Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1036/19.3T8BGC.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CITAÇÃO
REGULAMENTO (EU) 2020/1784
PRAZO DA CONTESTAÇÃO
PLURALIDADE DE RÉUS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
.1-. Se o Réu não tiver intervenção processual nos autos (“além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo”) deve-se verificar se a citação cumpriu as formalidades legais e caso se encontrem irregularidades o ato deve repetido, norma que tem no artigo 22º do Regulamento (EU) 2020/1784, solução de conteúdo equivalente.
.2-.À citação de Réu que se encontre a residir na ... deve aplicar-se o Regulamento (EU) 2020/1784, o qual prevê que a citação se pode realizar por diversos meios, entre eles a via postal, permitindo que o tribunal remeta o ato judicial, por carta registada com aviso de receção ou ato equivalente, diretamente para o citando/notificando residente no Estado-Membro de destino, sem necessidade de intervenção de uma entidade central.
.3-. Porque o artigo 18º admite que a citação efetuada pelos serviços postais a pessoas possa ser comprovada por equivalente a carta registada com aviso de receção, a junção aos autos de substituto do inicial aviso de receção, com a assinatura da Ré, declarando que recebeu a citação, não constituiu uma irregularidade na citação que justifique a sua repetição.
.4-. Com o nº 2 e 3 do artigo 569º do Código de Processo Civil pretende-se conceder, no caso de haver mais do que um Réu, o direito aos Réus de apresentar a contestação até ao final do prazo para contestar que terminará em último lugar.
.5-. Mas, da mesma forma, pretende-se evitar que os Réus sejam confrontados com a repentina extinção desse prazo, por motivos que lhe são alheios, perdendo a possibilidade de apresentar contestação, como a desistência do pedido relativamente a Réu não citado, a apresentação de contestação por Réu não citado ou o conhecimento no processo da realização da citação já depois de decorrido o prazo.
.6-. Nesses casos, em que os Réus beneficiários do prazo de contestação pessoal que termina em primeiro lugar, não poderão, por força das circunstâncias a que são alheios, apresentar a contestação no prazo que resultaria da última citação do co-Réu, a lei prevê uma nova notificação daqueles Réus para apresentar a sua contestação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Recorrentes e Réus: AA, BB, CC, DD e EE,
Recorridos e Autores: FF, GG, HH e II,

Apelação em ação declarativa com forma comum

I- Relatório

Em 26-9-2019 veio devolvida enviada carta registada com aviso de receção enviada para morada sita em Portugal com vista à citação da Ré JJ, do que os Autores foram notificados.
Em 17-9-2020, na sequência do pedido de citação por contacto pessoal formulado por estes, a Agente de execução foi juntou certidão de citação pessoal negativa desta Ré.
Em 30-9-2020, os Autores vieram solicitar que se obtivesse informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida da Ré JJ junto das entidades referidas no artigo 236.º, n.º 1, do CPC, de forma a posteriormente se realizar a citação edital por incerteza do lugar em que a citanda se encontrava.
Em 16-10-2020, na sequência das informações obtidas, foi enviada carta registada com aviso de receção para ..., na República ..., para a citação da Ré, a qual veio a ter o nº de registo ....
Em 3-11-2020, os Réus vieram informar que a Ré está internada num lar, possivelmente na ... e a identidade e morada de pessoa que era seu contacto próximo.
Em 4-1-2021, foi junta aos autos a seguinte informação: “A informação desta tabela é proveniente do site dos Correios:Data 16 Out 15:20; Estado Aceitação; Local Loja Correios ... e talão dos Correios com a menção “Aceitação de Reclamação”.
Em 12-1-2021, foi determinada a notificação da pessoa indicada pelos Réus para identificar a morada da citanda, a qual veio em 8-2-2021 prestar tal informação.
Em 16-2-2021, os Réus vieram salientar que a morada indicada nessa informação é semelhante à da tentativa de citação datada de 16 de outubro de 2020, da qual nunca chegou a ser junto aos autos qualquer aviso de receção, e requereram nova tentativa de citação postal, nessa morada, o que foi satisfeito, por carta registada com aviso de receção.
Em 17-2-2021, foi enviada nova carta registada com aviso de receção para a mesma morada de ..., na República ..., para a citação da Ré, a qual veio a ter o nº de registo ....
Em 7-5-2021 foi averiguado o estado da encomenda deste registo no site dos Correios, tendo-se obtido a seguinte informação: “2 Mar 12:14 Receção internacional ...; 23 ... 10:51 Expedição internacional Lisboa; 22 ... 12:11 Aceitação Loja Correios ... (... )”
Em 30-6-2021 foi junta cópia aos autos do registo coletivo, onde consta o RE 28178075PT, conjuntamente com outros, com carimbo de recebimento dos Correios de ... com data de 22-2-2021.
Em 4-8-2021, os Correios acusaram a reclamação relativa à não receção do aviso de receção do registo nº ....
Em 24-9-2021, os Correios, por email, afirmaram: “Concluídas as averiguações necessárias, informa-se que o objeto em referência foi entregue ao destinatário em 22-02-2021, de acordo com o documento do operador postal do destino”.
Juntaram documento emitido pelo Serviço Postal ..., referente ao “Número do envio postal e código de identificação ...”, com os dizeres “Data de Expedição 22-02-2021 e a menção Aviso de receção assinalada. Continha a seguinte declaração “Não sei em que data recebi o item postal”, datada de 9-8-2021 e assinatura com os dizeres KK.
Em 11-10-2021 foi proferido o seguinte despacho: “Atenta a informação com referência citius ...22 considera-se a ré JJ citada.”. Neste os Autores foram convidados a juntar determinados documentos e a esclarecer os termos do negócio que invocaram.
Em 13-10-2021, os Recorrentes vieram invocar que os Correios, através de um e-mail datado de 24/09/2021, vieram informar que a ré JJ terá recebido a citação, sem poderem confirmar a sua efetiva receção e que este email não permite dar como certa a sua citação nem estão cumpridos, no entendimento dos Rés, os formalismos legais da citação, pedindo esclarecimento sobre qual a data que se deve ter em consideração para efeitos de contagem de prazo para apresentação da contestação e as Rés poderem exercer o contraditório.
Em 29-10-2021, os Réus Recorrentes apresentaram contestação.
Os Autores, notificados para se pronunciar sobre a tempestividade da contestação, vieram pugnar pela sua extemporaneidade, porquanto, em súmula, a última citação, da ré JJ, ocorreu em 22-2-2021, pelo que o prazo para esta contestar terminou em o termo do prazo para os Réus contestarem ocorreu a 16/06/2021.
Os demais Réus afirmaram que a citação da última Ré não satisfez as devidas formalidades previstas no artigo 239º do Código de Processo Civil
Em 28-11-2022, foi proferido despacho que concluiu pela intempestividade da contestação apresentada, em síntese, porque “A citação da ré cumpriu o disposto no artigo 18.º do Regulamento (EU) 2020/1784.
Ora, mesmos nos casos em que não ocorre a devolução do aviso de receção é considerado validamente citado o réu quando se encontre demonstrado através de outro documento equivalente que constitua uma garantia do conhecimento efetivo do ato de citação, revestindo, portanto, a natureza de formalidade prescrita na lei” e porque, no que toca ao artigo 569º nº 2 do Código de Processo Civil, “o critério é o de aferir da data do término para a apresentação da contestação de cada réu para beneficiar do prazo.”

É deste despacho que os Recorrentes apelam, com as seguintes
conclusões:

“A) Ao longo de três anos os Recorrentes acompanharam diligentemente e activamente o processo, sempre colaborando com o tribunal na obtenção da morada para citação da Ré JJ;
B) Contando que, como decorre da lei, com a sua citação, começaria a contar o prazo para esta contestar e que pretendiam aproveitar nos termos do art.º 569.º n.º 2 do CPC;
C) Entre 2019 e Setembro de 2021, interagiram com os autos, consultaram o processo e o número do objecto/registo postal no site dos Correios, nada indiciando que a Ré se encontrava citada desde 22/02/2021;
D) Veio o tribunal considerar a Ré JJ citada na data de 22/02/2021, com base num e-mail que os Correios juntam aos autos em 24/09/2021, informando que a citação tinha sido concretizada - sete meses antes;
E) Decidindo pela intempestividade da contestação apresentada em por despacho datado de 29/10/2021 – pois o prazo de 60 dias seria contado a partir daquela data;
F) Frustrando a confiança das partes no processo, no tribunal e contrariamente à equidade que deve assistir ao poder jurisdicional - que deve ser sensível às legítimas expectativas dos Recorrentes sobre a tramitação processual;
G) Após citação postal devolvida e certidão negativa de Agente de Execução de tentativa de citação pessoal, a 27/01/2021, o tribunal insistia e notificava o ministério dos negócios estrangeiros a pedir informações sobre o paradeiro da Ré para concretizar a sua citação;
H) A 03/11/2020, por requerimento, os Recorrentes informam os autos do nome da Sra. LL, por terem conhecimento de que é o contacto mais próximo da Ré JJ, sendo que, a 08/02/2021, a Sra. LL junta aos autos informação sobre a actual morada da Ré JJ e para a qual devia ser citada – logo, se havia estas diligências era porque não estava citada;
I) Em 16/02/2021, os Recorrentes juntam aos autos um requerimento a requerer nova tentativa postal da Ré JJ, pois a morada indicada pela Sra. LL no seu requerimento não era totalmente igual à morada já tentada;
J) E em 17/02/2021, no seguimento do requerimento dos Recorrentes e porque a Ré não se encontrava citada, o Meritíssimo Juiz ordenou a sua citação para a morada indicada “…Bornbrook 7 - II - 21031 ... República ... (RE 628178075PT)…”;
K) Pelo que, em Fevereiro de 2021, quer o tribunal como os Recorrentes, consideravam que a ré não estava citada e não corria qualquer prazo – atuando e diligenciando pela sua citação;
L) Este era o enquadramento e convicção que o tribunal passava para os Recorrentes – não havia citação e não estava a correr qualquer prazo!; Mais,
M) Em 07/05/2021, após insistências dos Recorrentes, a secretaria insere no citius informação relativa à pesquisa do objecto/carta de citação efetuada em 17/02/2021;
N) Dando a conhecer que a Ré JJ não estava citada – pois o objecto estava pendente de entrega, isto é, “…em trânsito…”;
O) Esta era a informação processual facultada às partes e que consta no citius – e que a Recorrente tinha como verdadeira atendo a todas as vicissitudes descritas e resultante da sua intervenção activa no processo;
P) Não obstante tantas diligências do tribunal e das partes, deu-se como certo que esta, afinal, já estava citada desde 22/02/2021;
Q) Tendo por base um email dos Correios, junto em 24 de Setembro de 2021, informando que esta teria ocorrido sete meses antes…;
R) Perante o total desconhecimento das partes e com os autos e as partes a encetarem continuadamente o impulso processual e diligências para concretizar a citação;
S) Aliás, se em Agosto de 2021, os Recorrentes tivessem pedido uma certidão de citação da Ré JJ, esta seria negativa;
T) Pois nem os Recorrentes nem o tribunal tinham meios ou forma de conhecer que a Ré estava citada desde 22/02/2021, motivo pelo qual, abraçando o princípio da colaboração processual, insistiram na sua citação indicando novas moradas e requerendo diligências;
U) E, porque o próprio tribunal e a secretaria informavam que a Ré não estava citada, tinham estes a plena convicção que o prazo não estava a recorrer – por falta de citação da Ré;
V) Todas estas vicissitudes, a par da inexistência de aviso de recepção, menção da data em que foi entregue ou sua expedição e porque no site dos Correios não existe qualquer informação sobre o registo, devia o tribunal ter considerado a data em que os Correios informaram o processo (24/09/2021);
W) Tendo optado por considerar a Ré JJ citada retroactivamente em 22/02/2021, o tribunal violou a segurança, expectativas e equilíbrio dos interesses das partes;
X) Pois devia ter considerado para efeitos de início de contagem de prazo para apresentação da contestação, a data de 24/09/2021, momento em que os Correios informam os autos e que foi do conhecimento de todos os intervenientes processuais;
Y) Data em que, atendendo ao desconhecimento do tribunal e à movimentação processual, os Recorrentes tiveram condições para considerar iniciado o prazo para apresentarem a sua contestação – 60 dias contados da data de 24/09/2021;
Z) Pois foram organizando os tempos da sua defesa com base na informação que ao longo de 3 anos foi carreada para os autos pela secretaria e resultante do impulso processual – do Tribunal e dos próprios Recorrentes;
AA) Comportamento que não pode ser censurado sendo aliás prática comum e habitual na prática forense – os avisos de receção são do conhecimento de todos para contagem dos prazos;
BB) Nem se concebe como pode o tribunal concluir que “…. Acontece que, nunca nada foi referido pelos réus contestantes de que aguardava por tal informação pois tal só aconteceu quando o Tribunal proferiu despacho de aperfeiçoamento a 13.10.2021…”, quando os recorrentes ao longo de três anos participaram activamente na concretização de soluções para citação da Ré;
CC) Quando é a própria secretaria que em 07/05/2021, data do último ato processual relacionado com a citação, coloca no citius informação que a entrega da citação estava pendente, criando a legítima convicção nos Recorrentes que nem tinha começado a correr prazo para contestar;
DD) Em bom rigor, e no caso concreto, não foi apenas a secretaria judicial a vincular informação nos autos, mas também o próprio tribunal, ordenando diligências de citação até Setembro de 2021.
EE) Aqui chegados, colocando os Recorrentes como um destinatário normal e atendendo a toda a informação que consta nos autos e comunicada pela secretária (no citius e telefónicamente), e as várias insistências de citação, teria a decisão que considerar que os Recorrentes, tal como o próprio tribunal, não tinham meios para saber se a Ré JJ estava citada e muito menos contar prazos;
FF) Admitindo a contestação dos Recorrentes que chegou aos autos no dia 29/10/2021 – dentro dos 60 dias de prazo para contestar:
GG) Ao recusar a contestação, a decisão retirou e reduziu os direitos e garantias processuais dos Recorrentes que confiaram na justiça e no que lhes foi sendo transmitido ao longo de três anos;
HH) Traz-se à colação os princípios defendidos pela Relação de Guimarães em várias decisões no que respeita ao princípio da proteção da confiança em relação à atividade judicial, devendo sempre proteger-se as expectativas criadas pelos procedimentos dos tribunais;
II) E, na situação que se submete à doutra apreciação, não se pode deixar de considerar legítima a junção aos autos da contestação em 29/10/2021, quando a secretaria (na informação que juntava aos autos) e o tribunal (nas decisões e insistências de citação) mantinham e transmitiam a convicção que a Ré JJ não estava citada – não estado a decorrer o prazo para contestar;
JJ) O que se impõe pois, as partes (incluindo o tribunal), devem actuar consoante as regras de boa fé – art. 266.º, n.º 2, da CRP – traduzido no dever de actuar segundo um padrão de lealdade e correção;
KK) Princípio da boa-fé que, na vertente da tutela da confiança, consagra a ideia de previsibilidade e de não contraditoriedade com os actos judiciais praticados;
LL) A conduta dos requerentes é assim um reflexo dos atos judiciais e da secretaria ao longo de três anos em que se frustrou a citação da Ré;
MM) Sempre se questiona, face à informação constante dos autos, quais seriam os conhecimentos que os Recorrentes podiam apelar para contar o prazo?;
NN) Quando o próprio tribunal em 17/02/2021, a pedido dos Recorrentes conheceu da frustração da citação e ordenou nova citação – que de acordo com a informação que consta no citius em Maio de 2021 ainda estava em trânsito – não entregue?;
OO) A convicção dos Recorrentes alicerçou-se assim na informação que consta dos autos, nos actos judiciais e na boa-fé e cooperação processual, não podendo ser censurada através da recusa da contestação;
PP) Pugnam assim os Recorrentes pela nulidade da citação da Ré JJ nos termos do art. 191º, n.º 1, do C. P. Civil), por preterição das formalidades prescritas na lei pois não tendo o aviso de receção sido devolvido, nem resultando que a Ré o tenha recebido e em que data (pois a Ré não confirma se recebeu a citação em concreto, apenas consta a frase “Não sei em que data recebi o item postal”, pelo que, não se pode considerar a Ré JJ validamente citada;
QQ) E pela revogação da decisão na parte que não aceitou a contestação- reconvenção violando o princípio da tutela jurisdicional efetiva contido no artigo 20º da CRP, o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), e respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5); Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se a revogação da decisão na parte em que não admitiu a contestação-reconvenção e substituída por outra que conheça a sua tempestividade fazendo-se assim a tão acostumada Justiça.”

Os Autores não apresentaram contra-alegações.

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Face ao teor das conclusões das alegações, há que verificar:
-- se se deve considerar tempestiva a contestação apresentada pelos Réus Recorrentes, apreciando, para tanto:
- se a citação da Ré JJ é válida;
- se os Réus podem beneficiar dos efeitos que advêm da sua citação e em que termos.

III- Fundamentação de Facto

O elenco dos factos processuais relevantes para a decisão da causa foi efetuado no relatório.

IV- Fundamentação de Direito

Para fundar a tempestividade da sua contestação, em síntese, os Recorrentes apresentam um conjunto de razões (nem todas compatíveis entre si, mas que se podem entender subsidiárias):

- o direito à proteção das suas expetativas quanto à manutenção da situação de falta da citação da Ré, enquanto o tribunal efetivava diligências no sentido de apurar o seu paradeiro com vista à realização desse ato, baseada na proteção da confiança em relação à atividade judicial, devendo sempre proteger-se as expectativas criadas pelos procedimentos dos tribunais e por não poder ser censurada através da recusa da contestação;
- pela nulidade da citação da Ré JJ nos termos do art. 191º, n.º 1, do C. P. Civil.
Há que começar pelas questões que prejudicam o conhecimento das demais, pelo que há, antes de mais, que verificar se se deve decidir pela nulidade operante da citação, ato que é o objeto central deste recurso.
No entanto, há desde já que salientar que o princípio da tutela da confiança (em relação à atividade judicial), a que também recorrem os apelantes, postula uma ideia de proteção da confiança das pessoas (máxime partes processuais) na atuação de que têm sido alvos, quando, em termos justificados, tenham razões para acreditar que não ocorrerá uma mudança arbitraria de condutas. Mas no presente caso não houve qualquer alteração da conduta do tribunal, muito menos arbitrária. Ocorreu, sim, a tardia prestação de informação, pelos Correios, sobre a ocorrência da citação da Ré JJ: tal como os Recorrentes salientam e se viu, até 24-9-2021, face aos elementos dos autos, nem estes, nem os autores, nem o Tribunal, tinham meios para saber que esta já tinha sido citada.
Assim, a decisão tomada não viola qualquer expetativa criada pelo tribunal, que agiu em função do que constava dos autos, mas de uma irregularidade criada pela tardia prestação de uma informação pelos Correios (como veremos, também errónea quanto à data). Haverá, pois, caso se conclua pela validade da citação, que decidir se e em que termos o facto deste conhecimento ser tardio influencia a contagem do prazo para contestar dos restantes Réus.

Da citação

É sabido que a citação tem uma função central no processo, dando conhecimento ao réu da ação que contra ele foi proposta e chamando-o a defender-se – é por isso pedra basilar na observância do constitucional princípio do contraditório e do processo equitativo - e os efeitos que lhe são associados, como o constituir o ónus de contestar, fazer cessar a boa-fé do possuidor e interromper a prescrição (cf. artigos 219.º, n.º 1, 564º e 567º nº 1, do Código de Processo Civil). Por isso, se este ato não tiver lugar, é nulo todo o processado depois da petição inicial lei.
Tal como vem estruturado o Código de Processo Civil, há que distinguir a falta de citação, consagrada nos art.º 187.º e 188.º do Código de Processo Civil (que constitui uma nulidade principal) da nulidade da citação (stricto sensu), prevista no art.º 191.º do Código de Processo Civil e que se traduz numa nulidade secundária.
A primeira, que se pode considerar descrita na lei como a inexistência do ato de citação (por este ter sido completamente omitido, por ter ocorrido erro de identidade do citado, por ter sido empregado indevidamente a citação edital ou ter sido efetuada depois do falecimento ou da extinção do citando, ou quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, como enumera o artigo 188º do Código de Processo Civil), constitui uma nulidade principal ou típica e é de conhecimento oficioso. A falta de citação não só conduz à nulidade de todo o processado após a petição inicial (artigo 187º), como pode dar origem a recurso de revisão e oposição à execução.
A nulidade da citação, em sentido estrito, pressupõe a realização da citação, mas que a mesma padeça da preterição de algumas formalidades prescritas na lei. A mesma deve ser arguida no prazo da contestação e tem como consequência a anulação dos termos subsequentes que dependam do ato anulado. O nº 4 do Código de Processo Civil impõe limites estritos ao atendimento desta nulidade: a mesma só terá relevo se se considerar que a falta cometida pode prejudicar a falta do citando.
De qualquer forma, nos casos em que o réu não tem intervenção processual nos autos (“além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo”) deve-se verificar se a citação cumpriu as formalidades legais e caso se encontrem irregularidades o ato deve repetido – artigo 566º do Código de Processo Civil.
“…perante o facto anómalo do completo silencio do réu, cumpre ao juiz certificar-se de que a citação foi efetuada com observância de todas as formalidades prescritas e mandar repeti-la, sempre que tenha havido omissão de qualquer dessas formalidades, ainda que não essencial” escreveu Antunes Varela em relação ao artigo de anterior código, mas com a mesma redação, in Manual do Processo Civil, 2ª edição, Coimbra editora, p 343, chamando a atenção para o facto de “O caráter excecional da solução não está tanto em se considerar deste modo como relevante a preterição de qualquer formalidade da citação, ainda que ela possa não ter prejudicado a defesa do citando, porquanto é sabido que a falta de qualquer das formalidades prescritas provoca em regra a nulidade do ato…, como no facto de o juiz ser chamado expressamente a conhecer ex officio duma irregularidade contra a qual só o interessado poderia, em princípio, reclamar”. “Quer a irregularidade havida seja essencial, quer não seja, pretende-se não deixar à justiça o remorso de ter sido a causadora indireta, pela preterição de tal formalidade, da falta de contestação do réu e das graves consequências que dela advêm.”
Adiante-se desde já que o Regulamento (EU) 2020/1784 relativo às relativo à citação ou notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação ou notificação de atos) contém, no artigo 22º, norma de conteúdo equivalente, o qual, aliás, também já ocorria no Regulamento que o precedeu (nº 1393/2007): “1. Se o ato que dá início à instância ou ato equivalente tiver sido transmitido a outro Estado-Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento e o demandado não tiver comparecido, o juiz deve sobrestar a decisão enquanto não tiver sido determinado que, quer a citação ou notificação, quer a entrega do ato, foi efetuada em tempo útil para o demandado se poder defender, e que: a) O ato foi objeto de citação ou notificação segundo a forma prescrita pelo direito do Estado-Membro requerido para a citação ou notificação de atos emitidos no seu território e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território; ou b) O ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na residência do demandado, segundo outra forma prevista pelo presente regulamento”.
Assim, antes de mais, há que verificar se no ato praticado se encontram irregularidades que justifiquem a repetição da citação.
Tratando-se de citação de Réu residente no estrangeiro, o artigo 239º do Código de Processo Civil especifica que se deve observar o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
A Ré encontra-se a residir na ..., membro da União Europeia, devendo-se aplicar-lhe o disposto no Regulamento (EU) 2020/1784, o qual prevê que a citação se pode realizar por diversos meios, entre eles a via postal, permitindo que o tribunal que remeta o ato judicial, por carta registada com aviso de receção, diretamente para o citando/notificando residente no Estado-Membro de destino, sem necessidade de intervenção de uma entidade central.
Determina o artigo 18º que “A citação ou notificação de atos judiciais pode ser efetuada diretamente pelos serviços postais a pessoas que estejam noutro Estado-Membro, por meio de carta registada com aviso de receção ou equivalente.”, tal como o previa o artigo 14º do Regulamento n.o 1393/2007.
No presente caso não veio devolvido o primeiro aviso de receção, mas veio devolvida declaração da Ré, datada de 9-8-2021, confirmando que recebeu o item postal em data de que se não recorda.
Será que se pode encontrar no facto de não ter sido devolvido o inicial aviso de receção (com a menção da data da citação), mas seu substituto, com a assinatura da Ré, uma irregularidade na citação que justifique a sua repetição nos termos do preceito que acabámos de citar?
Entendemos que não, visto que o aviso de receção mais não é que um simples comprovativo dessa citação, a qual pode ser substituído por outro documento escrito que contenha os mesmos elementos que permitam ter como comprovada a realização da citação com os elementos necessários para assegurar o contraditório.
Como se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/24/2019, no processo 6113/18.5T8ALM.L1.L1-7, (rel Micaela Sousa), (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt), “A perfeição do ato de citação ocorre com o cumprimento do dever de informação traduzido na indicação de que se considera citado para a causa; de qual o tribunal em que esta está pendente; qual o prazo para oferecimento da defesa; quais as cominações aplicáveis no caso de revelia e a eventual necessidade de patrocínio judiciário – cf. art. 227º, n.º 2 do CPC e ainda, neste sentido, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 179., sendo o aviso de receção assinado demonstrativo do recebimento dessa demonstração, o qual, nos termos do artigo 18º do Regulamento que aqui cuidamos, pode expressamente ser substituído por “equivalente”.
Este é também a jurisprudência nacional dominante que encontrámos (acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 11/07/2019, no processo 1276/14....,rel Maria João Sousa Faro)
Escreveu-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (... Secção) de 2 de março de 2017, no processo ...-/15, referente a caso semelhante e a regulamento nesta parte com os mesmos dizeres normativos, que concluiu de relevante para este caso que “O Regulamento n.º 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que: o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova. Incumbe ao órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, certificar-se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa.
Em desenvolvimento, explana, de forma que nos interessa particularmente:
82 Com efeito, no interesse da celeridade dos processos judiciais, há que garantir, na medida do possível, que o destinatário receba efetivamente o ato objeto de citação ou notificação e que essa receção possa ser demonstrada de maneira fiável pelo remetente.
83 Em caso de litígio, incumbirá, assim, ao remetente demonstrar, através dos elementos materiais relativos à transmissão do ato, a regularidade do procedimento de citação ou notificação, devendo o órgão jurisdicional do Estado-Membro de origem apreciar a pertinência desses elementos tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso.
84 Daqui resulta que o facto de, no caso em apreço, o aviso de receção não ter sido devolvido não é, enquanto tal, suscetível de viciar o procedimento de transmissão por via postal, podendo esta formalidade ser substituída por um documento que ofereça garantias equivalentes.
85 O órgão jurisdicional de reenvio do Estado-Membro de origem, chamado a pronunciar-se, deverá, no entanto, garantir que os elementos de prova invocados para esse efeito demonstram que o destinatário recebeu a citação ou a notificação do ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa.”
É certo que não se sabe em que data ocorreu a citação, mas tal não é relevante para que a mesma se considere efetuada.
Assim, há que considerar que não ocorreu irregularidade na citação da Ré, por ter sido junto equivalente ao aviso de receção, o que a lei aplicável expressamente aceita.
Quanto à data em que a citação teve lugar, no entanto, não se encontram elementos seguros que apontem para a data de 22/2/2021, antes pelo contrário.
Sendo certo que a informação prestada pelos Correios aponta para esse dia, apresenta como razão de ciência “o documento do operador postal do destino”, que juntaram e que foi posteriormente traduzido.
Ora, o número de registo que este refere teve como origem carta elaborada neste processo em 17-2-2022 (como supra se deu conta no relatório), e, conforme cópia do registo obtido para efetuar a reclamação junto dos Correios, a data de receção da carta pelos Correios, para envio, foi 22-02-2021, com carimbo de recebimento dos Correios de ..., desse dia de 22-2-2021. A expedição internacional, conforme informação da mesma entidade, de 7-5-2021, ocorreu no dia seguinte, tendo sido recebida no aeroporto ... em 2-3-2021. Assim, o aviso de receção não podia ser assinado antes de 2-3-2021.
Por outro lado, do próprio documento da entidade postal alemã, para a qual remete a informação dos Correios, não resulta que o aviso de receção foi preenchido em 22-02-2021, mas que a receção da encomenda foi nessa data e que a mesma exigia aviso de receção.
Tal está em conformidade com o carimbo aposto pelos Correios de ....
A declaração da citanda, constante desse documento, esta datada de 9-8-2021, de que não sabe em que data recebeu o item postal, também contraria a indicação de 22-02-2021 como data da entrega do expediente para citação.
Assim, não é possível como data da citação o dia 22-02-2021, mas pode considerar-se a Ré citada na data em que declarou que o havia sido: 9-8-2021.

Do prazo

Se se atentar nesta data e nas férias judiciais, em que se dá a suspensão dos prazos judiciais – artigo 138º, nº 1 do Código de Processo Civil - o prazo começou a correr em 1-9-2021.
Assim, tendo em conta que o prazo que a Ré o prazo para contestar é de 30 dias – cfr. artigo 569.º, n.º 9 do Código de Processo Civil, mas a Ré foi citada no estrangeiro, beneficiaria do prazo de dilação de 30 dias, previsto no artigo 245.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Por força do artigo 569º, nº 2 do Código de Processo Civil, quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. Tem sido entendido que se pode ler este normativo no sentido de que existindo vários réus e terminando os prazos para a contestação em dias diferentes, todos beneficiam do prazo que terminar em último lugar.
Este normativo tem em vista permitir que os Réus possam apresentar uma defesa conjunta, sem prejudicar o Demandante, por não trazer qualquer atraso para o processo, que sempre teria que esperar pelo terminus do prazo da última contestação (artigo 575º nº 2 do Código de Processo Civil), mantendo-se a possibilidade da contribuição de todos os réus para a determinação e o apuramento da matéria fática da causa.
Assim, discutiu-se se em caso de pluralidade de réus, quando a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles por razões pessoais, tal benefício se deve considerar extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº2, do CPC. (cf acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 4632/16.7T8VIS-A.C1, de 09/12/2017, rel Maria João Areias e contra acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, face ao anterior código, de 05/15/2013 , no processo 293/13.3TVLSB.L1-6, rel Ana Lucinda Cabral, disponível em www.dgsi.pt. Neste último acórdão, apresentou-se argumento literal e doutrinal (embora também se apresente doutrina em sentido oposto), citando-se Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2: “A manutenção, em 1995-1996, da redacção do preceito, com rejeição da redacção alternativa do art. 381-2 do Projeto da comissão Varela ("até ao termo do prazo da contestação que possa ser apresentada em último lugar"), é, neste sentido, elucidativa”. Mas a recente jurisprudência já dá como pacífico tal aproveitamento (cf acórdão deste tribunal de 10/07/2021 no processo 5784/20.7T8VNF.G1, rel Rosália Cunha) e o mesmo é o mais consentâneo com o objetivo da lei: permitir a todos os Réus apresentar defesa conjunta, o que simplifica o processo e simultaneamente permite, sem postergar de forma incomportável a celeridade do processo, a busca da verdade material que melhor se encontra com o efetivo exercício do contraditório através da apresentação da contestação.
Como argumento lapidar para o aproveitamento deste prazo por todos os Réus há que ter em conta o nº 3 do artigo 569º do Código de Processo Civil, aliás com conteúdo parecido já no Código de Processo Civil de 1961 e sucessivas alterações, pelo qual se estipula que se o autor desistir da instância ou do pedido relativamente a algum dos réus ainda não citado, são os réus que ainda não contestaram notificados da desistência, contando-se a partir da data da notificação o prazo para a sua contestação.
Concedendo a lei a faculdade de, havendo vários réus, a contestação pode ser oferecida até ao termo do prazo que começasse a correr em último lugar, o legislador, por uma razão de coerência, tinha de prever e de tomar posição quanto à hipótese do demandante vir a desistir quanto a qualquer dos demandados ainda não citado; e foi por isso que, nessa eventualidade determinou que os outros Réus pudessem oferecer as suas contestações como se esse Réu relativamente ao qual o Autor desistiu, houvesse sido citado no dia em que foi apresentado o pedido de desistência.” cf acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/24/1994, no processo 08..., rel Costa Raposo.
Já na vigência do anterior Código de Processo Civil (com a alteração do artigo 486º do DL 44129 de 1961 na reforma conduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12), este direito dos Réus veio a ser reforçado, na senda da defesa dos princípios do contraditório e colaboração, facilitando o exercício das faculdades processuais às partes, pelo que hoje se determina expressamente que os Réus devem ser notificados para esse efeito, contando-se dessa notificação o prazo para contestar.
Pretende-se com esta norma, tal como o nº 2 do artigo 569º, que o antecede, reforçar a possibilidade que os todos os Réus têm de beneficiar do prazo para contestar que termina em último lugar para apresentar a contestação, não permitindo que uma desistência antes da citação de um dos Réus coarte tal possibilidade.
Pode, pois, perguntar-se, se outras situações anormais, em que se mostra impossível aos demais Réus apresentar contestação nesse prazo, por este ou não se iniciar ou ter cessado antes de haver notícia nos autos da citação, se deve aplicar esta norma, por interpretação extensiva ou analógica.
São exemplos destas situações anómalas, o último Réu não citado apresentar contestação (sem que se tenha iniciado prazo para contestar, nem este vir a iniciar-se, por já não haver lugar à citação) ou a presente, em que se entendeu que se teve conhecimento nos autos da citação do último Réu já depois de integralmente decorrido o prazo para contestar.
No caso da primeira situação foi proferido acórdão que entendeu que o Código de Processo Civil “consagra, para todos e cada um dos co-réus, um verdadeiro direito a contestarem no prazo que vier a terminar em último lugar, pois só assim se compreende que, em norma especificamente criada para o efeito, a lei estabelecesse um novo dies a quo para a contagem do prazo, quando, por via da desistência, se torna certo que a citação já não terá lugar. E o reconhecimento deste direito saiu reforçado com a introdução do actual nº 3 do art. 486º do C.P.Civil, pelo Dec-lei 329-A/95 de 12.12, que veio impor o dever de notificar os outros réus da desistência, estabelecendo que a data da notificação passava a ser o dies a quo do novo prazo para contestar….Tal como ocorre no caso da desistência da instância ou do pedido, relativamente a algum dos RR. ainda não citados, também não pode, neste caso, em que a Ré não foi citada, o prazo iniciar-se e esgotar-se no dia em que a referida Ré apresenta em juízo a contestação. Quando muito, poderia defender-se que tal prazo se iniciou com a apresentação dessa contestação” cf acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 1339/20..., de 03/18/2010, rel Fátima Galante, a qual refere acórdão do STA de 30.10.1975, BMJ 254º, pag 228, na parte que aqui interessa: “I- No caso de litisconsórcio passivo há dois critérios possíveis para contar o prazo de contestação do réu já citado, quando o réu não citado adianta a sua contestação. II- Um desses critérios é o da aplicação analógica do nº2 do art. 486º, do CPCivil, contando-se o prazo que caberia ao réu não citado a partir da apresentação da contestação: o outro critério traduz-se em contar o prazo para contestar atribuído ao réu já citado a partir do trânsito em julgado do despacho que julgou sanada a falta de citação”.
Tal como se salienta nestes acórdãos, cujo raciocínio entendemos ser de seguir, considera-se que no caso de litisconsórcio passivo todos os Réus beneficiam do prazo para contestar que cabe àquele que o verá terminar em último lugar e no caso de ocorrer uma circunstância que impeça o decurso desse prazo (ou que dele se tenha conhecimento), os Réus não contestantes não podem ficar privados do prazo para contestar.
Com o nº 2 e 3 do artigo 569º do Código de Processo Civil (com correspondência no anterior Código de Processo Civil, na versão pós reforma de 1995) pretende-se conceder, no caso de haver mais do que um Réu, o direito ao Réus de apresentar a contestação até ao terminus do prazo para contestar que terminará em último lugar. Mas, da mesma forma, pretende-se evitar que os Réus sejam confrontados com a repentina extinção desse prazo, por motivos que lhe são alheios, perdendo a possibilidade de apresentar contestação, como a desistência do pedido relativamente a Réu não citado, a apresentação de contestação por Réu não citado ou o conhecimento no processo da realização da citação já depois de decorrido o prazo.
Nesses casos, em que os Réus beneficiários do prazo de contestação pessoal que termina em primeiro lugar, não poderão, por força das circunstâncias, apresentar a contestação no prazo que resulta da última citação do co-Réu, a lei prevê uma nova notificação daqueles Réus para apresentar a sua contestação.
Assim, seja por força do disposto no nº 2 do artigo 569º do Código de Processo Civil, visto que se considera que a citação se deve considerar realizada em 9-8-2021, seja por força do princípio ínsito no nº 3 deste preceito, que não permite que os Réus citados não contestantes que aguardam a citação do último Réu fiquem abruptamente privados de prazo para contestar por virtude de facto que lhes é alheio e de que não podiam tomar conhecimento ao consultar o processo diligentemente, há que considerar a contestação tempestiva.
Assim, há que revogar o despacho recorrido.

V- Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e considera-se tempestivamente apresentada a contestação com a anulação dos atos subsequentes ao despacho recorrido, dele dependentes.

Custas da apelação pelos recorridos.

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes