Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
340/18.2T8EPS.G2
Relator: PAULO REIS
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
PRÉDIO ENCRAVADO
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Não demonstrando os autores/recorrentes que o acesso à via pública de que dispõe o seu prédio seja insuficiente para prover à fruição do mesmo de acordo com o seu destino previsível e normal afetação, não pode proceder a pretensão de constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio vizinho pois tal faculdade pressupõe uma situação de encrave relativo, traduzida na insuficiente comunicação do prédio com a via pública (artigo 1550.º, n.º 2 do CC).
II - Acresce que a indemonstrada insuficiência de comunicação com a via pública apenas poderia radicar na circunstância de os apelantes não terem como aceder diretamente, de carro, ao pavilhão que construíram no seu prédio, concretamente junto à sua confrontação poente, pelo que, mesmo a provar-se que a normal utilização do prédio dos apelantes exigia o acesso de veículos àquela parte do prédio (o que não sucedeu), a análise dos factos que foram dados como assentes também não permite que se conclua, sem mais, que o referido pavilhão só poderia comunicar com a via pública, para acesso de carro, através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com as vantagens que o prédio proporciona, não sendo assim possível julgar demonstrada uma situação de encrave relativo do prédio por via dos pressupostos inerentes à excessiva onerosidade (incómodo ou dispêndio) no estabelecimento de comunicação com a via pública (artigo 1550.º, n.º 1 do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA; e
BB, CC, estes casados entre si, instauraram em 20-04-2018 ação declarativa comum contra DD e EE, casados entre si, peticionando que, pela sua procedência:

a) Se decrete e condene os réus a reconhecer que o prédio dos autores, identificado no anterior artigo 1.º, beneficia de uma servidão de passagem (constituída por usucapião, ou caso assim não se entenda constituída legalmente), pela faixa de terreno ou caminho descrito no anterior artigo ...6.º, servidão essa com as características aí definidas, nomeadamente quanto à localização, que onera o prédio identificado no anterior artigo 11.º e que confere aos autores, ou a quem estes mandarem ou transmitirem o seu prédio, o direito de passar nesse caminho, sempre que entenderem necessário ou conveniente, designadamente para se deslocarem ao seu prédio, a pé ou em qualquer tipo de veículo, ligeiro ou pesado, agrícola, de passageiros ou de mercadorias;
b) Condenar os réus a restituir aos autores esse caminho de servidão e a repô-lo no estado em que se encontrava antes de praticarem os atos referidos nos anteriores artigos 39.º, designadamente retirando as correntes que aí colocaram sobre a largura do leito do caminho de servidão;
 c) Decretar e condenar os réus a absterem-se da prática de quaisquer atos lesivos dos direitos referidos, designadamente de ocupar, no todo ou em parte o caminho em causa e deixando livre o espaço suficiente para permitir a passagem, nos termos e pela forma referida nas al. a) e b);
d) Ordenar o cancelamento de quaisquer registos efetuados em contrário do aqui peticionado.
Alegaram, para o efeito, em síntese, que a autora, AA, é dona e legítima proprietária de um prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos e logradouro, com 819 m2 de área total, sito no lugar de .../Rua ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte, com os autores, sul e poente com FF e nascente com caminho (Rua ..., descrito na CRP sob o n.º ...32.º e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...21.º; o qual adquiriu dos  autores BB e CC, seus pais, através de doação outorgada por escritura pública de 27-04-2015, pela qual estes reservaram para si o direito de uso e habitação do referido prédio, sendo os réus donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, composto por terreno de construção, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., que confronta a sul com os autores, descrito na CRP sob o n.º ...72.º e inscrito na matriz predial sob o art.º ...16.º.
Invocam que o acesso ao prédio dos autores foi sempre feito por uma faixa de terreno que descrevem e cuja propriedade foi objeto de discussão no processo n.º 240/16...., J..., Juízo de competência genérica ..., que correu termos entre os ora autores e réus e na qual os ora autores foram condenados a reconhecer que a faixa era propriedade dos aqui réus.
Sustentam os autores que esse caminho sempre foi o único acesso ao seu prédio, servindo para satisfazer todas as suas necessidades, permitindo a passagem de pessoas, bens, carros, mercadorias, para todos os fins tidos por convenientes pelos autores, nomeadamente para a casa de habitação e para o funcionamento da confeção que aí têm instalada, o que os autores sempre fizeram pelo menos durante os últimos 1, 5, 10, 15, 20 e mais anos, invocando a aquisição por usucapião do direito de servidão invocado. Sustentam ainda que, mesmo que assim não se entendesse, sempre os autores teriam o direito de requerer o reconhecimento da constituição de uma servidão legal.
Os réus contestaram, excecionando o caso julgado decorrente da ação n.º 240/16.0T8EPS em que os ora autores foram réus e os aqui réus foram autores e defendendo-se ainda por impugnação motivada, invocando que o prédio dos autores confronta, pelo nascente, com via pública, que tal via está nivelada com o prédio dos autores e permite o acesso a todos os compartimentos, entre si, desse imóvel, e acesso ao logradouro do mesmo. Concluem que os autores têm acesso direto da via pública para o seu prédio, pelo que o seu prédio não é encravado, nem é verdade que atualmente se encontre instalada uma empresa de confeção a laborar no “pavilhão” que os autores construíram, sustentando que não se verifica qualquer atividade no local há mais de dez anos. Impugnam, ainda, os requisitos da usucapião sustentada pelos autores e, caso se viesse a reconhecer a existência dessa servidão, excecionam a sua extinção por desnecessidade, reiterando o acesso direto do imóvel à via pública, pela Rua .... Sustentam ainda não ser verdade que atualmente se encontre instalada uma empresa de confeção a laborar no “pavilhão” que os Autores construíram, sustentando que não se verifica qualquer atividade no local há mais de dez anos. Impugnam os requisitos da usucapião sustentada pelos autores e, caso se viesse a reconhecer a existência dessa servidão, excecionam a sua extinção por desnecessidade, reiterando o acesso direto do imóvel à via pública, pela Rua ....
Por despacho de 27-11-2018 foram os autores convidados a completarem a causa de pedir, alegando os factos necessários tendentes à fixação do prejuízo sofrido pelos titulares de direitos sobre o prédio serviente, para o caso de procedência do pedido subsidiário visando o reconhecimento de uma servidão legal, ao qual os autores responderam mediante petição inicial aperfeiçoada (requerimento de 30-11-2018).
Foi proferido despacho julgando verificada a exceção dilatória de caso julgado invocada e absolvendo os réus da instância.
Após recurso interposto pelos autores veio esta Relação determinar o prosseguimento dos autos com vista à apreciação dos factos alegados em 39.º. 40.º e 41.º (e subsequente impugnação dos réus a essa matéria) e para decisão de saber se os autores têm o direito de constituição de uma servidão legal, mantendo a absolvição dos réus da instância quanto aos demais pedidos formulados (acórdão de 23-01-2020 devidamente transitado em julgado).
Foi realizada audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litigio e temas de prova.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvendo os réus do pedido contra si formulado de constituição de uma servidão legal de passagem sobre a faixa de terreno referida no ponto 4) dos factos provados.
Inconformados com tal decisão dela recorreram os autores, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente procedência integral da ação.

Terminam as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«A. Para o tribunal, os autores, entre outras coisas, não alegaram que a utilização da faixa de terreno seja premente ou atual; não invocaram factos que permitissem a conclusão de que a constituição da servidão pelo prédio dos réus é a que menos prejuízos traria; não alegaram que o referido pavilhão só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona.
B. Em 27/11/18, o tribunal convidou os recorrentes a aperfeiçoar a sua pi, porque entendeu que a constituição de uma servidão legal implica o pagamento de uma indemnização pelo prejuízo sofrido, (art.º 1554.ºCC) e os mesmos não alegam qual o valor dessa indemnização, pelo que se tivesse sido omitido qualquer outro requisito, o tribunal teria convidado os autores a aperfeiçoar o articulado, atento o princípio da adequação processual, da cooperação e do inquisitório – art.º 4º, 5º, 6º, 7º, 411º e 590º CPC.
C. O despacho saneador, refere igualmente que “Inexistem nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa e que, neste momento, cumpra apreciar.”
D. Acresce que, o tribunal da Relação de Guimarães, decidiu que os autores não podiam pedir a constituição de uma servidão por usucapião, mas nada os impedia de pedir a constituição de uma servidão legal, pelo que se tivessem omitido algum requisito, ordenaria a remessa dos autos à 1ª instância para que os autores aperfeiçoassem, novamente, a sua pi e o processo prosseguisse para os efeitos referidos.
E. O Ac. TRC de 06/12/16 (Proc. 1556/15.9T8LRA.C1), disponível em www.dgsi.pt diz que:“Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b) e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. (…) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado. Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.»
F. Refere o Ac. TRE 112/20.4T8TNV-E1 de 17/06/2021 ,disponível em www.dgsi.pt, qu: “Complementarmente, poderia colocar-se a hipótese de o pedido da constituição de servidão legal não estava apoiado nos factos suficientes para permitir a obtenção de uma decisão favorável. No entanto, este não é o fundamento decisório da anulação de todo o processado. E, mesmo que assim fosse, também por esta via, o eventual problema obteria solução através da convocação dos poderes de gestão processo inscritos nos artigos 6.º[34] e 590.º[35] do Código de Processo Civil. Como regime regra, no actual cenário normativo, numa lógica da prevalência de decisões de mérito sobre veredictos de natureza meramente formal, ao juiz cabe providenciar, por iniciativa oficiosa se as partes não o requererem, o suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação ou de nulidades dos actos praticados, pois a existência do vício deixou de conduzir automaticamente à absolvição da instância. Esta sanção processual só tem lugar quando a sanação for impossível, bem como nos casos em que, dependendo de acto de vontade da parte, esta se mantiver inactiva. No novo regime processual civil foi reforçada a ideia que sustentava que a actividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de meritis.(..) Mesmo que a parte activa não tivesse descrito os factos acima convocados (…) ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma, o Tribunal deve convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial. (…) E, por isso, os fundamentos para a declaração da falta manifesta de certos pressupostos processuais ou nulidade de todo o processo implicam que se esteja perante um quadro de absoluta insupribilidade. No actual enquadramento sistemático do código revisto, a insupribilidade «é hoje residual, respeitando tão só àquelas excepções que, pela sua natureza ou por via do seu regime, não consentem suprimento, oficioso ou mediante convite às partes»[41], de harmonia com o dever de gestão estatuído no n.º 2 do artigo 6.º do Código de Processo Civil.
G. Assim, o tribunal tinha obrigação (dever vinculativa) de convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado; como omitiu uma formalidade prevista na lei (art.º 590º CPC), cuja omissão tem como consequência a nulidade da sentença; nulidade essa que, desde já se invoca.
H. De todo o modo, os recorrentes alegaram todos os factos necessária para a constituição da servidão legal; daí que toda essa factualidade se encontre incluída nos temas da prova.
I. Também nada impedia o tribunal de fazer uso do disposto no 5º, nº 1 e 2 CPC.
J. Acresce que o tribunal efetuou a inspecção ao local que, no entender dos autores, se mostrou indispensável ao apuramento da verdade, pelo nada obstava à consideração, em sede de decisão fáctica, da matéria factual que diz ter sido omitida.
K. Deste modo, cumprindo o disposto no art.º 640º do CPC importa desde já consignar que:
- a matéria de facto assente nos artigos 13º e 14º devia ter sido dada como não provada;
- a matéria de facto dada como não provada, na al. b) devia ser considerada como provada;
- a matéria de facto correspondente aos artigos 21º, 22º, 23º, 24º e 25º da matéria assente, no processo n.º 240/16.0T8EPS, também devia ter sido dada como provava no âmbito destes autos, atenta a autoridade de caso julgado;
Devia ainda ter sido dado como provado que:
- os autores estavam convencidos que aquela faixa de terreno era parte integrante do seu prédio;
- a sociedade C... Lda., por dificuldades económicas relacionadas com a cobrança de créditos, foi declarada insolvente, por volta de 2015, pelo que o pavilhão referido em 5) teve de encerrar até ao fim do processo de insolvência.
- após o processo de insolvência findar, os autores decidiram arrendá-lo para o giro comercial/industrial, porém foram surpreendidos inicialmente pelo processo n.º 240/16.0T8EPS (onde os aqui réus reivindicavam a propriedade da faixa aqui em questão) e, de seguida interpuseram a presente acção, pelo que, não obstante terem sido abordados por alguns pretendentes a arrendatários, (nomeadamente por o proprietário de uma empresa de som que pretendia armazenar aí os seus materiais de trabalho; por um pintor de quadros, que pretendia exercer a sua actividade; por uma ex funcionária da antiga empresa que pretendia instalar ali uma empresa de embalagem, etc), optaram por não arriscar e aguardar pelo desfecho da presente acção, dado o perigo que correriam, caso lhes viesse a ser negada a passagem legal para o referido pavilhão, já que o seu acesso através de veículos automóveis (referidos em 6)) é essencial e imprescindível ao exercício de qualquer tipo de actividade comercial que ali se pretenda exercer;
- pelo lado poente do prédio, a passagem de um veículo (carro, carrinha, camião), para o seu interior, implicaria que os autores derrubassem, entre outras coisas: os muros que ladeiam a frente da casa, o portão de acesso pedonal, a garagem e respectivo portão, os muros interiores, e “estreitecessem” a sua casa”, derrubando, em toda a sua extensão, parte do seu lado direito, atento o sentido de quem está voltado para a sua frente, incluindo o beiral e telhado da casa, dado que para esse efeito, seria necessário obter quer a largura como a altura suficiente para a passagem, que igualmente teria de ser construída. Dado que os muros interiores se encontram em forma de sucalco, os autores ainda teriam de nivelar todo o terreno.
- tais obras (particularmente o derrube da fachada) eram impossíveis de realizar e causariam um prejuízo incalculável para os autores.
L. Lendo a fundamentação, quanto à matéria de facto assente nos artigos 13º e 14º, inexiste qualquer meio de prova no processo que a confirme e o tribunal só diz que em causa está um prédio urbano e os réus referiram que pretendiam edificar aí uma casa de habitação.
M. Além de apenas a ré mulher ter referido que sem a faixa “não conseguia fazer a casa que quer” (m. 6:49 a 7:04), o que é completamente diferente, estes argumentos, são frágeis e insuficientes para que o tribunal daí retirasse a ilação de que a servidão implicaria a impossibilidade de edificação naquele espaço e implicaria perda do valor do prédio; tanto mais que os réus nem sequer referiram que tipo de construção pretendiam fazer, nem essa afirmação alguma vez poderia ser considerada sinónimo de “impossibilidade de construir”.
N. E quando a lei prevê o pagamento de uma indemnização ao dono do prédio serviente é, justamente para compensar o prejuízo resultante da servidão.
O. Também não existe nos autos qualquer documento que comprove ou indicie tal factualidade (projecto de construção, um alvará, um parecer camarário, um orçamento, etc.) e nenhuma testemunha referiu nada sobre essa matéria; sendo que os réus são partes interessadas na improcedência da acção o que, abala a credibilidade do seu depoimento.
P. Quanto à matéria de facto dada como não provada, constante da alínea b), devia ter ficado assente, nos termos acima referidos, pois o próprio tribunal diz o seguinte “Quanto ao valor do prédio, teve-se em consideração o depoimento de GG, consultor imobiliário, que, demonstrando conhecer bem a zona, asseverou que o preço por m2 naquela zona de um terreno destinado a construção terá um valor mínimo de €50 por m2, sendo, como no caso é, um terreno destinado a construção, necessariamente o valor seria superior, julgando-se, em consequência, não provado que o valor fosse o de €5 por m2."
Q. Por outro lado a faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem pressupõe, pois, uma situação de encrave (seja ele absoluto ou relativo) do prédio em benefício do qual se requer a constituição da servidão, sendo que no caso como os autores e as testemunhas referiram, esse encrave foi provocado inconscientemente por aqueles, visto que os mesmos estavam convictos que aquela faixa de terreno fazia parte integrante do seu prédio e como tal este teria acesso à via publica quer à nascente (para a Rua ...), quer para norte (estrada). - neste sentido vide depoimento de AA (m19:20 a 20:30; m40:00 a 45:30); BB (m14:45 a 15:23 ; m 30:12 a 30:49), HH (m11:19 a 11:36); II (m13:55 a 18:40; m 25:36 a 26:03).
R. Note-se, não está provado que os autores efectuaram as construções em causa, antes de construírem o pavilhão, não sendo assim tão difícil de perceber que decidiram construir a fachada da casa e a garagem voltada para a Rua ..., porque se a contruíssem onde hoje está o pavilhão, a frente ficaria voltada para o prédio dos autores e como tal sem qualquer “vista” – vide depoimento de JJ, referiu que em tempos pensou em construir no prédio, que hoje pertence aos réus, mas acabou por não o fazer porque a tia lhe disse que, com isso, iria retirar as vistas à autora CC (m.02:05 a 03:34).
S. A decisão recorrida, nem sequer completa sua fundamentação, pois no 1º parágrafo da página 10, refere que “Quanto a este ponto, salienta-se em primeiro lugar que esta versão dos autores e e que foi corroborada pelos depoimentos das testemunhas …. não logrou merecer o convencimento do Tribunal”, pelo que também por aqui é nula.
T. Assim, o prédio dos autores não está em situação de encrave absoluto, mas relativo, pois tem comunicação com a via pública, através da casa de habitação e garagem que nele está implantada e que deita directamente para a Rua ... (a nascente do prédio), que permite o acesso a pé a todos os compartimentos do desse imóvel e ao logradouro, inclusive ao pavilhão – vide arts 6, 8 9, 10 e 11 da matéria de facto assente.
U. Porém, aquela comunicação à via pública (Rua ...) não permite o acesso de veículos à parte norte do prédio (ao pavilhão), - art.º 6 e 11 da matéria de facto assente V. Ora, de acordo com o artigo 7º da matéria de facto assente “Nesse pavilhão, foi instalada, em 1996 uma empresa, propriedade dos autores (inicialmente em nome próprio e posteriormente em nome colectivo (C... Lda.).
W. Na decisão proferida no processo 240/16.0T8EPS, que se encontra junta aos autos, resultou provado que:“21. No ano de 1996 os réus construíram um pavilhão no prédio a que se alude em 5., 18. e 19., concretamente junto à confrontação poente, pavilhão esse cujo acesso sempre foi efectuado através da entrada/faixa de terreno que aqui está em causa;
22. Nesse pavilhão foi depois instalada pelos réus uma empresa que ali laborou, tendo sido atribuído pela Câmara Municipal, em 2002, o nº de polícia ...7, ...3. Em data não apurada, os réus alcatroaram o piso respeitante à faixa de terreno em questão; 24. Posteriormente, os réus optaram por pavimentar aquele piso com cimento, situação que se mantém até aos dias de hoje.; 25. Nessa altura, para além do piso em cimento, os réus colocaram fiadas de tijolo no muro que ladeia pelo lado esquerdo a faixa de terreno aqui em questão, atento o sentido de quem está de frente para o portão”; pelo que essa matéria devia ter ficado provada, pois insere-se, quanto ao seu objecto, no objecto desta acção, obstando a que a relação ou situação jurídica material definida por aquela sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, concretamente pela que for proferida nestes autos – KK (m5:25 a 6:10; m26:00 a 27:00) BB (m6:27 a 7:58; m8:00 a 8:45), CC (m3:30 a 6:33).
X. É que, se se provou e aliás, constatou-se na inspecção ao local, que os autores alcatroaram o piso respeitante à faixa de terreno em questão e posteriormente optaram por pavimentar aquele piso com cimento, situação que se mantém até aos dias de hoje, não se compreende como pode o tribunal acreditar nas declarações dos réus, quando dizem que o piso da faixa estava repleto de silvas, quando adquiriram o prédio em 2015!
Y. Por outro lado, não é verdade que os autores não fizeram prova de que a utilização do pavilhão seja premente, “antes se mostra provado que o prédio em causa está desativado desde, pelo menos, 2015”, pois além de tal matéria não constar da matéria de facto assente, audiência e julgamento, as partes e testemunhas explicaram de forma perfeitamente clara e congruente, que no pavilhão em causa foi instalada, em 1996, uma empresa de confecção textil, propriedade dos autores, inicialmente em nome próprio e posteriormente em nome colectivo (C... Lda.), que por dificuldades económicas, foi declarada insolvente, por volta de 2015 e, que por essa razão, o pavilhão teve de estar encerrado até ao fim do processo de insolvência.
Z. Porém, os autores e as referidas testemunhas esclareceram que, após o processo de insolvência findar, os autores decidiram arrendá-lo, no entanto foram surpreendidos inicialmente pelo processo n.º 240/16.0T8EPS (onde os aqui réus reivindicavam a propriedade da faixa aqui em questão) e de seguida interpuseram a presente acção, pelo que, não obstante terem sido abordados por alguns pretendentes a arrendatários, (nomeadamente por um empreiteiro, o proprietário de uma empresa de som que pretendia armazenar aí os seus materiais de trabalho; por um pintor de quadros, que pretendia exercer aí sua actividade; por uma ex funcionária da antiga empresa que pretendia instalar ali uma empresa de embalagem, etc), optaram por não arriscar e aguardar pelo desfecho da presente acção, dado o perigo que correriam, caso lhes fosse ser negada a passagem legal para o referido pavilhão, pois como resultou provado, o "acesso por veículos automóveis: carro, carrinha e camião ao dito pavilhão só é possível através da faixa de terreno “ que aqui está em questão, e como facilmente se depreende, o acesso através desse meio é essencial e imprescindível ao exercício de qualquer tipo de actividade comercial que ali se pretenda exercer. – cfr. AA (m.12:06 a 12:20; m17:35 a 19:22); BB (m03:20 a 05:10; m20:00 a 22:05; m24:00 a 26:17;); CC (m01:30 a 02:04; m17:10 a 18:16; m17:10 a 18:16, m22:11 a 24:43) LL (m04:45 a 05:35; 05:54 a 06:37), II (m.13:55 a 17:48; m30:18 a 32:08).
AA. Logo a intenção dos autores nunca foi desistir do arrendamento (pois isso só lhes traria e trouxe prejuízo), mas antes evitar mais um problema, caso a acção improcedesse, pois como referiu a autora mulher (CC), vive apenas da reforma e o arrendamento contribuiria para um aumento da sua situação económica – m17:10 a 18:15.
BB. Acresce que, não ficou provado que o pavilhão tinha licença para habitação, nem não existe nenhum documento nos autos que o comprove.
CC. De todo modo, tal facto não relevaria, pois como refere o Ac. RL de 27/06/2019 (proc. 5715/11.5TCLRS.L1-6), www.dgsi.pt: “Vigora neste domínio o chamado “princípio da independência das legislações”, do qual resulta que a Administração ao licenciar uma operação urbanística apenas terá que considerar as normas do direito urbanístico, e, uma vez concedido o licenciamento, os direitos privados de terceiros não são afectados. Significa que a Administração não tem de levar em conta as regras civilista dos direitos de servidão, prevendo-se o indeferimento do licenciamento apenas nos casos previstos no artº 24º do DL nº 555/99 de 16/12 (…) (neste sentido, entre outros, Ac. STA de 7/2/2002; Ac STA de 24/9/2009 e Ac STA de 24/3/2011, todos em www dgsi.pt). Conclui-se assim, que nem a administração pública atende a eventuais direitos de terceiros no licenciamento de obras, nem o licenciamento de uma obra significa que não possam vir a ser declarados direitos de terceiros contrários à forma como a mesma se encontra licenciada.”
DD. Logo, os recorrentes fizeram prova não só do encrave do prédio, como que a normal utilização e exploração do prédio, pressupõe e exige imprescindivelmente o acesso de veículos àquela parte (norte), uma vez que aí existe um pavilhão, de dimensões consideráveis, destinado a arrendamento para o giro comercial, estando actualmente desocupado, dado que os recorrentes, apesar de terem a quem o queira arrendar, não o podem fazer, uma vez que receiam pelo desfecho da presente acção e consequentemente pela perda do imprescindível e único acesso a esse pavilhão, através de veículo (carro, carrinha e camião). – cfr, depoimento de AA (m.12:06 a 12:20; m17:35 a 19:22); BB (m03:20 a 05:10; m20:00 a 22:05; m24:00 a 26:17;); CC (m01:30 a 02:04; m17:10 a 18:16; m17:10 a 18:16, m22:11 a 24:43) LL (m04:45 a 05:35; 05:54 a 06:37), II (m.13:55 a 17:48; m30:18 a 32:08).
EE. Em suma, provou-se que o pedido de constituição da servidão legal não se destina a satisfazer necessidades recreativas ou de mera comodidade do prédio, mas uma necessidade de acesso à via pública, necessária à fruição e exploração económica normal do prédio/pavilhão, tendo em conta a sua afectação e a concreta exploração que dele é feita e daí que também devesse ter ficado provado a matéria de facto acima transcrita.
FF. Quanto à desproporcionalidade e prova de que a constituição da servidão pelo prédio dos réus é a que menos prejuízos traria e que o pavilhão só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona, para os autores é inquestionável que tal factualidade ficou mais do que provada.
GG. Primeiro porque nos arts 6), 8), 9), 10), 11) ficou provado o acesso ao pavilhão através de veículo só podia ser efectuado através da faixa de terreno em questão, devido ás construções efectuadas pelos autores, no lado nascente do prédio, nomeadamente dos muros e da construção de uma garagem, fechada pelo interior, fazendo referência ao documento de fls. 27v, que refere ser esclarecedor, sendo que essas construções são perfeitamente visíveis quer nas fotos n.º 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 juntas à pi, como nas fotos que constam da inspecção ao local realizada no dia 31/10/21.
HH. Dessas fotografias, particularmente da n.º 25 e das constantes da 4ª página do auto de inspecção ao local, verifica-se que do lado nascente do prédio dos autores (voltado para a Rua ...), só é possível o acesso a pé, uma vez que estes, além de terem murado todo o seu prédio, com excepção da parte destinada ao portão de acesso pedonal, ainda construiram uma garagem fechada pelo interior. Verifica-se ainda que a casa é térrea e está muito próxima do muro direito e esquerdo, que a ladeia; além disso, no interior do prédio existem ainda muros, que impedem a passagem.
II. Acresce que através da inspecção ao local, o tribunal teve oportunidade de constatar, in loco, tudo o acima referido, bem como o que consta do auto de inspecção.
JJ. Logo, como é fácil de concluir, pelo lado poente do prédio, a passagem de um veículo (carro, carrinha, camião) para o seu interior, implicaria que os autores derrubassem, entre outras coisas: os muros que ladeiam a frente da casa, o portão de acesso pedonal, a garagem e respectivo portão, os muros interiores, e “estreitecessem” a fachada direita da sua casa”, derrubando-a, desse lado, em toda a sua extensão, atento o sentido de quem está voltado para a sua frente, incluindo o beiral e telhado da casa, dado que para esse efeito, seria necessário obter quer a largura como a altura suficiente para a passagem, que igualmente teria de ser construida. Dado que os muros interiores se encontram em forma de socalco, os autores ainda teriam de nivelar todo o terreno e pavimentarem a passagem. cfr, depoimento de AA (m.19:20 a 20:30, m. 27:40 a 30:25); BB (m14:45 a 15:23; 30:12 a 30:49); HH (m10:16 a 11:17; 11:19 a 11:36), II (m.13:55 a 18:40; m17:48 a 18:40; m19:17 a 20:27; m25:36 a 26:03, m330:18 a 32; m35:06 a 35:50, m36:45 a 37:20), LL (m01:55 a 02:43; m04:45:05:35; 05:54 a 06:37) CC (m13:10 a 15:03; m17:10 a 18:16).
KK. Ora essas obras são impossiveis de serem concretizadas na práctica (particularmente o derrube da fachada direita da casa) e ainda que fosse possível, o seu custo seria, obviamente, exorbitante, atento o que aqui está em causa, razão pela qual essa matéria também devia ter sido provada, nos termos acima transcritos, pois como já se referiu, deveria ter ficado provado que a área do terreno referida em 4) tem um valor não superior a 2.000,00€, sendo 50€ por m2, pelo que comparando este valor (ainda que fosse agravado) os autores teriam um prejuízo incalculavelmente superior ao dos réus, sendo certo que, parte das obras necessárias, certamente, nem sequer seriam exequíveis.
LL. Acresce que, o tribunal não tinha elementos para dar como provado que a criação da servidão de passagem implicaria a impossibilidade da edificação no mesmo espaço de terreno, com a consequente perda de valor do prédio; tanto mais porque retirando os míseros 40 m2, os réus ainda ficariam com uma área de terreno equivalente a (513m2 – 40m2) 473m2, o que é manifestamente suficiente para permitir a sua edificação; aliás, atentas as razões acima referidas, o tribunal não tinha sequer elementos que provassem que os réus iam, efectivamente, edificar ali uma casa de habitação.
MM. Assim, demonstrando-se tal encrave, o tribunal devia ter decretado a constituição da servidão, conduzindo à procedência do recurso e à revogação da sentença recorrida.
TERMOS EM QUE deve o recurso em causa ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida nos termos acima referidos, assim se fazendo JUSTIÇA
Os réus apresentaram resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da apelação circunscreve-se às seguintes questões:

A) Nulidade da decisão recorrida;
B) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
C) Reapreciação do mérito da decisão recorrida em função da pretendida modificação da matéria de facto: aferir se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito quanto ao mérito da ação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1. A propriedade do prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos e logradouro, com 819 m2 de área total, sito no lugar de .../Rua ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte, com os autores, sul e poente com FF e nascente com caminho (Rua ..., descrito na CRP sob o n.º ...32º e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...21º, mostra-se registada a favor da 1ª autora, pela Ap. ...43 de 2015/04/13, conforme certidão predial junta aos autos a fls. 11, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2. O direito de uso e habitação sobre o mesmo prédio encontra-se registado a favor dos 2ºs autores, pela Ap. ...43 de 2015/04/13, conforme certidão predial junta aos autos a fls. 11, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
3. A propriedade do prédio urbano, composto por terreno de construção, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 513m2, a confrontar do norte com Rua ..., do sul com MM, do nascente com Rua ... e do poente com NN, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...72 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...16, o qual teve origem no artigo rústico ...79, mostra-se registada a favor dos réus, pela AP. ...30 de 2/10/2015, conforme certidão predial junta aos autos a fls. 92v e 93, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
4. Dentro do prédio referido em 3) existe uma faixa de terreno, sita na extrema norte/poente, com as seguintes medidas: 2,89 m de largura no topo sul, junto ao portão; 4,13 m de largura no topo norte, junto à estrada; 11,03 m de comprimento no lado esquerdo; 11,66 metros de comprimento no lado direito.
5. Por volta do ano de 1992, os autores construíram um pavilhão no prédio referido em 1), concretamente junto à confrontação poente.
6. O acesso por veículos automóveis: carro, carrinha e camião ao pavilhão referido em 5) apenas é possível através da faixa de terreno referida em 4).
7. Nesse pavilhão, foi instalada, em 1996 uma empresa, propriedade dos autores (inicialmente em nome próprio e posteriormente em nome colectivo (C... Lda.).
8. No prédio urbano dos Autores existe uma entrada a nascente que dá acesso direto à via pública, à Rua ..., estando com esta nivelada;
9. … E que permite o acesso a pé a todos os compartimentos, entre si, desse imóvel.
10. … E o acesso a pé ao logradouro do mesmo, incluindo ao pavilhão referido em 5).
11. A via referida em 8) não permite o acesso de carro ao pavilhão referido em 5), devido às construções que os autores fizeram nesse prédio.
12. Não se verifica qualquer atividade no pavilhão referido em 5) pelo menos desde 2015.
13. A criação de uma passagem pelo espaço de terreno referido em 3) implicaria uma correspondente impossibilidade da edificação no mesmo espaço de terreno.
14. Com a consequente perda de valor do prédio referido em 3).
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a) O acesso a pé ao pavilhão referido em 5) apenas é possível pela faixa de terreno referida em 4).
b) A área de terreno referida em 4) tenha um valor não superior a €200, sendo €5 por m2.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Da invocada nulidade da sentença recorrida

Insurgem-se os apelantes contra a sentença final que, após produção de prova em audiência final, absolveu os réus do pedido do pedido de constituição de uma servidão legal de passagem sobre a faixa de terreno referida no ponto 4) dos factos provados.
Sobre a questão agora em apreciação sustentam os apelantes/autores, no essencial, que «[p]ara o tribunal, os autores, entre outras coisas, não alegaram que a utilização da faixa de terreno seja premente ou atual; não invocaram factos que permitissem a conclusão de que a constituição da servidão pelo prédio dos réus é a que menos prejuízos traria; não alegaram que o referido pavilhão só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona»[1]. «Em 27/11/18, o tribunal convidou os recorrentes a aperfeiçoar a sua pi, porque entendeu que a constituição de uma servidão legal implica o pagamento de uma indemnização pelo prejuízo sofrido, (art.º 1554.ºCC) e os mesmos não alegam qual o valor dessa indemnização, pelo que se tivesse sido omitido qualquer outro requisito, o tribunal teria convidado os autores a aperfeiçoar o articulado, atento o princípio da adequação processual, da cooperação e do inquisitório - art.º 4º, 5º, 6º, 7º, 411º e 590º CPC»[2], pelo que, «o tribunal tinha obrigação (dever vinculativa) de convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado; como omitiu uma formalidade prevista na lei (art.º 590º CPC), cuja omissão tem como consequência a nulidade da sentença».
As nulidades processuais, que são habitualmente classificadas em principais, nominadas ou típicas, tal como previstas nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC e, por outro lado, secundárias, inominadas ou atípicas[3], estas residualmente incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC[4], têm como uma das particularidades o regime de arguição perante o tribunal que omitiu o ato e não em sede de recurso, não consubstanciando, por isso, causa de nulidade da decisão, importando, assim, com referência às causas de nulidade da sentença previstas no artigo 615.º do CPC «que se estabeleça uma separação entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que o regime do preceito apenas a esta se aplica; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos»[5].
No caso vertente está em causa a invocação de uma nulidade processual, dependente, como se viu, da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, sendo certo, ainda assim, que tal omissão só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Com efeito, não configurando uma nulidade principal, nominada ou típica, nos termos previstos nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC, a aludida nulidade processual inclui-se residualmente na previsão geral do artigo 195.º CPC, devendo ser classificada como secundária, inominada ou atípica.
Tratando-se de nulidade para a qual a lei não prevê um regime específico de arguição, é aplicável o regime previsto no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, que estabelece a regra geral sobre o prazo de arguição de nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

O citado artigo 590.º do CPC, com a epígrafe «Gestão inicial do processo», dispõe, no que ora releva, o seguinte:
«(…)
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados».
Na determinação das consequências da falta de prolação do despacho pré-saneador, nos termos e para os efeitos do artigo 590.º, n.º 4 do CPC, há que ter em conta que a formulação nele consagrada «pôs termo à discussão que vinha existindo, por referência ao art. 508º, nº 3, do CPC de 1961, acerca da natureza do despacho destinado ao aperfeiçoamento dos articulados, ficando agora (mais) claro o seu carácter vinculado, arrendando a possibilidade de o juiz optar entre proferir ou não tal despacho», pelo que, «[a] falta de prolação do despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos do art. 590.º, nº 4, configura a omissão de um ato que a lei prescreve. Essa situação é especialmente ostensiva quando o juiz, além de omitir a prolação do despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento, extrai  das deficiências do articulado efeitos que se projetam de imediato na procedência ou na improcedência da ação ou da exceção perentória»[6].
Conforme já explicitava o Prof. Alberto dos Reis[7], «[a] arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
(…) Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou», sendo o meio idóneo a interposição do respetivo recurso».
Também à luz do regime processual vigente a doutrina vem defendendo de forma consistente que em situações nas quais a prática de alguma nulidade processual de conhecimento oficioso ou a omissão de alguma formalidade de cumprimento obrigatório (como a que demanda o exercício do contraditório) se projeta na sentença, a reação da parte interessada passa pela interposição de recurso em cujo âmbito se inscreva a arguição daquelas nulidades[8].
Sucede que os n.ºs 5 e 6 do citado artigo 590.º do CPC definem os parâmetros em que o aperfeiçoamento pode ocorrer, estipulando expressamente este último normativo que as alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor.

Neste domínio, o artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, sob a epígrafe Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo, dispõe que:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Este preceito, a par do artigo 264.º do CPC[9], enuncia as exceções à regra da estabilização da instância quanto ao seu elemento objetivo[10].
Dispõe, por seu turno, o artigo 5.º, n.º 1 CPC, que cabe às partes, além do mais, «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (…)», correspondendo esta ao facto ou factos jurídicos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, o efeito jurídico pretendido ou o pedido formulado - cf. artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 CPC[11] - cabendo a cada uma das partes o ónus da alegação dos factos cujo efeito lhe é favorável[12].
Assim, «[f]ora o caso de acordo das partes (art. 264), a alteração e a ampliação da causa de pedir só podem ter lugar quando os novos factos sejam introduzidos no processo já provados, em consequência de confissão feita pelo réu (art. 265-1), ou sejam supervenientes, isto é, tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da petição inicial (art. 88-1)»[13].
Daí que o convite ao aperfeiçoamento, previsto no referido artigo 590.º, n.º 4 do CPC, se destine a «completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos. Coisa diversa, e afastada do âmbito do art. 590º, nº 4, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar, ex novo, um quadro fáctico até então inexistente ou de todo impercetível (o que, aqui, equivale ao mesmo), restrição que, aliás, também decorre do art. 590, nº 6»[14].
Decorre do exposto que «[a] intervenção do juiz, apontando defeitos na narração dos factos, deve pautar-se por grande rigor e sobriedade, não cabendo ao juiz imiscuir-se nas opções assumidas pelas partes, nem sugerir outras alternativas, ainda que, eventualmente, mais vantajosas. Neste âmbito, a estratégia da parte baliza a intervenção do juiz e será dentro desses limites que o juiz deve cuidar de verificar se a alegação fáctica apresente insuficiências ou imprecisões, proferindo o despacho de convite ao aperfeiçoamento quando conclua haver imperfeições»[15].
Tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2019[16] «[o] princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva».
Retomando a específica arguição de nulidade em apreciação, logo se observa que os recorrentes nem sequer indicam de forma especificada quais os concretos factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento de um eventual convite ao aperfeiçoamento. Em todo o caso, resulta manifesto que a matéria agora genericamente invocada pelos apelantes em sede de apelação, e cuja alegação fáctica foi omitida por estes no âmbito dos articulados da presente ação, não se destina simplesmente a densificar ou a concretizar de forma adequada algum aspeto ou vertente dos factos essenciais inicialmente alegados e em que os autores fundam a pretensão deduzida, nem tal vem devidamente explicitado pelos apelantes, antes implicando a invocação de um quadro fáctico estruturante, inovador e de todo impercetível à luz da concreta causa de pedir delimitada pelos autores na petição inicial.
Neste domínio, sustentam ainda os recorrentes que alegaram toda a factualidade necessária para a constituição da servidão legal porquanto toda essa factualidade se encontre incluída nos temas da prova.
Porém, e tal como sublinha José Lebre de Freitas [17]« é com incorreção terminológica que o art. 410 diz que a instrução tem por “objeto” os temas da prova enunciados e, pleonasticamente, que, só na falta dessa enunciação o seu objeto são os factos “necessitados de prova”. Provam-se factos; não se provam temas».
E, neste domínio, esclarece ainda o referido Autor[18] «os temas da prova (…) constituem apenas quadros de referência, dentro dos quais há que recorrer, como no CPC de 1961, aos factos alegados pelas partes».
Por conseguinte, resta concluir que o Tribunal a quo não omitiu a prática de qualquer ato ou de formalidade que a lei prescreva, nem violou o seu dever de gestão processual ou os princípios da cooperação, da adequação processual ou do inquisitório, pelo que a sentença recorrida não enferma da nulidade invocada pelos apelantes.
Nas alegações da apelação os recorrentes sustentam, ainda, que «[a] decisão recorrida, nem sequer completa sua fundamentação, pois no 1º parágrafo da página 10, refere que “Quanto a este ponto, salienta-se em primeiro lugar que esta versão dos autores e que foi corroborada pelos depoimentos das testemunhas …. não logrou merecer o convencimento do Tribunal”, pelo que também por aqui é nula»[19], por falta de fundamentação, «já que não indica as testemunhas que não lograram convencer o tribunal», conforme alegam no corpo das alegações.
Apesar de não enunciarem expressamente o concreto vício que imputam à sentença recorrida, dentro das causas de nulidade da sentença especificamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, sustentam os apelantes de forma direta que a sentença recorrida incorreu em falta de fundamentação já que em determinado segmento da motivação da matéria de facto não identifica as concretas testemunhas que corroboraram a versão dos autores, mas que não logrou merecer o convencimento do tribunal.
O artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, na parte que aqui interessa, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade prevista na citada alínea b), do n.º 1, do citado artigo 615.º do CPC está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, relativo à sentença, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Por último, e conforme dispõe o n.º 4 do citado artigo 607.º do CPC: «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Neste contexto, deve entender-se que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, a qual não se verifica perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente[20].

A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, referem ainda Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[21]:

«Face ao actual código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607, n.os 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º1 (falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, n.º s 2-d e 3, alíneas b) e d)».

Efetivamente, tal como refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-03-2015[22], «[n]ão são confundíveis nem têm o mesmo regime o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação e o vício da deficiência da motivação da decisão da matéria de facto», enunciando para o efeito as seguintes conclusões a propósito do regime atualmente em vigor:

«i) Existe falta de fundamentação de facto da sentença, gerando a nulidade desta, nos casos em que a sentença não exibe os factos em se baseia a solução jurídica levada à decisão;
ii) Se da sentença constam os factos a que a decisão fez aplicação do direito, não falta aquela fundamentação nem a sentença é nula;
iii) Se a fixação da matéria de facto, que incorpora a sentença mas constitui um momento prévio à fundamentação de facto da sentença padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, segue-se o regime do artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do novo Código de Processo Civil, cabendo à parte interessada, no recurso da sentença, o ónus de impugnar a decisão da matéria de facto e sustentar a presença desses vícios;
iv) Confrontada com essa arguição (ou mesmo oficiosamente), a Relação só pode anular a decisão se não tiver à sua disposição todos os meios de prova que lhe permitiriam sanar, por si mesma, a deficiência, obscuridade, contradição;
v) Nos demais casos (o vício é um desses, mas a Relação tem à sua todos os meios de prova; o vício é a falta de fundamentação) a Relação não pode anular a decisão da 1.ª instância, cabendo-lhe sanar ela mesma o vício, excepto se se tratar de falta da “devida” fundamentação caso em que poderá ordenar à 1.ª instância que acrescente a fundamentação em falta, prosseguindo depois com o conhecimento do objecto do recurso».

Analisando a sentença recorrida verifica-se que na mesma foram discriminados os factos que o Tribunal considerou provados, em conformidade com o preceituado no artigo 607.º, n.º 3 do CPC.
Assim sendo, não ocorre a alegada omissão de fundamentação de facto, posto que da fundamentação da sentença constam os elementos, de facto e de direito, que permitem evidenciar os fundamentos em que se alicerça, conforme decorre da própria alegação dos recorrentes que aludem aos factos enunciados na decisão recorrida, impugnando a decisão quanto à matéria de facto.
Ora, como se viu, se a fixação da matéria de facto padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, tal poderá determinar, mesmo oficiosamente, a alteração proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.ºs 2, als. c) e d), e n.º 3, do CPC, mas não determina o vício arguido.
Assim, o vício em causa será eventualmente subsumível ao regime específico previsto no artigo 662.º, n.º 2, al. d) do CPC, do qual resulta que a Relação deve, mesmo oficiosamente determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, mas não configura uma nulidade da sentença.
Por outro lado, estando em causa a deficiente fundamentação da decisão da matéria de facto, eventualmente subsumível ao regime específico previsto no artigo 662.º, n.º 2, al. d) do CPC, «a devolução do processo deve ser guardada para casos em que, além de serem efetivamente relevantes, não possam sequer ser remediados através do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova»[23].
Sucede que o concreto segmento da motivação da matéria de facto que os apelantes alegam padecer do vício em análise reporta-se aos motivos que determinaram o tribunal a quo a formular o juízo probatório suficiente para dar como provado o facto vertido no ponto 11) dos Factos provados[24], tal como decorre com clareza da análise da correspondente motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida:
«(…)
Por outro lado, que os autores apenas não conseguem passar de veículo automóvel para o logradouro da sua propriedade e consequentemente para o anexo designado de “pavilhão” devido às construções que os autores fizeram nesse prédio, é objetivo.
Com efeito, resultou desde logo das declarações e depoimento de parte da autora CC que, não fosse a construção dos muros, a Rua ... permitira perfeitamente o acesso ao logradouro do prédio e, consequentemente, aos anexos lá existentes, não só ao pavilhão, como aos demais, como, de resto, decorre de forma clara do teor do documento de fls. 27v.
Sobre este ponto os autores CC e BB reiteraram nos seus depoimentos de parte que sempre usaram a passagem aqui em causa como sendo a passagem para a sua residência, invocando que quando edificaram a habitação a Rua ... não existia como é hoje, seria uma cangosta, um caminho fundo, em terra batida.
Quanto a este ponto salienta-se, em primeiro lugar, que esta versão dos autores e que foi corroborada pelos depoimentos das testemunhas … não logrou merecer o convencimento do Tribunal.
Veja-se, se à data da construção da habitação os autores tinham duas entradas para o prédio, uma pela Rua ..., que era (na versão dos autores) uma cangosta funda e estreita, e outra a aqui em causa, que era nivelada e adequada à passagem, não é plausível, face às regras da experiência comuns e normalidade, que os autores fossem edificar a sua casa de habitação com a entrada voltada precisamente para a cangosta que é até mais longe da estrada principal, a Rua ....
Mas, salvo o devido respeito, entendemos até não ser de relevar invocada boa fé na utilização da parcela de terreno aqui em causa, uma vez que essa invocada boa fé objetivamente em nada contende a constatação de que a Rua ... apenas não permite o acesso de carro ao pavilhão devido às construções que os autores fizeram nesse prédio.
Com efeito, sendo manifesto que o prédio dos autores confronta a nascente em toda sua extensão com a Rua ..., que é uma via pública, tiveram os autores a oportunidade de adaptar a construção do seu prédio a essa realidade.
Julga-se, em consequência, provado que a Rua ... não permite o acesso de carro ao pavilhão devido às construções que os autores fizeram nesse prédio, facto provado nº 11)».
Estando em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, impõe o artigo 640.º, n.º 1 do CPC aos recorrentes, além do mais, a indicação dos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
No que respeita aos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os apelantes não indicam o aludido ponto 11) dos Factos provados, tratando-se por isso de facto que não vem concretamente impugnado pelos recorrentes em sede de impugnação da matéria de facto.
 Ora, a falta de impugnação de tal matéria pelos ora recorrentes delimita necessariamente o poder de cognição do Tribunal ad quem, tal como decorre do disposto nos artigos 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Neste enquadramento, revelam-se manifestamente inócuas e inconsequentes as questões suscitadas pelos recorrentes a propósito da motivação exarada pelo tribunal a quo sobre esta matéria, uma vez que a fundamentação em causa não assume relevo no âmbito da concreta impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelos recorrentes, mostrando-se assim manifestamente desnecessária a devolução do processo à 1.ª instância para suprimento da omissão verificada.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a sentença recorrida não padece de qualquer das arguidas nulidades, nem de qualquer outra que cumpra verificar ou declarar, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os autores/apelantes impugnam a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos seguintes termos:

a) a matéria de facto assente nos artigos 13) - «A criação de uma passagem pelo espaço de terreno referido em 3) implicaria uma correspondente impossibilidade da edificação no mesmo espaço de terreno» e 14) - «Com a consequente perda de valor do prédio referido em 3)» -, dos Factos provados, devia ter sido dada como não provada;
b) a matéria de facto dada como não provada na al. b) - «A área de terreno referida em 4) tenha um valor não superior a €200, sendo €5 por m2» - devia ser considerada como provada com o seguinte teor: «A área do terreno referida em 4) tem um valor não superior a 2.000,00€, sendo 50€ por metro quadrado».
c) a matéria de facto correspondente aos artigos 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 25.º da matéria assente, no processo n.º 240/16.0T8EPS, também devia ter sido dada como provada no âmbito destes autos, atenta a autoridade de caso julgado;
d) devem ser aditados à matéria provada os seguintes factos:
i) os autores estavam convencidos que aquela faixa de terreno era parte integrante do seu prédio;
ii)a sociedade C... Lda., por dificuldades económicas relacionadas com a cobrança de créditos, foi declarada insolvente, por volta de 2015, pelo que o pavilhão referido em 5) teve de encerrar até ao fim do processo de insolvência;
iii) - após o processo de insolvência findar, os autores decidiram arrendá-lo para o giro comercial/industrial, porém foram surpreendidos inicialmente pelo processo n.º 240/16.0T8EPS (onde os aqui réus reivindicavam a propriedade da faixa aqui em questão)e, de seguida interpuseram a presente acção, pelo que, não obstante terem sido abordados por alguns pretendentes a arrendatários, (nomeadamente por o proprietário de uma empresa de som que pretendia armazenar aí os seus materiais de trabalho; por um pintor de quadros, que pretendia exercer a sua actividade; por uma ex funcionária da antiga empresa que pretendia instalar ali uma empresa de embalagem, etc), optaram por não arriscar e aguardar pelo desfecho da presente acção, dado o perigo que correriam, caso lhes viesse a ser negada a passagem legal para o referido pavilhão, já que o seu acesso através de veículos automóveis (referidos em 6)) é essencial e imprescindível ao exercício de qualquer tipo de actividade comercial que ali se pretenda exercer;
iv) - pelo lado poente do prédio, a passagem de um veículo (carro, carrinha, camião), para o seu interior, implicaria que os autores derrubassem, entre outras coisas: os muros que ladeiam a frente da casa, o portão de acesso pedonal, a garagem e respectivo portão, os muros interiores, e “estreitecessem” a sua casa”, derrubando, em toda a sua extensão, parte do seu lado direito, atento o sentido de quem está voltado para a sua frente, incluindo o beiral e telhado da casa, dado que para esse efeito, seria necessário obter quer a largura como a altura suficiente para a passagem, que igualmente teria de ser construída. Dado que os muros interiores se encontram em forma de sucalco, os autores ainda teriam de nivelar todo o terreno.
v) - tais obras (particularmente o derrube da fachada) eram impossíveis de realizar e causariam um prejuízo incalculável para os autores.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este Tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[25].
No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados, observa-se que os apelantes indicam expressamente os concretos pontos que consideram incorretamente julgados, mais especificando suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados.
Atenta a impugnação deduzida, cumpre analisar previamente se a matéria que, no entender dos recorrentes, suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, bem como se é suscetível de assumir relevância jurídica que permita levar a decisão diferente da anteriormente alcançada sobre o mérito da causa, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ao objeto da ação e às diversas soluções plausíveis de direito.
Analisados detalhadamente os articulados apresentados pelas partes na presente ação, facilmente se constata que os concretos enunciados fácticos agora indicados pelos recorrentes e vertidos em 2.2. - d) - i), ii), iii), iv) e v) supra - não foram oportunamente alegados por qualquer das partes em sede de articulados, não cabendo nos poderes de cognição do tribunal, sendo certo que em momento algum anterior à interposição do presente recurso os ora recorrentes manifestaram o propósito de deles se aproveitarem.

Neste domínio, há que ter em conta o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do CPC, sob a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», com a redação seguinte:

«1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - (…)».

Decorre deste regime que se incluem nos poderes de cognição do Tribunal determinados factos não alegados pelas partes nos respetivos articulados: os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Os factos que os autores pretendem agora aditar à matéria de facto provada não foram alegados por qualquer das partes, sendo certo que não consistem, nem tal vem devidamente evidenciado pelos recorrentes, em factos instrumentais, complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado ou em factos notórios, ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado artigo 5.º do CPC, antes traduzindo alegações fáctico-jurídicas de natureza essencialmente estruturante, inovadora e de todo impercetível à luz da concreta causa de pedir invocada pelos autores na petição inicial.
Como tal, não se trata de factos a considerar pelo juiz, assim não integrando os poderes de cognição do tribunal em matéria de facto.
Por conseguinte, é manifesto que não pode proceder a ampliação à matéria de facto agora proposta pelos recorrentes quanto aos concretos factos supra enunciados em 2.2. - d) - i), ii), iii), iv) e v) supra, por não integrar os poderes de cognição deste Tribunal, à luz do disposto no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Como tal, decide-se rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, assim improcedendo as correspondentes conclusões dos apelantes.
Em sede de recurso os recorrentes pretendem que os factos que constam dos artigos 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 25.º da matéria assente no processo n.º 240/16.0T8EPS sejam dados como provados no âmbito da presente ação, atenta a autoridade de caso julgado.
Atento o teor do acórdão anteriormente proferido por este Tribunal da Relação no presente processo[26] não está em causa, nesta sede, apreciar se a decisão proferida na indicada ação n.º 240/16.0T8EPS vincula as partes nos presentes autos e em que medida, importando sim aferir se a decisão de facto aí proferida poderá ter algum efeito autónomo de caso julgado no âmbito da decisão de facto constante da sentença ora recorrida.
Em primeiro lugar, temos por indiscutível que apenas a matéria de facto concretamente alegada nos articulados previstos no âmbito da presente ação integra os poderes de cognição do Tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos que resultam conjugadamente do disposto nos artigos 5.º, 264.º e 265.º do CPC, não vigorando qualquer limitação ao princípio do dispositivo no que concerne à necessidade de alegação dos factos relevantes que constituem a respetiva causa de pedir, ainda que tratando-se de ação instaurada posteriormente a uma outra em que se verifica a existência de total identidade de sujeitos e parcial coincidência de pedidos e de causa de pedir.
Transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC. Por outro lado, dispondo o artigo 621.º do CPC que «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», verifica-se que o alcance do caso julgado decorre dos próprios termos da decisão.
Contudo, o caso julgado abrange apenas a parte decisória e não, em princípio, os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, podendo os seus limites integrar a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final.
Neste domínio, dúvidas não há de que o caso julgado vincula as partes, não só no processo onde foi proferida a decisão, mas igualmente noutros processos, impedindo a repetição da causa (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º do CPC) e fazendo valer a sua autoridade, através da imposição da decisão tomada, a título prejudicial relativamente a decisões a proferir noutras ações.
Neste âmbito, importa realçar que a força obrigatória do caso julgado se desdobra numa dupla eficácia, designada por efeito negativo e efeito positivo.
O efeito negativo do caso julgado «consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º», enquanto o efeito positivo ou autoridade do caso julgado «consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior»[27].
A autoridade do caso julgado impõe que as questões decididas na ação n.º 240/16.0T8EPS vinculem as partes no âmbito da presente ação, tanto a título principal, como a título prejudicial, relativamente aos aspetos em que se verifique a identidade do pedido e da causa de pedir, abrangendo então o caso julgado não apenas a parte dispositiva do julgado, mas também a decisão de questões conexas com aquela, o que impõe seja tida em conta a resolução das questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares que constituam pressuposto daquela parte dispositiva.
Porém, daqui não decorre que o caso julgado se estenda aos próprios factos considerados provados na decisão em causa, assim não podendo tais factos ser invocados por si só, separadamente da decisão que com base neles tiver sido proferida - neste sentido, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018[28], no qual se entendeu o seguinte: «Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente».
Em sentido idêntico sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2018[29]: «(…) Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. V - Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do art. 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo. VI - De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra acção».
Nestes termos, a matéria de facto julgada provada no âmbito da decisão proferida na ação n.º 240/16.0T8EPS não impõe, por si só, que sejam considerados provados os factos aludidos pelos recorrentes em sede de impugnação da matéria de facto (aludidos em 2.2. - c) - supra).
De resto, o Tribunal a quo deu como provados alguns segmentos fácticos em sentido diverso ou distinto dos factos que foram tidos como provados no âmbito do processo n.º 240/16.0T8EPS, como é o caso do ponto 5) dos Factos provados - «Por volta do ano de 1992, os autores construíram um pavilhão no prédio referido em 1), concretamente junto à confrontação poente»[30] - e do ponto 7) dos Fatos provados - « Nesse pavilhão, foi instalada, em 1996 uma empresa, propriedade dos autores (inicialmente em nome próprio e posteriormente em nome colectivo (C... Lda.)»[31].
Ora, igualmente se verifica que os pontos 5) e 7) dos Factos provados não vêm concretamente impugnados pelos recorrentes em sede de impugnação da matéria de facto, o que delimita necessariamente o poder de cognição do Tribunal ad quem e inviabiliza, só por si, o pretendido aditamento dos factos que constam dos artigos 21.º e 22.º da matéria assente no processo n.º 240/16.0T8EPS.
Ademais, os recorrentes também não indicam qual a relevância do pretendido aditamento do elenco fáctico correspondente aos factos 23.º, 24.º e 25.º da matéria assente no processo n.º 240/16.0T8EPS, revelando-se o mesmo manifestamente inconsequente e irrelevante à luz do objeto da presente apelação, mesmo ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, continuando, mesmo na eventualidade de vir a ser integrado na matéria de facto provada, a ser juridicamente inócuo pois não apresenta qualquer virtualidade para alterar a solução jurídica da causa. Com efeito, trata-se de matéria de facto que visava consubstanciar os alegados atos de posse dos ora recorrentes sobre a parcela de terreno em questão nos presentes autos, assim conformando a causa de pedir inerente ao pedido de reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituída por usucapião. Sucede que após recurso interposto pelos autores veio esta Relação determinar o prosseguimento dos autos com vista à decisão de saber se os autores têm o direito de constituição de uma servidão legal, mantendo a absolvição dos réus da instância quanto aos demais pedidos formulados, não podendo assim vir discutir-se na presente ação o invocado direito dos autores ao reconhecimento de que o respetivo prédio beneficia de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, pela faixa de terreno ou caminho descrito no art.º 26.º da petição inicial, que onera o prédio dos réus e que alegadamente confere aos autores o direito de passar nesse caminho (acórdão de 23-01-2020 devidamente transitado em julgado).
No enquadramento antes enunciado, entendemos que a eventual demonstração das circunstâncias vertidas nos factos 23.º, 24.º e 25.º da matéria assente no processo n.º 240/16.0T8EPS sempre seria absolutamente irrelevante para o desfecho da presente ação, pelo que a não consideração de tais factos não poderá ter influência na decisão, nos termos antes enunciados.
Nos termos e com os fundamentos enunciados, decide-se rejeitar, nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente improcedência das correspondentes conclusões dos apelantes.
Cumpre proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à restante factualidade impugnada pelos recorrentes.
Defendem os apelantes que os pontos 13.º - «A criação de uma passagem pelo espaço de terreno referido em 3) implicaria uma correspondente impossibilidade da edificação no mesmo espaço de terreno» - e 14.º - «Com a consequente perda de valor do prédio referido em 3)» - dos “Factos provados” devia ter sido dada como não provada.
Sobre esta matéria os recorrentes alegam inexistir qualquer meio de prova no processo que a confirme, posto que o tribunal só diz que está em causa um prédio urbano e que os réus referiram que pretendiam edificar aí uma casa de habitação, quando a ré mulher apenas referiu que sem a faixa “não conseguia fazer a casa que quer” (m. 6:49 a 7:04), argumentos que defendem ser insuficientes para que o tribunal retirasse a ilação de que a servidão implicaria a impossibilidade de edificação naquele espaço e implicaria perda do valor do prédio, tanto mais que os réus nem sequer referiram que tipo de construção pretendiam fazer, nem essa afirmação alguma vez poderia ser considerada sinónimo de “impossibilidade de construir”, nem existe nos autos qualquer documento que comprove ou indicie tal factualidade (projeto de construção, um alvará, um parecer camarário, um orçamento, etc.) e nenhuma testemunha referiu nada sobre essa matéria. Acrescentam que a ré é parte interessada na improcedência da ação o que, por si só, abala a credibilidade do seu depoimento.
Cumpre então apreciar se os concretos meios probatórios que foram valorados pelo Tribunal a quo são suficientes para considerar assentes os factos impugnados, o que importa a prévia determinação do padrão de prova exigível em processo civil, isto é, do standard de prova aplicável, o qual consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira[32].
Tal como explica Luís Filipe Pires de Sousa[33], «o standard de prova que opera no processo civil é o da «probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
(…) este critério da probabilidade lógica prevalecente - insiste-se - não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis».
Abrantes Geraldes[34] sublinha a necessidade de o juiz adotar um critério de razoabilidade no que concerne à afirmação da prova ou da falta de prova dos factos controvertidos: «[c]ientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito e que, por conseguinte, a formulação de juízos judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a natureza do caso, em critérios que se orientem pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabilidade, não devem ser feitas exigências probatórias irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma situação de denegação de justiça».
Neste domínio, refere José Lebre de Freitas[35]: «[n]o âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança».
Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tal como ressalta deste preceito, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.
Conforme prevê o artigo 663.º, n.º 2, do CPC são aplicáveis ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais importa atender ao disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, do qual decorre que devem ser considerados os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos ou por confissão, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções legais e as presunções judiciais decorrentes das regras de experiência.
A este propósito, refere Abrantes Geraldes[36]: «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência».
Da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida decorre que os pontos agora em apreciação foram julgados provados com base nos seguintes elementos:
«(…)
Finalmente, que a criação de uma passagem pelo espaço de terreno em causa nos autos implicaria uma correspondente impossibilidade da edificação no mesmo espaço de terreno é objetivo.
Com efeito, em primeiro lugar, dos documentos juntos aos autos, concretamente da certidão predial do prédio em causa resulta, de forma clara, que o prédio em causa é um terreno destinado a construção urbana, de resto, dos depoimentos dos réus DD e EE resultou que pretendem edificar naquele terreno uma casa de habitação.
Assim sendo, a constituição de uma servidão naquele terreno implicará necessariamente que os réus não possam construir nesse espaço, o que se julga provado.
(…)».
Analisado o segmento da motivação da decisão de facto antes transcrito temos por evidente que o Tribunal a quo considerou assente tal matéria com base em ilações retiradas de outros factos tidos como conhecidos, o que permite configurar o recurso à prova por presunção judicial.
Assim, os meios de prova concretamente enunciados na aludida motivação da decisão de facto serviram para tornar verosímil a base de facto em que assenta a presunção e não para sustentar a prova direta dos factos agora impugnados.
A prova de um facto por presunção judicial assenta no raciocínio do juiz, baseado em regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade.
Pires de Lima/Antunes Varela[37] explicam que as presunções judiciais, «simples ou de experiência», «assentam no simples raciocínio de quem julga», inspirando-se «nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana».
A respeito do nexo lógico enquanto um dos elementos estruturais da presunção importa considerar que «o facto-base e o facto-presumido devem estar vinculados entre si por uma relação de causa-efeito, segundo uma regra de critério ou experiência humana[38]». Assim, «o nexo lógico não é um facto mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima de experiência, tida por aplicável no caso, segundo a qual perante a ocorrência de um facto gera-se uma probabilidade qualificada de que se tenha produzido outro. Assim, a parte que recorre a uma presunção judicial não tem de provar o nexo lógico mas tem que lograr convencer o juiz da existência e aplicabilidade ao caso de uma máxima de experiência[39]».
No contexto dos autos, é normal que o julgador procure analisar criticamente todos os meios de prova disponíveis e os factos já suficientemente consolidados no processo à luz das regras da experiência de modo a evidenciar a existência de outro (s) facto (s) que tenham sido alegados (factos presumidos), atendendo ao nexo lógico existente entre tais factos e às máximas da experiência e à normalidade das coisas da vida.
Em primeiro lugar, julgamos indiscutível e objetivo que a criação de uma passagem pelo espaço de terreno em causa nos autos implica necessariamente a correspondente impossibilidade da edificação no mesmo espaço de terreno, pela simples e evidente constatação de que o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem envolve para o proprietário do prédio onerado com a mesma (prédio serviente) a vinculação a acatar e dar cumprimento à correspondente decisão judicial, ficando impedido de estorvar o uso da servidão, tal como determina a primeira parte do n.º 1 do artigo 1568.º do CC, impondo assim que se dê como provado o enunciado fáctico constante do ponto 13 dos factos provados.
Nesta sede, cumpre ainda realçar o facto definitivamente assente nos autos sob o ponto 3) dos factos provados, do qual resulta que o prédio dos réus é um terreno destinado a construção.
Todos estes factos permitem consubstanciar com suficiente probabilidade e verosimilhança a consequência vertida no ponto 14) dos Factos provados, traduzida na objetiva perda de valor do prédio referido em 3) atendendo ao nexo lógico existente entre tais factos.
Por todo o exposto, feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os meios de prova e dos factos antes enunciados, à luz das regras gerais da experiência comum, alicerçadas em juízos de probabilidade e de normalidade social aplicáveis ao caso, entendemos que se justifica a valoração dos meios de prova em que assentou a convicção do Tribunal a quo para dar como provado o enunciado fáctico constante dos pontos 13) e 14) dos factos provados.
Em consequência, julga-se integralmente improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelos apelantes, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 13) e 14) supra.
Por último, os apelantes manifestam a sua discordância relativamente à matéria de facto dada como não provada na al. b) - «A área de terreno referida em 4) tenha um valor não superior a €200, sendo €5 por m2» - (única que foi concretamente alegada pelos recorrentes) devia ser considerada como provada com o seguinte teor: «A área do terreno referida em 4) tem um valor não superior a 2.000,00€, sendo 50€ por metro quadrado».
Porém, no que respeita aos concretos meios probatórios que entendem impor decisão diversa relativamente ao ponto da matéria de facto agora em causa não se vislumbra que tenham os apelantes cumprido o ónus de alegação constante da alínea b) do n.º 1, conjugada com a alínea a) do n.º 2, do artigo 640.º do CPC.
Assim, apesar de invocarem como meio de prova a atender em sede de impugnação de facto o depoimento prestado pela testemunha GG, os apelantes não requerem a respetiva reapreciação com indicação das concretas passagens da gravação do depoimento em que se funda o recurso.
Tratando-se de meio de prova gravado, incumbia aos apelantes, sob pena de imediata rejeição do recurso nesta parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme estatuído expressamente na alínea a) do n.º 2 do citado artigo 640.º do CPC, sendo certo que a lei não prevê que a falta de indicação das passagens da gravação possa ser colmatada ou substituída pelas referências genéricas efetuadas pelo Tribunal a quo em sede de motivação da decisão de facto a propósito de tal depoimento, nem tais referências permitem, por si só, demonstrar ou consubstanciar o concreto enunciado de facto cujo aditamento à matéria assente vem proposto pelos recorrentes.
O incumprimento do referido ónus conduz à rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto em referência, conforme expressamente dispõe o artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, o que afasta qualquer possibilidade de vir a Relação a convidar o recorrente a suprir tal omissão, mediante o aperfeiçoamento das alegações apresentadas[40].
Pelo exposto, decide-se rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto dada como não provada na al. b), mantendo-se, em conformidade, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. e 1.2. supra.

2.2. Da reapreciação do mérito da decisão de direito
Atenta a improcedência/rejeição da impugnação da matéria de facto resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1., supra.
O quadro fáctico que releva para a subsunção jurídica é exatamente o mesmo que serviu de base à sentença recorrida.
A servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia, tal como decorre da definição contida no artigo 1543.º do CC.
O artigo 1544.º do CC prevê que podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.
Nos termos do artigo 1547.º, n.º 1, do CC as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família. Já o n.º 2 do mesmo preceito consagra as servidões legais como aquela que, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.
Assim, as denominadas servidões prediais «pressupõem, como seu primeiro e necessário suporte, um direito potestativo constitutivo, ou mais precisamente, um direito real de aquisição, conferido pela lei ao dono de certo prédio, quando se verifique uma determinada situação típica nela prevista. Ao abrigo desse direito, o respectivo titular pode exigir a constituição da servidão e adquiri-la por acordo com o dono do prédio a ser por ela onerado; mas se o acordo não for conseguido, faculta-lhe o mesmo direito a poder de a impor por decisão judicial»[41], enquanto as servidões voluntárias são constituídas por ato ou negócio jurídico voluntário, sem que qualquer norma as imponha[42].
Neste domínio, o artigo 1550.º, n. º1 do CC dispõe que os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos, prevendo ainda o n.º 2 do mesmo preceito que de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.
Tal como anotam Rui Pinto, Cláudia Trindade[43], em comentário ao artigo 1550.º do CC: «De acordo com o presente preceito, as servidões legais de passagem podem ser constituídas em caso de: (a) Total falta de comunicação com a via pública - encrave absoluto: (b) Excessiva onerosidade no estabelecimento de comunicação com a via pública - encrave relativo. (c) Insuficiência de comunicação com a via pública - o prédio tem comunicação com a via pública, mas esta é insuficiente para as necessidades normais de exploração do prédio - encrave relativo.
(…)
A constituição de servidões legais de passagem tem como razão justificativa a circunstância de o encrave absoluto ou relativo frustrar o aproveitamento prático do prédio e tem subjacente um juízo de proporcionalidade entre as vantagens advenientes da constituição da servidão para o titular do prédio encravado e o sacrifício imposto ao titular do prédio afetado com a servidão. É o que aliás resulta da leitura do art. 1550.º, n.º 1, em conjunto com o art. 1553.º (a passagem deve ser feita através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo) e com o art. 1565.º, n.º 2 (a servidão deve ser constituída, por um lado, para a satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante e, por outro lado, com o menor prejuízo para o prédio serviente). Tipicamente, a constituição da servidão representa um sacrifício marginal para o titular do prédio afetado, face à vantagem que dela advém para o titular do prédio encravado».
Apesar de os autores terem sustentado e peticionado na presente ação o reconhecimento de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, através da parcela de terreno em questão nos presentes autos, veio esta Relação determinar o prosseguimento dos autos somente com vista a aferir se os autores têm o direito de constituição de uma servidão legal de passagem, mantendo a absolvição dos réus da instância quanto aos demais pedidos formulados, por força da verificação da exceção dilatória de caso julgado, não podendo assim vir discutir-se na presente ação o invocado direito dos autores ao reconhecimento de que o respetivo prédio beneficia de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, pela faixa de terreno ou caminho descrito no art.º 26.º da petição inicial, que onera o prédio dos réus e que alegadamente confere aos autores o direito de passar nesse caminho (acórdão desta Relação de 23-01-2020 devidamente transitado em julgado).
No âmbito da aferição dos requisitos essenciais e específicos para a eventual procedência do pedido ainda em discussão nos presentes autos, o Tribunal a quo enunciou - e bem - que a constituição de uma servidão legal constitui um direito potestativo, conferindo a lei aos proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos, tal como estatui o artigo 1550.º, n.º 1 do Código Civil (CC), acrescentando que de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio, nos termos do n.º 2 do citado preceito.
Mais consignou, a propósito, a seguinte fundamentação:
«(…)
Dos normativos citados decorre que a lei prevê dois tipos de encrave: o encrave absoluto, quanto o prédio não tem comunicação com a via pública; e o encrave relativo, quanto o prédio tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio, ou quando não tenha condições que permitam estabelecer essa comunicação sem excessivo incómodo ou dispêndio.
Voltando às palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “Pode dizer-se que a lei considera encravado (para o efeito de lhe conceder a servidão legal de passagem) não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona (encrave relativo)” in op. cit., pág. 637.
No caso dos autos, em face da matéria de facto provada, salvo o devido respeito, é manifesto que não existe qualquer situação de encrave absoluto.
O prédio propriedade dos autores tem acesso à via pública, confronta diretamente com a Rua ... a nascente, pelo que é manifesto não existir um encrave absoluto.
(…)».
Tal segmento da fundamentação da sentença recorrida não vem questionado na presente apelação, posto que se observa que os recorrentes reconhecem, em sede de apelação, que o prédio de que são proprietários não está em situação de encrave absoluto, pois tem comunicação com a via pública, através da casa de habitação e garagem que nele está implantada e que deita diretamente para a Rua ... (a nascente do prédio), que permite o acesso a pé a todos os compartimentos do desse imóvel e ao logradouro, inclusive ao pavilhão.
Com efeito, decorre dos factos assentes que, no prédio urbano dos Autores existe uma entrada a nascente que dá acesso direto à via pública, à Rua ..., estando com esta nivelada (ponto 8) … e que permite o acesso a pé a todos os compartimentos, entre si, desse imóvel (ponto 9) … e o acesso a pé ao logradouro do mesmo, incluindo ao pavilhão referido em 5) - ponto 10).
Considerando a matéria de facto agora reapreciada, e que permanece inalterada, o Tribunal a quo entendeu ainda não estarem preenchidos os requisitos para a constituição de qualquer servidão de passagem pelo prédio dos réus posto que os autores não demonstraram que o “pavilhão” que faz parte do seu prédio seja autónomo do restante imóvel, sendo que peticionam a constituição da servidão em benefício do prédio urbano de que são proprietários, mais concluindo a sentença recorrida que os autores também não lograram demonstrar, como lhes incumbia, que o seu prédio goze de comunicação insuficiente com a via pública, tendo em consideração a sua fruição normal, já que se provou que o prédio dos autores tem acesso direto, a nascente, pela via pública, nem sequer demonstrando que referido “pavilhão” só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que o mesmo proporciona.
Contra tal decisão insurgem-se os recorrentes, sustentando que fizeram prova de que aquela comunicação à via pública (Rua ...) não permite o acesso de veículos à parte norte do prédio (ao pavilhão), como ainda de que a normal utilização e exploração do prédio, pressupõe e exige imprescindivelmente o acesso de veículos àquela parte (norte), uma vez que aí existe um pavilhão, de dimensões consideráveis, destinado a arrendamento para o giro comercial, e que o pavilhão só poderia comunicar pelo próprio prédio com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona.
Porém, a diferente solução que os recorrentes defendem para a ação assenta necessariamente em pressupostos de facto que não foram alegados, nem se encontram demonstrados no processo.
Tal como já vimos, o encrave relativo existe «nos casos em que só seja possível estabelecer a comunicação com a via pública com excessivo incómodo ou dispêndio» ou em caso de comunicação insuficiente com a via pública[44].
A propósito do preenchimento do conceito legal «comunicação insuficiente com a via pública», refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-10-2014[45]: «o preenchimento do conceito legal (comunicação insuficiente com a via pública) tem que ser aferido através da definição daquelas que são as necessidades normais do prédio face à afectação que, em dado momento, lhe está atribuída e à exploração de que está a ser objecto. Só essas circunstâncias permitirão aferir se o acesso de que o prédio dispõe é insuficiente para prover à normal utilização e exploração do prédio e se existe justificação válida para impor a um prédio vizinho o encargo inerente a uma servidão de passagem, com os prejuízos e incómodos que tal representa. Refira-se que a faculdade de exigir a constituição de uma servidão não se destina a satisfazer necessidades recreativas ou de mera comodidade do prédio, mas sim a satisfazer uma necessidade de acesso à via pública que é necessária à fruição e exploração económica normal do prédio, tendo em conta a sua afectação e a concreta exploração que dele está a ser efectuada.
Com efeito, estando em causa um prédio destinado a habitação, não será certamente a circunstância de o seu logradouro (que funciona como mero complemento da habitação) não ter acesso directo à via pública (a não ser pelo interior da habitação) que dará ao seu proprietário o direito de impor a um proprietário vizinho a constituição de uma servidão que lhe permita, para sua comodidade, aceder directamente ao logradouro sem ter que passar pelo interior da habitação. Da mesma forma, o proprietário de um prédio rústico cuja exploração apenas exige um acesso a pé, não terá o direito de exigir a constituição de uma servidão que lhe permita, para sua comodidade, aceder ao prédio com veículos».
A este propósito, importa considerar que o artigo 1565.º, n.º 2 do CC estabelece o modo como as faculdades e poderes incluídos no direito de servidão devem ser exercidos, estipulando que em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.
Assim sendo, a determinação das faculdades e poderes incluídos no exercício do direito de servidão «dependerá de um juízo de proporcionalidade, a realizar através da comparação entre o que é necessário para a satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante e o prejuízo que um determinado modo de exercício acarreta para o prédio serviente», sendo que tal preceito «exclui a satisfação de necessidades anormais ou imprevisíveis do prédio, entre as quais se incluem aquelas que decorram da alteração do destino económico do prédio»[46].
Perante o que resulta dos factos provados não pode deixar de se concluir, tal como fez a decisão recorrida, que a ação não pode proceder, porquanto, apesar de se ter provado que a via referida em 8) não permite o acesso de carro ao pavilhão referido em 5) - ponto 11 dos factos provados - a verdade é que nada se apurou que permita evidenciar que a normal utilização do prédio dos apelantes pressupõe e exige o acesso de veículos àquela parte do prédio, sendo a matéria de facto totalmente omissa a esse respeito.
Tanto basta para se conclua que os autores não lograram fazer prova do facto constitutivo do direito que vieram invocar: que o acesso à via pública de que dispõe o prédio de que são titulares seja insuficiente para prover à normal fruição e exploração do aludido prédio, de acordo com o destino e a afetação normal do mesmo.
Como se viu, a indemonstrada insuficiência de comunicação com a via pública apenas poderia radicar na circunstância de os apelantes não terem como aceder diretamente, de carro, ao pavilhão que construíram no seu prédio, concretamente junto à sua confrontação poente.
Sucede que da factualidade definitivamente assente nos autos e acima descrita resulta igualmente demonstrado que a via referida em 8) não permite o acesso de carro ao pavilhão referido em 5), devido às construções que os autores fizeram nesse prédio.
Ora, à luz do que foi dito, também por esta via não é possível julgar demonstrada uma situação de encrave relativo do prédio por via dos pressupostos inerentes à excessiva onerosidade no estabelecimento de comunicação com a via pública.
 Tal como salienta Isabel Menéres Campos [47], «[o] excessivo incómodo ou dispêndio aqui previstos devem ser avaliados em função da situação do encrave. Assim, encravado está, para efeitos deste artigo, todo aquele prédio que não tem comunicação com a via pública porque existem outros prédios de permeio, mas também o prédio que, tendo ligação à via pública, esta só se faz com um custo desproporcionado em relação ao rendimento do prédio ou à vantagem que se pretende obter dele. Isto acontecerá se, por exemplo, o prédio tiver um enorme desnível de terreno que implicaria vencer para aceder à via pública ou se esse acesso implicar realizar uma obra de elevado valor (…). No entanto, se o acesso se conseguir pelo prédio, por outro local ou com um melhoramento ou obra, apesar de haver algum dispêndio, não haverá encrave».
Também neste ponto sufragamos inteiramente os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão suscitada por se mostrarem inteiramente adequados à luz dos factos dados como provados.
Efetivamente, mesmo a provar-se que a normal utilização do prédio dos apelantes exigia o acesso de veículos àquela parte do prédio (o que não sucedeu), a análise dos factos que foram dados como assentes não permite que se conclua, sem mais, que o referido pavilhão só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com as vantagens que o prédio proporciona.
Neste enquadramento, tratando-se de pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado na presente ação facilmente se conclui que o ónus de alegação e prova da verificação dos mesmos onera aqueles que o invocam[48], no caso, os autores, ora recorrentes nos termos gerais (artigo 342.º, n.º 1 do CC).
Pelo exposto, resta sufragar o entendimento assumido pelo Tribunal a quo na decisão impugnada, o que importa a total improcedência da ação, tal como concluiu a sentença recorrida.
Daí que improcedam integralmente as conclusões da apelação.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 12 de janeiro de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Conclusão A. das alegações.
[2] Conclusão B. das alegações.
[3] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 236.
[4] Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[5] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 736, em anotação ao artigo 615.º do CPC.
[6] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 681.
[7] Cf. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra-Editora, pgs. 507-508.
[8] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 683.
[9] Sob a epígrafe «Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo», o qual prescreve que havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.
[10] Segundo o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do CPC, logo que citado o réu deve a instância manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
[11] «A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido» - cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pg. 245.
[12] Cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4.ª Edição, julho 2017, Coimbra, Gestelegal, p. 171.
[13] Cf. Lebre de Freitas - obra citada - p. 214.
[14] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada -, p. 679.
[15] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada -, p. 680.
[16] Relator Manuel Rodrigues, p. 573/18.1T8SXL.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Cf. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 207.
[18] Cf. José Lebre de Freitas - obra antes citada -, p. 206.
[19] Cf. conclusão S. das alegações de recurso.
[20] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora - obra citada - p. 687; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736. Na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[21] Cf. Lebre de Freitas-Isabel Alexandre - obra citada - p. 736
[22] Relator Aristides Rodrigues de Almeida, p. n.º 1644/11.0TMPRT-A. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada -, p. 798.
[24] Com o seguinte teor: 11) A via referida em 8) não permite o acesso de carro ao pavilhão referido em 5), devido às construções que os autores fizeram nesse prédio.
[25] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[26] Acórdão de 23-01-2020 - devidamente transitado em julgado.
[27] Cf., Rui Pinto, Exceção e Autoridade de Caso Julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p. 6, acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/1120181126-ARTIGO-JULGAR-Exceção-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf.
[28] Relatora Rosa Tching, proferido na revista n.º 3811/13.3TBPRD.P1. S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[29] Relator Tomé Gomes, proferido na revista n.º 478/08.4TBASL.E1. S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[30] Sendo que o ponto 21.º dos Factos provados no processo n.º 240/16.0T8EPS tem a seguinte redação: «No ano de 1996 os réus construíram um pavilhão no prédio a que se alude em 5., 18., e 19., concretamente junto á confrontação poente, pavilhão esse cujo acesso sempre foi efectuado através da entrada/faixa de terreno que aqui está em causa».
[31] Sendo que o ponto 22.º dos Factos provados no processo n.º 240/16.0T8EPS tem a seguinte redação: «Nesse pavilhão foi depois instalada pelos réus uma empresa que ali laborou, tendo sido atribuído pela Câmara Municipal, em 2002, o n.º de polícia ...7».
[32] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão -, p. 373.
[33] Obra citada -, p. 373.
[34] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 598.
[35] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, Gestlegal, 2017, pgs. 734 e 735.
[36] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224.
[37] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312.
[38] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 51. 
[39] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 57. 
[40] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
[41] Cf. Augusto da Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2.ª Edição, Lisboa, Universidade Lusíada, 1993.
[42] Cf. Maria Elisabete Ferreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas - Coord. De Henrique Sousa Antunes, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021 - p. 705.
[43] Cf. Rui Pinto, Cláudia Trindade, Código Civil, Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 419-420.
[44] Neste sentido, cf. ainda Isabel Menéres Campos, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas - Coord. de Henrique Sousa Antunes, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021 - p. 712.
[45] Relatora Catarina Gonçalves, p. 1630/03.4TBAGD.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[46] Cf. Rui Pinto, Cláudia Trindade - obra citada - pgs. 438-439.
[47] Obra citada, p. 712.
[48] Neste sentido, cf., por todos, o Ac. TRE de 11-04-2019 (relatora: Albertina Pedroso), p. 1302/16.0T8SLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.