Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
986/21.1T8GMR-B.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Com a inovação do nº 2 do art. 423º/2 do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias.
II – A faculdade que a lei do processo concede às partes de apresentar documentos até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final (art. 423º/2), não respeita apenas à data designada para o início da audiência, mas a qualquer data para a qual esteja designada uma das suas sessões, ainda que se trate de uma reabertura motivada por decisão proferida em recurso.
III – Os requisitos para a admissão da junção de documentos têm que estar verificados à data da sua junção e não da decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO

Nos presentes autos[1] de acção declarativa de condenação em processo comum instaurados em 17-02-2021, que AA move a BB e mulher CC, terminou aquele a petição inicial pedindo a procedência da acção, por provada, em consequência do que os réus devem ser condenados a pagar ao autor a quantia de capital de EUR 635´676.54 (seiscentos e trinta e cinco mil seiscentos e setenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos, no montante de EUR 165´923.70 (cento e sessenta e cinco mil novecentos e vinte e três euros e setenta cêntimos), e dos que se venceram, calculados à taxa legal e sobre a indicada quantia de capital.
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Os autos tiveram a sua normal tramitação e entre sessões da audiência de julgamento (o início teve lugar em 30-09-2022 e a continuação estava agendada para 13-10-2022), em 12-10-2022, em requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do A., veio o mesmo juntar 3 documentos, nos seguintes termos:

1. JUNTAR AOS AUTOS A TRADUÇÃO CERTIFICADA DOS DOCUMENTOS CUJA TRADUÇÃO FOI PEDIDA PELOS RÉUS E DETERMINADA PELO TRIBUNAL – os documentos ..., ..., ...5, ...6, ...7, ...8, ...9 e ...0 da petição inicial, levando em conta que se prescindiu do valor probatório que pudesse extrair-se dum deles, o documento n.º ..., da mesma petição;
2. embora isso seja já do conhecimento do tribunal e dos réus, pois que isso faz parte do objecto do processo que neste mesmo tribunal e juízo corre termos sob o n.º 1514/22...., em que se impugnam os respectivos negócios, JUNTAR AOS AUTOS CÓPIA DAS DUAS ESCRITURAS DE DOAÇÃO QUE OS RÉUS, no dia 4 de Janeiro de 2022, FIZERAM, A DOIS DOS SEUS TRÊS FILHOS, DD e EE, assim prejudicando o terceiro filho, FF (que foi indicado, pelo autor, como testemunha nestes autos), E QUE ENVOLVEM TODOS OS PRÉDIOS QUE OS RÉUS TINHAM INSCRITOS EM NOME DELES.
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Exercendo o contraditório relativamente aos documentos juntos pelo A., tendo, entretanto, a continuação da audiência de julgamento, após ter ocorrido a mencionada sessão de 13-10-2022, sido agendada para 3-11-2022, a fim de ser ouvida – por iniciativa do tribunal, nos termos do art. 411º do CPC – uma testemunha residente em ..., fizeram-no os RR. em 21-10-2022, nos seguintes termos:
Quanto á tradução certificada dos documentos solicitados que junta sob doc. n.º ..., a mesma não está realizada de forma correcta, tratando-se de uma “tradução francesada” na qual o que interessa ao Autor está traduzido e o restante não.
Portanto, solicita-se, novamente, a junção de uma tradução integral dos documentos, já solicitada anteriormente, pelo que vem a presente impugnada.
Quanto aos documentos juntos sob doc.s n.ºs 2 e 3, a junção dos mesmos é extemporânea nos termos do art. 423º do C.P.C., pois tais documentos, correspondem às escrituras de doação objecto do litigio proposto pelo mesmo Autor da presente acção a 17/03/2022, no âmbito do Proc. n.º 1514/22...., que corre termos no mesmo Juízo, devendo, portanto, os mesmos ser desentranhados dos presentes autos, o que desde já se requer.
(…)
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Tendo a Mmª Juiz a quo, em 25-10-2022, proferido o seguinte despacho:

- REFª: ...77:
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.11.2018, proferido no processo n.º 11465/17.1T8PRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt, o prazo limite para a apresentação de documentos [previsto no artigo 423.º/2, do Código do Processo Civil – CPCiv] tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência.
Assim, e uma vez que foi designada a continuação da audiência para o dia 03.11.2022, o requerimento com REFª: ...77, de 12.10.2022, foi apresentado com a antecedência de 20 (vinte) dias com referência a essa sessão de continuação.
Deste modo, e por se afigurarem pertinentes para a decisão da causa, admite-se a junção das escrituras apresentadas, nos termos do artigo 423.º/2, do CPCiv.
Na medida em que as escrituras foram celebradas a 04.01.2022, ou seja, em data posterior à fase dos articulados, não se condena o Autor em multa processual, uma vez que não poderia tê-las junto nessa altura.
Notifique.
***
- REFª: ...77:
Atenta a proximidade da data agendada para a sessão de continuação da audiência, notifique os Réus para esclarecerem, até ao dia 28.10.2022, em concreto, quais as partes dos documentos que não foram objeto de tradução, por referência ao respetivo excerto (em francês).
***
Ponderando que se mostra decorrido o prazo para a alteração do rol (cfr. artigo 598.º/2, do CPCiv), a audição da pessoa indicada no requerimento mencionado em epígrafe apenas poderá realizar-se se tal for determinado oficiosamente, nos termos dos 411.º e 526.º, do CPCiv.
Pelo que, antes do mais, notifique os Réus para, até ao dia 28.10.2022, explicitarem qual a relação da testemunha com os Réus ou com a celebração da escritura e a sua razão de ciência.
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Inconformados com esse despacho de 25-10-2022, os RR. interpuseram recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

A) Em 25-10-2022 foi emitido o seguinte despacho pelo “Tribunal a Quo”:
“- REFª: ...77: Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.11.2018, proferido no processo n.º 11465/17.1T8PRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt, o prazo limite para a apresentação de documentos [previsto no artigo 423.º/2, do Código do Processo Civil – CPCiv] tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência. Assim, e uma vez que foi designada a continuação da audiência para o dia 03.11.2022, o requerimento com REFª: ...77, de 12.10.2022, foi apresentado com a antecedência de 20 (vinte) dias com referência a essa sessão de continuação. Deste modo, e por se afigurarem pertinentes para a decisão da causa, admite-se a junção das escrituras apresentadas, nos termos do artigo 423.º/2, do CPCiv. Na medida em que as escrituras foram celebradas a 04.01.2022, ou seja, em data posterior à fase dos articulados, não se condena o Autor em multa processual, uma vez que não poderia tê-las junto nessa altura. Notifique. *** - REFª: ...77: Atenta a proximidade da data agendada para a sessão de continuação da audiência, notifique os Réus para esclarecerem, até ao dia 28.10.2022, em concreto, quais as partes dos documentos que não foram objeto de tradução, por referência ao respetivo excerto (em francês). *** Ponderando que se mostra decorrido o prazo para a alteração do rol (cfr. artigo 598.º/2, do CPCiv), a audição da pessoa indicada no requerimento mencionado em epígrafe apenas poderá realizar-se se tal for determinado oficiosamente, nos termos dos 411.º e 526.º, do CPCiv. Pelo que, antes do mais, notifique os Réus para, até ao dia 28.10.2022, explicitarem qual a relação da testemunha com os Réus ou com a celebração da escritura e a sua razão de ciência”, cfr. doc. n.º ..., cujo teor se dá aqui por reproduzido para dos devidos e legais efeitos.
B) Tal despacho este emitido na sequência do exercício do contraditório facultado aos Réus quando o Autor junta dois novos documentos, sob doc. n.ºs ... e ... em Requerimento apresentado a 12/10/2022, cfr. Doc. n.º ..., cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos e legais efeitos, menos de 24 horas antes da 2ª Audiência de discussão e julgamento, que se realizou em 13/10/2022.
C) Tendo os Réus exercido o contraditório no dia 21/10/2022, requerendo o seguinte: “Vem, pelo presente, exercer o contraditório quanto á documentação junta pelo Autor a 12/10/2022. Quanto á tradução certificada dos documentos solicitados que junta sob doc. n.º ..., a mesma não está realizada de forma correcta, tratando-se de uma “tradução francesada” na qual o que interessa ao Autor está traduzido e o restante não. Portanto, solicita-se, novamente, a junção de uma tradução integral dos documentos, já solicitada anteriormente, pelo que vem a presente impugnada. Quanto aos documentos juntos sob doc.s n.ºs 2 e 3, a junção dos mesmos é extemporânea nos termos do art. 423º do C.P.C., pois tais documentos, correspondem às escrituras de doação objecto do litígio proposto pelo mesmo Autor da presente acção a 17/03/2022, no âmbito do Proc. n.º 1514/22...., que corre termos no mesmo Juízo, devendo, portanto, os mesmos ser desentranhados dos presentes autos, o que desde já se requer. Mais requerem os Réus, face à nova factualidade descrita e indicada pelo Autor nos referidos documentos e para a boa descoberta da verdade material, vêm requerer a audição de uma nova testemunha com conhecimento direto dos factos em causa, sendo essencial para o apuramento da verdade a audição da mesma, requerem para tanto, a inquirição de GG, com residência na Rua ..., ..., ... Guimarães, já na próxima audiência.”, cfr. Doc. n.º ... cujo teor se dá aqui por reproduzido para dos devidos e legais efeitos.
D) Em conformidade com o disposto no art. 423º do C.P.C., n.º “1-Os Documentos destinados a fazer prova dos documentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes: n.º 2 Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado, n.º 3 Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
E) Perante tal despacho, cumpre dizer o seguinte: apenas foi realizada a junção dos ditos novos documentos n.º ... e ... pelo Autor porque sabia que os mesmos iam ser validados, com a nova data de audiência de discussão e julgamento, até porque na audiência do dia seguinte o Mandatário do Autor inquiriu as testemunhas dos Réus acerca dos negócios ínsitos em tais documentos e tal foi permitido pela Mma. Juiz do Tribunal a quo sem que ainda tivesse sido exercido o contraditório por parte dos Réus, o que é inconcebível.
F) No dia da audiência foi com estranheza que os Réus aceitaram tal facto mas após o presente despacho do qual se recorre facilmente se depreende, salvo melhor opinião, que havia a certeza que tais documentos seriam validados posteriormente.
H) De referir que, mais uma vez, que o Advogado do Autor no agendamento da 2ª data de audiência referiu que a mesma teria de ser entre 13 e 14 de Outubro porque uma das suas testemunhas era emigrante e já tinha bilhete de avião, o certo é que nesse dia 13 de Outubro, o referido Mandatário do Autor deu a desculpa que o marido da testemunha estava doente, que não pôde vir, não apresentou justificação, não foi condenado em multa, e marcou-se nova data, curiosamente a feição do Autor, e da validação da nova prova apresentada.
I) Acresce a estes factos que tais documentos novos já se encontram na posse do Autor desde 17/03/2022, data em que o Autor dá entrada de acção cujo objecto do litígio são esses dois documentos correspondentes a duas escrituras de doação, que corre termos no âmbito do Proc. n.º 1514/22...., que corre termos no mesmo Juízo, com a mesma Mma. Juiz.
J) Perante tais factos a apresentação dos dois documentos é extemporânea e como tal além de não poderem ser admitidos como prova, deveria ter sido ordenado o seu desentranhamento e o Autor condenado em multa, o que não sucedeu.
K) Sem margem para dúvidas que perante os despachos emitidos pelo Tribunal a quo parece que o “Autor pode tudo e os Réus não podem nada”.
L) Ao ponto de, no referido despacho onerar os Réus para em centenas de folhas juntas pelo Autor sem tradução, no referido despacho ordenar que os mesmos indiquem “até ao dia 28.10.2022, em concreto, quais as partes dos documentos que não foram objeto de tradução, por referência ao respetivo excerto (em francês)”, ora, em 100% de documentos em francês só 0,01 está traduzido, tem os Réus a missão milagrosa de em 3 dias descrever as centenas de folhas e palavras que estão em francês.... isto é inconcebível, agora questionam os Réus, atenta a data em que foi requerida a tradução dos documentos de 25-09-2022, porque a Mma. Juiz na altura também ela atenta a proximidade da audiência de discussão e julgamento a 30-10-2022, faltando 5 dias para a mesma, também não impôs igual prazo milagroso de 3 dias para o Autor traduzir tais documentos, qual a diferença entre as partes, o requerimento da Mandatária dos Réus a solicitar a tradução é de 25-09-2022, tal tradução “afrancesada” foi apresentada pelo Autor a 12/10/2022, 17 dias depois do requerido pelos Réus.
M) Ora, a Mma. Juiz neste despacho emitido a .../.../2022 dá prazo até dia 28-10-2022, porque a audiência é a 03-11-2022, ou seja, o Autor teve direito a 17 dias para traduzir centenas de documentos, os Réus têm 3 dias para transcrever 99,9% desses documentos em Francês, quando basta olhar para os mesmos e verificar que só foram traduzidas as cartas e pouquíssimas palavras nos extractos.
N) Aqui, neste simples exemplo, se verificam 2 pesos e 2 medidas, o Autor pode fazer prova à hora que quer, quando quer, contra o plasmado no art. 423º do C.P.C., mas os Réus não, e ainda são impostos a estes prazos insuperáveis dignos de magia, para realizar tais feitos em apenas 3 dias, quando o Autor mesmo atenta a proximidade da audiência em 5 dias após pedido de tradução, teve direito a 17 dias para o fazer.
O) O Autor teve direito a inquirir as testemunhas dos Réus sobre documentos novos, juntos a 12-10-2022, e, no dia 13-10-2022, sem que fosse exercido o contraditório por parte dos Réus, confrontou as testemunhas destes com tais negócios constantes dos referidos documentos, nunca foi impedido de o fazer pela Mma. Juiz.
P) E agora, porque a data agendada até coincide com 20 dias antes, são os mesmos validados pelo Tribunal a quo, não com base na lei, mas com base em jurisprudência, tudo em prol do Autor. Já sem falar que é necessário dizer o que a nova testemunha indicada pelos Réus conhece para, certamente, o Autor se preparar.
Q) Tudo isto impõe que seja cumprida a lei. Posto que a decisão em sede do referido Despacho a este respeito merece censura.
R) Pois é notório que o Autor ao longo do processo tem vindo a ser beneficiado nos vários despachos emitidos, mas o presente Despacho que vem impugnado é flagrante, pois admite prova graças à nova data indicada, de modo a validar a inquirição feita pelo Mandatário do Autor às testemunhas dos Réus a 13/10/2022, e acaba aqui por inverter o ónus da prova “obrigando” os Réus a descrever centenas de páginas em francês para serem traduzidas, quando basta “ver e olhar” para a tradução afrancesada junta sob doc. n.º ..., junto ao Requerimento do Autor de 12/10/2022, para verificar que está praticamente tudo em francês, só foram traduzidas na integra as cartas que são uma folha apenas. Com prazo limite de 3 dias para tal descrição e transcrição.
S) Daí que inexistam quaisquer factos que sustentem qualquer dúvida fundada de que foi violado o cumprimento do disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil. Sendo factos constitutivos do seu direito e sendo seu o ónus da prova, não havendo factos reportados àquela, não existe direito!
T) Tendo o mencionado Despacho violado aquela referida norma e o ónus da prova;
U) E, assim, o Tribunal a quo deveria, imediatamente, rejeitar os referidos documentos, condenar o Autor em multa e ordenar nova tradução dos documentos conforme peticionado no requerimento dos Réus a 25/10/2022. O que, não o fazendo, importa a revogação daquele Despacho.
V) Perante tais factos e direito consideram os Réus existir a violação de regras de valoração da prova e a manifesta violação de regras de experiência;
W) De resto, perpassa no sentimento dos Réus uma manifesta FALTA DE JUSTIÇA atendendo a que o Tribunal a quo não valora, de modo igual, isto é, segundo critérios idênticos, testemunhas de Autor e dos Réus, ou prova documental de um e outro;
X) O que viola regras de experiência e normalidade;
Atende a admissão de documentos impugnados por serem entregues fora dos prazos previstos na lei, permitindo o confronto com testemunhas dos Réus sem que tenha sido exercido o contraditório. É neste quadro que não é aceitável o despacho in casu.
Y) Ora é neste contexto que, não duvidamos, o Tribunal a quo falha! A resposta escrita de impugnação de documentos é uma peça essencial ao processo por relevante para a decisão da causa, mas o Tribunal a quo não a teve em consideração tal facto, o Tribunal a quo despreza a os Requerimentos dos Réus, despreza a envolvência do confronto de testemunhas sem exercício de contraditório sobre os mesmos documentos. No que concerne a esta questão, não pode concluir nos moldes em que o faz. Pelo que o referido despacho deverá ser nulo e substituído por outro que não admita a junção dos dois documentos fora do prazo, que ordene o desentranhamento dos mesmos, que condene o Autor em multa, que ordene a Tradução na íntegra por parte do Autor, e que admita a testemunha indicada pelos Réus para a boa verdade da descoberta material.
NESTES TERMOS,
- Deve ser dado provimento ao recurso ora interposto o referido despacho deverá ser nulo e substituído por outro que não admita a junção dos dois documentos juntos pelo Autor fora do prazo previsto na Lei, que ordene o desentranhamento dos mesmos, que condene o Autor em multa, que ordene a Tradução na íntegra por parte do Autor, e que admita a testemunha indicada pelos Réus para a boa verdade da descoberta material do caso em apreço.
Fazendo-se assim Justiça.                       
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Notificado do teor do recurso apresentado pelos RR., o A. veio prescindir do prazo para responder à alegação dos recorrentes.

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O Exmº Juiz[2] proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, a única questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 25-10-2022 que admitiu a junção de documentos, por alegadamente não reunirem os requisitos previstos no art. 423º do CPC. Ainda que os recorrentes, nas suas extensas conclusões aludam a outras questões com as quais não estão de acordo, reiterando questões relativas ao incidente de escusa da Mmª Juiz que também suscitaram, verifica-se que o despacho recorrido apenas decidiu a questão da junção de documentos, que admitia recurso autónomo, nos termos do art. 644º/2, d), parte final, do CPC.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como já referido, está aqui em causa a reapreciação do despacho de 25-10-2022 que admitiu a junção de documentos, entendendo os recorrentes que tais documentos não reúnem os requisitos previstos no art. 423º do CPC, pelo que deveria ter sido rejeitada a sua junção.
A questão a decidir é, pois, saber se os documentos foram apresentados ou não dentro do prazo fixado no nº 2 do art. 423º do CPC.
É o seguinte o teor do despacho recorrido.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.11.2018, proferido no processo n.º 11465/17.1T8PRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt, o prazo limite para a apresentação de documentos [previsto no artigo 423.º/2, do Código do Processo Civil – CPCiv] tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência.
Assim, e uma vez que foi designada a continuação da audiência para o dia 03.11.2022, o requerimento com REFª: ...77, de 12.10.2022, foi apresentado com a antecedência de 20 (vinte) dias com referência a essa sessão de continuação.
Deste modo, e por se afigurarem pertinentes para a decisão da causa, admite-se a junção das escrituras apresentadas, nos termos do artigo 423.º/2, do CPCiv.
Na medida em que as escrituras foram celebradas a 04.01.2022, ou seja, em data posterior à fase dos articulados, não se condena o Autor em multa processual, uma vez que não poderia tê-las junto nessa altura.
Notifique.
O art. 423º do CPC regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório[3].
Como já se escreveu[4], o direito à prova, constitucionalmente consagrado no art. 20° da CRP - princípio acolhido no art. 413º do CPC -, é uma componente do direito geral à proteção jurídica, de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva. Desse direito decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, e, por outro, a possibilidade de utilização, pelas partes, em seu benefício, dos meios de prova que mais lhes convierem. A recusa de qualquer meio de prova deve ser fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário.
Porém, o direito à prova não é absoluto, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca.
Não se suscitando qualquer dúvida sobre a licitude dos meios de prova que constituem os 2 documentos ora em causa apresentados pelo A., a questão resume-se a saber se o seu oferecimento foi tempestivo e oportuno.
Sobre o momento da apresentação de documentos no processo comum civil, dispõem sobretudo os arts. 423º, 552º/2, 572º, d) e 588º/1 e 5 do CPC.
A regra é os documentos serem apresentados com o articulado em que se aleguem os factos que os mesmos visam demonstrar (nº 1 do art. 423º). Se os documentos não forem juntos com esse articulado, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte condenada em multa por essa apresentação tardia; porém, não ocorrerá a condenação se provar que os não pôde oferecer com o articulado. O nº 3 estabelece uma norma que, pela sua justeza, é de todo indeclinável: depois do momento temporal referido no nº 2 ainda poderão ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
O Código de Processo Civil de 2013 visou, com este regime temporal coartar uma tendência que se constituíra em autêntica estratégia processual traduzida no protelamento da junção de documentos para o decurso da audiência final e os efeitos adversos que daí advinham para um procedimento que se deseja célere e desobstruído, sem incidentes evitáveis. A solução mais rígida que foi consagrada de impor a apresentação dos documentos com o articulado respetivo foi, no entanto, temperada pela permissão legal de as partes, mesmo quando podiam e deviam ter apresentado anteriormente os documentos, ainda o poderem fazer até 20 dias antes da data da realização da audiência final, mediante o pagamento de multa. Manifestamente, o legislador, numa solução de compromisso, quis garantir o direito à prova com o menor prejuízo processual possível, sobretudo na audiência, prevenindo designadamente o seu adiamento resultante da necessidade de cumprir o contraditório se nela se admitisse a apresentação de documentos que já anteriormente pudessem ter sido indicados. A antecedência de 20 dias na junção de documentos justifica-se assim como prazo suficiente para que a parte contrária exerça o contraditório quanto a esses novos meios de prova e o tribunal os admita sem necessidade de dar sem efeito a data designada para a audiência e de prejudicar o seu normal funcionamento.
A controvérsia adensa-se quando se discute se a teleologia da norma do nº 2 do art. 432º nos deve levar a entender que o limite para a sua apresentação (e também para a alteração do rol de testemunhas, ao abrigo do art. 598º/2, com semelhante redacção) tem como referência a data designada para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento ou continuação ou se, diferentemente, deve ser considerado que a antecedência de 20 dias se reporta à realização efectiva da audiência final e não à sua simples abertura, aplicando o preceito mesmo que haja adiamento ou continuação da audiência noutra sessão ou mesmo a repetição da audiência para a ampliação da matéria de facto (como defendem outros ainda). Para a primeira solução inclinam-se alguns AA. como Paulo Pimenta[5], A. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. F. Pires de Sousa[6] e parte da jurisprudência[7]. No sentido da segunda posição, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[8] e outra parte da jurisprudência[9].
Esta interpretação mais permissiva e abrangente não deixa de salvaguardar o desenvolvimento da lide sem que a junção de novos documentos possa, à partida e de um modo geral, perturbar o agendamento e a realização da audiência e conjuga os deveres das partes na apresentação de documentos nas condições previstas na lei do processo, enquanto manifestação do princípio da autorresponsabilidade das partes, com o princípio da realização da justiça material e concreta enquanto objetivo do processo na resolução do litígio que as divide. De outro passo ainda, esta é a solução que mais se aproxima do poder concedido ao tribunal, no uso do inquisitório, para “requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade”, exercício que poderá ter na sua origem um requerimento de qualquer das partes, formulado em qualquer momento, mesmo no decurso da audiência final.
Atentando bem na letra do nº 2 do art. 423º, o que dali releva é a data em que se realiza a audiência e não a data para a qual foi designada, na contagem do termo dos 20 dias de que as partes dispõem para juntar documentos.
De resto, resulta do preâmbulo da Lei n.º 41/2013, que aprovou o atual Código de Processo Civil, que uma das principais finalidades do legislador foi evitar que formalismos processuais impeçam a descoberta da verdade material e, por isso, as normas que fixam preclusões processuais têm de ser interpretadas em consonância com o princípio da prevalência do mérito, evitando que formalismos processuais obstem à descoberta da verdade.
No caso vertente, estando agendada a continuação do julgamento para 13-10-2022, na véspera, em 12-10-2022, o A. juntou 2 documentos, tendo-se os RR. oposto à sua junção por extemporaneidade, no exercício do contraditório já exercido depois da ocorrência da mencionada sessão de julgamento, em que alegadamente tais documentos foram exibidos às testemunhas inquiridas nessa sessão. Ocorrendo a admissão dos documentos em causa em despacho posterior, por referência a outra sessão de julgamento entretanto agendada para audição de uma testemunha por iniciativa do Tribunal.
Ora, ainda que adoptemos a segunda posição, entendemos que os requisitos para a admissão da junção de documentos têm que estar verificados à data da sua junção e não da decisão. É que com a inovação do nº 2 do art. 423º do CPC decorrente da última reforma do processo civil que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», como já supra referido, o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias. Só assim se respeitando a teleologia do preceito referido e podendo evitar que sejam exibidos às testemunhas inquiridas documentos ainda não admitidos - por estar a decorrer o contraditório - e ainda quando se desconhece se haverá continuação de julgamento.
Por conseguinte, mal andou o tribunal a quo ao admitir a junção dos 2 documentos requerida pelo A., por não estarem reunidos os requisitos previstos no art. 423º do CPC.
Procede, assim, a apelação.
 
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente, pelo que se revoga a decisão recorrida de 25-10-2022 e, em consequência, se indefere a junção dos 2 documentos requerida pelo A.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 12-01-2023

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga, Guimarães - JC Civel - Juiz 1
[2] In casu, o Mmº Juiz substituto em conformidade com o disposto no art. 125º/1, 1ª parte, do CPC, por ter sido, entretanto, deduzido incidente de suspeição da Mmª Juiz titular do processo.
[3] Neste sentido, vd. Ac. da RL de 25-09-2018, proferido no Proc. nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1 e disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. da RP de 14-07-2020, proferido no Proc. nº 143/14.3T8PFR-E.P1 e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Vd. Processo Civil Declarativo, 2ª edição, pág. 327, nota 750.
[6] Vd. Código de Processo Civil anotado, Almedina 2019, vol. I, pág. 499.
[7] Cfr. Ac. da RP de 12-05-2015, Proc. nº 7724/10, in www.dgsi.pt.
[8] Vd. Código de Processo Civil anotado, vol. II, 3ª edição, págs. 675 e 676.
[9] Cfr. Acs. da RG de 17-12-2015, Proc. nº 3070/09, da RC de 8-09-2015, Proc. nº 2035/09 e de 14-12-2016, Proc. nº 3669/14, da RP de 15-11-2018, Proc. nº 11465/17.1T8PRT-B.P1 e de 14-07-2020, Proc. nº 143/14.3T8PFR-E.P1, todos in www.dgsi.pt.). O Ac. da RP de 17-12-2014, Proc. nº 436/13, in www.dgsi.pt, admite mesmo a relevância da repetição da audiência para ampliação da matéria de facto para efeito de apresentação de novos documentos; reza assim uma parte do seu sumário: «I – O prazo de 20 dias antes da realização da audiência previsto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC para a junção de documentos após os articulados, deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento (ainda que verificado logo após a sua abertura) como uma repetição da audiência, vg. por se verificar a nulidade da primeira, ou para ampliação da matéria de facto.».