Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
440/13.5TBVLN-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
QUESTÃO NOVA
EXIGÊNCIAS LEGAIS DE FORMA
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No sistema jurídico português os recursos ordinários são de reponderação, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo quando a proferiu. E por isso é que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados, excepcionando-se, apenas, as questões de que possa conhecer-se oficiosamente, porquanto elas constituem um objecto implícito do recurso.

II – A Relação não pode, assim, conhecer de uma nulidade atípica, apenas invocada em sede de recurso, se quem tinha legitimidade para a invocar o não fez perante o Tribunal da 1.ª Instância.

III - Em regra, as exigências legais de forma são ad substantiam, como se retira do disposto no art.º 220.º do C.C. que comina com a nulidade a inobservância da forma legalmente prescrita.

IV - Admite, contudo, o referido art.º 220.º, que a lei preveja outra sanção para a falta de forma. É o que ocorre quando o documento seja exigido apenas para facilitar a prova da declaração – formalidade ad probationem. Neste caso, da inobservância da forma legalmente imposta apenas resulta dificultada a prova, não sendo afectada a validade do acto, que, porém, só poderá ser provado ou por um meio mais solene, com força probatória superior à do documento exigido, ou por confissão, de acordo com o disposto no n.º 2 do acima mencionado art.º 364.º do C.C..

V – Porém, mesmo estando em causa uma formalidade ad substantiam, a prova efectiva e real da existência do contrato poderá ser obtida por confissão e mesmo por testemunhas, já que um dos efeitos da declaração de nulidade do negócio é a obrigação de restituição de tudo o que tiver sido prestado – restituição em espécie ou, não sendo esta possível, o valor correspondente, de acordo com o disposto no art.º 289.º, n.º 1 do C.C..
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- V. S. deduziu oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a sociedade comercial “Empresa X – Construções Unipessoal, Ld.ª”, invocando a inexistência ou inexequibilidade dos títulos executivos, a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução e a falta de relação contratual subjacente.
Relativamente ao primeiro fundamento de oposição aduziu, em síntese, que valendo os cheques como meros quirógrafos da dívida, posto que foram emitidos ao portador, não podem valer como título executivo por neles se não detectar o efeito recognitivo da dívida.
Quanto ao segundo fundamento nega ter solicitado à Exequente/Embargada quaisquer serviços, porquanto a única entidade com quem celebrou um contrato de empreitada foi com a sociedade comercial “Empresa Y, Ld.ª”, inexistindo qualquer relação contratual entre ele, Embargante, e a Embargada, pelo que não aceita ser-lhe devedor de qualquer importância.
De qualquer modo, acrescenta, a obra ainda não está concluída, não respeita o contratado e apresenta defeitos de construção assim como dos materiais contratados.
Contestou a Exequente defendendo a exequibilidade dos títulos já que, não reunindo, embora, os requisitos para valerem como títulos de crédito, os cheques valem como quirógrafos da dívida e no requerimento executivo alegou a relação causal deles, mantendo a versão invocada no requerimento executivo e impugnando a factualidade invocada pelo Embargante/Executado.
Os autos prosseguiram os seus termos e foi proferido douto despacho saneador que, pronunciando-se sobre a inexistência ou inexequibilidade dos títulos (cheques) dados à execução, considerou-os exequíveis.
Havendo-se procedido ao julgamento, culminou este com a prolação de douta sentença que julgou improcedentes os embargos, determinando o prosseguimento da execução.
Inconformado, o Embargante interpôs recurso, impugnando não só esta última decisão como aquele despacho.
Contra-alegou a Embargada propugnando pela improcedência do recurso.
Recebido o recurso, foi proferido acórdão por esta Relação julgando inexistirem títulos executivos por os cheques dados à execução não poderem valer como títulos de crédito e nem como quirógrafos da dívida.
Interposto recurso de revista decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que os cheques dados à execução, como meros quirógrafos, tendo sido alegada a relação causal creditícia no requerimento executivo, têm a natureza de títulos executivos, nos termos do disposto no art.º 46.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C. de 1961.
Recebidos novamente os autos neste Tribunal da Relação, cumpre agora conhecer das demais questões suscitadas no recurso de apelação.
**
II.- O Embargante/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões (omitindo-se as respeitantes à questão já decidida definitivamente):

16ª.) Aqui chegados, centremo-nos agora na Sentença que veio a ser proferida nestes autos, da qual igualmente se recorre, sendo aqui, nos mesmos termos já anteriormente descritos quanto ao despacho recorrido, de relevar e sublinhar a exposta situação de ocorrência de nulidade do - hipotético - contrato de empreitada sub judice, dando-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto, a este respeito, ficou supra alegado, desde logo por motivos de economia processual e de se pretender evitar uma repetição que se afigura como manifestamente desnecessária.
17ª.) O que haverá, então, neste ponto do recurso, que considerar como essencial é a verificação da nulidade do contrato de empreitada em questão, por falta de qualquer prova da existência do respectivo contrato escrito celebrado entre embargante e embargada: tal contrato escrito não existe, tal como resulta da factualidade considerada provada pelo tribunal recorrido, unicamente tendo ficado como provado, sob o ponto 5. - de acordo, aliás, com o documento junto pelo próprio embargante com os seus embargos de executado, como documento nº 1 -, que “o embargante celebrou, em 21.05.2011, um contrato com a sociedade “Empresa Y, Lda”, mediante o qual esta se obrigou, por si ou através de subcontratação, a construção de uma moradia, sita em São …, pelo valor de € 75.000,00 + IVA, conforme documento constante de fls. 8 a 10 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos”.
18ª.) Nada mais, em termos de contrato escrito, ficou demonstrado como provado no decurso do processo em primeira instância, tal como facilmente se constata pela leitura de toda a factualidade aí apurada e constante da Sentença, inexistindo, repete-se, qualquer contrato escrito outorgado entre embargante e embargada, a sociedade “Empresa X - Construções, Unipessoal, Lda.”, contrariamente ao imposto, de forma obrigatória, pelo já mencionado art. 29º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09 de Janeiro, artigo este sob a epígrafe de “Forma e conteúdo”.
19ª.) Sendo certo, por outro lado, e não menos importante no que aqui ora mais interessa, que a forma escrita, o contrato escrito, nos casos em que a empreitada ou a subempreitada de obra particular tenham um valor que ultrapasse o aludido limite de 10% fixado para a classe 1 (0,10 x € 166.000,00 = € 16.600,00), é uma formalidade ad substantiam (art. 364º, nº 1 do Cód. Civil) e não uma mera formalidade ad probationem (art. 364º, nº 2 do mesmo diploma).
20ª.) A tal respeito, de forma exemplar, tendo decidido, precisamente, o AC. RELAÇÃO DE COIMBRA de 11-11-2014, no proc. nº 1479/12.3TBCBR.C2, do seguinte modo: “A prova da existência - ie. da sua outorga, qua tale, que é condição sine qua non da prova do respetivo teor - de contrato de empreitada para o qual a lei – artº 29º do DL 12/2004, de 9.01– exige documento escrito, apenas pode ser feita por tal documento assinado pelas partes, ou por outro documento com força probatória superior – artº 364º nº1 do CC.”
21ª.) Destarte, e por consequência, perfilhando o aqui recorrente, em pleno, o teor do douto acórdão acabado de analisar, lógico será que o mesmo, de forma expressa, impugne a decisão proferida pelo tribunal “a quo” sobre a matéria de facto, tal como previsto no art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, o que se passa a fazer de imediato, em consonância com o que supra se expôs.
22ª.) Assim, de acordo com o entendimento do recorrente, relativamente à matéria de facto a atender nos presentes autos, e por força, como já visto, da exigência legal de documento escrito assinado pelas partes (ou documento com força probatória superior) para a prova do contrato de empreitada, forçosamente - e por incorrecto julgamento efectuado no que concerne à matéria de facto - terão de ser excluídos dos factos provados os factos elencados pelo tribunal recorrido sob os pontos nºs 6., 8., 9., 10., 11. e 12. 23ª.) Assim como, totalmente infirmado resulta tudo quanto em contrário do exposto se encontra vertido na Sentença recorrida, e nomeadamente, quando na mesma Sentença se afirma que: “Deste modo, é necessário concluir que a exequente provou a concreta relação invocada no requerimento executivo, ou seja, logrou demonstrar que celebrou, ainda que forma verbal, um contrato de empreitada com o embargante, não sendo uma mera subcontratada de outra empresa.”
24ª.) Consequentemente, e ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, impossível será, a final, nos termos legalmente supra descritos, considerar como provada pela exequente aquela concreta relação invocada no requerimento executivo, o mesmo será dizer ser impossível considerar como demonstrado, nestes autos, que a exequente celebrou um contrato de empreitada com o embargante.
25ª.) Logo, devendo, ao invés, e na procedência do recurso, ser proferida decisão que declare a total procedência dos embargos de executado deduzidos pelo recorrente, com o que se fará Justiça!
26ª.) A douta Sentença recorrida violou, s.m.o., por incorrecta interpretação e aplicação dos normativos legais e dos meios probatórios carreados para os autos, o disposto nos artigos:
- 220º, 364º, nºs 1 e 2, e 393º do Cód. Civil;
- 53º, nº 1, 640º, nº 1, 703º, nº 1, al. c), e 729º, al. a) do Cód. Processo Civil;
- 29º, nºs 1, 2 e 4 do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09-01;
- 1º da Portaria nº 119/2012, de 30-04.
**
III.- A Embargada/Apelada, por sua vez, defende que:

X. Acresce que, com excepção das alegações de recurso, nunca o embargante, aqui recorrente, invocou a nulidade do contrato celebrado com a exequente, aqui recorrida.
XI. A invocação da nulidade do contrato deveria ter sido feita na fase processualmente adequada e de forma tempestiva, ou seja, em sede de oposição à execução.
XII. Com a invocação da referida nulidade nas alegações de recurso - invocação que não foi feita em qualquer outra fase processual - pretende o recorrente introduzir na apreciação um facto ex novo o que, salvo o devido respeito por outra opinião, lhe está vedado fazer.
XIII. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não parece ser possível, nesta sede, conhecer do que não foi arguido e pedido em primeira instância e por esta apreciado.
XIV. Não podendo por isso, salvo melhor opinião, ser esta matéria apreciada em recurso por violação do princípio do pedido e do ónus de alegação.
XV. Acresce que a nulidade prevista no n.º 4 do artigo 29º do Decreto-Lei 12/2004 de 09 de Janeiro, e invocada nesta sede pelo recorrente/embargante é uma nulidade atípica, apenas invocável pelo dono da obra e não é de conhecimento oficioso.
XVI. Ao não ter sido invocada pelo recorrente/embargante a nulidade do contrato de empreitada, em momento tempestiva e processualmente adequado, nunca poderia o Tribunal a quo dela conhecer.
XVII. E não podendo o recorrente fazê-lo agora (a invocação da nulidade), sucumbiu o seu direito a invocar qualquer nulidade do contrato de empreitada, considerando-se assim o mesmo válido, eficaz e produtor dos seus efeitos plenos.
XVIII. Tal facto influencia, igualmente, o requisito previsto para que os cheques se executem como quirógrafos, e que se indicou no artigo 24º supra - “na petição executiva (…) o exequente alegue aquela obrigação e que esta não constitua um negócio jurídico formal…”, pois que, não se verificando a nulidade do contrato (atípica e impossível de conhecimento oficioso), se mostra o mesmo válido e eficaz.
XIX. Ainda que, por mero raciocínio, se entendesse que assim não era, sempre a pretensão do recorrente/embargante deverá sucumbir, por falta de alegação e invocação, precisamente, desse facto impeditivo, que seria a falta de formalidade do negócio em causa - já que, repete-se, nunca o recorrente/embargante alegou, invocou ou provou a nulidade do contrato e a falta de formalidade do mesmo, sempre sem perder de vista a nulidade atípica do contrato de empreitada e a impossibilidade de conhecimento oficioso.
XX. Por se tratar de um facto impeditivo do direito alegado pelo credor, neste caso recorrida/embargada, sempre caberia ao embargante alegar e provar que a relação causal consubstanciaria um negócio formal - o que de forma alguma sucedeu - como acima já referido, atenta a falta de invocação de nulidade do contrato de empreitada celebrado.
XXI. Deve manter-se toda a matéria de facto dada como provada.
XXII. Por assim ser, não merecem quer o despacho, quer a sentença recorrida qualquer tipo de censura, estando bem fundamentados de facto e de direito, proporcionalmente justos e equilibrados quanto aos valores da condenação, aderindo o aqui recorrido àquelas doutas peças processuais, “in totum”.
**
IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre:

- decidir se a questão introduzida pelo Apelante quanto à invalidade formal do contrato pode ou não ser conhecida por esta Relação;
- Em caso afirmativo cumprirá reapreciar a decisão de mérito.
**
B) FUNDAMENTAÇÃO

V.- O Tribunal a quo julgou provado que:

1. Foi dado à execução o cheque nº 8922989..., sacado ao Banco A, emitido por V. S., com data de 14.08.2011, no valor de € 15.000,00, encontrando-se em branco no lugar destinado ao tomador, o qual não foi apresentado a pagamento.
2. Foi ainda dado à execução o cheque nº 3718179..., sacado ao Banco A, emitido por V. S., com data de 2.09.2012, no valor de € 9.000,00, encontrando-se em branco no lugar destinado ao tomador, o qual não foi apresentado a pagamento.
3. Bem como foi dado à execução o cheque nº 5518179…, sacado ao Banco A, emitido por V. S., com data de 2.06.2012, no valor de € 25.000,00, encontrando-se em branco no lugar destinado ao tomador.
4. O cheque aludido em 3. foi apresentado a pagamento em 29.05.2013, tendo sido devolvido pela entidade sacada sem pagamento em 31.05.2013, mediante a aposição no seu verso dos seguintes dizeres: “cheque revogado apresentação fora do prazo”.
5. O embargante celebrou, em 21.05.2011, um contrato com a sociedade “Empresa Y, Lda”, mediante o qual esta se obrigou, por si ou através de subcontratação, a construção de uma moradia, sita em São …, pelo valor de € 75.000,00 + IVA, conforme documento constante de fls. 8 a 10 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
6. A aludida sociedade, por sua vez, subcontratou a embargada para proceder à construção da dita obra.
7. Logo após assinar o contrato, o embargante entregou um cheque à firma “Empresa Y, Lda”, conforme acordado no ponto nº 2 da cláusula 10ª no aludido contrato, cheque esse que não obteve pagamento por falta de provisão, dado que o embargante ainda não tinha logrado obter o financiamento bancário para a construção da aludida moradia.
8. Entretanto e em consequência dos atritos surgidos entre o embargante e a sociedade “Empresa Y, Ldª”, foi acordado entre esta e as partes porem fim aos acordos aludidos em 5 e 6, e que passaria a ser a embargada a proceder à execução da construção da dita moradia, ficando o embargante com a obrigação de proceder ao pagamento do preço contratado à embargada.
9. O embargante procedeu à emissão de quatro cheques que entregou directamente à embargante, como pagamento dos trabalhos de construção da referida moradia, nos valores de € 30.000,00, € 25.000,00, € 15.000,00 e € 9.000,00, respectivamente.
10. Apenas o cheque no valor de € 30.000,00 obteve pagamento.
11. A embargada procedeu à construção da aludida moradia e entregou-a ao embargante, tendo sido emitida a respectiva Licença de Utilização n.º …/2012, pela Câmara Municipal V. em 12.09.2012, conforme documento de fls. 33 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 12. Aquando da entrega da moradia ao embargante, faltava concluir a ligação da canalização na casa de banho e colocar os móveis da cozinha, não se encontrava correctamente executado o sistema de escoamento das águas pluviais e as paredes tinham fissuras.
**
VI.- Cumpre apreciar a questão invocada pelo Apelante, de nulidade do contrato de empreitada por não ter sido observada a forma legalmente prescrita.
Compulsados os autos constata-se que esta questão não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo, tendo sido suscitada pela primeira vez em sede de alegações de recurso, sendo, por isso, uma questão nova.
Ora, como vem sendo pacificamente entendido, no sistema jurídico português os recursos ordinários são de reponderação, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo quando a proferiu. E por isso é que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
Excepcionam-se, porém, as questões de que possa conhecer-se oficiosamente, porquanto, como refere o Ac. da Rel. de Coimbra de 08/11/2011, elas “constituem um objecto implícito do recurso” (ut Proc.º 39/10.8TBMDA.C1, Desemb. Henrique Antunes, que cita jurisprudência e doutrina, in www.dgsi.pt)
Resulta, pois, da conformação legal dos recursos, que eles incidem apenas sobre questões que tenham sido já anteriormente apreciadas, estando o tribunal ad quem, em princípio, impedido de apreciar, em primeira decisão, uma questão que não foi antes suscitada, sob pena de sair desvirtuada a finalidade do próprio recurso e de sair ofendido o princípio da preclusão.
Como se disse, o Apelante apenas nesta sede de recurso excepciona a nulidade do contrato de empreitada por sofrer de vício de forma.
Com efeito, o art.º 29.º, n.o 1 do Dec.-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redacção que lhe deu o art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro (Diplomas que regulam o ingresso e permanência na actividade da construção civil, matéria actualmente regulada na Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho) impõe a forma escrita aos contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a “classe 1” (no ano de 2011 o valor a considerar era ainda o fixado pela Portaria n.º 1371/08, de 2 de Dezembro, que era de € 166.000,00, a que corresponderia, pois, para os contratos de empreitada, o valor máximo de € 16.600,00), e comina com a nulidade a inobservância da forma prescrita – cfr. n.º 4.
Por outro lado, no art.º 30.º do mesmo Diploma Legal estabelece-se o primado do estabelecido no art.º 29.º sobre o regime jurídico das empreitadas no Código Civil, “na parte em que com o mesmo não se conforme”.
Trata-se, porém, de uma nulidade atípica - cfr., neste sentido, v.g., o Ac. desta Rel. de Guimarães de 31/05/2012 (ut Proc.º 1085/10.7TBBCL-A.G1, Desemb. Manuel Bargado); da Rel. do Porto de 3/07/2012, (ut Proc.º 814/10.3TBMCN-A.P1, Desemb. Henrique Araújo); e da Rel. de Lisboa de 10/03/2015, (Proc.º 215314/09.3YIPRT.L1-1, Desemb. Rui Vouga), e ainda o mais recente, desta Rel. de Guimarães, de 12/07/2016 (Proc.º 127/13.9TBMUR.G1, Desemb. João Diogo Rodrigues), todos in www.dgsi.pt – já que, não podendo ser invocada “pela parte obrigada a assegurar e a certificar-se” do cumprimento da imposição legal de redução do contrato a escrito (em princípio, o empreiteiro e o subempreiteiro nos contratos celebrados com terceiros), só o dono da obra a poderá invocar, como resulta do disposto no n.º 4 daquele art.º 29.º, daqui se podendo inferir que terá sido no interesse deste que se impôs a obrigatoriedade da redução a escrito do contrato de empreitada.
Com efeito, como escreve CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO “O regime e os efeitos mais severos da nulidade encontram o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público predominante. As anulabilidades fundam-se na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses predominantemente particulares”. E prossegue “A lei, por vezes, afasta-se da simetria das construções para estabelecer invalidade de carácter misto. Quebra, assim, a harmonia estética do sistema, mas configura soluções (invalidades mistas) mais adequadas aos interesses que constituem a matéria da respectiva regulamentação” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed. actualizada, pág. 610).
Nessas situações, não permite, por exemplo, que a invocação da nulidade possa ser feita por todo e qualquer interessado, como estabelece o art.º 286.º do C.C., antes dela excluindo certas pessoas, como in casu sucede com os contratos de empreitada de valor superior a € 16.600, ao tempo da celebração do invocado contrato.
A referida nulidade não é, pois, do conhecimento oficioso, saindo, assim, do regime consagrado no art.º 286.º do Código Civil (C.C.).
Não sendo do conhecimento oficioso e por se tratar de uma questão nova, está esta Relação impedida de conhecer da invocada nulidade do contrato de empreitada.
**
VII.- Funda o Apelante a impugnação da decisão de facto, quanto aos pontos de facto n.os 6; 8; 9; 10; 11; e 12, precisamente na nulidade do contrato de empreitada e na inadmissibilidade da inquirição de testemunhas já que, por imposição legal, o referido contrato teria de ter sido reduzido a escrito.
Certo que a prova testemunhal não é admitida nos casos em que a declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito, seja por disposição da lei, seja por estipulação das partes, salvo no que respeite à interpretação do contexto do documento - cfr. art.º 393.º do C.C...
Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 364.º do C.C., quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (n.º 1), salvo se resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para a prova da declaração, podendo então ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, quanto a esta, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (n.º 2).
Ora, em regra, as exigências legais de forma são ad substantiam, como se retira do disposto no art.º 220.º do C.C. que comina com a nulidade a inobservância da forma legalmente prescrita (n.º 1 do art.º 364.º).
Admite, contudo, o referido art.º 220.º, que a lei preveja outra sanção para a falta de forma. É o que ocorre quando o documento seja exigido apenas para facilitar a prova da declaração – formalidade ad probationem. Neste caso da inobservância da forma legalmente imposta apenas resulta dificultada a prova, não sendo afectada a validade do acto, que, porém, só poderá ser provado ou por um meio mais solene, com força probatória superior à do documento exigido, ou por confissão, de acordo com o disposto no n.º 2 do acima mencionado art.º 364.º.
Sem embargo, se, estando em causa uma formalidade ad substantiam, de nada adianta o recurso à prova testemunhal para provar a celebração válida do contrato, já quanto à prova efectiva e real de que ele existiu ela poderá ser obtida por confissão e mesmo por testemunhas.
É que um dos efeitos da declaração de nulidade do negócio é a obrigação de restituição de tudo o que tiver sido prestado – restituição em espécie ou, não sendo esta possível, o valor correspondente, de acordo com o disposto no art.º 289.º, n.º 1 do C.C..
E, como refere CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO a prova da prestação para o efeito desta obrigação de restituir pode “ser feita por qualquer dos meios de prova admitidos em geral pela lei” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed. actualizada, pág. 436).
Com efeito, como decidiu o S.T.J. no Ac. de 04/02/2014, “Estando a execução fundamentada numa declaração de dívida em que a executada reconhece haver celebrado um contrato de mútuo que, eventualmente, haja sido celebrado por mero documento particular quando o mesmo, por lei substantiva, devia ter sido celebrado por escritura pública, podem os exequentes no requerimento executivo pedir a execução da executada para reaver o montante mutuado, facultado no disposto no art.º 289º, nº 1 do Cód. Civil, sem necessidade de, previamente, ter de propor uma acção declarativa, para o efeito” (ut Proc.º 2390/11.0TBPRD-A.P1.S1, Cons.º João Camilo, in www.dgsi.pt). Igual entendimento seguiu o Ac. do mesmo S.T.J. de 20/09/2007, aqui relativamente a um mútuo nulo por vício de forma, havendo sido decidido que “A impossibilidade de substituição de uma escritura pública exigida por lei como requisito de forma de uma declaração negocial para que se façam valer os efeitos do negócio, como se fora válido, não impede a utilização, nem de documentos de menor força probatória, nem de prova testemunhal ou por presunções judiciais, para a demonstração de que foi celebrado um mútuo nulo por falta de forma e, por essa via, fazer operar os efeitos da respectiva nulidade” (ut Proc.º 07B1963, Cons.ª Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido o Ac. da Relação do Porto de 25/11/2013, ut Proc.º 4316/11.2TBVFR-A.P1, Desemb. Oliveira Abreu, no mesmo sítio). E, relativamente a um contrato de empreitada, decidiu a Relação de Lisboa, no Ac. de 03/10/2017, que “Admitida a celebração do contrato entre as partes, as prestações a que o empreiteiro se obrigou e o preço estipulado, e a execução de parte do mesmo pelo empreiteiro, e o pagamento apenas parcial do preço, terá de se atender à prova produzida para aquilatar da justeza do pedido formulado por este, atendendo à nulidade resultante da invalidade formal do contrato, norteados pelo princípio da boa fé que rege a disciplina dos contratos” (ut Proc.º 6327/13.4TBSXL.L1-7, Desemb.ª Cristina Coelho, in www.dgsi.pt).
Deste modo, a pretensão do Apelante, de ver eliminados do acervo factual apurado os factos constantes dos n.os 6; 8; 9; 10; 11; e 12, (apenas) com o fundamento na nulidade do contrato de empreitada por vício de forma, terá de improceder, não só por este Tribunal da Relação a não poder conhecer, visto ter sido extemporaneamente suscitada, como também porque na situação sub judicio não está em causa o cumprimento específico do referido contrato mas apenas a sua realidade material.
Na sua petição de embargos o Apelante invoca a inexistência “da relação contratual subjacente aos cheques” (dados à execução) com a alegação de nunca ter solicitado ou contratado “quaisquer serviços” com a Exequente/Embargada.
Porém, não negou ter emitido e entregue directamente à Exequente/ Embargada quatro cheques nos valores de € 30.000,00, € 25.000,00, € 15.000,00 e € 9.000,00, respectivamente - n.º 9 (sendo certo que são factos pessoais seus).
E a Exequente/Embargada cumpriu com o ónus da prova já que demonstrou que subjacentemente aos mencionados cheques está uma relação contratual com o Apelante/Executado, pela qual se comprometeu a construir para este uma moradia, e os cheques são o instrumento usado por ele para lhe pagar o preço respectivo. Mais provou a Exequente/Embargada que cumpriu com o que se obrigara, havendo concluído e entregue a obra ao Apelante/Executado.
Ora, tendo ficado provado que a Exequente/Embargada executou para o Apelante/Executado os trabalhos de construção da moradia a que se obrigara, fica constituída a obrigação deste pagar o preço respectivo.
Tem, pois, de improceder a pretensão do Apelante.
**
C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.

Guimarães, 07/12/2017
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)