Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5366/17.0T8GMR.G1
Relator: HELENA LOPES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL
PAGAMENTO DA RENDA EM GÉNEROS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
. O DL 385/88 foi revogado pelo DL 294/2009, o qual, no entanto, só se aplica obrigatoriamente e na íntegra, aos contratos de arrendamento rural celebrados a partir da sua entrada em vigor. Poderá também aplicar-se aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, e renováveis já no decurso da vigência do mesmo, desde que tenham sido alterados em conformidade com o mesmo (artºs 39º, nº 2 e 41º), devendo assim, para além do mais, ser reduzidos a escrito.
. Não tendo o contrato dos autos sido alterado em conformidade com o DL 294/2009, designadamente, não tendo sido reduzido a escrito, aplica-se o disposto no DL 385/88.
.Como resulta do disposto no artº 35º, nº 4 do DL 385/88 (e do artº 35º, nº 5 do DL 294/09 que veio revogar o DL 385/88, cuja redacção é idêntica e que manteve no artº 6º, nº 1 a obrigatoriedade da redução do contrato a escrito), a lei veda apenas a invocação da nulidade à parte que notificada para reduzir a escrito o contrato, optou por não o fazer, nada restringindo relativamente aos contratantes que nenhuma iniciativa tomaram, não notificando a contraparte.
. O artigo 36º, nºs 1 e 2 do DL 385/88 veio determinar a aplicabilidade imediata do DL 385/88 – normas processuais e substantivas - a todos os contratos já existentes e aos processos pendentes, com exceção apenas dos que, à data da sua entrada em vigor, já tinham sido objecto de decisão em primeira instância, ainda que não transitada em julgado.
. Assim, por força do disposto no artº 36º do DL 385/88, a obrigatoriedade de conversão da renda em dinheiro ou em dinheiro e géneros, aplica-se a todos os contratos ainda que celebrados em data anterior.
. Nem todo o conteúdo dos contratos é regulado pela lei vigente à data da sua celebração, antes o seu «estatuto legal» é regulado pela lei nova, imediatamente aplicável a todas as situações pendentes mesmo que estas se encontrem reguladas por cláusulas contratuais, o que acontece nas leis que criam um conjunto de poderes ou faculdades e de deveres susceptíveis de interessar a todos os membros da colectividade, como o arrendamento, em que o legislador conserva larga margem de conformação às condições sócio-económicas em cada momento dominantes.
.A proibição do pagamento integral em géneros, considerada uma forma arcaica de pagamento de renda, tem como fim a salvaguardada do arrendatário e é o resultado de uma evolução social do conceito de arrendamento rural.
.Assim a renda devida pelo arrendatário rural fixada em géneros em 1967, deveria ter sido alterada para renda em dinheiro ou dinheiro e géneros, a partir da data da entrada em vigor do DL 385/88.
.Deve ser paralisados os efeitos decorrentes da nulidade por abuso de direito, no caso em que os AA., vizinhos dos prédios em causa e ali residindo quando em Portugal, não desconheciam a falta de forma do contrato de arrendamento e a contrapartida paga pelos locatários, não sendo equacionável nem que não lhes tenham sido transmitidas pelo anterior proprietário, nem que estes não o tivessem inquirido sobre tal, assim como não podiam desconhecer a não oposição dos anteriores locadores ao longo dos anos, que sempre agiram no convencimento da plena validade do contrato celebrado, recebendo as rendas e quando resolveram vender, notificando a arrendatária das condições do negócio, para, querendo, exercer o direito de preferência.
.Ao suceder na posição jurídica do primitivo senhorio, não podem os AA. considerarem-se totalmente desvinculados das consequências da (não actuação) do primitivo e anterior senhorio e das fundadas expectativas que tal inércia ou tolerância prolongada pode ter consolidado justificadamente nas pessoas dos arrendatários.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

A. L. e mulher M. F. intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra M. C., pedindo:

a) que se declare que são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados nos artigos 1º a 4º da petição;
b) a condenação da Ré a:
i) reconhecer e a respeitar aquele direito de propriedade e a abster-se da prática de quaisquer atos lesivos dos mesmos;
ii) restituir-lhes os referidos prédios inteiramente livres e desocupados de pessoas e bens;
iii) pagar-lhes, a título de indemnização pelos prejuízos causados desde 8 de Agosto de 2012 e pelos benefícios que deixaram de obter em resultado da sua recusa em entregar-lhes os prédios, quantia a apurar em liquidação incidental à presente ação.

Alegaram, em síntese, que por escritura pública celebrada em 8 de Agosto de 2012, B. A. declarou vender-lhes, pelo preço de € 90.000, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … -... e os prédios rústicos inscritos na matriz da referida freguesia sob os artigos ..., ..., ... e ..., descritos, respetivamente sob os nºs ..., ..., ... e ..., que registaram a seu favor, acrescentando que, por si e anteproprietários, há mais de 20 anos, colhem os frutos e suportam os encargos, à vista de toda a gente, sem oposição, ininterruptamente, convictos de serem seus proprietários.
Referem que, depois da compra, solicitaram à Ré que entregasse os prédios e, posteriormente, por carta registada com aviso de receção, remetida pelo seu Mandatário, o Autor comunicou que pretendia essa entrega até Setembro de 2015, o que a Ré não fez, comunicando, através do seu Mandatário, que embora os prédios pertençam aos AA. , são objeto de contrato de arrendamento. No entanto, apesar de os pais do vendedor terem celebrado com o marido da Ré, falecido em 17 de Outubro de 2011 (1), acordo pelo qual cederam os prédios rústicos para que os explorassem e cultivassem, mediante o pagamento de uma quota da produção e, em complemento, a casa de habitação que faz parte do prédio urbano, pelo prazo de um ano, renovável, com início em 1 de Novembro de 1965, o mesmo acordo nunca foi reduzido a escrito, sendo nulo.
Acrescentam que desde a aquisição dos prédios pelos AA. estão impedidos de retirar rendimento, bem como de restaurar o prédio urbano, rentabilizá-lo e explorar a suas potencialidades.
A Ré contestou, contrapondo que, há mais de 40 anos, J. A. e mulher celebraram consigo e seu marido um contrato de arrendamento rural que tinha por objeto os prédios em causa, o qual assegurou o alojamento para o seu agregado familiar e o fabrico agrícola dos prédios rústicos para sustento seu e da família com pagamento da renda, de forma ininterrupta; foi reconhecida como arrendatária pelos sucessivos proprietários, estando convicta da existência de documento da sua redução a escrito e que, antes da venda aos Autores, o anterior proprietário comunicou-lhe o projeto de alienação.
Invocou exceção dilatória inominada, alegando que os Autores invocaram a nulidade do contrato de arrendamento por inobservância de forma escrita, sem pedir que seja declarado judicialmente nulo, sendo tal impeditivo do pedido de reivindicação e não juntaram cópia do contrato com a petição inicial, nem alegaram que a falta é a si imputável, defendendo a extinção da instância.
Acrescentou que os Autores agem em abuso de direito por pretenderem fazer-se valer do vício de forma, não obstante o longo prazo decorrido e o cumprimento das suas obrigações para com os sucessivos senhorios e referiu ainda, quanto à indemnização, que sempre lhes ofereceu a renda, que corresponde ao rendimento do prédio.
Realizada tentativa de conciliação, apesar de suspensão da instância com vista ao desenvolvimento de diligências tendentes à exploração de soluções, frustrou-se a celebração de transação.
Foi dada oportunidade aos Autores de exerceram o contraditório, o que fizeram argumentando que o Tribunal pode conhecer expressamente a nulidade do contrato e que esse pedido está implícito naqueles que formularam, não havendo fundamento para intentar ação ou formular expressamente esse pedido; defenderam que os prédios foram objeto de um contrato de parceria agrícola, omitindo a Ré o tipo ou natureza da renda e que, falecido o seu marido, jamais a mesma manifestou aos proprietários a vontade de exercer o direito de transmissão. Finalizaram alegando que não foram eles quem celebrou o contrato, nunca receberam qualquer renda nem foram interpelados para a redução a escrito do contrato ou a sua conversão em contrato de arrendamento rural.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória inominada e se pronunciou pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.
Identificado o litígio, foram enunciados os temas da prova, sem reclamação.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
VI. DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente:

a) declara que os Autores A. L. e mulher M. F. são proprietários dos prédios identificados no ponto 1) da fundamentação de facto;
b) condena a Ré M. C. a:
i) reconhecer o direito de propriedade dos Autores A. L. e mulher M. F. relativamente aos prédios identificados supra em a);
ii) abster-se da prática de quaisquer atos lesivos daquele direito;
iii) restituir aos Autores os referidos prédios inteiramente livres e desocupados de pessoas e bens;
c) absolve a Ré M. C. do pedido de indemnização formulado pelos Autores A. L. e mulher M. F..
Custas a cargo dos Autores e da Ré na proporção de 4/10 e 6/10, respetivamente.”

A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 ° - A decisão da matéria de facto proferida pela Sra. Juiz a quo merece censura por considerar como não provados determinados factos que estão em contradição com a prova produzida nos autos, as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer, devendo em consequência esta decisão ser alterada, no sentido constante das alegações produzidas em relação a cada facto e a merecer revisão;
2° - Estão em causa o ponto de facto n° 11 dos factos provados e os factos constantes dos artigos 16° e 17 da contestação, estes considerados não provados;
3° - A prova produzida nos autos inculca a alteração da matéria de fato preconizada nas conclusões antecedentes, e a considerar a alteração daquele provado e os não provados como para provados, com a seguinte redação:
FACTO PROVADO: 11)
"Em data não apurada do ano de 1967, F. P., mãe de B. A., acordaram por escrito com F. G. e a Ré ceder-lhes, entre outros, os imóveis identificados em I), para explorarem e cultivarem os prédios rústicos e habitar com o respetivo agregado familiar no prédio urbano, tendo como contrapartida, a entrega metade do vinho, do milho e do feijão ali produzidos e suportando uns e outros, na proporção de metade, as despesas com adubos e produtos fitofarmacêuticos destinados ao cuidado da vinha (resposta aos artigos 24° e 26° da petição inicial, 11 ° e 13° da contestação) ";
e, a aditar aos factos provados:
(parte do artº16º da contestação)
"' ... J. A., que subscreveu um documento a reconhecer essa qualidade e o contrato de arrendamento rural, possibilitando à Ré e ao marido a sua inscrição e os descontos para a extinta "casa do Povo", e celebrar o contrato de fornecimento de electricidade ao prédio. ":
Artigo 17° da contestação.
A Ré, que é iletrada, está convicta que o contrato de arrendamento rural foi reduzido a escrito, que o mesmo existe e os Autores estão na posse de um exemplar. ";
4° - Na revisão da matéria fáctica e sua alteração, nos termos anteriormente enunciados, a considerar como relevante na reapreciação da prova o depoimento prestado pela testemunha F. J., com registo de gravação digital- minutos 14.31.21 a 14.43.23 horas da gravação - indicado no corpo das alegações e ali referido de forma expressa a existência de contrato escrito;
5° - Em sede de reapreciação da prova não se opõe a fundamentação da douta sentença quanto à matéria de facto cuja alteração se preconiza, a revelada convicção do Tribunal e da Meretíssima Sra. Dra. Juiz a quo,•
6° - Em sede da requerida revisão da matéria de facto a prova a considerar, para além da indicada pela Apelante, é, ainda, o universo da prova nos autos, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer;
7° - A prova dos factos alegado pela Ré/Apelante não é posta em crise por qualquer documento ou os depoimentos prestados por outras testemunhas não permitem extrair e fundamentar as conclusões negativas em matéria de facto que a douta sentença acolheu, pois a prova nos autos é todo o universo da prova, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer;
8° - alteração e modificabilidade da matéria fáctica que advém dos factos enunciados nos pontos anteriores, revendo-se na consideração da prova obtida e ali indicada, e a alteração que se preconiza relativamente a esta factualidade, pois estará demonstrado pela Ré a existência do contrato de arrendamento rural reduzido a escrito;
9° - Da matéria fáctica relevante nos autos, alterada aquela objeto do pedido de revisão em apelação, resultará a existência do contrato de arrendamento rural e reduzido a escrito;
10° - A considerar a revisão da matéria de facto nos termos preconizados, a observância da forma escrita do contrato de arrendamento rural obsta ao reconhecimento da nulidade por falta de forma invocada pelos Autores e acolhida pelo tribunal a quo;
11º - O facto de a Ré não estar na posse um exemplar desse contrato não quer dizer que aquele contrato não tenha sido reduzido a escrito e a prova da existência daquele contrato de arrendamento rural celebrado por escrito não está reduzida à apresentação de um exemplar, o que importa é a prova da sua feitura;
12.º - Na parte relativa à decisão de direito, consideramos que a sentença em crise quanto ao reconhecimento da nulidade do contrato de arrendamento rural, por inobservância da forma escrita e redução da renda a dinheiro, não fez uma correta ponderação do direito aplicável à situação sub judicie, pelo que, no nosso modesto entendimento, carece de revisão;
13º - Nos autos está em causa a reivindicação de vários prédios pertença dos Autores e objeto de um contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo celebrado no ano de 1967 e, para obstar à procedência da ação, a Ré invocou a existência daquele contrato de arrendamento rural;
14° - Com relevância para a questão sub judicie, o Tribunal a quo dá por assente a existência de um contrato de arrendamento celebrado no decurso do ano de 1967, por forma verbal, e o mesmo nunca foi reduzido a escrito e, ainda, concluiu que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento rural configura a nulidade invocada pelos Autores;
15° - Consideramos, salvo melhor opinião, os contratos de arrendamento antigos e sem redução a escrito continuam a ter relevância jurídica, designadamente para efeitos de oposição em ação de reivindicação;
16° -No nosso modesto entendimento a interpretação correta dos sucessivos e preceitos jurídicos que regem o regime do arrendamento rural após o ano de 1967 deverá ser no sentido que a validade e a prova da existência do contrato de arrendamento rural vinculante celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n? 385/88 não exige documento e a lei não exige um prazo máximo para a sua redução a escrito, pois o citado Decreto-Lei estabelece uma faculdade de solicitar a redução a escrito, mas não já um dever com prazo';
17° - O Supremo Tribunal de Justiça, na mais recente jurisprudência, por Acórdão de 19.02.2019, Proc. n? 406117.6T8GDM.P1.S1, Relatara a II. Sra Juiz Conselheira Fátima Gomes, com posição conforme dos IIs. Srs Juízes Conselheiros Acácio Neves e Fernando Sarnões, por unanimidade sufragou o entendimento que a existência do contrato de arrendamento rural poderá ser demonstrada por outro meio, o que se alcança do douto Acórdão e cujo sumário que se transcreve:
1 - A validade do contrato de arrendamento rural deve aferir-se pelo momento da sua celebração e não ser afetada por uma exigência legal posterior.
2 - O DL nº 385/88 ao exigir a solicitação da redução a escrita do anterior contrato verbal não estabelece um prazo de caducidade para o exercício do direito.
3 - A prova da existência de título de arrendamento rural, a que alude o DL nº 385/88 de 25-10, não exige documento, pelo que se admitem outros meios de prova".
18° - A Ré ao invocar a existência de um contrato de arrendamento rural, que o Tribunal a quo deu como provada a sua celebração no ano de 1967, constitui título bastante para obstar à procedência da ação de reivindicação e entrega dos prédios objeto do arrendamento rural, tem a natureza de contrato vinculante e legitimador da ocupação que faz dos prédios reivindicados.
19° - Decorre dos factos provados que os Autores não fizeram qualquer diligência junto da Ré para a notificar da intenção da redução a escrito do contrato de arrendamento, conforme se alcança da matéria de facto assente - factos nºs 15 e 16 -, e ainda resulta da análise da factual idade assente que os Autores nunca mostraram qualquer interesse na obtenção da redução a escrito do aludido contrato de arrendamento.
20° - Atenta a inércia dos Autores aquele contrato de arrendamento rural verbal, não sujeito a um prazo de caducidade, mantêm-se em vigor na data da propositura da ação e constitui fundamento válido que legitima a ocupação dos imóveis e obsta aos efeitos próprios de uma ação de reivindicação;
21 ° - Perante a existência daquele contrato vinculante, que não caducou, os Autores para se fazerem valer da nulidade do contrato, por não redução a escrito, teriam de demonstrar ao Tribunal terem usado a notificação da Ré a exigir a redução a escrito do contrato, e que a mesma não 'se observou por facto imputável à Ré;
22º- Ainda se considera que, em relação aos contratos de arrendamento rural celebrados antes da entrada em vigor do regime do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro e do Decreto-Lei nº 294/09, de 13 de Outubro, a exigência de forma imposta por lei para o contrato de arrendamento rural -- forma escrita - constitua uma formalidade ad probationem e não uma formalidade ad substantiam;
23° - Os contratos de arrendamento antigos e não reduzidos a escrito, celebrados antes da entrada em vigor da LAR, continuam a ter relevância jurídica, não estão sujeito a um prazo de caducidade, e demonstrada a sua feitura será meio eficaz de oposição à ação de reivindicação;
24° - Também não está ferido de nulidade, na previsão do Decreto-Lei nº249/2009, o contrato de arrendamento rural celebrado no ano de 1967 com fixação da renda em géneros;
25° - A manutenção do pagamento da renda em géneros, estipulada conforme o regime legal em vigor no ano de 1967 (data da celebração do contrato de arrendamento rural), não constitui violação ao regime introduzido pela Decreto-Lei.nº 249/2009, uma vez que este regime só se aplica quando o contrato for reduzido a escrito;
26° - A produção dos efeitos previsto no Decreto-Lei nº249/2009, em relação aos contratos de arrendamento existentes na data da sua entrada em vigor, ocorrerá após os mesmos serem alterados, nos termos do disposto no nº 2 do artº 44° do citado Decreto-Lei. Neste sentido, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.11.2016, in www.dgsi.pt.
27° - Dos autos resulta a verificação dos requisitos da "denominada suppressio ", consubstanciado na arguição da nulidade do contrato de arrendamento por vício de forma e a sua paralisação pela figura do abuso do direito;
28° - Há abuso do direito sempre que o exercício do direito excede os limites ditados pela boa fé e fim económico desse direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, sendo de considerar clamorosa ofensa do direito quando resulta do seu exercício um injustificado e ilegítimo interesse ou pretensão;
29° - Na presente acção os Autores/Apelados fazem-se valer da nulidade por vício de forma do contrato, invocam aquele vício com claro abuso do direito, o que é impeditivo do conhecimento de tal nulidade;
30° - Perante o longo prazo decorrido de relação arrendatícia, o que perdura há mais de cinquenta anos, e cumprimento do contrato por parte da Ré/Apelante, que sempre satisfez as suas obrigações para com os sucessivos senhorios, e como tal por este reconhecida, incluindo os Apelados, a pretensão dos Autores constitui clamorosa ofensa ao princípio da boa fé que justifique a manutenção e produção dos efeitos do contrato de arrendamento rural.
31 ° - Nestas circunstâncias, a invocação da nulidade formal, não tendo outro propósito que não seja o de os Autores/Apelados se libertarem de um vínculo que sabiam pré-existir à compra que efetuaram, com repercussão 'no preço pago e sua redução, traduz inaceitável venire contra factum proprium, abuso do direito que torna inoperante aquele vício formal.
32.º - A arguição da nulidade do contrato de arrendamento por vício de forma pode e deve ser paralisada pela figura do abuso do direito, o que expressamente se invoca.
33° - Deverá ser proferido douto Acórdão de procedência da Apelação e, em consequência, absolvição da Ré dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) da petição inicial;
34° - A douta decisão em crise violou, nomeadamente, o disposto nos preceitos jurídicos da lei substantiva:
Código Civil: art''s 220°, 286°, 289° e 334°; DL n0385/88: ares 3°, 7° e 35°, nos; Decreto-Lei n? 294/90: art''s 11°.

NESTES TERMOS,

deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, alterada a decisão da matéria de facto e revogada a douta sentença em crise, na parte impugnada, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) do requerimento inicial.

A parte contrária contra-alegou, concluindo as suas contra-alegações do seguinte modo:

1ª – A testemunha F. J. nunca referiu a existência de contrato escrito. Nem nunca o viu ou leu.
2ª – Nenhuma testemunha, quer dos AA., quer da Ré, referiu a existência de contrato escrito ou que a renda era em dinheiro ou tivesse passado a ser em dinheiro.
3ª – Nunca foi reduzido a escrito desde a data da sua celebração até à da propositura da presente ação.
4ª – A meritíssima juiz a quo seguiu na apreciação e valoração da prova e na formação da sua convicção um processo lógico e racional, donde não resultou decisão arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
5ª – A Ré recorrente não juntou exemplar do contrato de arrendamento rural e na conclusão 11º das suas alegações admite não estar na sua posse, não impugna os factos 14., 15., 16. e 17. da decisão sobre a matéria de facto (III. Fundamentação de Facto).
6ª – Nas conclusões 19º e 20º admite que o contrato não foi celebrado por escrito afirmando expressamente na conclusão 20º que foi verbal.
7ª – Na conclusão 21º alude também à oralidade do contrato de arrendamento rural, dizendo que competia aos Autores demonstrar em tribunal que notificaram a Ré para a sua redução a escrito e que a mesma não se reduziu por facto a ela imputável.
8ª – Tal afirmação é totalmente gratuita, não assenta em qualquer facto e contradiz os factos provados nºs 15., 16. e 17. da decisão de facto.
9ª – Na verdade era à Ré que competia provar, para poder ser recusada a restituição dos prédios aos Autores, ter o título escrito do arrendamento e juntá-lo aos autos. Ou que haviam sido convocados os proprietários dos prédios, quer os anteriores, quer os atuais (os autores), e que aqueles e estes se recusaram a reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural.
10ª – É clara nos autos a prova de não ter sido solicitada pela Ré ou pelo falecido marido a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, quer aos proprietários atuais (os AA.), quer aos anteriores.
11ª – E se nenhuma das partes convocar a outra para a redução a escrito do contrato, pode, por isso, qualquer delas arguir a respetiva nulidade, não assumindo qualquer relevância jurídica o contrato verbal, como é entendimento da jurisprudência e da doutrina.
12ª – Resulta da factualidade provada que a não redução a escrito do contrato de arrendamento rural apreciado na presente ação constitui uma nulidade. Atípica, segundo o D.L. 385/88, de 25 de outubro, (arts. 3º e 36º), e invocada pelos autores, e típica, segundo o artº 6º, 2, do D.L. 294/2009, de 13 de outubro, de conhecimento oficioso, e invocada também pelos AA. sob o nº 47 da petição.
13ª – E não tendo sido o contrato reduzido a escrito no momento da renovação, a 11ª ocorrida em 01.11.2012, também a renda em géneros não foi convertida em prestação pecuniária, como o impunha o disposto no artº 11º, 1, do D. L. 294/2009, o que constitui nulidade, também do conhecimento oficioso.
14ª – Nunca a Ré pagou renda em dinheiro, nem os AA. a receberam, como, aliás, em géneros.
15ª – E como foram violadas disposições imperativas, como o disposto no artº 7º do D.L. 385/88 e no artº 11º do D.L. 294/2009, de fixação do valor da renda em dinheiro, não só o contrato de arrendamento rural é nulo (artº 294º do Cód. Civil), como não é suscetível de invocação de abuso de direito.
16ª – De resto, a Ré não alega nem demonstra os competentes factos justificativos enunciando apenas princípios e ideias gerais.
17ª – E não cumpriu um elemento absolutamente essencial à consolidação e estabilização da relação locatícia, que era o pagamento da renda em dinheiro.
18ª – Ocupando os prédios sem autorização e contra a vontade dos autores desde 30 de setembro de 2015 (facto nº 18 da Fundamentação de Facto).
19ª – Em face do exposto fácil é concluir que deve improceder o recurso em análise, por isso que o Tribunal a quo fez um correto julgamento da matéria de facto e aplicou sem mácula o direito ao caso sub judice, não tendo violado –antes respeitado pontualmente- qualquer disposição legal.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Excias doutamente suprirão, deve negar-se provimento ao recurso em apreço confirmando na íntegra a douta sentença recorrida.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir, de acordo com as conclusões da apelação, são as seguintes:

. se a matéria de facto deve ser alterada, dando-se como provados os factos constantes dos artigos 16º(parte) e 17º da contestação e se deve ser alterado o artº 11º dos factos provados, dando-se como provado que o contrato foi reduzido a escrito;
. se a validade e a prova da existência do contrato de arrendamento rural celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/88 não exige documento, não impondo a lei um prazo máximo para a sua redução a escrito;
. se, no caso, não se impõe a obrigatoriedade de pagamento da renda em dinheiro; e,
. se os AA. ao invocarem a nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma, agem em abuso de direito.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados

1. Por escritura pública outorgada a 8 de Agosto de 2012, no Cartório Notarial da Dr.ª C. A., sito na Rua …, nº …, Póvoa de Lanhoso, B. A. declarou vender aos Autores, que declararam aceitar, pelo preço global de € 90.000 que deles havia recebido os seguintes bens imóveis, situados na freguesia de ..., concelho de Póvoa de Lanhoso:

a) prédio urbano situado no lugar de ..., composto de casa para habitação de rés-do-chão, cortes, espigueiro, eira e envolvente descoberta, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
b) prédio rústico denominado Campo da …, situado no lugar da ..., composto de terreno de cultivo, descrito na mesma Conservatória sob o nº ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
c) prédio rústico denominado …, situado no lugar de …, composto de eucaliptal e mato, descrito na dita Conservatória sob o nº ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
d) prédio rústico denominado Leira de …, situado no lugar de ..., com-posto de cultura e videiras de enforcado, descrito na referida Conservatória sob o nº ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
e) prédio rústico denominado Campo das …, situado no lugar de ..., composto de cultura e videiras de enforcado, descrito na mencionada Conservatória sob o nº ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... [resposta aos artigos 1º, 2º, 5º da petição inicial]
2. Os prédios identificados em 1) encontram-se registados a favor dos Autores pela Ap. 2034 de 8 de Agosto de 2012 [resposta ao artigo 6º da petição inicial].
3. O prédio identificado em 1) a) tem a área total de 988 m2, sendo a área da casa para habitação de 164 m2, a das cortes de 100 m2, a do espigueiro de 41 m2 e a da eira e área envolvente descoberta de 683 m2 [resposta ao artigo 3º da petição inicial].
4. As áreas dos prédios rústicos identificados em 1) b), c), d) e e) são de 2.951,70 m2, 3.200 m2, 870 m2 e 3.000 m2 respetivamente [resposta ao artigo 6º da petição inicial].
5. Por si e anteproprietários, há mais de 20 anos, os Autores colhem os frutos dos prédios identificados em 1), suportam os respetivos encargos, designadamente impostos (IMI), o que acontece à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de modo pleno e exclusivo, ininterruptamente, na convicção de serem os seus proprietários [resposta aos artigos 8º a 12º da petição inicial].
6. Com data de 5 de Dezembro de 2012, o Mandatário dos Autores endereçou à Ré missiva em que pedia que passasse no seu escritório num dos dias da semana seguinte à tarde “a ver se se resolvem por consenso uns problemas que envolvem V. Excia e o Sr. A. L., meu cliente, problemas esses relacionados com os prédios que adquiriu ao Sr. B. A.” [resposta ao artigo 16º da petição inicial].
7. Em 30 de Junho de 2015 o Mandatário dos Autores endereçou à Ré carta registada com aviso de receção, que a mesma recebeu no dia seguinte, aludindo à missiva referida em 6), à compra dos prédios identificados em 1), “dos quais V. Excia era arrendatária”, comunicando-lhe que o Autor “pretende que V. Excia lhe entregue os acima identificados prédios, livres e devolutos, até ao dia 30 de Setembro de 2015” [resposta aos artigos 17º da petição inicial, 29º da contestação].
8. Em resposta à carta identificada em 7), por email de 2 de Julho de 2015, o Mandatário da Ré transmitiu ao Mandatário dos Autores “pretende aquela m/ constituinte expressar a surpresa pela pretensão ali manifestada, uma vez que os prédios em causa são objeto de um contrato de arrendamento rural em vigor e que a m/constituinte, enquanto arrendatária, observará” [resposta ao artigo 18º da petição inicial].
9. A Ré não entregou os prédios identificados em 1) aos Autores [resposta ao artigo 19º da petição inicial].
10. Os prédios identificados em 1) integravam, com outros prédios rústicos, a denominada “Quinta da ...” pertencente a J. A. e mulher F. P., pais de B. A. [resposta ao artigo 24º da petição inicial].
11. Em data não apurada do ano de 1967, F. P., mãe de B. A., acordou verbalmente com F. G. e a Ré ceder-lhes, entre outros, os imóveis identificados em 1), para explorarem e cultivarem os prédios rústicos e habitar com o respetivo agregado familiar no prédio urbano, tendo como contrapartida, a entrega metade do vinho, do milho e do feijão ali produzidos e suportando uns e outros, na proporção de metade, as despesas com adubos e produtos fitofarmacêuticos destinados ao cuidado da vinha [resposta aos artigos 24º e 26º da petição inicial, 11º, 13º da contestação].
12. F. G. faleceu a - de Outubro de 2011 no estado de casado com a Ré [resposta ao artigo 25º da petição inicial].
13. Em conjunto com o marido, entretanto falecido e os filhos, a Ré têm fabricado os prédios identificados em 1) de forma ininterrupta [resposta ao artigo 14º da contestação].
14. A Ré entregava as colheitas identificadas em 11) a B. A. e esposa, que os recebiam, até que estes prescindiram do feijão e do milho [resposta ao artigo 15º da contes-tação].
15. F. P. e B. A. não endereçaram à Ré e marido comunicação a exigir a redução a escrito do acordo identificado em 11) [resposta aos artigos 28º, 30º da petição inicial].
16. Tão pouco os Autores dirigiram à Ré solicitação nesse sentido após o momento identificado em 1) [resposta ao artigo 38º da contestação].
17. De igual forma, a Ré e o marido não solicitaram essa redução a escrito às pessoas identificadas em 15) e 16) [resposta aos artigos 28º, 30º, 54º da petição inicial, 31º do articulado de contraditório apresentado em 2 de Outubro de 2018].
18. A Ré ocupa os prédios identificados em 1) sem autorização e contra a vontade dos Autores desde 30 de Setembro de 2015 [resposta ao artigo 23º da petição inicial].
19. Em consequência da não entrega dos prédios, os Autores estão impedidos de restaurar o prédio urbano, já degradado e de o rentabilizar e explorar as suas potencialidades, o mesmo sucedendo com os prédios rústicos [resposta aos artigos 70º, 71º da petição inicial].
20. O Autor nasceu e viveu em prédio contíguo aos identificados em 1), residindo aí com a Ré, desde o casamento e quando em Portugal [resposta ao artigo 23º da contestação].
21. No momento referido em 1) os Autores tinham conhecimento das circunstâncias da ocupação dos prédios pela Ré [resposta aos artigos 23º, 27º, 28º da contestação].
22. F. P., bem como B. A., sempre aceitaram sem reserva o alojamento da Ré e seu agregado familiar no prédio identificado em 1) a) e os trabalhos agrícolas que estes desenvolviam nos prédios identificados em 1) b) a e) [resposta aos artigos 20º, 21º, 22º, 24º, 25º da contestação].
23. Por carta registada com aviso de receção datada de 16 de Fevereiro de 2012 B. A. comunicou à Ré ser seu propósito realizar a venda dos prédios identificados em 1) “de que é arrendatária”, indicou que o preço global era de € 90.000, sendo € 10.000 pagos de imediato como sinal e os restantes € 80.000 no ato de celebração da compra e venda a realizar até ao final do seguinte mês de Agosto, identificou o Autor como a pessoa com quem tinha a compra negociada, terminando com “caso V. Exa esteja interessada em exercer o direito de preferência nesta compra e venda deverá comunicar-me essa vontade no prazo legal” [resposta ao artigo 26º da contestação].
24. Em 2012 a Ré comunicou aos Autores que o milho e o vinho produzidos nos prédios, referentes à contrapartida aludida em 11), estavam à sua disposição [resposta ao artigo 31º do articulado de contraditório apresentado em 25 de Janeiro de 2018].
25. Os Autores não receberam o vinho e os cereais referidos em 24) [resposta ao artigo 31º do articulado de contraditório apresentado em 25 de Janeiro de 2018].
26. O prédio identificado em 1) a) encontra-se degradado pernoitando a Ré noutro a si pertencente situado na Travessa … nº .., ..., ..., Póvoa de Lanhoso [resposta ao artigo 15º do articulado de contraditório apresentado em 25 de Janeiro de 2018].
***
Não resultaram provados os factos alegados:

- no artigo 27º da petição inicial;
- nos artigos 16º (segmento a partir de “J.A.” até final”) , 17º da contestação;
- artigos 6º a 8º, 10º, 13º do articulado de contraditório apresentado em 25 de Janeiro de 2018.
Fez-se ainda constar na sentença recorrida que:

A alegação contida nos artigos 7º, 13º, 19º a 22º, 29º, 31º a 53º, 55º a 69º, 72º a 77º da petição inicial, 12º, 19º, 30º a 37º, 39º a 51º, 53º a 55º da contestação, 1º a 18º, 21º, 22º, 24º a 29º, 32º a 39º do articulado de contraditório apresentado em 2 de Outubro de 2018 constitui matéria conclusiva ou de Direito.
As alegações contidas nos artigos 1º a 3º da contestação, 11º a 13º, 16º do articulado de contraditório apresentado em 25 de Janeiro de 2018, 19º, 20º, 23º do articulado de contraditório apresentado em 2 de Outubro de 2018, destinam-se ao cumprimento do ónus de impugnação especificada.
A alegação dos artigos 4º a 10º da contestação será objeto de apreciação infra na valoração da prova.
A restante matéria de facto alegada apenas foi julgada provada na exata medida do conteúdo da fundamentação de facto no seu conjunto.

Da impugnação da matéria de facto

Entende a apelante que ocorreu erro de julgamento quanto aos factos constantes dos artigos 16º(parte) e 17º da contestação que foram considerados não provados e que devem ser considerados provados e relativamente ao ponto 11 da matéria de facto, no segmento em que dá como provado que o acordo foi verbal, quando, no seu entender, resulta da prova produzida que o acordo foi escrito, devendo, em conformidade, ser alterado o ponto 11.
Fundamenta-se no depoimento da testemunha F. J., filho da Ré que é conhecedor dos factos por ter vivido na Quinta da ..., objecto do contrato de arrendamento, durante vários anos e que referiu expressamente tanto a existência de contrato escrito como a prática de outros atos e de contratos celebrados pelos seus pais com terceiros que têm como pressuposto a existência de um acordo escrito.
Os apelados, por sua vez, defendem que a referida testemunha nunca se refere à existência de um contrato escrito e que sobre tais factos se pronunciaram as testemunhas A. G. e A. C., transcrevendo parte dos seus depoimentos e procedendo à sua localização na gravação, cujos depoimentos vão no sentido da não redução a escrito de qualquer contrato.

Os artigos 16 e 17 da contestação e o ponto 11 dos factos provados têm a seguinte redacção:
Artº 16º (parte)
J. A. que subscreveu um documento a reconhecer essa qualidade e o contrato de arrendamento rural, possibilitando à Ré e ao marido a sua inscrição e os descontos para a extinta “Casa do Povo” e celebrar o contrato de fornecimento de electricidade do prédio.
Artigo 17°.
A Ré, que é iletrada, está convicta que o contrato de arrendamento rural foi reduzido a escrito, que o mesmo existe e os Autores estão na posse de um exemplar.
11. Em data não apurada do ano de 1967, F. P., mãe de B. A., acordou verbalmente com F. G. e a Ré ceder-lhes, entre outros, os imóveis identificados em 1), para explorarem e cultivarem os prédios rústicos e habitar com o respetivo agregado familiar no prédio urbano, tendo como contrapartida, a entrega metade do vinho, do milho e do feijão ali produzidos e suportando uns e outros, na proporção de metade, as despesas com adubos e produtos fitofarmacêuticos destinados ao cuidado da vinha.

Procedemos à audição integral dos depoimentos das mencionadas testemunhas.
A testemunha F. J. nunca referiu saber da existência de um acordo escrito. O que esta testemunha afirmou foi que achava que devia haver um contrato escrito, o que é bem diferente. Referiu ainda que os pais não sabiam ler e que poderiam ter queimado o contrato escrito sem o saber porque queimavam por vezes documentos que consideravam desnecessários.
As razões que a testemunha referiu para achar que havia um contrato escrito são as seguintes: o seu pai celebrou um contrato para fornecimento de electricidade em seu nome, contrato que não teria sido feito sem a existência e a exibição do contrato de arrendamento, além de que também recebia subsídios para o gado e sementeiras, pelo que tinha de ter provado, para os obter, a qualidade de arrendatário. Referiu ainda que a existência desse contrato também era necessária para a prova dos rendimentos junto dos estabelecimentos de ensino, quando ele estudava.
Mais declarou que tentou junto do Grémio e da ELETRICIDADE ... obter cópia do contrato, mas sem sucesso, tendo a ELETRICIDADE ... lhe referido que o contrato tinha sido feito inicialmente com a Eletro ..., não tendo a documentação entregue na Eletro ... passado para a ELETRICIDADE ..., que lhe sucedeu na posição contratual.
Por sua vez a testemunha A. G. - sobrinho e afilhado do B. A., filho de F. P., que foi quem celebrou, em 1967, o contrato de arrendamento com os RR. a que se refere o ponto 11 dos factos provados, e a quem sucedeu na posição de locador-, referiu que tem apoiado o seu tio e padrinho desde que ficou viúvo, o que ocorreu há cerca de 9 anos relativamente à data da audiência de discussão e julgamento e que o seu tio lhe confirmou que nunca foi feito qualquer contrato sob a forma escrita com os RR., mas somente um contrato verbal.
Esta testemunha acompanhou o tio no negócio de compra e venda que celebrou com os AA., tendo, designadamente, o acompanhado ao advogado para tratar dos assuntos inerentes a este negócio, com o fim de dar a conhecer à R. os termos do negócio com os AA., para a eventualidade de esta pretender exercer o direito de preferência.
A testemunha A. C., prima em segundo grau do B. A., a quem também dá apoio desde que enviuvou, pronunciou-se sobre qual era a contrapartida devida pelo arrendamento, mais referindo que na altura os contratos não eram reduzidos a escrito, valendo a “a palavra dada” e que nunca tinha ouvido falar que o contrato dos autos tivesse sido celebrado por escrito.
Como resulta do que se referiu, do depoimento da testemunha F. J., filho da R., não resulta com segurança ter sido o contrato celebrado sob a forma escrita. A testemunha nunca referiu ter alguma vez visto o contrato, limitando-se a referir que achava que o mesmo existia, pelas razões que transcrevemos. Por outro lado, a redução a escrito do contrato foi negada pela testemunha A. G., com fundamento em tal lhe ter sido transmitido pelo anterior locador, filho da primitiva locadora. O depoimento da testemunha A. C. foi pouco relevante para a prova destes factos, pois que se limitou a emitir uma opinião de que, naquela época, os contratos eram verbais.
Ora, neste circunstancialismo, não se pode deixar de considerar que a prova produzida é insuficiente para dar como provada a redução a escrito de um contrato de arrendamento com a necessária segurança, na ausência de documento que o comprove. Não se pode olvidar que o contrato foi celebrado em 1967, data que a lei não exigia a redução a escrito do contrato de arrendamento rural. A hipótese alvitrada pela testemunha de que os pais, por não saberem ler nem escrever, pudessem ter queimado o documento, o que faziam para eliminar alguns papéis, não se nos afigura ser merecedora de credibilidade. Igualmente não foi junto qualquer documento onde o locador reconhecesse a qualidade da R. e do seu marido como arrendatários.
Entende-se assim que não foi cometido qualquer erro de julgamento, mantendo-se inalterada a matéria de facto.

Do Direito

Na sentença recorrida entendeu-se que entre a F. P., progenitora do alienante dos prédios aos AA., B. A. e a R. e o seu falecido marido, foi celebrado um contrato de arrendamento rural e não de parceria agrícola como defenderam os AA. na petição inicial porque o contrato não tinha por objecto apenas prédios rústicos, como era característico na parceria agrícola, mas também um prédio urbano, constituindo a habitação que esse prédio proporcionava, um complemento que não afastava a qualificação do contrato celebrado entre as partes como de arrendamento rural, qualificação que não vem posta em causa no presente recurso.
Defende a R. que, ainda que a matéria de facto não seja alterada, a ação deve improceder, quanto à restituição dos bens aos AA., porquanto a interpretação correta dos sucessivos e preceitos jurídicos que regem o regime do arrendamento rural após o ano de 1967 (data da celebração do contrato de arrendamento com a R. e o seu falecido marido) deverá ser no sentido que a validade e a prova da existência do contrato de arrendamento rural e celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/88, não exige documento, pois a lei não fixa um prazo máximo para a redução do contrato a escrito; o citado Decreto-Lei estabelece somente uma faculdade de solicitar a redução a escrito do contrato, mas não estabelece um prazo para o efeito.

Defende assim que:

. A validade do contrato de arrendamento rural deve aferir-se pelo momento da sua celebração que não é afetada por uma exigência legal posterior.
.Os Autores não fizeram qualquer diligência junto da Ré para a notificar da intenção da redução a escrito do contrato de arrendamento, conforme se alcança da matéria de facto assente - factos nºs 15 e 16 -, e ainda resulta da análise da factualidade assente que os Autores nunca mostraram qualquer interesse na obtenção da redução a escrito do aludido contrato de arrendamento;
.Atenta a inércia dos Autores aquele contrato de arrendamento rural verbal, não sujeito a um prazo de caducidade, mantêm-se em vigor na data da propositura da ação e constitui fundamento válido que legitima a ocupação dos imóveis e obsta aos efeitos próprios de uma ação de reivindicação;
.Perante a existência daquele contrato vinculante, que não caducou, os Autores para se fazerem valer da nulidade do contrato, por não redução a escrito, teriam de ter demonstrado terem usado a notificação da Ré a exigir a redução a escrito do contrato, e que a mesma não se efetivou por facto imputável à Ré.

Os apelados pugnam pela manutenção do decidido e invocam que a questão da não caducidade do direito suscitada pela apelante é nova e como tal não pode ser conhecida em recurso.

Vejamos:

Na sentença recorrida é feita uma análise da evolução legislativa do regime jurídico do contrato de arrendamento rural desde a data em que foi celebrado o acordo entre as partes até ao diploma actualmente em vigor: o DL 294/2009, de 13 de outubro.
Mais se entendeu que, nunca tendo os senhorios (AA. e seus antecessores) notificado a R. e o seu falecido marido, para a redução a escrito do contrato, nem tido também a R. ou o seu falecido marido, notificado os senhorios para o mesmo efeito, a nulidade por falta de forma podia ser invocada por qualquer das partes, a partir de 1 de novembro de 2012, data coincidente com a 12ª renovação do acordo.
Na sentença recorrida considerou-se ainda o contrato nulo por falta de forma e também nulo por violação de disposição imperativa que não permite que a contrapartida paga pela cedência dos prédios seja efetuada apenas em géneros, exigindo o artigo 11º, nº 1 do DL 294/09 que a contrapartida seja paga em dinheiro, o que não se verificava.
É face ao diploma em vigor à data em que o contrato de arrendamento foi celebrado que se deve apreciar se o contrato obedece ao requisito de forma (artº 12º, nº 1 do CC), a não ser que a lei venha posteriormente a prever a necessidade de forma legal e a impor a sua aplicação aos contratos anteriores à sua entrada em vigor.
Embora a apelante na sua contestação não tenha referido que a redução a escrito do contrato não estava sujeita a um prazo de caducidade, a consequência que retira dessa não sujeição é que o contrato se mantém plenamente válido e obsta à restituição, o que já tinha invocado na sua contestação (artº 34º), pelo que se entende que não foi suscitada uma questão nova em sede de recurso.

Em 1967 o Código Civil não exigia a obrigatoriedade do contrato de arrendamento rural obedecer à forma escrita, podendo por isso ser celebrado verbalmente (artº 1064º a 1082º do CC).
No entanto, o artº 2º, nº 1 do DL 201/75, de 15/04, já impunha a obrigatoriedade de redução a escrito dos contratos de arrendamento rural.
O artº 3º da Lei 76/77, diploma que revogou o DL 201/75 (artº 53º) manteve a imposição da redução a escrito, de modo progressivo, de todos os contratos de arrendamento rural, sendo tal forma obrigatória para todos os contratos, independentemente da área de superfície agrícola explorada, desde 1983.

Posteriormente, o DL 385/88 (que revogou a Lei 76/77 –artº 40º, nº 1) veio estatuir no artigo 3º, o seguinte:

1 - Os arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são obrigatoriamente reduzidos a escrito.
3 - Qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato.
4 - A nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito.

Dispunha ainda no nº 3 do artº 36º do DL 385/88 que o novo regime previsto no artigo 3.º da presente lei apenas se aplicaria aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, a partir de 1 de Julho de 1989.

Entende a apelante que está vedado aos AA. a invocação da nulidade, contrariamente ao defendido na sentença recorrida.
Mas sem razão. Vejamos:

No âmbito do DL 385/88 a nulidade é uma nulidade atípica porquanto a lei mantém sempre em aberto a possibilidade de atingir (ou recuperar) a validade, bastando para tal a redução a escrito do contrato. Na vigência do DL 385/88, qualquer das partes tinha a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato (artº 4º, nº 3do DL 385/88). E a parte que se recusasse a validar o contrato, não podia por si própria invocar a nulidade do contrato, sujeitando-se assim à sua validade (nº 4 do artº 3º do DL 385/88).
O legislador permitia que até ao último momento, o momento em que para exercer qualquer direito ou propor qualquer acção que tenha o arrendamento como elemento da causa de pedir a parte tenha de se munir de um exemplar do contrato, sem o qual nenhuma acção pode ser recebida ou prosseguir - nº 5 do art.35º -, o contrato pudesse ser validado, porquanto apenas um contrato de arrendamento plenamente válido é que poderia servir de fundamento ao exercício de um direito que o tenha como requisito.
O DL 385/88 foi revogado pelo DL 294/2009, o qual, no entanto, só se aplica obrigatoriamente e na íntegra, aos contratos de arrendamento rural celebrados a partir da sua entrada em vigor. Poderá também aplicar-se aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, e renováveis já no decurso da vigência do mesmo, desde que tenham sido alterados em conformidade com o mesmo (artºs 39º, nº 2 e 41º), devendo assim, para além do mais, ser reduzidos a escrito.
Não tendo o contrato sido alterado em conformidade com o DL 294/2009, designadamente, não tendo sido reduzido a escrito, aplica-se o disposto no DL 385/88 (no sentido defendido no Ac. do TRP de 7/11/2016, proc. 135/15). Como defende a apelante, o regime do DL 294/2009 só se aplicaria, caso o contrato tivesse sido adaptado ao regime imposto pelo novo diploma legal (cfr. artº 44º, nº 2 do DL 294/2009).
Não desconhecemos os dois acórdãos citados pelos apelantes, o do TRG, de 15.11.2012, proferido no proc. 3791/09.0TBGMR.G1, onde se defendeu que “não tendo a autora feito qualquer diligência junto dos réus para os notificar, a fim de o contrato ser reduzido a escrito, também não pode vir invocar a nulidade do contrato” e o do TRP, de 02.02.2004 (processo 0450167), no mesmo sentido. No entanto, com o devido respeito, não os acompanhamos. Considera-se mais correcto o entendimento de que quem pode invocar a nulidade é, não só a parte que notificou a contraparte para a redução a escrito do contrato, sem sucesso, como também aquela que não procedeu a tal notificação. Como resulta do disposto no artº 35º, nº 4 do DL 385/88 (e do artº 35º, nº 5 do DL 294/09 que veio revogar o DL 385/88, cuja redacção é idêntica e que manteve no artº 6º, nº 1 a obrigatoriedade da redução do contrato a escrito), a lei veda apenas a invocação da nulidade à parte que notificada para reduzir a escrito o contrato, optou por não o fazer (nesse sentido Ac. do TRP de 04/12/2007, proc. 0725597 e do TRE, de 19.03.2009, proc. 3282/08-3), nada restringindo relativamente aos contratantes que nenhuma iniciativa tomaram, não notificando a contraparte, como se verifica no caso. A inobservância da forma legal determina a nulidade do contrato (cfr. artº 3º, nº 4 do DL 385/88 e artº 6, nº2 do DL 294/2009), aplicando-se o disposto no artº 3º, aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei a partir de 1 de Julho de 1989 (artº 36º, nº 1 e 3 do DL 385/88).

Assim não assiste à apelante razão quando defende que a nulidade não pode ser invocada pelos AA..
Defende igualmente a apelante que o contrato não está ferido de nulidade, ao estipular que a renda é paga em géneros, porquanto não se mostra violado o disposto no artº 11º, nº 1 do do DL 294/2009, pois, como já referira a propósito da falta de forma escrita, este regime só se aplica quando o contrato for alterado em conformidade com o que dispõe (artº 44º, nº 2 do DL 294/2009).
Até à entrada em vigor do DL 294/2009 de 13.10., a renda podia ser fixada em dinheiro ou dinheiro e géneros. .
O Código Civil estabelecia no artº 1067º que a renda podia ser fixada em dinheiro ou em géneros e podia ser certa ou consistir numa quota dos frutos.
O artº 6º, nº 1 do DL 201/75 dispunha que a renda seria obrigatoriamente fixada em dinheiro. No entanto, o rendeiro cultivador directo (como se afigura ser o caso da R. e do seu marido) tinha a faculdade de efectuar o pagamento da renda em géneros produzidos no prédio arrendado, em termos a regulamentar.
O artº 9.º, nº1 da Lei 76/77 estabelecia que a renda seria sempre estipulada em dinheiro, a menos que as partes a fixassem expressamente em géneros.
Por sua vez, o DL 385/88 veio estatuir que a renda sempre seria estipulada em dinheiro, a menos que as partes a fixassem em géneros e em dinheiro simultaneamente, não podendo, neste caso, ir além de três espécies produzidas no prédio ou prédios arrendados (artº 7º, nº 1 e 2).
O artº 11º, nº1 do DL 294/2009 estabelece que a renda corresponde a uma prestação pecuniária, diploma que não se aplica, conforme referimos supra, pois que o contrato não está em conformidade com o regime prescrito pelo DL 294/2009 (nem quanto à forma legal estabelecida para o contrato nem quanto à forma da renda paga).
E teria a renda que passar a ser fixada, pelo menos em dinheiro e géneros, a partir da entrada em vigor do DL 385/88, em obediência ao disposto no artº 7º do referido diploma?
Relativamente à forma que deve revestir a renda e à data em que tal passa a ser exigido, o DL 385/88 não contém uma norma como a do artº 36º, nº 3 que estabelece que o novo regime previsto no artigo 3.º - redução a escrito do contrato - apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 1 de Julho de 1989.
No entanto, o artigo 36º, nºs 1 e 2 do DL 385/88 veio determinar a aplicabilidade imediata do DL 385/88 – normas processuais e substantivas - a todos os contratos já existentes e aos processos pendentes, com exceção apenas dos que, à data da sua entrada em vigor, já tinham sido objecto de decisão em primeira instância, ainda que não transitada em julgado.
Em termos de aplicação da lei no tempo, só é de entrar em linha de conta com as regras operativas do artº 12º do CC, no caso de a nova lei não conter disposições transitórias, que expressa e especificadamente, estatuam sobre a matéria em causa, o que não é o caso.

Assim, por força do disposto no artº 36º do DL 385/88, a obrigatoriedade de conversão da renda em dinheiro ou em dinheiro e géneros, aplica-se a todos os contratos ainda que celebrados em data anterior.
“Nem todo o conteúdo dos contratos é regulado pela lei vigente à data da sua celebração, antes o seu «estatuto legal» é regulado pela lei nova, imediatamente aplicável a todas as situações pendentes mesmo que estas se encontrem reguladas por cláusulas contratuais, pois, então, tais leis, criando um conjunto de poderes ou faculdades e de deveres susceptíveis de interessar a todos os membros da colectividade, são leis reguladoras de situações jurídicas institucionais ou legais que constituem como que a base sobre a qual podem depois ser construídas as situações jurídicas contratuais; o mesmo acontece-se nos contratos ditados ou normativos, como o arrendamento, em que o legislador conserva larga margem de conformação às condições sócio-económicas em cada momento dominantes”(cfr. se defende no Ac do STJ de 21 de Janeiro de 2003, de onde foi retirado o extracto transcrito).
A proibição do pagamento integral em géneros, considerada uma forma arcaica de pagamento de renda, tem como fim a salvaguardada do arrendatário e é o resultado de uma evolução social do conceito de arrendamento rural. Na proibição do pagamento apenas em géneros quis se evitar que o proprietário fosse beneficiado com a atribuição de mais géneros, em anos de melhor produção, bom resultado para o qual apenas o arrendatário teria contribuído determinantemente com o seu trabalho.
Contudo, a correcta interpretação do art.º36.º do DL n.º385/88 não pode ser levada ao extremo de dizer que não devem ser respeitadas as fundadas expectativas criadas ao arrendatário em face de situações de facto já consumadas, que poderiam ser goradas pela alteração legal superveniente. (cfr. se defende no Ac do STJ de 13.03.2018, proc. ).

Assim, a partir da data da entrada em vigor do DL 385/88 deveriam as partes ter procedido à alteração da forma de pagamento da renda, sob pena da nulidade da cláusula que previa o pagamento em géneros, que se estende a todo o contrato por não ser possível a sua redução (artº 292º do CC) que ficaria amputado de um elemento caraterizador e essencial do contrato de arrendamento – o pagamento de uma renda.
Por fim, defendem os apelantes que relativamente à nulidade por falta de redução a escrito do contrato de arrendamento rural, os efeitos decorrentes da nulidades não se produzem pois que a invocação do vício de forma pelos apelantes constitui um abuso de direito na modalidade de supressio.
Para tanto alegam que aquando da compra dos prédios os AA. tinham conhecimento da relação de arrendamento dada a sua qualidade de vizinhos do prédio há mais de 40 anos e interessados na sua compra; foram esclarecidos pelo vendedor quanto ao conteúdo do contrato de arrendamento rural e da comunicação à R. para o exercício do direito de preferência e nunca puseram em causa a existência e a validade daquele contrato. A sua invocação colide intoleravelmente com a boa fé e os bons costumes, defraudando as legítimas expectativas da arrendatária fundadas numa situação que já perdurava há cerca de 50 anos quando a ação foi instaurada e há cerca de 48 anos quando remeteram a missiva escrita, reclamando a devolução dos prédios.

Para o conhecimento desta exceção relevam os seguintes factos:

.13. Em conjunto com o marido, entretanto falecido e os filhos, a Ré têm fabricado os prédios de forma ininterrupta, desde 1967.
.14. A Ré entregava as colheitas identificadas em 11) – vinho, milho e feijão - a B. A. e esposa, que os recebiam, até que estes prescindiram do feijão e do milho.
15. F. P. e B. A. não endereçaram à Ré e marido comunicação a exigir a redução a escrito do acordo identificado em 11) [resposta aos artigos 28º, 30º da petição inicial].
16. Tão pouco os Autores dirigiram à Ré solicitação nesse sentido após o momento identificado em 1) [resposta ao artigo 38º da contestação].
17. De igual forma, a Ré e o marido não solicitaram essa redução a escrito às pessoas identificadas em 15) e 16) [resposta aos artigos 28º, 30º, 54º da petição inicial, 31º do articulado de contraditório apresentado em 2 de Outubro de 2018].
18. A Ré ocupa os prédios identificados em 1) sem autorização e contra a vontade dos Autores desde 30 de Setembro de 2015 [resposta ao artigo 23º da petição inicial].
20. O Autor nasceu e viveu em prédio contíguo aos identificados em 1), residindo aí com a Ré, desde o casamento e quando em Portugal [resposta ao artigo 23º da contestação].
21. No momento referido em 1) os Autores tinham conhecimento das circunstâncias da ocupação dos prédios pela Ré [resposta aos artigos 23º, 27º, 28º da contestação].
22. F. P., bem como B. A., sempre aceitaram sem reserva o alojamento da Ré e seu agregado familiar no prédio identificado em 1) a) e os trabalhos agrícolas que estes desenvolviam nos prédios identificados em 1) b) a e).
24. Em 2012 a Ré comunicou aos Autores que o milho e o vinho produzidos nos prédios, referentes à contrapartida aludida em 11), estavam à sua disposição.
25. Os Autores não receberam o vinho e os cereais referidos em 24).

A apelante apenas equacionou a aplicação do instituto do abuso de direito relativamente à nulidade por falta de forma, porque considera que o contrato não é nulo por violação do disposto quanto à forma de prestação da renda, dado que a produção dos efeitos previstos no Decreto Lei 249/2009, em relação aos contratos de arrendamento existentes na data da sua entrada em vigor, só ocorrerá após os mesmos serem alterados, ou seja, quando o contrato for reduzido a escrito, o que não aconteceu. Já supra nos referimos a propósito desta questão, concluindo pela nulidade do contrato a partir da data da entrada em vigor do DL 385/88, porquanto em face deste diploma a questão não se mostra ultrapassada, pois que também ele não prevê a possibilidade do pagamento da renda exclusivamente em géneros.
Na sentença recorrida, entendeu-se que o abuso de direito não podia ser aplicado à nulidade por falta de pagamento da renda em dinheiro, mas sem qualquer fundamentação. Consignou-se a propósito: “a obrigação de restituição do prédio aos AA. surge, pois, simultaneamente pela verificação do vício de forma e pela violação das disposições determinantes da fixação do valor da renda em dinheiro, não sendo susceptível de invocação do abuso de direito relativamente à segunda”. Por essa razão, embora pelas considerações que efetua, equacionasse a paralisação do direito à restituição com base em nulidade por vício de forma, ordena a restituição, por entender que tal instituto não é aplicável no segundo caso de nulidade”. Não vislumbramos razão para não equacionar a aplicabilidade do instituto do abuso de direito também relativamente a ambas as situações geradoras de nulidade.

O abuso de direito é de conhecimento oficioso, podendo o tribunal conhecer da exceção, desde que os factos pertinentes para o seu conhecimento tenham sido oportunamente alegados e provados, o que é o caso.
O instituto do abuso de direito, consagrado no artigo 334º do C.Civil, é uma cláusula geral, que tem por fim temperar o exercício dos direitos subjectivos, intervindo em situações excepcionais, quando, do exercício de qualquer direito, sejam ultrapassados, de forma intolerável e inadmissível, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito.
Têm sido apontadas diversas modalidades de abuso de direito, entre elas, venire contra factum proprium, supressio, inalegabilidade formal e tu quoque.
O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium constitui uma das modalidades de abuso de direito, assente na boa-fé, tuteladora da confiança das pessoas, nas suas relações jurídicas. “Baseia-se, essencialmente, nos comportamentos contraditórios das pessoas. Estas, depois de tomarem uma determinada atitude, perante os outros, devem ser coerentes, mantendo o mesmo comportamento para o futuro, evitando a lesão das expectativas geradas à volta do seu comportamento anterior.
O que é importante, para o caso desta modalidade de abuso de direito, é saber quando é que um comportamento é relevante, isto é, gera a confiança no outro, de molde a que acredite que não terá um comportamento contrário. E, em face desta crença, organiza a sua vida económico-social, esperando que o outro não altere o seu comportamento. O comportamento, gerador da confiança nos outros, tem de ser expresso e inequívoco, de molde a que seja vinculativo para a parte. Só nestas circunstâncias é que o outro acredita ou tem razões fortes para acreditar que vai honrar, no futuro, o seu compromisso. Não basta uma mera aparência para que se gere a confiança, para que se acredite que a actuação futura irá ser sempre nesse sentido. É necessária uma atitude concludente, inequívoca, assumida, expressamente, perante o outro, com uma força tal, que não deixe dúvidas, que no futuro não irá ser surpreendido com um comportamento contrário.” (2)
Na sua estrutura, o venire pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o factum proprium) é contraditada pela segunda (o venire), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso de direito.
A modalidade de supressio traduz-se no não exercício do direito durante um lapso de tempo por tempo prolongado, de modo que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido, conduzindo o exercício tardio a uma desvantagem injustificada para esta. Como se refere no Ac. do TRP de 15.12.2005 (proc. nº 0535984) “Pretendeu-se, durante algum tempo, equiparar a supressio ao venire contra factum proprium. O venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Há, pois, similitudes entre as duas figuras porque a realidade social da supressio, que o Direito procura orientar, está na ruptura das expectativas de continuidade de auto-apresentação praticada pela pessoa que, tendo criado no espaço jurídico uma imagem de não-exercício, rompa, de súbito, o estado gerado. Tal também acontece no venire contra factum proprium porque entre os dois comportamentos contraditórios decorre sempre um lapso de tempo. A diferença é que na supressio o tempo tem uma projecção de maior relevo: é pela sua continuidade que o não exercício suscita as expectativas sociais de que essa auto-representação se mantém (sublinhado nosso). O decurso do tempo é a expressão da inactividade, traduzindo, como tal, o factum proprium. Com a supressio não se pretende penalizar o não exercício do direito pelo seu titular, considerando-o um desvalor em si mesmo, mas sim beneficiar a contra-parte, evitando que o exercício retardado do direito surja, para esta, como uma injustiça, quer inflingindo-lhe uma desvantagem desconexa na panorâmica geral do espaço jurídico, quer acarretando-lhe um prejuízo não proporcional ao benefício colhido pelo exercente.
Podemos assim dizer, sinteticamente, que a supressio se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido, conduzindo o exercício tardio a uma desvantagem injustificada para esta (sublinhado nosso).
O ponto comum a ambas as figuras é o não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido. Na supressio não tem de haver comportamentos contraditórios, ou seja duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o factum proprium) é contraditada pela segunda (o venire), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso de direito.

No caso, os comportamentos contraditórios são praticados por locadores diferentes. Mas não se pode olvidar que os actuais locadores sucederam na posição contratual do anterior proprietário, em 2012, e não desconheciam quando adquiriram os prédios que os mesmos estavam arrendados, o que eventualmente terá até influenciado o preço pago, diminuindo-o. Ao suceder na posição jurídica do primitivo senhorio, não podem os AA. considerarem-se totalmente desvinculados das consequências da (não actuação) do primitivo e anterior senhorio e das fundadas expectativas que tal inércia ou tolerância prolongada pode ter consolidado justificadamente nas pessoas dos arrendatários (cfr. se defende no Ac. do STJ de 19.11.2015, proferido no proc. 884/12.0TVLSB.L1.S1 e no Ac. do TRP de 7/11/2016, proferido no processo 135/15.5T8MNC.P1). O prolongamento de uma situação de inacção, sem que alguma vez tivesse a R. e o seu falecido marido e posteriormente apenas a R., tivessem sido notificados para a redução a escrito do contrato e sem que até à data da interposição da presente ação, tivesse sido invocado a nulidade do contrato por vício de forma, nem invocado qualquer vício relativamente à renda acordada, significa que os sucessivos locadores consideravam o contrato plenamente válido.

A situação da manutenção do contrato de arrendamento sem redução a escrito do mesmo, a partir da data em que a mesma se tornou obrigatória, como supra referimos, mantinha-se há mais de 20 aquando da compra pelos ora AA. em 2012, situação que os AA. também aceitaram inicialmente. Só por carta de 30.06.2015 é que os AA. exigiram a devolução dos prédios (cfr. ponto 7). Também o pagamento em géneros se mantinha há mais de 20 anos, a partir do momento em que passou a ser obrigatório o pagamento em dinheiro ou em dinheiro e géneros.
Mas mesmo que se considerasse que a situação em análise não configuraria um caso de abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio, por os comportamentos contraditórios terem sido praticados por locadores diferentes, sempre o constituiria na modalidade de supressio, atento o longo período em que o contrato se manteve sem que os senhorios tivessem vindo alegar a sua nulidade por falta de forma e recebendo a renda paga em géneros. E quando o B. A. pretendeu vender o prédio, cuidou de notificar a R. para exercer, querendo, o direito de preferência na aquisição, sempre tendo agido no convencimento da plena validade do contrato. Mesmo os AA. que não quiseram receber a renda, ainda aguardaram 3 anos para exigir a restituição dos prédios. Note-se que os AA. até começaram apenas por pedir, no ano em que adquiriram os prédios, que a Ré comparecesse para, por consenso, tratarem de “uns problemas com os prédios”, o que indicia que bem sabiam da solidez da posição da R..
Os AA. não desconheciam a falta de forma do contrato de arrendamento e a contrapartida paga pelos locatários, não sendo equacionável nem que não lhes tenham sido transmitidas pelo anterior proprietário, nem que estes não o tivessem inquirido sobre tal, assim como não podiam desconhecer a não oposição dos anteriores locadores ao longo dos anos, que sempre agiram no convencimento da plena validade do contrato celebrado, recebendo as rendas e quando resolveram vender, notificando a arrendatária das condições do negócio, para, querendo, exercer o direito de preferência. Os AA. bem sabiam da celebração do contrato de arrendamento, sendo vizinhos dos prédios e ali residindo quando em Portugal.
Vir agora a ser decretado a nulidade do contrato, por falta do pagamento da renda nos termos impostos pelo artº 7º da Lei 385/88, e por falta de forma, constituiria uma manifesta lesão do princípio da confiança.
Assim, devem ser paralisados os efeitos decorrentes das nulidades e a ação improceder.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, declaram que os Autores A. L. e mulher M. F. são proprietários dos prédios identificados no ponto 1 da fundamentação da sentença e absolvem a R. dos demais pedidos contra si formulados.
Custas em ambas as instâncias pelos AA./apelados.
Notifique.
Guimarães, 21 de maio de 2020

Helena Lopes
Eduardo Azevedo
Maria João Matos



1. Conforme rectificação admitida por despacho de 23 de maio de 2019 (fls 81 v).
2. Cfr. se defende no extracto retirado do Ac. do TRG de 23.04.2015, proferido no proc. 495/08, acessível em www.dgsi.pt.