Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1136/18.7T8PTL.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: EXCESSIVA ONEROSIDADE DA REPARAÇÃO
IMOBILIZAÇÃO DE VEÍCULO
PRIVAÇÃO DE USO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Quer para efeitos de se apurar se uma reparação do veículo exigida pelo lesado é ou não excessivamente onerosa, quer para efeitos de fixação da indemnização em dinheiro ou por equivalente, a doutrina e a jurisprudência maioritária têm vindo a rejeitar o critério do valor venal, enquanto valor comercial de alienação antes do acidente; por um lado, passou a tomar-se em conta o interesse do lesado na reparação e/ou na fruição da viatura e, por outro, que aquele valor deve ser medido pelo valor de substituição, isto é, pelo custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo danificado.
II- Cabe à Ré Seguradora a prova da excessiva onerosidade da reparação.
III- Tendo a Ré Seguradora informado o autor que o veículo se encontrava em situação de perda total e posto à disposição do lesado quantia inferior à necessária para a reparação do veículo, esse ato não a exonera do pagamento do montante referente à privação do respetivo uso, pois a falta de aceitação da quantia era justificada por ser inferior ao dano sofrido, não fazendo o credor incorrer em mora.
IV- Mercê da imobilização do veículo sinistrado, não se tratando de uma situação de perda total e nem tendo a seguradora disponibilizado uma viatura de substituição pelo período necessário à reparação, o lesado tem direito a ser indemnizado pela privação do uso da viatura até ao pagamento pela ré do valor devido a título do custo da reparação do veículo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

V. M. instaurou, no Juízo Local Cível de Ponte de Lima do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X – Sucursal em Portugal, pedindo a condenação da ré a pagar a) o valor da reparação que quantificou em € 4.001,45 ou, em alternativa, que mande proceder à sua conta e risco à reparação do VJ; b) um valor inerente à imobilização e privação do uso do veículo, valor este a computar numa taxa diária de € 15,00, contada desde a data do acidente que ocorreu a 22.04.2018, até à data em que a ré lhe pague o valor supra referido ou até à data em que o veículo, reparado, seja restituído ao autor, valor que, na data da propositura da acção, ascende a € 2.895,00, (€ 15,00 x 193 dias); c) ao autor ou à oficina onde o VJ continua imobilizado a importância por aquela reclamada, e devida a título de ocupação do espaço do veículo na referida oficina, quantia que, por ainda estar em curso, se relega a sua liquidação para execução de sentença.
Para fundamentar as respectivas pretensões alegou, em síntese, a verificação de um sinistro rodoviário, ocorrido mediante a culpa exclusiva do condutor de veículo seguro na ré, na sequência do qual o veículo pertença do autor sofreu diversos estragos, cuja reparação ascende ao valor de € 4.001,45, bem como prejuízos decorrentes da privação do uso desse mesmo veículo automóvel, que se encontra imobilizado desde a data do sinistro, mais pugnando assistir-lhe ainda o direito a ser ressarcido pela ré pelo custo da ocupação do mencionado veículo na oficina onde se encontra, em quantia cuja liquidação relegou para liquidação de sentença.
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Regularmente citada, contestou a Ré, X, na qual impugnou essencialmente os factos alegados na petição inicial respeitantes quer ao acidente, quer aos danos reclamados, pugnando pela total improcedência da ação ou, assim não se entendendo, pela redução do montante indemnizatório a um valor justo e equitativo correspondente apenas e só aos valores legalmente admissíveis (refª: 30823691).
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Por despacho datado de 09.01.2019, foi designada data para audiência de julgamento nos termos do disposto no art. 597.º, al. g), do CPC e admitidos os meios de prova (ref.ª 43380430).
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Realizou-se a audiência de julgamento, conforme consta da respetiva acta (ref.ª 44485606).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 44494491), nos termos da qual, julgando a presente acção parcialmente procedente, decidiu:

«a) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 4.001,45, para ressarcimento do custo decorrente da reparação do seu veículo automóvel;
b) Condenar a ré a pagar ao autor, a título de indemnização pela privação de uso do seu veículo, a quantia diária de € 10,00, quantia essa que será devida desde a data do sinistro (22.04.2018) e até à data do pagamento pela ré ao autor do valor devido a título do custo da reparação do veículo acima mencionado em a);
c) Absolver a ré do demais peticionado pelo autor».
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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré (ref.ª 34733887), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Não aceita nem concorda a Ré com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nomeadamente no respeita aos montantes indemnizatórios atribuídos.
2. Vem o presente recurso impugnar tanto matéria de direito como matéria de facto.
3. A douta sentença, deu como provado um ponto que, importaria uma decisão substancialmente diferente daquela que foi proferida, nomeadamente, quanto ao ponto 23 dos factos provados, porque não é possível que se considere o ponto 23 dos factos provados como resultado provado, pois, tal não aconteceu.
4. É possível e até se aceita que a viatura do Autor se encontrasse estimada e em bom estado de conservação para a idade, contudo, tal facto não lhe retira os 25 anos de idade com que já contava à data do acidente.
5. Nem lhe retira o facto de a viatura não ter nenhuma caraterística (ou extras/acessórios) extraordinária, e tampouco se encontrava devidamente certificada como viatura clássica (logo não pode ser avaliada como tal).
6. O valor atribuído pelo Tribunal (€ 4.000,00) é totalmente desapropriado, descabido e sem nexo e sem fundamento probatório.
7. Acrescente-se que, considerar como prova inteiramente idónea, uma testemunha que, por um lado é amigo do autor, por outro lado vai ser o reparador da viatura, logo tem interesse na decisão final da causa da causa (se a viatura for considerada perda total lá se vai o arranjo da mesma…), o que lhe retira ainda mais imparcialidade que se lhe pudesse reconhecer, e, ainda porque é mecânico de profissão o que tampouco faz sentido.
8. Um mecânico tem conhecimentos para avaliar as reparações a fazer e efetua-las posteriormente, já não tem conhecimentos de venda de viaturas porque não é atividade à qual se dedique ou que mesmo esporadicamente pratique e não se provou que esta testemunha, além de mecânico, tivesse conhecimentos específicos de avaliação de viaturas, para lhe ser atribuída validade nessa parte do seu depoimento .
9. A Meritíssima Juiz a quo desconsiderou os prints dos anúncios juntos aos autos a fls. 35 a 36 pela ré/apelante, sem apresentar um motivo válido e lógico.
10. De uma leitura e análise ponderadas aos referidos prints, verifica-se que uma viatura semelhante à viatura do Autor, com as mesmas características, se encontra à venda por preços se cifram entre € 900,00 a € 1.200,00.
11. Assim, não pode, nem tem, a viatura do autor um valor de mercado de cerca de € 4.000,00; tem, isso sim, um valor médio de € 1.100,00, tal como foi atribuído pela Ré.
12. O autor, juntou também prints de sites especializados com viaturas muito mais novas (5 ou 6 anos mais novas) e com outros extras (totalmente equipadas que não é o caso da sua) e outro tipo de gama (altíssima gama – versão desportiva) e que custariam entre 4.000,00 a 5.000,00 euros;
13. Valor este compatível com o alegado pela testemunha A. S. o que lhe retira a esta a pouca credibilidade que ainda lhe restaria; pois, se 4.000,00 euros é o preço de venda de viatura Audi modelo Cabriolet, com extras desportivos e com menos 5/6 e 7 anos de idade é caso para assegurar que uma viatura como a do autor (com mais idade, de menor gama e menos equipada) não tem o valor de mercado que o Tribunal a quo lhe atribuiu.
14. O montante atribuído pela Ré (€ 1.100,00), além de resultar provado, por documento, que o mesmo corresponde ao valor de mercado, estes valores são calculados com base em tabelas cujo apuramento é feito com base nos preços médios de mercado, levando em conta o tipo, marca, modelo e ano de sua fabricação, servindo de base para o cálculo para o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA.
15. A viatura não tem valor superior ao atribuído pela Ré e, tal está devidamente provado por documento de sites da especialidade – vide Doc.3 e 4 juntos com a contestação; não tendo sido efetuada prova contrária válida e suficiente.
16. Mais resultou inequívoco que era possível ao Autor adquirir outro veículo com iguais caraterísticas ao seu pelo valor indemnizatório atribuído pela Ré.
17. Não pode sobrepor-se a prova testemunhal e subjetiva à prova documental e objetiva.
18. Tendo em atenção a prova junta aos autos, e decidindo com a razão, ou seja, com justiça, o ponto 23 dos factos provados terá de ser considerado como não provado, para os devidos e legais efeitos, o que se requer.
19. Com a alteração da matéria de fato supra requerida, não pode o tribunal deixar de aplicar o DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Diretivas nª 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Diretiva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Diretiva sobre o Seguro Automóvel), designadamente o seu artigo 41º.
20. A reparação foi orçamentada em cerca de € 4.001,45, ou seja, três vezes mais que o valor da viatura (que é de € 1.100,00 – vide ponto 11 dos factos provados), logo, a viatura resultou de forma clara e evidente numa perda total.
21. Se o artigo 562º do Código Civil nos diz que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”, o artigo 566º do mesmo diploma refere que “1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
22. Da aplicação conjugada dos artigos 562º e 566º do Código Civil, e ainda da Lei especial prevista no DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o tribunal deveria ter condenado a Ré ao pagamento da indemnização correspondente ao seu valor venal/de mercado - € 1.100,00 - e que se provou por documentos ser suficiente para adquirir outra viatura com iguais caraterísticas, e nunca condenada a pagar o valor da reparação, alteração essa que desde já se requer.
23. Pelo que, levando em consideração toda a matéria resultada provada a este respeito, violou, de forma flagrante, a Meritíssima Juiz a quo, o vertido no artigo 41º do Decreto-Lei nº291/2007 de 21 de agosto, os artigos 562º e 566º do Código Civil e, ainda, dos artigos 12º, 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, constituindo, tal violação, um flagrante abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil e, ainda, um verdadeiro enriquecimento sem causa nos termos do artigo 473º do Código Civil.
24. É verdade que a jurisprudência tende a considerar indemnizável o simples fato de a proprietário da viatura ter estado sem a poder utilizar, MAS, já não é verdade que, não existindo prova de prejuízos efetivos, seja atribuído um montante elevado por ser injustificado (nomeadamente de 10 euros/dia).
25. O cálculo da indemnização deverá ser realizado em termos equitativos, pelo que a atribuição de um montante superior a € 6,00/dia, quando não estão provados prejuízos, é injustificado e exorbitante e violador dos artigos 12º, 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, constituindo, tal violação, um flagrante abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil e, ainda, configura um verdadeiro enriquecimento sem causa nos termos do artigo 473º do Código Civil.
26. Pelo que deverá ser alterado o montante indemnizatório atribuído em b) da decisão, condenando-se, por sua vez, a Ré ao pagamento do quantitativo diário máximo de € 6,00/dia.
27. O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar ao autor, a título de indemnização por privação de uso da viatura, desde a data do acidente até pagamento do custo da reparação (condenação em a) da decisão), o que, tampouco tem fundamento factual para tal decisão:
28. Primeiro porque, deve a Ré ser condenada a pagar o valor venal da viatura e não a sua reparação, conforme se requerer supra; em segundo lugar porque, conforme resultou provado, em 09/05/2018 a Ré comunicou ao Autor o valor indemnizatório de € 1.100,00 pela perda total e inequívoca da viatura e colocou este valor à sua disposição (vide ponto 11 dos factos provados), não o tendo o autor recebido porque não quis, mas esta decisão/escolha do Autor não pode prejudicar a Ré.
29. Todo o atraso na resolução de todo este litígio tem de ser imputado ao autor que demorava até 3 semanas para dar uma resposta à Ré - vide pontos 11), 12) e 13) e ainda 14) e 15) dos factos provados – num aproveitamento ilícito para aumentaram o tempo de paralisação do veículo e os respetivos juros de mora.
30. O prazo fixado para indemnização por privação do uso deverá ser reduzido e, por sua vez, contabilizado desde a data do acidente até 09/05/2018, data a partir da qual o valor indemnizatório pela perda total da viatura foi colocado à disposição do autor pela Ré ( e que apenas não foi recebido por culpa do autor), com base no artigo 42º, nº e do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Diretivas nº 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Diretiva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Diretiva sobre o Seguro Automóvel),
31. Ao assim não decidir está, mais uma vez o Tribunal a violar o disposto nos artigos 42º, nº2 do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, e, ainda, os artigos 12º, 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, constituindo, tal violação, um flagrante abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil e, ainda, configura um verdadeiro enriquecimento sem causa nos termos do artigo 473º do Código Civil.

Termos em que se requer a V/Excias seja dado total provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a sentença de que se recorre, sendo substituída por outra mais justa e adequada à realidade, bem como respeitadora das normas legais aqui mencionadas.
Assim sendo, farão, V/ Excias., inteira justiça!».
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Contra-alegou o Autor, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 34838183).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (ref.ª 45379670).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) – Do ressarcimentos dos danos relativos a:
- reparação e o seu custo ou a perda total do veículo.
- privação do uso do veículo (quantificação da respetiva indemnização e a duração da obrigação de indemnização).
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1) No dia 22.04.2018, cerca das 10:45 horas, na Estrada Nacional que liga Ponte de Lima a Arcozelo, na freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, ocorreu um sinistro rodoviário, no qual foram intervenientes, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Audi, modelo 80, 1600 turbo diesel, matrícula VJ, propriedade e conduzido pelo autor, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo Megane, matrícula PC, conduzido por J. L..
2) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o autor conduzia o veículo VJ pela Estrada Nacional, no sentido Arcozelo – Ponte de Lima, fazendo-o na faixa direita atento o sentido seguido e a uma velocidade não superior a 30 km/hora.
3) Imediatamente à frente do veículo conduzido pelo autor, seguia outro veículo que, querendo mudar de direção à esquerda, sinalizou tal manobra, abrandou a sua marcha e parou, tendo o autor abrandado e imobilizado também o veículo VJ por si conduzido atrás do aludido veículo que seguia à sua frente.
4) Altura em que o veículo VJ conduzido pelo autor é embatido na sua parte traseira pela parte frontal do veículo PC, cujo condutor seguia desatento e sem adequar a velocidade a que circulava ao local.
5) À data do sinistro, a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula PC, encontrava-se transferida para a companhia de seguros ré, através da apólice de seguro com o número 006656866.
6) Na sequência do descrito sinistro, o veículo VJ sofreu diversos estragos, nomeadamente, no pára-choques, mala, farolins e pintura.
7) Estragos esses que impediram o veículo VJ de circular.
8) Tendo sido removido, de reboque, do local onde ocorreu o sinistro.
9) Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 03.05.2018, o veículo VJ foi transportado para a oficina A. S. Unipessoal, Lda., sita em …, Ponte de Lima.
10) A ré vistoriou o veículo VJ a 03.05.2018 na referida oficina.
11) A 09.05.2018, a ré informou o autor que o veículo VJ se encontrava em situação de perda total e que a respectiva indemnização teria por base o montante de € 1.100,00, correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, ao qual seriam descontados € 150,00 a título do valor do salvado, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 10 – verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12) Mais informou a ré o autor, a 09.05.2018, que a oficina escolhida pelo autor poderia vir a cobrar parqueamento e que tais custos não seriam da responsabilidade da ré, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 11 – verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) Por carta datada de 21.05.2018, o autor informou a ré que não estava de acordo com o indicado pela ré no sentido do veículo ser considerado em situação de perda total e do seu valor ser de € 1.100,00, já que pretendia efectuar a reparação do veículo, por considerar ser a mesma economicamente viável, bem como solicitou que a ré procedesse à vistoria condicional dos danos, que desse ordem de reparação, e que colocasse à sua disposição um veículo com características semelhantes às do sinistrado já que não tinha veículo e o mesmo era-lhe totalmente imprescindível, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14) A 06.06.2018, a ré informou o autor que o pagamento da indemnização referente à perda total da viatura ficaria dependente do envio da documentação que elencou, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15) Por email de 27.06.2018, o autor informou a ré que pretendia efectuar a reparação do veículo sinistrado, por entender que a reparação era economicamente viável e porque o veículo satisfazia plenamente as suas necessidades e de toda a sua família, e requereu que, enquanto a reparação não fosse realizada, lhe colocassem à disposição um veículo com características semelhantes às do sinistrado, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
16) À data do sinistro, o veículo VJ encontrava-se em bom estado de conservação.
17) Tinha como extras a pintura metalizada.
18) Nunca tinha intervindo em qualquer acidente.
19) Tinha a inspecção técnica periódica em dia.
20) Era guardado em garagem.
21) O veículo VJ tem data de matrícula de 27.07.1990.
22) Era cuidado pelo autor como se de um carro de colecção se tratasse.
23) À data do sinistro, o valor comercial do veículo VJ não era inferior a € 4.000,00.
24) O valor da reparação do veículo VJ foi orçado em € 4.001,45.
25) O veículo VJ encontra-se imobilizado desde a data da ocorrência do descrito sinistro e até à presente data.
26) O veículo VJ era utilizado diariamente pelo autor nas suas deslocações pessoais.
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E deu como não provados os seguintes factos (com interesse para a decisão):

a) À data do descrito sinistro, o veículo automóvel matrícula PC, era conduzido por A. V..
b) Na sequência do descrito sinistro, o veículo VJ sofreu estragos na parte mecânica.
c) À data do sinistro o veículo VJ encontrava-se em estado novo.
d) Tinha jantes radiais, estofos de couro e rádio CD.
e) Fazia todas as revisões e inspeções.
f) À data do sinistro, o valor comercial do veículo VJ não era inferior a €6.000,00.
*
V. Fundamentação de direito.

1. – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica o facto que pretende que seja decidido de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada (da modificação do facto provado para não provado), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. A prova “visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (2). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança” (3).
*
1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende:

- A alteração da resposta positiva para negativa do ponto 23 da matéria de facto provada da sentença recorrida.

O referido ponto fáctico objeto de impugnação tem o seguinte teor:

«23) À data do sinistro, o valor comercial do veículo VJ não era inferior a € 4.000,00».

Com vista à procedência da sua pretensão impugnatória, aduz a recorrente, em resumo, os seguintes argumentos:

- Sendo possível e até aceitando que a viatura do Autor se encontrasse estimada e em bom estado de conservação para a idade, contudo, tal facto não lhe retira os 25 anos de idade com que já contava à data do acidente; nem lhe retira o facto de a viatura não ter nenhuma caraterística (ou extras/acessórios) extraordinária, e tampouco se encontrava devidamente certificada como viatura clássica (logo não pode ser avaliada como tal).
- O valor atribuído pelo Tribunal (€ 4.000,00) é totalmente desapropriado, descabido, sem nexo e sem fundamento probatório.
- O Tribunal considerou como prova inteiramente idónea uma testemunha que é amigo do autor e vai ser o reparador da viatura, logo tem a mesma interesse na decisão final da causa da causa, o que lhe retira ainda mais imparcialidade que se lhe pudesse reconhecer e ainda porque é mecânico de profissão o que tampouco faz sentido, sendo que não se provou que esta testemunha tivesse conhecimentos específicos de avaliação de viaturas, para lhe ser atribuída validade nessa parte do seu depoimento.
- A Julgadora desconsiderou os prints dos anúncios juntos aos autos a fls. 35 a 36 pela ré/apelante, sem apresentar um motivo válido e lógico.
- Daqueles prints verifica-se que uma viatura semelhante à viatura do Autor, com as mesmas características, se encontra à venda por preços que se cifram entre € 900,00 a € 1.200,00.
- O autor juntou também prints de sites especializados com viaturas muito mais novas (5 ou 6 anos mais novas) e com outros extras (totalmente equipadas, que não é o caso da sua) e outro tipo de gama (altíssima gama – versão desportiva) e que custariam entre 4.000,00 a 5.000,00 euros, valor este compatível com o alegado pela testemunha A. S. o que lhe retira a esta a pouca credibilidade que ainda lhe restaria.
- O montante atribuído pela Ré (€ 1.100,00), além de resultar provado, por documento, que o mesmo corresponde ao valor de mercado, foi calculado com base em tabelas cujo apuramento é feito com base nos preços médios de mercado, levando em conta o tipo, marca, modelo e ano de sua fabricação, servindo de base para o cálculo para o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA.
- Não pode sobrepor-se a prova testemunhal e subjetiva à prova documental e objetiva.
- Mais resultou inequívoco que era possível ao Autor adquirir outro veículo com iguais caraterísticas ao seu pelo valor indemnizatório atribuído pela Ré.
- A viatura do autor não tem um valor de mercado de cerca de € 4.000,00; tem, isso sim, um valor médio de € 1.100,00, tal como foi atribuído pela Ré.
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1.4. À semelhança da fundamentação explicitada na motivação da decisão sobre a matéria de facto da sentença recorrida, com vista à formação da nossa convicção sobre o ponto fático impugnado – atinente ao cômputo do valor comercial do veículo do autor à data do acidente – iniciaremos a nossa análise pela referência e apreciação da prova testemunhal produzida, em concreto, os depoimentos das testemunhas J. M (que foi casado com uma filha do autor), M. R. (filha do autor), A. S. (legal representante da oficina para onde foi transportado o veículo do autor, que exerce a profissão de mecânico/pintor de automóveis) e M. G. (soldado da GNR, que elaborou o auto de participação de acidente de viação junto aos autos a fls. 44/47).
Todas as aludidas testemunhas foram unânimes em afirmar e atestar o estado de conservação excepcional em que o veículo do autor se encontrava à data do acidente, sendo que as testemunhas J.M. e M. R. declararam que o autor guardava sempre o referido veículo na garagem e que, inclusivamente, comprou uns panos próprios (de flanela) para o limpar e o tapar.
Acrescentaram tais testemunhas (o que foi corroborado pela testemunha A. S.) que o veículo em questão foi adquirido pelo autor aos herdeiros de um Ilustre Advogado da Comarca, o Dr. A. R., que muita estimava o mencionado veículo (“ele andava sempre de volta do carro”, referiu a testemunha A. S.), aquisição essa efetuada há cerca de 3 anos (o que se mostra em consonância com a data de emissão aposta no respectivo certificado de matrícula – 15/12/2015 – de fls. 16), mediante o pagamento da quantia de € 7.500,00 (declarou a testemunha M. R. ter acompanhado o seu pai, ora recorrido, por ocasião da celebração do negócio de compra e venda).
E pela testemunha A. S., dono da oficina de automóveis na qual o veículo do autor está aparcada a aguardar ordens para a realização da reparação, foi ainda afirmado que, em face das características e do estado em que se encontrava o dito veículo tinha um valor variável entre € 4.000,00/€ 5.000,00.
Por sua vez, a testemunha M. G., soldado da GNR, que elaborou o auto de participação de acidente e que não tem qualquer ligação com o autor (nem interesse na causa), declarou, de um modo espontâneo, ter-lhe chamado “a atenção” o excelente estado de conservação do dito veículo do autor, tendo inclusivamente referido que “nunca viu um carro daqueles em tão bom estado”, acrescentando ser “um carro para guardar para clássico”.
A recorrente discorda frontalmente da credibilidade conferida pelo Tribunal recorrido à testemunha A. S., imputando-lhe, entre o mais, o facto deste ser, por um lado, amigo do autor, e, por outro lado, ser a pessoa que vai reparar da viatura, pelo que revela ter um interesse na decisão final da causa da causa (pois se a viatura for considerada perda total ficará prejudicado o arranjo da mesma).
Embora se aceite que tais circunstâncias – amizade/conhecimento com uma das partes e interesse profissional na reparação da viatura – possam, nalguns casos, constituir uma circunstância impeditiva da prestação, em juízo, de um depoimento isento e credível, pois, como é sabido, um amigo poderá mais facilmente ser tentado a faltar à verdade no intuito de beneficiar a pessoa com a qual está relacionado, dada a existência de interesse (ou falta dele) no resultado da lide, a verdade é que a existência dessas relações não é, nos termos legais, motivo de impedimento ou de inabilidade para depor como testemunha. E se nos situarmo-nos num meio geográfico pequeno, é perfeitamente compreensível que para a reparação do veículo danificado o lesado se socorra de alguém seu conhecido ou da sua confiança que explora uma oficina de reparação de automóveis, facto esse que não inibe este de intervir no processo como testemunha. Acresce que, dada a razão de ciência revelada, nomeadamente por ser o representante da oficina para onde foi transportado e onde ainda se encontra o veículo do autor e dada a actividade profissional exercida, é de aceitar que essa testemunha venha a revelar-se como uma das que está melhor habilitada a descrever e explicitar o estado de conservação e o valor venal do veículo sinistrado. E para colocar em causa a credibilidade de tal depoimento não basta a mera alegação genérica da menção das relações que tal testemunha tem – ou que teve – com uma das partes da causa. Estas circunstâncias, no caso de ser conhecido do autor e interesse na realização da reparação da viatura, foram desde logo confirmadas pela enunciada testemunha aquando do juramento e interrogatório preliminar nos termos e para os efeitos do disposto no art. 513º, n.º 1 do CPC, não deixando de ser tomadas em consideração aquando da valoração da globalidade dos meios de prova produzidos.
Por outro lado, admitindo-se – como sustenta a recorrente – que um mecânico, por excelência “o que sabe é avaliar as reparações a fazer e efetuá-las posteriormente”, certo é que, por apelo às regras da experiência comum, também não é menos verdade – tentando ultimar o raciocínio inicialmente desenvolvido pela recorrente – que, não raras vezes, muitos mecânicos revelam serem portadores de conhecimentos específicos que lhes permitem avaliar, com objetividade e fundadamente, o preço de mercado de viaturas usadas.
E, no que ao caso diz respeito, como se concluiu na sentença recorrida, a credibilidade da testemunha A. S. quanto à matéria em apreço apresenta-se-nos especialmente reforçada porquanto, além de conhecer pessoalmente o veículo do autor, é mecânico de profissão e denotou experiência que lhe permita emitir um juízo fundado sobre a matéria em causa, sendo certo que o juízo por si emitido não o foi em termos abstractos ou genéricos, mas sim por reporte ao concreto estado e as específicas características do veículo danificado, circunstâncias estas que, como se disse, inclusivamente chamaram a atenção da (insuspeita) testemunha M. G.
No que concerne ao estado do veículo do autor, para além do que foi referido na sentença, permitimo-nos tão só acrescentar a referência à pouca quilometragem que o mesmo apresentava (4), tendo em conta que tem data de matrícula de 27.07.1990.
Não questionando que o montante atribuído pela Ré a título de valor venal do veículo antes do acidente tenha sido calculado com base em tabelas cujo apuramento é feito com base nos preços médios de mercado, levando em conta o tipo, marca, modelo e ano de sua fabricação, a verdade é que nelas não se mostra feita a ponderação do estado de conservação, incluindo eventuais beneficiações, do veículo sinistrado, factores estes que não podem ser menosprezados, visto frequentemente determinarem a fixação de um valor superior ao que consta das referidas tabelas gerais de veículos usados.
Na impugnação deduzida dá a recorrente particular enfâse aos prints por si apresentados (conclusões 9ª e 10ª).
Contudo, quanto a esse concreto meio probatório – e diversamente do aduzido pela recorrente –, a Mm.ª Juíza explicitou, fundada e justificadamente, as razões por que, na formação da sua convicção, esse meio não poderia sobrelevar face à demais prova produzida.

Como se referiu na sentença impugnada:

Cumpre notar que a prova documental (prints de anúncios) junta aos autos, quer pelo autor a fls. 17 a 22, quer pela ré a fls. 35 a 36, não se nos afigurou passível nem de corroborar, nem de infirmar, o aludido valor do veículo do autor apresentado pela testemunha A. S., na medida em que, além de não se tratarem de veículos com as mesmas características do autor (designadamente, quanto aos extras, ao ano de matrícula, ao número de quilómetros), o valor indicado pela mencionada testemunha teve por base o concreto estado e as concretas características do veículo do autor, pelo que se nos apresenta inequivocamente mais seguro e plausível”.
Ademais dos prints juntos não é possível descortinar com objetividade qual o verdadeiro estado de conservação dos veículos em confronto.
Não podemos olvidar que a prova testemunhal (art. 396º do CC), tal como a prova documental/pints (arts. 366º, 371º, n.º 1, in fine, e n.º 2, e 376º, n.º 3 do CC), está sujeita ao princípio da prova livre, sendo a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção formulada (art. 607°, n.º 4, do CPC).

Ora, no caso sub júdice, inexiste qualquer razão que determine – como propugna a recorrente – pela supremacia da prova documental por si carreada aos autos em detrimento da prova testemunhal produzida.
Acresce que o juízo explicativo e valorativo com vista à formação da convicção da Mmª Juíza no sentido da resposta dada não deixou de ser explicitado, ao afirmar que as declarações (de parte do autor) e “depoimentos das testemunhas, maxime, respeitantes ao valor da aquisição do veículo pelo autor, igualmente reforçam a convicção de que o veículo do autor se tratava, efectivamente, de um automóvel com um estado de conservação excepcional, não obstante tratar-se de um veículo com quase vinte e oito à data do acidente, sendo certo que, a circunstância de resultar do depoimento de todas as testemunhas vindas de referir o estado de conservação excepcional em que se encontrava o veículo do autor, igualmente sustenta e justifica o referido valor da sua aquisição”, o mesmo valendo – acrescentaremos nós – quanto ao atribuído valor de mercado da viatura do autor à data do acidente.
Aliás, se retirarmos a menção aos prints – cuja força probatória se mostra contrariada pela apresentação pela outra parte de prints de sinal contrário –, a invocação da falta de credibilidade da testemunha A. S., bem como o reporte aos anos da viatura sinistrada, a recorrente não aporta – nem invoca – nenhum outro meio probatório que, de um modo claro e objetivo, ateste as objeções por si aduzidas à matéria de facto impugnada.
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre o ponto 23 dos factos provados.
É, por isso, de concluir não ser viável a este Tribunal superior (que não tem por missão efetuar, perante si, a repetição integral do julgamento) extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto àquele concreto ponto de facto.
De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória da impugnante, não se impondo decisão sobre o referido ponto da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC).
Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto ao facto impugnado com a convicção formada pelo Mm.ª Juíza a quo, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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2. – Da condenação a título de pagamento do custo da reparação da viatura sinistrada/perda total do veículo.
Na presente ação está em causa a responsabilidade civil da ré seguradora, emergente do acidente de viação.
A sentença recorrida considerou verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da demandada, estabelecidos no art. 483º, n.º 1, do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC), por ter entendido que quem deu causa exclusiva ao sinistro, devido à sua condução negligente e culposa, foi o condutor do veículo seguro.
E, estando provado que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula PC estava, à data do acidente, transferida para a Ré seguradora, concluiu – sem que tal mereça controvérsia – que recaía sobre esta a responsabilidade pelas consequências do acidente em causa nos presentes autos.
A recorrente não põe em questão, no recurso, a verificação, no caso «sub judice», de tais pressupostos da responsabilidade aquiliana ou extracontratual, mas questiona, na parte que ora releva, o decidido quanto à sua condenação no valor da reparação do veículo, visto esta ter sido orçamentada em cerca de € 4.001,45, o que equivale, na sua perspectiva, a um custo 3 (três) vezes superior ao valor venal/mercado do veículo (que diz ser de, apenas, € 1.100,00), pelo que pugna pela verificação de perda total da viatura.
Mais especificamente, o que se discute é se deve ser atribuído ao autor o valor venal que a viatura sinistrada tinha à data do acidente, de acordo com o disposto no art. 41º do Dec. Lei n.º 291/2007 – como defende a apelante – ou se o lesado deve ser indemnizado pelo valor da reparação dessa viatura (4.001,45 €) – como se decidiu na sentença.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
A restauração natural é, sem dúvida, a forma mais perfeita de reparar um dano, seja através da reintegração pura ou da indemnização em forma específica.
O princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no art. 562º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (5), “o fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes”.
No âmbito da obrigação de indemnização, a reconstituição natural (ou a indemnização específica) prevalece sobre a reconstituição por equivalente (ou a indemnização em dinheiro). Entre elas não existe uma relação de pura alternativa, havendo uma precedência necessária da primeira em relação à segunda. O que significa que é primordialmente através da reparação do objeto destruído ou da entrega de outro idêntico que se estabelece a obrigação da indemnização (6).
Segundo o estabelecido princípio da reconstituição natural, a reparação do dano implica a reconstituição da situação que existiria (antes da lesão), ficcionando-se, deste modo, a eliminação (jurídica, que não material) do dano (7).
No entanto, como resulta do critério legal acolhido pelo art. 566º do CC, a indemnização é fixada em dinheiro, por sucedâneo pecuniário da reconstituição natural, sempre que – na perspetiva do interesse do credor – a reconstituição natural não seja possível ou não repare integralmente os danos e ainda quando – na perspetiva do interesse do devedor – seja excessivamente onerosa (n.º 1); a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos (n.º 2); se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3).
No tocante ao cálculo da indemnização prescreve o n.º 1 do art. 564.º do mesmo diploma legal que o «dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Em termos gerais, a excessiva onerosidade, enquanto limitação ao princípio da reposição natural, terá lugar sempre que “houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a restauração natural envolve para o responsável” (8).
Menezes Cordeiro (9) considera que a excessiva onerosidade ocorre quando a indemnização específica, sendo possível, acarrete, no entanto, para o obrigado a indemnizar, um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem acarretada para o lesado, ou seja, quando a sua exigência atente gravemente contra o princípio da boa fé.

Como se explicita no Ac. do STJ de 31/05/2016 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt., «[a] existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será, excessivamente, onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas quando se apresente, manifestamente, desproporcionada, em face do sacrifício que importa exigir do lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património».
A propósito do critério distributivo das regras gerais do ónus da prova – acrescenta o citado acórdão do STJ –, “sendo a regra geral a da restauração natural, consagrada pelo artigo 562º, imposta, no interesse de ambas as partes, como modo primário de indemnização, se o credor reclama a restauração natural é ao devedor que pretenda contrapor-lhe a indemnização pecuniária, enquanto réu, que cabe o ónus de alegação e de prova da excessiva onerosidade da mesma, enquanto facto excetivo, justificativo da possibilidade da restituição por equivalente, conforme se dispõe no artigo 566º, nº 1, nos termos do preceituado pelo artigo 342º, nº 2, todos do CC, isto é, a prova da exceção, ou seja, que a restauração natural é, excessivamente, onerosa para si».
Assim, ao autor cabe a prova do princípio; à ré cabe a prova da excepção. Ao autor que viu o seu veículo automóvel danificado em acidente de viação cabe a prova do em quanto importa a reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo, que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa (10).
Tradicionalmente, a propósito da obrigação de indemnização pelos danos causados a um veículo automóvel, entendia-se que essa questão devia ser ponderada com base no conceito de valor venal do veículo, que correspondia ao valor comercial do mesmo, ou seja, ao valor que o proprietário obteria se o tivesse alienado imediatamente antes do acidente. Comparando-se este valor com o custo estimado da sua reparação, concluir-se-ia que a reparação era excessivamente onerosa ou não: seria se o valor da reparação fosse superior ou muito superior ao valor comercial; não seria na situação inversa.
Este valor venal ou comercial da viatura funcionava como critério, tanto para a determinação do carácter excessivo da reconstituição natural, como para a fixação do próprio montante da indemnização, sucedânea da reconstituição natural (11).
A essa perspetiva redutora, que reconduzia o valor da viatura ao montante pelo qual o proprietário a conseguiria alienar antes do acidente, foi-se contrapondo uma outra corrente que defende que «o dano sofrido consiste, essencialmente, na diminuição da faculdade de uso do veículo e não na perda do seu valor de troca. Se assim não fosse, o lesado apenas seria protegido enquanto potencial alienante, mesmo que não tivesse qualquer intenção de alienar o seu bem» (12).
Será pois de atender ao valor que o veículo representa efectivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor (e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse) (13).
Daí que se deva ponderar, por um lado, o interesse do lesado na dita reparação e, por outro, o custo que o mesmo acarreta para o responsável.
Na verdade, um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso (14).
Assim, quer para efeitos de se apurar se uma reparação do veículo exigida pelo lesado é ou não excessiva, quer para efeito de fixação da indemnização em dinheiro ou por equivalente, a doutrina e a jurisprudência foram-se paulatinamente afastando do critério do valor venal, pois “atender estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda), seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada, pelo preço de mercado” (15).
Nesta sede, o valor a ter em conta é, pois, o valor patrimonial do veículo, correspondendo este ao valor que o veículo representa dentro do património do lesado, ou seja, o valor necessário para o lesado adquirir um veículo com as características do veículo sinistrado, adequado a satisfazer as mesmas necessidades e interesses. O valor a ter em conta não é, então, o valor venal do veículo, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado; o valor que ele representa efetivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor (e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse) (16).
O valor venal deverá, assim, ser medido pelo valor de substituição (isto é, pelo custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo danificado) (17).
Tentando densificar o valor da substituição da viatura sinistrada, de forma a acautelar a satisfação do interesse do lesado, tal determina que se atenda aos seguintes factores: «estado de conservação, incluindo eventuais beneficiações, do veículo sinistrado (que, frequentemente, fará com que o seu valor seja superior ao que consta das tabelas gerais de veículos usados), custos próprios da procura e aquisição de um veículo de substituição; custos adicionais se esta substituição tiver de ser feita com urgência; possíveis desvantagens que resultam da impossibilidade de obter um veículo idêntico como, por exemplo, um consumo superior de combustível do veículo substituto” (18).

A nível legal, importa ter (ainda) presente o disposto no art. 41º do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) – diploma que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2005/14/CE, de 11/5, do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva n.º 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis –, que, sob a epígrafe “Perda total”, dispõe:

«1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
(…)».
O citado normativo regula a situação de perda total do veículo, em que a obrigação de indemnização, ao invés de efetivada através de reparação do veículo (ou do pagamento do valor desta), é cumprida em dinheiro, correspondente ao valor venal, isto é, ao valor de substituição do veículo antes do sinistro, deduzido do valor do salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário (19).
Para efeito de determinação do valor venal, não releva o valor de venda da viatura sinistrada, mas sim o valor de compra de uma viatura substitutiva, juntamente com outros custos, resultantes, designadamente, da procura e negociação da mesma.

Nas palavras de Maria da Graça Trigo (20), este critério permite que:

i) seja considerada como perda total do veículo – por excessiva onerosidade – a situação em que a reparação seja de valor superior a 100% do valor venal do veículo menos o valor do salvado, se o automóvel tiver menos de dois anos, ou de valor superior (21) a 120% da indemnização devida, se o automóvel tiver mais de dois anos (n.º 1, al. c);
ii) A indemnização em dinheiro seja igual ao valor venal, entendido como valor de substituição no momento anterior ao acidente, menos o valor do salvado (n.º 3).

Contudo, tal como vem sendo defendido maioritariamente na jurisprudência, os critérios enunciados no art. 41.º do Dec. Lei n.º 291/2007 – dado o mesmo não se aplicar à fase judicial, mas sim na fase extrajudicial no domínio da apresentação aos lesados de uma proposta de regularização do sinistro por parte das seguradoras ou do Fundo de garantia Automóvel, visando a resolução simplificada, rápida e amigável dos litígios entre as seguradoras, os seus segurados e terceiros – não derrogam as normas gerais indemnizatórias previstas nos arts 562.º a 566.º do CC, entre as quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano (22), se bem que nessa ponderação casuística se descortine uma corrente jurisprudencial que defende que não se devem ignorar as linhas que emanam daquele diploma legal (23).

No caso sub júdice, a procedência da pretensão da recorrente estava intrinsecamente dependente do êxito da impugnação da matéria de facto, concretamente da alteração da resposta ao ponto 23 dos factos provados (com a sua consequente transferência para o elenco dos factos não provados).
Sucede, porém, que a referida impugnação foi julgada improcedente, pelo que em bom rigor mostra-se prejudicada a questão em apreço (24).

Resta, por isso, secundar o decidido na 1ª instância, cuja fundamentação, na parte que ora releva, se reproduz:

«In casu, além de não ter sido alegada, nem demonstrada, factualidade que nos permita concluir pela verificação de nenhuma das situações elencadas nas alíneas a) e b) do normativo vindo de referir [art. 41.º, n.º 1 do DL 291/2007], em face da conjugação entre a factualidade inserta em 23) e 24) dos factos provados, quanto ao valor comercial do veículo do autor (não inferior a € 4.000,00) e ao custo da respectiva reparação (no valor de € 4.001,45) e levando-se ainda em consideração o valor do salvado indicado pela própria ré (€ 150,00 – cfr. factos insertos em 11) dos factos provados), sendo certo que também se demonstrou que o veículo do autor tem mais de dois anos (cfr. factos insertos em 21) dos factos provados), mais concluímos que o valor da reparação não ultrapassa 120% do valor comercial ou venal do veículo do autor (sendo que 120% do valor comercial ou venal do veículo do autor corresponde a € 4.800,00), pelo que também não se verifica, no caso em apreço, a situação de perda total a que alude a alínea c) do n.º 1 do citado artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 297/2007, de 21 de Agosto.
Assim e atentos os pressupostos e limites da obrigação de indemnizar referidos nos artigos 562.º, 564.º, e 566.º, todos do Código Civil e a colocação do lesado na situação em que se encontraria não fora o evento que obriga à reparação (o sinistro rodoviário), reclama que se condene a ré a pagar ao autor a quantia de € 4.001,45 para ressarcimento do custo da reparação do seu veículo, afigurando-se-nos que tal pagamento cabe ainda no conceito (lato) de reconstituição natural».
Com efeito, mantendo-se inalterado o ponto 23 dos factos provados, é de concluir não ser excessivamente onerosa a reparação, diferindo apenas em € 1,45 do valor comercial do veículo, não havendo qualquer violação dos arts. 562º, 566º e do art. 41º do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto.
Sustenta, porém, a recorrente que a decisão condenatória constitui um flagrante abuso de direito nos termos do art. 334º do CC, bem como um enriquecimento sem causa nos termos do art. 473º do CC.
Malgrado o modo genérico como tais imputações foram formuladas, não deixaremos de dizer que não se verifica abuso de direito, porquanto, funcionando o limite da excessiva onerosidade para impedir a reconstituição natural, o direito do lesado à reparação da viatura resultaria postergado a dar-se como verificado que esta era demasiado gravosa, o que não foi o caso.
No caso em apreço, nada nos permite concluir que o autor, ao peticionar o pagamento do custo da reparação da viatura danificada, esteja a agir em abuso do direito, já que se limita a pugnar pelo primado da reconstituição natural.
Não é, pois, possível concluir que o recorrido tenha excedido – muito menos de forma manifesta – os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito.
É também infundada a alegação de que a condenação na reparação da viatura possa configurar uma situação de enriquecimento sem causa para o lesado. Isto porque a reparação da viatura coloca-o na “situação em que estaria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562º do CC). O enriquecimento sem causa do lesado poderia, quando muito, suscitar-se a propósito da solução de condenar o responsável à entrega de uma viatura nova da mesma marca e modelo que a viatura danificada ou de uma quantia pecuniária que permitisse ao lesado adquirir tal viatura (25), situações estas que de modo algum se mostram verificadas nos autos.
Por fim, inexiste qualquer violação do art. 20º, n.º 4 da CRP (por falta de equidade) e dos arts. 13º, n.º 2 e 12º, n.º 2 do mesmo diploma fundamental (por falta de igualdade e por privilegiar o credor em função do devedor pelas diferentes condições económicas), visto a questão atinente à aferição da excessiva onerosidade da reparação (ou da perda total do veículo) ter sido avaliada objetivamente, independentemente da capacidade financeira do responsável.
Improcedem, por isso, todas as conclusões da apelante quanto à condenação no pagamento do custo da reparação da viatura.
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3. – Da quantificação diária da indemnização a título do dano de privação do uso do veículo e a duração dessa obrigação.
3.1.Na sentença recorrida foi arbitrada a quantia diária de € 10,00 para ressarcir as consequências da indisponibilidade do veículo sinistrado, devida desde a data do sinistro que originou esses autos (22.04.2018) até à data do pagamento pela ré ao autor do valor devido a título do custo da reparação do mencionado veículo.
A recorrente, não questionando a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização pela privação do uso do veículo, coloca tão só em causa i) o montante diário atribuído (pugnando pela sua fixação no quantitativo diário máximo de € 6,00/dia, ao invés do valor fixado de € 10,00/dia) e ii) o prazo fixado (que deverá ser reduzido e contabilizado desde a data do acidente até 09/05/2018, data a partir da qual o valor indemnizatório pela perda total da viatura foi colocado à disposição do autor pela Ré, com base no art. 42º do Dec. Lei n.º 291/2007).
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3.2. A falta de reparação de uma viatura sinistrada ou, quando esta não seja viável pela sua onerosidade, a indemnização correspondente, não retiram ao lesado o prejuízo que este sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à reparação ou disponibilização do pagamento dessa mesma indemnização (26).
No tocante à obrigação de indemnização valem aqui as regras e os critérios supra enunciados, mormente que a indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564°, n.º 1 do CC).
Saliente-se, contudo, que a regra geral do art. 566º, n.º 2, do CC – teoria da diferença – não pode ser aplicável ao dano de privação de uso, na medida em que “a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo” (27). Deste modo, a indemnização pelo dano de privação de uso terá de ser fixada de acordo com a equidade (art. 566º, n.º 3 do CC) (28).
Antes de particularizarmos o caso concreto, importa mais uma vez reter que a recorrente parte de uma premissa inverificada, qual seja, a de o Tribunal dever condenar a Ré a pagar o valor venal da viatura e não o custo da sua reparação (pretensão essa que não mereceu acolhimento, como decidido no ponto antecedente).
Quanto ao mais, provou-se, no caso em análise, que o acidente ocorreu no dia 22.04.2018, o veículo VJ era utilizado diariamente pelo autor nas suas deslocações pessoais e encontra-se imobilizado desde a data da ocorrência do descrito sinistro até à presente data.
Com base nessa facticidade – e à semelhança do que se concluiu na sentença recorrida – dir-se-á ser a mesma suficiente para permitir afirmar que a privação do uso da viatura nos moldes referidos causou ao autor um prejuízo patrimonial, prejuízo que é indemnizável (29).
Vejamos agora o montante diário atribuído.
Porque não foram provados factos que permitam concluir pelo valor exacto do dano, impõe-se o recurso ao disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, fixando-se a indemnização de acordo com a equidade, segundo juízos de verosimilhança e probabilidade, em atenção ao curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias do caso concreto.
«A equidade não equivale ao arbítrio, é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio» (30), devendo em tal juízo considerar-se a particular situação do caso concreto e do dano que importa reparar – a impossibilidade advinda para o lesado de utilizar veículo de sua propriedade (31).
Como é evidente, o valor de uso de um veículo é variável e depende não apenas do veículo em si, mas também da efectiva utilização efectuada cuja privação constituiu o dano concreto que se visa indemnizar (32).
Dando nota das dificuldades sentidas no tocante ao cálculo da indemnização devida pelo dano da privação do uso, explicita Maria da Graça Trigo (33) que, se apenas se provar que o lesado dava ao bem um uso pessoal ou familiar, “a indemnização não pode ser fixada em função do valor de uso de mercado. A aplicação do valor locativo geraria situações de enriquecimento sem causa do lesado, o qual seria indemnizado como se tivesse colocado o bem no mercado de aluguer sem os custos inerentes”.
Acrescenta a citada autora (34) que, feita a prova do uso regular no âmbito da vida pessoal, familiar e/ou profissional, e aplicando o critério da equidade do art. 566º, n.º 3 do CC, «o valor pelo qual desse em locação servirá de tecto máximo. Até esse montante, o juiz deverá encontrar um valor equitativo ad hoc».
Ora, recorrendo à equidade, partindo da situação concreta e das suas especificidades próprias – ponderado, tal como na instância recorrida, as concretas características do veículo do autor (tratando-se de um veículo ligeiro de passageiros) e ao concreto uso que se demonstrou ser-lhe dado pelo autor (utilizando-o nas suas deslocações pessoais diárias), não resultando da factualidade assente que o autor percorresse longas distâncias com o mesmo (35) –, temos por adequado, proporcionado e justo o montante indemnizatório encontrado na decisão recorrida, correspondente a um valor diário de € 10,00, para indemnizar o dano consistente em não se poder utilizar o veículo, valor esse que fica aquém do valor locativo diário de uma viatura idêntica à da danificada.
A este propósito, e recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios utilizados na determinação da indemnização pela privação do uso de veículo, e a título meramente exemplificativo, esse valor diário (de € 10,00) corresponde ao que foi atribuído no Ac. do STJ de 09/03/2010 (relator Alves Velho) e nos Acs. da RG de 26/10/2017 (relatora Anabela Tenreiro), de 4/04/2017 (relatora Alexandra Rolim Mendes), de 27/10/16 (relatora Lina Castro Baptista), no Ac. da RL de 7/05/15 (relator António Martins), no Ac. da RC de 06/03/2012 (relator Alberto Ruço) e nos Acs. da RP de 7/09/2010 (relator João Ramos Lopes) e de 28/05/2020 (relator Filipe Caroço), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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3.3. Da duração da indemnização por privação do uso.

Aduz a recorrente que o prazo indemnizatório deverá ser reduzido e contabilizado desde a data do acidente até 9/05/2018, data a partir da qual o valor indemnizatório pela perda total da viatura foi colocado à disposição do autor pela Ré (e que apenas não foi recebido por culpa do autor), com base no art. 42º do Dec. Lei n.º 291/2007.

Segundo este normativo:

«1 - Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores.
2 - No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização».

O n.º 1 do citado normativo aponta no sentido da ressarcibilidade do dano da privação do uso do veículo, na medida em que impõe à seguradora a obrigação de compensar o lesado pela imobilização do seu veículo, compensação que deverá consistir na reparação natural do prejuízo em causa.
No caso sub júdice, não obstante estar provado que, a 09.05.2018, a ré informou o autor que o veículo VJ se encontrava em situação de perda total e que a respectiva indemnização teria por base o montante de € 1.100,00, correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, ao qual seriam descontados € 150,00 a título do valor do salvado, esse facto, por si só, é irrelevante com vista à cessação da obrigação de indemnização por privação do uso, visto que o autor, por carta datada de 21.05.2018, rejeitou a proposta de perda total de veículo e do montante da indemnização apresentada, pugnando pela reparação do veículo, o que veio a ser reconhecido judicialmente.
Diferente seria se o tribunal viesse dar razão à seguradora/recorrente relativamente à situação de perda total e ao montante que esta propôs pagar ao lesado, posto que, nesta hipótese, a partir do momento da apresentação da proposta indemnizatória por parte da seguradora teria ocorrido mora do credor e a seguradora não teria de responder pelo agravamento dos danos após a constituição em mora.
Por outro lado, mediando 12 dias entre a apresentação da proposta de perda total do veículo e do respetivo valor indemnizatório e a sua rejeição pelo lesado, que desde logo manifestou que pretendia a efetivação da reparação do veículo, por justificadamente considerar ser a mesma economicamente viável, bem como solicitou que a ré procedesse à vistoria condicional dos danos, que desse ordem de reparação e que colocasse à sua disposição um veículo com características semelhantes às do sinistrado já que não tinha veículo e o mesmo era-lhe totalmente imprescindível (pontos 11 e 13 dos factos provados), não poderá concluir-se que o atraso na resolução do litígio deva ser imputado ao autor.
Logo, inexiste qualquer mora do credor, já que o autor tinha o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou.
Assim, mercê da imobilização do veículo sinistrado, não se tratando de uma situação de perda total e nem tendo a seguradora disponibilizado uma viatura de substituição pelo período necessário à reparação, o lesado tem direito a ser indemnizado pela privação do uso da viatura entre a data em que se deu o acidente (data em que o proprietário ficou privado do uso da coisa) até ao pagamento pela ré do valor devido a título do custo da reparação do veículo.
Isto porque, como salienta o Ac. do STJ de 17/01/2013, proc. n.º 169/1993.P1.S1 (relator João Bernardo), o “dano da privação do uso é um dano evolutivo (aumenta até à entrega do veículo reparado ou de substituição).
E. pelas razões já anteriormente explicitadas, também nesta parte não é possível concluir pela verificação de qualquer situação de abuso de direito ou de enriquecimento sem causa por parte do lesado. Sempre se acrescentará não resultar evidenciado nos autos que o recorrido dispunha de meios económicos para reparar o veículo, pelo que fica afastada a imputação de um juízo de censura dirigida ao seu comportamento, concretizada por via da invocação do abuso de direito (art. 334º do CC) ou através da redução da indemnização, nos termos do disposto no art. 570º do CC.
Além de que, nos termos gerais, é ao lesante (ou à sua seguradora) que impende o ónus de reparar o dano causado de modo a que este se não agrave (36) (37).
Ademais, a fixação de uma quantia a título de indemnização pela privação do uso deve-se à conduta da Ré Seguradora que não pôs, como devia, uma viatura de substituição à disposição do lesado, o que lhe implicaria o custo do aluguer respetivo, que certamente seria muito superior ao valor diário acima referido.
Por último, é infundada a violação dos arts. 12º, 13º e 20º da CRP, porquanto a quantificação da indemnização por privação de uso do veículo obedeceu a um critério de equidade dentro dos limites tidos por provados nos termos do art. 566º, n.º 3, do CC.
Improcedem, por isso, todas as conclusões da apelante atinentes à indemnização a título do dano de privação do uso do veículo.
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4. As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Quer para efeitos de se apurar se uma reparação do veículo exigida pelo lesado é ou não excessivamente onerosa, quer para efeitos de fixação da indemnização em dinheiro ou por equivalente, a doutrina e a jurisprudência maioritária têm vindo a rejeitar o critério do valor venal, enquanto valor comercial de alienação antes do acidente; por um lado, passou a tomar-se em conta o interesse do lesado na reparação e/ou na fruição da viatura e, por outro, que aquele valor deve ser medido pelo valor de substituição, isto é, pelo custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo danificado.
II - Cabe à Ré Seguradora a prova da excessiva onerosidade da reparação.
III - Tendo a Ré Seguradora informado o autor que o veículo se encontrava em situação de perda total e posto à disposição do lesado quantia inferior à necessária para a reparação do veículo, esse ato não a exonera do pagamento do montante referente à privação do respetivo uso, pois a falta de aceitação da quantia era justificada por ser inferior ao dano sofrido, não fazendo o credor incorrer em mora.
IV - Mercê da imobilização do veículo sinistrado, não se tratando de uma situação de perda total e nem tendo a seguradora disponibilizado uma viatura de substituição pelo período necessário à reparação, o lesado tem direito a ser indemnizado pela privação do uso da viatura até ao pagamento pela ré do valor devido a título do custo da reparação do veículo.
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VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
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Custas da apelação a cargo da apelante.
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Guimarães, 25 de junho de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2017 – reimpressão, p. 384 a 396, Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 435/436.
3. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra 2013, p. 200.
4. O veículo registava 147540 km em 3/05/2018, data da vistoria.
5. Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 582.
6. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 376.
7. Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações - Programa 2017/2018 - Apontamentos, 5ª ed., AAFDL Editora, 2017, p. 130.
8. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 6ª ed., Almedina, p. 877 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, 1994, p. 662 e ss.
9. Cfr., Direito das Obrigações, 2º vol., AAFDL, 1980, p. 401.
10. Cfr., Ac. do STJ de 4/12/2007 (relator Pires da Rosa), disponível in www.dgsi.pt.
11. Cfr. Maria da Graça Trigo, Excessiva onerosidade da reconstituição natural (no domínio dos acidentes de viação), in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pp. 45.
12. Cfr. Maria da Graça Trigo, Excessiva onerosidade (…), obra citada, pp. 47/48.
13. Cfr. Ac. da RC de 08/04/2014 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ac. do STJ de 5/07/2007 (relator Santos Bernardino), in www.dgsi.pt.
15. Cfr. Júlio Gomes, citado por Maria da Graça Trigo, Excessiva onerosidade (…), obra citada, p. 48; em sentido idêntico, Menezes Leitão, obra citada, p. 377, que exemplifica a sua posição com o seguinte caso: Imagine-se que alguém danifica um veículo usado de reduzido valor comercial, mas que o lesado quer continuar a utilizar para as suas deslocações. Não faria sentido autorizar-se o lesante a indemnizar apenas o valor em dinheiro do automóvel, sob a alegação de a reparação ser mais cara que esse valor, já que tal implicaria privar o lesado do meio de locomoção de que dispunha e que não pretendia trocar por dinheiro.
16. Cfr., Ac. do STJ de 4/12/2007 (relator Pires da Rosa) e o Ac. da RP de 7/12/2018 (relator Filipe Caroço), disponíveis in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Antunes Varela, Das Obrigações (…), pp. 880/881 (nota 1), fazendo referência à atendibilidade do valor subjetivo da coisa (valor dela dentro do património do lesado), sempre que ele exceda o valor corrente ou comum da coisa.
17. Cfr. Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 402.
18. Cfr. Maria da Graça Trigo, Excessiva onerosidade (…), obra citada, pp. 49, 54 e 55.
19. Cfr. Laurinda Guerreiro Gemas, A Indemnização dos Danos Causados por Acidentes de Viação – Algumas Questões Controversas, Julgar, n.º 8, maio-agosto, 2009, p. 42.
20. Cfr. Excessiva onerosidade (…),obra citada, p. 51.
21. No texto refere-se “inferior”, o que se nos afigura tratar-se de mero lapso de escrita.
22. No sentido da não atendibilidade daquele critério na fase judicial, o Ac. da RC de 08/04/2014 (relator Fonte Ramos), Ac. da RL de 20/04/2014 (relatora Maria Teresa Pardal), Ac. da RP de 07/09/2010 (Henrique Araújo), Ac. da RP 14/06/2010 (relator Henrique Antunes), o Ac. da RP de 7/12/2018 (relator Filipe Caroço) e o Ac. da RG de 4/04/2017 (relatora Alexandra Rolim Mendes), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
23. Cfr. Acs. da RG de 26/10/2017 (relator José Cravo) e de 27/02/2020 (relator Paulo Reis) e Ac. da RP de 19/02/2015 (relator Pedro Martins), in www.dgsi.pt.
24. Considerar provado que a recorrente atribuiu ao veículo o valor venal de € 1.100,00 [ponto 11 dos factos provados] não equivale a considerar provado que o veículo tinha efetivamente esse valor venal (comercial ou de mercado), sendo certo mostrar-se provado que, à data do sinistro, o valor comercial do veículo VJ não era inferior a € 4.000,00 [ponto 23 dos factos provados].
25. Cfr. Maria da Graça Trigo, Excessiva onerosidade (…), obra citada, p. 46.
26. Cfr. Ac. do STJ de 12/01/2012 (relator Fernando Bento), in www.dgsi.pt.
27. Cfr. Maria da Graça Trigo, Dano de privação de uso de veículo automóvel, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 58.
28. Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
29. O que não está em discussão no presente recurso, pelo que nos dispensamos de quaisquer explicitações suplementares sobre as posições que se confrontam acerca dos danos da imobilização do veículo e privação do respetivo uso.
30. Cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., Almedina, 1987, pp. 104-111. «O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei» (Pires de Lima/Antunes Varela, obra citada, pp. 54/55). “Chama-se “juízo de equidade àquele em que o juiz resolve o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabalecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que parece ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável, de acordo com as concepções e justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico” (Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4ª ed., Almedina, p. 499).
31. Cfr. Ac. da RP de 7/09/2010 (relator João Ramos Lopes), in www.dgsi.pt.
32. Cfr. Ac. da RP de 7/11/2019 (relator Paulo Duarte Teixeira), in www.dgsi.pt.
33. Cfr. Dano de privação (…), obra citada, pp. 63/64.
34. Cfr. Dano de privação (…), obra citada, p. 64.
35. Veja-se que à data da inspecção periódica, em 27/07/2017, o veículo registava 145554 km e à data da vistoria, em 3/05/2018, 147540 km, percorrendo nesse intervalo de tempo (cerca de 9 meses) apenas 1986 Km.
36. Cfr. Ac. do STJ de 28/09/2006 (relator Oliveira Barros), in www.dgsi.pt. 37. Se bem que o lesado está também obrigado a atuar com boa fé e diligência adequada, não devendo fazer exigências que não sejam razoáveis, sob pena de se poder considerar que contribuiu para o agravamento dos danos que advieram da paralisação - cfr. Acs. da RP de 7/11/2019 (relator Paulo Duarte Teixeira) e de 22/09/2011 (relator Amaral Ferreira), in www.dgsi.pt.