º andar dto. do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal e destinado à habitação sito na Rua ..., União de freguesias de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5 – C e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;
2. Os Réus são donos e legítimos possuidores da fracção “A” correspondente ao r/c dto. e da fracção “E” correspondente ao 2º andar dto do identificado prédio;
3. No mês de Agosto de 2016 a fracção “E” encontrava-se desabitada;
4. O Autor comunicou à ré M. P. que no mês de Agosto de 2016 apareceram no seu apartamento manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho (1º andar dto.) que se situa por baixo do quarto de banho dos Réus (2º andar dto);
5. Em Setembro de 2016 os Autores procederam à limpeza e pintura do tecto da sua casa de banho;
6. Por volta de Março de 2017, os Réus deram de arrendamento o seu apartamento correspondente ao 2º andar dto. (fracção “E”), do prédio situado na Rua …, Viana do Castelo;
7. No ano de 2017 apareceram manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho dos Autores (1º andar dto.);
8. Para além do alastrar das manchas de humidade por todo o tecto da casa de banho;
9. Neste momento verifica-se também a existência de manchas no tecto do quarto contíguo à casa de banho, e a tinta a escamar em ambas as divisões;
10. E existem manchas de humidade na parede e tectos da outra casa de banho mais pequena (casa de banho “de serviço”) que igualmente se situa por baixo de uma outra casa de banho mais pequena do apartamento dos Réus situado no 2º andar;
11. Verificando-se ainda numa despensa contígua a essa segunda casa de banho a existência também de humidades nas paredes;
12. As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho principal e quarto contíguo a esta têm origem na casa de banho maior que existe no 2º andar direito, concretamente numa má vedação da ligação da banheira com a parede;
13. As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho de serviço e despensa contígua a esta têm origem na casa de banho mais pequena que existe no 2º andar direito;
14. As humidades acima mencionadas têm vindo a agravar-se;
15. A água da fracção pertencente aos Autores encontra-se cortada há aproximadamente um ano;
16. A fracção “C” encontra-se desocupada;
17. A aludida fracção já esteve arrendada;
18. A actual situação do apartamento tem causado ao Autor marido preocupação e incómodo;
19. No Inverno de 2015/2016 ocorreu uma inundação na fracção dos réus (2º andar) e, na sequência da referida inundação, a água percorreu o tecto e escorreu pelas paredes de várias divisões da fracção, danificando-as, tendo acabado por se infiltrar no piso da sala, constituído de tacos de madeira, causando o seu descolamento e posterior apodrecimento;
20. Por volta do ano de 2016, os réus contrataram um picheleiro, não tendo sido encontrada nenhuma fuga de água;
21. Os Réus possuem duas fracções autónomas no mesmo prédio e encontram-se ambas arrendadas, uma (1º andar) pelo valor mensal de € 300,00 e a outra (rés do chão) pelo valor de € 220,00;
22. No exercício da sua actividade comercial, a chamada celebrou com o réu J. M., o contrato de seguro, do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice nº 9079148000001, com efeitos reportados a 6 de Abril de 2017;
23. A chamada apenas teve conhecimento dos factos descritos nos presentes autos com a citação;
24. O réu J. M. não efectuou a participação dos factos descritos.
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Factos não provados

Os Autores procuraram, mais uma vez, conversar pessoal e telefonicamente com os Réus sobre a existência de infiltrações e a necessidade de reparação e/ou substituição das canalizações da casa de banho que lhes pertence situada no 2º andar Dto, mas estes descartaram qualquer responsabilidade.
Os Autores interpelaram diversas vezes os Réus quer pessoalmente, quer através da sua mandatária em carta registada para que estes procedessem às necessárias obras de reparação.
O arrendamento da fracção dos Autores deixou de ser possível em resultado do problema de humidades e infiltrações descrito na petição inicial.
Especialmente desde Março de 2017 que várias pessoas foram visitar o apartamento com vista ao arrendamento, mostrando-se agradadas com a sua localização, renda e condições, e o facto de ter garagem, mas sempre desistindo de o arrendar ao verificarem a existência das referidas manchas de humidade e sobretudo ao constatarem a urgência e necessidade da realização de obras.
A renda actualmente praticada para tal fracção é de € 390,00.
Enquanto os Réus não procederem às necessárias obras os Autores não poderão arrendar a referida fracção.
O que lhes causa (Autores) profundo desgosto e justificada revolta atendendo a que na mesma situação os Autores imediatamente responderam à solicitação dos Réus, reparando tudo quanto se mostrou necessário a evitar o prejuízo destes.
A fracção dos Réus sofrera profundas obras de remodelação no ano de 2010, no âmbito das quais foram removidas todas as canalizações existentes e substituídas por novas canalizações exteriores em inox.
O técnico, a solicitação dos réus, procedeu à vedação de todas as juntas das louças sanitárias. Os réus deram conhecimento desse facto ao Autor marido.
A janela da casa de banho da fracção autónoma dos Autores encontra-se permanentemente semi-aberta, permitindo a entrada de chuva e de humidades provenientes do exterior, facto que terá potenciado o surgimento de humidades no seu interior.
Os danos na fracção dos Autores tiveram a sua origem na inundação proveniente do telhado comum do prédio ocorrida no inverno do ano de 2016.
A água que entrou na fracção dos Réus nessa ocasião e que se infiltrou no seu piso igualmente penetrou na placa que serve de tecto à fracção dos Autores e aí se manteve, originando humidades e manchas.
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Fundamentação de direito
Quanto à reapreciação da matéria de facto, imperam as regras plasmadas nos arts. 639.º, n.º 2 e 640.º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Assim, ao impor-se a observância de tais requisitos está-se a impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - Abrantes Geraldes, ob. cit., in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141.
Nesse sentido, visa-se obstar a que apenas a visão da parte recorrente vingue, olvidando a demais prova produzida que aponte num outro sentido.
Acresce que, apesar do art.º 662.º, do mesmo diploma legal, permitir a este Tribunal julgar a matéria de facto, não permite a repetição do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto (cfr. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina).
Importa, no entanto, ter em conta, numa primeira linha, que o objecto precípuo de cognição por parte deste tribunal não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, orientado para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto, pelo que não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.
Para o efeito, há que ter em conta que o julgador deverá efectuar uma análise crítica de todos os elementos probatórios e não apenas daqueles que isoladamente favorecem uma parte ou outra, sem a devida conjugação e avaliação de toda a prova.
Importa, nesse sentido, considerar, antes de mais, que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. art.º 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta (Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.).
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só, que em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto, ou, dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.

Como refere Tomé Gomes, in “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158, o convencimento do julgador deve basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, e sendo verdade que “p[P]ara a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz“, basta porém para o referido efeito a formação de uma convicção“ suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso “.

In casu, os AA. entendem que os pontos que constam da matéria dada como não provada, que assinala, pela ordem, como correspondendo às als. a), c), d), f), g), deviam ter sido dados como provados, face à confissão dos RR. decorrente da matéria vertida nos arts. 10.º, 11.º e 18.º, da contestação e factualidade constante do ponto 4, dos factos provados, no que respeita à factualidade da referida al. a), bem como, quanto às demais alíneas, do que resulta dos depoimentos das testemunhas N. B., D. R., J. F., J. V. e S. L..
Por sua vez, a interveniente pede que os pontos 12 e 13, dos factos provados, sejam dados como não provados, face ao depoimento prestado pelo perito e pelas testemunhas S. L., M. M. e A. V..

Reportam-se aquelas alíneas à seguinte factualidade:

a)-Os Autores procuraram, mais uma vez, conversar pessoal e telefonicamente com os Réus sobre a existência de infiltrações e a necessidade de reparação e/ou substituição das canalizações da casa de banho que lhes pertence situada no 2º andar Dto, mas estes descartaram qualquer responsabilidade.
c)-O arrendamento da fracção dos Autores deixou de ser possível em resultado do problema de humidades e infiltrações descrito na petição inicial.
d)-Especialmente desde Março de 2017 que várias pessoas foram visitar o apartamento com vista ao arrendamento, mostrando-se agradadas com a sua localização, renda e condições, e o facto de ter garagem, mas sempre desistindo de o arrendar ao verificarem a existência das referidas manchas de humidade e sobretudo ao constatarem a urgência e necessidade da realização de obras.
f)-Enquanto os Réus não procederem às necessárias obras os Autores não poderão arrendar a referida fracção.
g)-O que lhes causa (Autores) profundo desgosto e justificada revolta atendendo a que na mesma situação os Autores imediatamente responderam à solicitação dos Réus, reparando tudo quanto se mostrou necessário a evitar o prejuízo destes.

Já os pontos 12 e 13 dizem respeito à seguinte matéria:

12. As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho principal e quarto contíguo a esta têm origem na casa de banho maior que existe no 2º andar direito, concretamente numa má vedação da ligação da banheira com a parede;
13. As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho de serviço e despensa contígua a esta têm origem na casa de banho mais pequena que existe no 2º andar direito.

Começando pelo primeiro grupo, respeitante aos factos não provados, resulta dos arts. 10, 11 e 18 do articulado de contestação, em síntese e concretamente que:

- no mês de Agosto de 2016, o A. comunicou à Ré ter-se apercebido do aparecimento de manchas de humidade no tecto e paredes da sua casa de banho situada por baixo do quarto de banho dos RR.;
-a Ré transmitiu ao A. disso duvidar porque a fracção do 2.º andar dt.º se encontrar devoluta desde o final do ano de 2015 e por ter sido alvo, no ano de 2010, de obras de remodelação, com substituição das canalizações por novas canalizações exteriores em inox;
-foi exigido a verificação da fracção, por se queixar de que o tecto da casa de banho apresentava uma mancha amarelada que denunciava a existência de humidade.

Já no ponto 4, dos factos provados, consta que ‘o Autor comunicou à ré M. P. que no mês de Agosto de 2016 apareceram no seu apartamento manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho (1º andar dto.) que se situa por baixo do quarto de banho dos Réus (2º andar dto)’.
Daqui resulta que a factualidade admitida pelos RR. consta desse ponto 4, dos factos provados.
Já quanto ao mais, daqui não resulta demonstrado, por confessado, que os Autores, mais uma vez, procuraram, conversar pessoal e telefonicamente com os Réus sobre o assunto, para que se pudesse ter como confessada a matéria da alínea a), dos factos dados como não provados.
Relativamente à matéria das restantes alíneas, pese embora as J. V., primo dos AA., S. L., procurador dos demandantes na gestão dos imóveis destes, e J. F., que lhes trata das declarações de rendimentos, tenham dado a entender que o estado da fracção pertencente aos AA. obstava ao seu arrendamento, por as pessoas que a visitavam dela se desinteressarem quando se apercebiam das humidades existentes, o facto é que nenhum deles identificou uma única pessoa que pretendesse arrendar esse imóvel e não o tivesse feito devido ao seu estado.
Por outro lado, como o referiu a primeira das referidas testemunhas, a publicidade que era feita para esse fim foi retirada do local, deixando-se de procurar interessados por considerarem não reunir a referida fracção de condições para ser arrendada.
Acresce que, objectivamente, como o referiu a testemunha J. F., desde Agosto de 2016 que o apartamento não está arrendado. Assim sendo, a terem existido interessados, sempre o apartamento poderia ter sido arrendado, dado que apenas em Abril/Maio de 2017 começaram a aparecer as referidas humidades com origem no 2.º andar dt.º nas várias divisões da casa com extensão capaz de afastar eventuais interessados, tal como o referiu essa mesma testemunha.
O que se sabe, no entanto, pelos depoimentos das testemunhas dos AA. é que após Agosto/2016, procederam a algumas obras por forma a voltar a arrendar a fracção ‘C’.
Certo é que, entre Agosto de 2016 e Abril/Maio de 2017, o apartamento não foi arrendado, por essa ou outra razão, que se desconhece, mas que não se prendia apenas directamente com as humidades que agora invocam para justificar a sua desocupação. Só a partir dessa altura, face ao seu estado, pelo alastrar das humidades e cheiro que se fazia sentir a mofo e a esgotos, que o tornava inabitável é que é possível concluir-se ter deixado de ser possível arrendar a fracção dos AA. devido a essa causa.
Pois, como o referiu a testemunha J. P., na referida data de Abril/Maio de 2017 após o 2.º andar dt.º ter passado a ser ocupado de novo, o que, como se sabe, face ao facto dado como provado no ponto 6, ocorreu por volta de Março de 2017, é que a situação passou a impossibilitar a sua locação.
Assim, diferente da situação ocorrida no Inverno de 2015/2016, a que se alude no ponto 19, dos factos provados, é a situação posteriormente ocorrida após a ocupação do 2.º andar dt.º e que origina as humidades detectadas em Abril/Maio de 2017, com origem nas casas de banho dessa mesma fracção.
Como tal, entendemos que, pelas razões apontadas não é possível dar-se como integralmente provada toda essa matéria atinente às elencadas alíneas c), d) (por reportadas a uma data inicial de Março de 2017) e f), por se considerar não ter sido produzida prova cabal, capaz de permitir concluir no sentido que os AA. pretendem, mas ser já possível dar como provado que, face ao estado da fracção ‘C’ a partir de Abril/Maio de 2017 e enquanto não se proceder às necessárias obras, não foi, nem será, possível arrendar a referida fracção.
Já quanto à alínea g), a testemunha J. F. mencionou que o A., sendo uma pessoa de idade, ficou afectado e nervoso com a situação, o que não é suficiente para dar a factualidade aí vertida como provada, para além da que já consta do ponto 18.º, dos factos provados.
Relativamente à origem das humidades que afectam o apartamento dos AA., concretamente paredes e tectos da casa de banho principal e quarto contíguo a esta, bem como paredes e tectos da casa de banho de serviço e despensa contígua, resulta da prova pericial produzida que “(..) as manchas de humidade, bolores e tintas a descascar, observadas na casa-de-banho maior e no quarto contíguo têm origem na casa de banho maior que existe no 2º andar direito. (…). Essas manchas de humidade, bolores e tintas a descascar (..) têm origem numa má vedação da ligação da banheira com a parede. (…) Relativamente às manchas de humidade, bolores e tinta a descascar, observadas na casa de banho de serviço e na despensa contígua, não é possível apontar uma causa em concreto (…). Tanto pode ser por alguma fuga nas tubagens de água do 2º andar direito (…) ou então pela normal utilização da casa de banho de serviço do 2º andar direito, pois a construção é antiga e o mais provável é que durante a construção não ter sido feita, ou aplicada, qualquer tipo de impermeabilização”, o que, de qualquer das formas, permitiu ao tribunal a quo concluir que, ou por uma razão ou por outra, a sua origem sempre provinha da casa de banho do 2º andar, fracção que pertence aos réus.
Quanto a esta questão, nenhuma outra prova foi produzida que afaste as conclusões a que chegou o Sr. Perito, na medida em que a testemunha M. M. apenas ‘vistoriou’ o sanitário que excluiu como sendo a causa das humidades, a testemunha N. B., referiu uma inundação ocorrida há muito tempo atrás e a necessidade de desentupir umas caleiras sem que daí fosse possível extrair qualquer conclusão para a situação verificada na fracção dos AA., mencionando as testemunhas A. V. e J. L. terem procedido a reparações no 2.ºandar dt.º devido a uma inundação ocorrida em finais de 2015/princípios de 2016 e que, como tal, se reportam a uma outra causa diferente, por verificada num outro período temporal.
De forma conjugada, atendeu-se no depoimento da testemunha A. P. que referiu terem substituído na ala esquerda do prédio em causa nos autos a canalização por forma a resolver as situações de infiltrações e humidades, o que não foi feito nas fracções do lado direito.
Como tal, entendemos ser de manter, nos factos provados, a factualidade que consta dos pontos 12 e 13.
Face ao exposto, é de alterar a matéria factual, por forma a que dela passe a constar o seguinte:

Factos provados

1. Os Autores são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra C correspondente ao 1º andar dto. do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal e destinado à habitação sito na Rua ..., União de freguesias de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5 – C e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;
2. Os Réus são donos e legítimos possuidores da fracção “A” correspondente ao r/c dto. e da fracção “E” correspondente ao 2º andar dto do identificado prédio;
3. No mês de Agosto de 2016 a fracção “E” encontrava-se desabitada;
4. O Autor comunicou à ré M. P. que no mês de Agosto de 2016 apareceram no seu apartamento manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho (1º andar dto.) que se situa por baixo do quarto de banho dos Réus (2º andar dto);
5. Em Setembro de 2016 os Autores procederam à limpeza e pintura do tecto da sua casa de banho;
6. Por volta de Março de 2017, os Réus deram de arrendamento o seu apartamento correspondente ao 2º andar dto. (fracção “E”), do prédio situado na Rua …, Viana do Castelo;
7. No ano de 2017 apareceram manchas de humidade no tecto e paredes da casa de banho dos Autores (1º andar dto.);
8. Para além do alastrar das manchas de humidade por todo o tecto da casa de banho;
9. Neste momento verifica-se também a existência de manchas no tecto do quarto contíguo à casa de banho, e a tinta a escamar em ambas as divisões;
10. E existem manchas de humidade na parede e tectos da outra casa de banho mais pequena (casa de banho “de serviço”) que igualmente se situa por baixo de uma outra casa de banho mais pequena do apartamento dos Réus situado no 2º andar;
11. Verificando-se ainda numa despensa contígua a essa segunda casa de banho a existência também de humidades nas paredes;
12. As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho principal e quarto contíguo a esta têm origem na casa de banho maior que existe no 2º andar direito, concretamente numa má vedação da ligação da banheira com a parede;
13. As humidades que neste momento afectam paredes e tectos da casa de banho de serviço e despensa contígua a esta têm origem na casa de banho mais pequena que existe no 2º andar direito;
14. As humidades acima mencionadas têm vindo a agravar-se;
15. A água da fracção pertencente aos Autores encontra-se cortada há aproximadamente um ano;
16. A fracção “C” encontra-se desocupada;
17. A aludida fracção já esteve arrendada;
18. A actual situação do apartamento tem causado ao Autor marido preocupação e incómodo;
19. No Inverno de 2015/2016 ocorreu uma inundação na fracção dos réus (2º andar) e, na sequência da referida inundação, a água percorreu o tecto e escorreu pelas paredes de várias divisões da fracção, danificando-as, tendo acabado por se infiltrar no piso da sala, constituído de tacos de madeira, causando o seu descolamento e posterior apodrecimento;
20. Por volta do ano de 2016, os réus contrataram um picheleiro, não tendo sido encontrada nenhuma fuga de água;
21. Os Réus possuem duas fracções autónomas no mesmo prédio e encontram-se ambas arrendadas, uma (1º andar) pelo valor mensal de € 300,00 e a outra (rés do chão) pelo valor de € 220,00;
22. No exercício da sua actividade comercial, a chamada celebrou com o réu J. M., o contrato de seguro, do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice nº 9079148000001, com efeitos reportados a 6 de Abril de 2017;
23. A chamada apenas teve conhecimento dos factos descritos nos presentes autos com a citação;
24. O réu J. M. não efectuou a participação dos factos descritos.
25. O arrendamento da fracção dos Autores deixou de ser possível, a partir de Abril/Maio de 20017, em resultado das humidades e infiltrações referidas nos pontos 7 a 11 e 14 supra identificados.
26. Enquanto os Réus não procederem às necessárias obras os Autores não poderão arrendar a referida fracção.
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Factos não provados

a) Os Autores procuraram, mais uma vez, conversar pessoal e telefonicamente com os Réus sobre a existência de infiltrações e a necessidade de reparação e/ou substituição das canalizações da casa de banho que lhes pertence situada no 2º andar Dto, mas estes descartaram qualquer responsabilidade.
b) Os Autores interpelaram diversas vezes os Réus quer pessoalmente, quer através da sua mandatária em carta registada para que estes procedessem às necessárias obras de reparação.
c) Especialmente desde Março de 2017 que várias pessoas foram visitar o apartamento com vista ao arrendamento, mostrando-se agradadas com a sua localização, renda e condições, e o facto de ter garagem, mas sempre desistindo de o arrendar ao verificarem a existência das referidas manchas de humidade e sobretudo ao constatarem a urgência e necessidade da realização de obras.
d) A renda actualmente praticada para tal fracção é de € 390,00.
e) O que lhes causa (Autores) profundo desgosto e justificada revolta atendendo a que na mesma situação os Autores imediatamente responderam à solicitação dos Réus, reparando tudo quanto se mostrou necessário a evitar o prejuízo destes.
f) A fracção dos Réus sofrera profundas obras de remodelação no ano de 2010, no âmbito das quais foram removidas todas as canalizações existentes e substituídas por novas canalizações exteriores em inox.
g) O técnico, a solicitação dos réus, procedeu à vedação de todas as juntas das louças sanitárias. H) Os réus deram conhecimento desse facto ao Autor marido.
i) A janela da casa de banho da fracção autónoma dos Autores encontra-se permanentemente semi-aberta, permitindo a entrada de chuva e de humidades provenientes do exterior, facto que terá potenciado o surgimento de humidades no seu interior.
j) Os danos na fracção dos Autores tiveram a sua origem na inundação proveniente do telhado comum do prédio ocorrida no inverno do ano de 2016.
l) A água que entrou na fracção dos Réus nessa ocasião e que se infiltrou no seu piso igualmente penetrou na placa que serve de tecto à fracção dos Autores e aí se manteve, originando humidades e manchas.
*
Perante os factos já dados como provados nos pontos 12, 13, 15 e 17, os AA./Recorrentes vieram defender serem os mesmos, por si só, suficientes para se julgar a procedência total do pedido que formularam, o que importa decidir, sem, contudo, deixar de atentar na factualidade aditada.
Ora, como se sabe, o proprietário de cada fracção autónoma é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro que se abstenha de actos que perturbem o pleno gozo e fruição da sua fracção, tal como resulta do preceituado no art.º 1305.º do Código Civil, nos termos do qual estipula que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.

Nestes termos e à luz do preceituado no art. 483.º do Cód. Civil, a violação desse direito subjectivo pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil.
Com relevo para o caso urge ainda atentar que o artigo 89.º, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16-12, impõe um dever geral de conservação das edificações, prescrevendo que estas devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de 8 anos.
Por sua vez, nos termos do art. 493º/1 do C. Civil "quem tem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua".

Estabelece este preceito a responsabilidade do detentor da coisa baseada na concepção de não terem sido tomadas as devidas e necessárias precauções para se evitar o dano, fazendo recair sobre aquele uma presunção de culpa, presunção «juris tantum» - que pode ser afastada mediante a prova da sua inexistência conforme prevê o art. 350º/2 - ou mostrando-se que os danos se teriam igualmente causado mesmo sem culpa.
Daqui decorre que a responsabilidade do proprietário, ou detentor da coisa, nos termos dos normativos citados integra uma hipótese típica de responsabilidade civil extracontratual.
E, como se sabe, em sede de responsabilidade civil extracontratual, a obrigação de indemnizar tanto pode derivar da prática de um facto cul­poso violador de um direito subjectivo ou de um diverso inte­resse alheio legalmente protegido (art. 483º do CC), como de situações de responsabilidade objectiva ou pelo risco (ex.: arts. 500º e ss.), como até de comportamentos lícitos danosos (ex.: arts. 339º/2, 1322º/1, e 1561º/1 do CC).
A obrigação de indemnizar, em qualquer dos casos, tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, tanto de carácter patrimonial, como de carácter não patrimo­nial.
Acresce que o «obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art. 562º do CC).
Assim, a obrigação de indemnizar compreende tanto os danos emergentes (ou os prejuízos imediatos sofridos pelo lesado), como os lucros cessantes (benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão) ou ainda os danos futuros, determináveis, de imediato ou em ulterior decisão (art. 564º do CC).
Sucede, porém, que a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir. Com efeito, estipula o art. 563º do CC que «a obrigação de indem­nização só existe em relação aos danos que o lesado prova­velmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Ora, no caso sub judice está provado que as manchas de humidade na casa de banho maior e no quarto contíguo da fracção pertencente aos AA. têm origem na casa de banho maior que existe na fracção que pertence aos réus (2º andar direito), concretamente, numa má vedação da ligação da banheira com a parede, e que as manchas de humidade na casa de banho de serviço e no quarto contíguo têm origem na casa de banho mais pequena que existe no 2º andar direito, o que importa reparar por forma a obstar às infiltrações que ocorrem..
Assim, de acordo com a factualidade apurada e acima evidenciada, a reparação pretendida pelos Autores compete aos réus, por serem os proprietários da fracção onde se integram as divisões onde têm origem as patologias.
Acresce que o Réu não efectuou qualquer prova no sentido de mostrar ter tomado as necessárias cautelas a fim de impedir as infiltrações na fracção dos AA, situada no piso inferior, sendo certo que em causa não está a verificação de infiltrações que sem culpa do Réu sempre se teriam verificado.
Por outro lado, como resulta também como provado, os Autores tinham já anteriormente procedido ao arrendamento da sua fracção, sendo certo que, pelo menos, enquanto não for eliminada a causa das infiltrações, se revela impossível arrendar a fracção.
Sofreram, assim, os AA uma perda de lucro por não poderem arrendar a fracção, devido às infiltrações oriundas da fracção dos Réus.
Assim sendo, também por este dano ou perda de rendimentos têm os Réus de ser responsabilizados, a apurar em posterior liquidação.
E por todos os danos também responde a Seguradora, Interveniente Principal nos autos, pois que entre esta e o Réu foi celebrado um contrato de seguro do ramo “Multiriscos habitação”, titulado pela apólice número 907914800001, pelo qual aquela assumiu o risco pelas reparações pecuniárias por danos patrimoniais e não patrimoniais exigíveis ao segurado, na qualidade de proprietário do imóvel seguro, por lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, até ao limite fixados nas condições particulares de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), sem franquia.
É que, como se logrou apurar, o evento danoso ocorreu em Abril/Maio de 2017, já no âmbito do início dos efeitos desse contrato de seguro.
Excluídos ficam os danos morais peticionados porquanto não se logrou provar a afectação dos RR. susceptível de relevo e grau de gravidade que mereça a tutela do direito para a sua reparação, tal como decidido pelo tribunal a quo.
Sopesado quanto fica dito, há que conceder parcial procedência ao recurso interposto pelos AA./Recorrentes e total improcedência ao recurso da interveniente/Recorrente.
*
V – Decisão

Pelo exposto, nos termos supra referidos, os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar, a apelação interposta pelos AA./Recorrentes parcialmente procedente, com alteração parcial da matéria de facto impugnada, e consequente condenação dos RR./interveniente a pagar aos AA. os montantes que se vierem a liquidar em sede de liquidação de sentença, por perdas de rendimentos, desde Abril/Maio de 2017 até reparação, decorrentes da impossibilidade de arrendar a sua fracção devido às infiltrações provenientes da fracção dos RR., no mais se mantendo o decidido, com a consequente improcedência do recurso interposto pela interveniente/Recorrente.
Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento, sendo, quanto ao recurso interposto pelos AA./Recorrentes, na proporção de 1/3 para estes e de 2/3 para a interveniente/Recorrente e, no recurso por esta interposto, a seu cargo, na totalidade.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 17.10.2019
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida