Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3969/18.5T8VNF.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - A lei determina categoricamente que a ação de anulação de deliberação social, não havendo voto por escrito e o assunto constar da convocatória, seja requerida no prazo de trinta dias, a contar da data em que foi encerrada a assembleia geral.

II - A proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata, pelo que a sua falta não tem qualquer efeito sobre o decurso do prazo de caducidade da ação.

III - As deliberações sociais podem enfermar de nulidade ou anulabilidade. A solução da nulidade justifica-se quando a deliberação, pelo seu conteúdo, atenta contra normas imperativas, sob pena de, por exemplo, pelo decurso do prazo de impugnação, se admitir a intolerável subsistência de uma disciplina divergente da que é imposta por lei. Por contraste, uma deliberação é anulável quando ofende a lei em razão do seu processo formativo e aqui, dada a sua natureza, compreende-se que se faça emergir a possibilidade da caducidade da impugnação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Maria (…) intentou ação de anulação de deliberações sociais contra (…) Lda., pedindo seja declarada nula ou anulável a deliberação de assembleia geral de 23 de abril de 2018, com as legais consequências daí decorrentes e condenar-se a Ré a respeitar tal decisão.
Contestou a Ré, impugnando a factualidade alegada pela Autora e ainda invocando a caducidade da presente ação.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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Inconformada com a sentença veio a Autora interpor recurso terminando com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação por não provada e absolveu a Recorrida da totalidade do pedido.
2. A Recorrente não se conforma com esta decisão, discordando quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, e quanto à subsunção dos factos ao Direito.
3. Salvo o devido respeito, a douta decisão em apreço não interpretou e valorou devidamente os testemunhos prestados, sendo, desde logo, manifesta a contradição dos factos não provados e a prova produzida.
4. Resultou cabalmente assegurado da prova documental e bem assim testemunhal que a ora Recorrente esteve presente na assembleia geral de dia 23 de Abril de 2018, não lhe tendo sido permitido participar, nem ditar para a acta, tendo-lhe exigido a Recorrida que a Recorrente se limitasse a assinar a acta conforme esta já estava redigida, facto que não foi devidamente valorizado pelo Tribunal a quo.
5. Salvo melhor entendimento o Tribunal a quo não deu como provado e não valorizou devidamente o facto de que os documentos contabilísticos, que foram por diversas vezes solicitados, não terem sido disponibilizados para consulta à ora Recorrente nos termos e condições definidas na própria lei, e não estarem ao dispor da aqui Recorrente na sede social desde a data de envio da convocatória, nem essa informação constava da convocatória.
6. Facto sobejamente provado foi que no dia da assembleia, 23 de Abril de 2018, a sócia maioritária e bem assim o legal representante da Recorrida, impuseram condições, lugar e pessoas que poderiam acompanhar a Recorrente na alegada consulta de documentos, no fundo, limitam e condicionaram o livre acesso da Recorrente à informação da vida societária.
7. O direito à informação assume uma tal relevância que tem, inclusive, consagração constitucional, no artigo 37.º n.º 1 da C. R. P. determina-se que “Todos têm o direito (…) direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos…” e no n.º 2 “O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.
8. O direito à informação pelo sócio encontra consagração no artigo 21.º n.º 1 alínea c) do C. S. C. e serve diversos propósitos, sendo que para o caso sub judice importa chamar à colação a possibilidade que este direito traduz do sócio, que a solicita, ter o conhecimento pleno da vida societária, e assim, deliberar e votar consciente e esclarecidamente nas assembleias gerais.
9. O acesso à informação por parte dos sócios assume tal praestigium, que a própria lei exige que a documentação esteja disponível para consulta dos sócios “na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida a convocação para a assembleia geral (…), sendo os sócios avisados deste facto na própria convocação” artigo 263.º n.º 1 do C. S. C., podendo o sócio fazer-se acompanhar por peritos, obtendo inclusive cópias artigo 214.º n.º 4 do C. S. C. e artigo 576.º do C. C.
10. Recai sobre o gerente o dever de prestar ao sócio toda a informação, verdadeira e completa, sobre a vida corrente da sociedade e “facultar-lhe na sede social a consulta da respetiva escrituração, livros e documentos” n.º 1 do artigo 214.º do C. S. C., sendo ainda a própria lei que proíbe o exercício efetivo do direito à informação, n.º 2 do artigo 214.º do C. S. C.
11. Não resulta da lei, de nenhuma lei diga-se, a obrigatoriedade de ser a aqui Recorrente a solicitar a notificação da acta, nem esse não pedido se encontra sancionado.
12. Porém, já pelo contrário, determina-se, por imposição legal que a ata deve ser assinada pelos sócios que tomaram parte na Assembleia e, aos sócios que não tomaram parte, a sociedade tem o dever de notificar judicialmente, em prazo não inferior a oito dias, para que assine, nos termos do artigo 63.º n.º 3 do C. S. C.. Foi a violação, propositada deste dispositivo legal que gerou a impossibilidade da Recorrente conhecer do teor da ata em data anterior.
13. Tendo o Tribunal a quo dado comprovado que a Recorrente não participou na assembleia geral, teria, consequentemente, que chamar à colação esta obrigatoriedade que foi escamoteada pela Recorrida.
14. Sendo o entendimento do Tribunal a quo que a Recorrente participou na assembleia geral, teria que concluir pela manifesta nulidade da deliberação tendo em conta que à Recorrente não foi concedida a possibilidade de manifestar-se e de fazer verter em acta o que tinha por conveniente afirmar.
15. Embora se encontre tipificado legalmente os diversos momentos sob o qual se deve iniciar a contagem de prazos, facto é que nenhuma disposição se subsume ao caso em apreço. Pelo que, salvo melhor opinião, afigura-se que a questão deve ser apreciada casuisticamente. Assim, a contagem deve ser iniciar a partir do momento em que a Recorrente toma conhecimento do teor da ata, o que se verificou, tão só quando foi citada para o processo número 2934/18.7T8VNF que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, a 09/05/2018, pelo que o seu direito de interpor a ação de anulação das deliberações não se encontra caducado.
16. A aqui Recorrente invocou em primeiro momento a nulidade da deliberação social por entender que esta deliberação, tomada nos termos já amplamente explanados, além de ofensiva dos bons costumes, viola de forma grosseira os próprios preceitos legais.
17. Em síntese, a decisão a quo violou de forma flagrante o artigo 37.º n.º 1 e 2 da C. R. P., os artigos 21.º n.º 1 alínea c); 263.º n.º 1; e 214.º n.º 1, 2 e 4 todos do C. S. C. e ainda o artigo 576.º do C. C.
18. O direito de informação, pela sua natureza, amplitude e próprio ratio, constitui uma garantia imposta por lei, que protege todos aqueles que lidam com a sociedade, e que não pode, em nenhuma circunstância, ser excluída. Salvo melhor entendimento, a Recorrente entende que esse seu direito à informação é imperativo, e que existiu uma recusa ilícita de prestação de informações que terá que ser sancionada com a nulidade da deliberação tomada naquela assembleia.
19. A falta de informação, se afetar de forma grave e tendo por base um comportamento gravoso da Sociedade, como no presente, aplicar-se-á a nulidade, deixando assim de produzir os seus efeitos ab initio.
20. Sem prescindir, o que por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a deliberação tomada em assembleia geral que não tenha sido precedida do fornecimento aos sócios dos elementos de informação, enfermará de anulabilidade, uma vez que resulta cabalmente provado, testemunhal e documentalmente, que os documentos não estiveram disponíveis para exame por parte dos sócios no local e durante o tempo prescrito por lei, em violação clara do consagrado no artigo 58.º n.º 1 alínea c) e n.º 4 alínea b) ambos do C. S. C.
Pugna a Recorrente pela revogação da sentença recorrida que deve ser substituída por outra que julgue a ação procedente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso reconduz-se a duas questões:

- da caducidade da ação;
- da verificação de causa de nulidade ou anulabilidade relativamente às deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 23 de abril de 2018.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

A. A R. é uma sociedade comercial por quotas, com o objeto de comercialização de tecidos e artigos de vestuário, com o capital social de 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos).
B. São sócias Maria com duas quotas de € 4.156,65 e 2/3 de duas quotas de € 6.234,97 e a sócia, aqui A., M. C. com uma quota de € 4.156,65 e 1/3 de duas quotas de € 6.234,97.
C. A 9 de Maio de 2018 a A. toma conhecimento dos documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente a convocatória para a assembleia geral de dia 23/4/2018 e a acta decorrente dessa assembleia.
D. Dessa acta consta que: “A sócia M. C. (…) compareceu na sede da sociedade, com a sua advogada, mas não quis participar na reunião”.
E. A A. foi convocada para uma Assembleia Geral de dia 29/03/2018 para aprovação de contas.
F. Rececionada a notificação a A. remeteu carta registada com aviso de receção, a 26 de Março de 2018, a solicitar a disponibilidade dos documentos físicos que originaram os lançamentos contabilísticos e que os fundamentavam.
G. No dia 29 de Março de 2018 deslocou-se a A., acompanhada pela Advogada e pela sua contabilista certificada, C. B., à sede da R. para a Assembleia Geral.
H. Nesse dia, pese embora não se tenha redigido nenhuma acta, facto é que a A. solicitou diversos esclarecimentos sobre várias contas do balancete, ao que a R. não deu resposta.
I. Além do mais, e embora tenha sido informada de tal, a R. não dispôs os documentos contabilísticos físicos para consulta pela A.
J. Posteriormente, em 6 de Abril a A. recepciona nova convocatória para assembleia geral a realizar no dia 23/4/2018, com a seguinte ordem de trabalho:
1º Deliberação sobre o relatório de gestão, as contas do exercício e sobre a proposta de aplicação dos resultados;
2º Deliberação sobre a propositura de acção de exclusão judicial da sócia M. C., incluindo um pedido de indemnização pelos prejuízos causados.
K. A A., quando rececionou a convocatória, remeteu à A., em 16 de Abril de 2018, carta registada com aviso de receção, mais uma vez a solicitar a consulta de todos os documentos físicos que originaram os lançamentos contabilísticos e que fundamentam os mesmos.
L. Nessa interpelação, a A. informa a R. de que se iria deslocar à Assembleia Geral de dia 23 de Abril de 2018 acompanhada pela sua Advogada e Contabilista.
M. Antes da realização da assembleia de dia 23 de Abril de 2018, a A. deslocou-se à sede da R., para ir levantar cópia de documentos contabilísticos, que foram pedidos, por carta registada à sociedade e diretamente, na assembleia de dia 29 de Março de 2018, ao gerente Manuel e à Sócia Maria, tendo estes, naquela data, se predisposto a enviar a documentação solicitada.
N. Assim, no dia 19 de Abril de 2018, a A. deslocou-se à sede da R., para consulta da documentação, o que lhe foi negado pelas funcionárias E. M. e S. P., em cumprimentos de ordens recebidas do gerente Manuel e da Sócia Maria.
O. Em função da recusa a A. solicitou a emissão de uma declaração assinada pelas funcionárias que veiculasse essa mesma recusa, declaração que foi redigida pela funcionária S. P. e assinada por ambas as funcionárias e pela própria A..
P. No dia 23 de Abril de 2018 a A. esteve presente na Assembleia Geral para a qual foi convocada, acompanhada pela sua Advogada e funcionária desta, C. T..
Q. Mais, estavam na sede da R. duas pessoas, o filho da sócia, N. M., e uma outra pessoa estranha à A..
R. Era pretensão da R. que a aqui A. entrasse desacompanhada da sua Advogada e Contabilista para uma sala de espaço reduzido, onde teria a documentação ao seu dispor.
S. A acta não foi redigida à frente da A..
T. A R. enviou à A. os documentos da prestação de contas de 2017 (imobilizado, balancete, balanço, demonstração de resultados, mapa de tributação autónoma e modelo 22 provisório) por email e correio registado de 7.3.2018.
U. Na assembleia geral realizada no dia 23/4/2018, foi aprovado o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017, bem como a propositura de acção de exclusão judicial da sócia M. C., incluindo um pedido de indemnização pelos prejuízos causados, com os votos favoráveis da sócia Maria.
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3.1.2. Factos Não Provados

Inversamente, foi dada como não provada a seguinte factualidade:

V. É nesta data que a aqui A. toma conhecimento, primeiro, de que aquela convocatória ali junta, não se encontra devidamente assinada.
W. Que essa convocatória não corresponde de todo à convocatória que lhe foi remetida pela aqui R..
X. Não corresponde à realidade que a aqui A. não tenha estado presente na Assembleia Geral de 23 de Abril de 2018, esteve presente e foi a A., na pessoa da sócia Maria que se recusou a elaborar a acta na presença da A. e a mencionar as pretensões da mesma.
Y. Porém, a R. nunca enviou documento nenhum na sequencia da deslocação da A. à sede da R., para ir levantar cópia de documentos contabilísticos, que foram pedidos, por carta registada à sociedade e diretamente, na assembleia de dia 29 de Março de 2018, ao gerente Manuel e à Sócia Maria, tendo estes, naquela data, se predisposto a enviar a documentação solicitada.
Z. No dia 23 de Abril de 2018 a A. esteve presente na Assembleia Geral para a qual foi convocada, não lhe tendo a R. permitido a consulta de nenhum documento contabilístico.
AA. Era pretensão da R. que a aqui A. entrasse acompanhada do filho da sócia e de um terceira pessoa, para uma sala de espaço reduzido, onde teria a documentação ao seu dispor.
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3.2. O Direito

3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016 (disponível em www.dgsi.pt), “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Apesar disso, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
A Recorrente considera incorretamente julgados todos os factos não provados, os quais, em seu entender, deveriam ser dados como provados.
Antes de mais, não pode a impugnação da Recorrente proceder, na medida em que, não atacando os factos provados, a alteração agora pretendida quanto aos factos não provados torna-se incompatível com aqueloutros já assentes. Considerando a globalidade da factualidade apurada, jamais estes factos poderiam ser dados como provados por estarem em contradição com aquela.

Com efeito, está provado que no dia 23 de Abril de 2018 a Autora esteve presente na Assembleia Geral para a qual foi convocada, acompanhada pela sua Advogada e funcionária desta, C. T. (facto P.) e que era pretensão da Ré que a Autora entrasse desacompanhada da sua Advogada e funcionária para uma sala de espaço reduzido, onde teria a documentação ao seu dispor (facto R.), estando ainda provado que a ata não foi redigida à frente da Autora (facto S) e que a Ré enviou à Autora os documentos da prestação de contas de 2017 (imobilizado, balancete, balanço, demonstração de resultados, mapa de tributação autónoma e modelo 22 provisório) por email e correio registado de 7.3.2018 (facto T).

Em face disto, apresenta-se contraditório pretender ver como provado que foi a sócia Maria que se recusou a elaborar a ata na presença da Autora e a mencionar as pretensões da mesma, que a Ré nunca enviou documento nenhum na sequencia da deslocação da A. à sede da Ré, para ir levantar cópia de documentos contabilísticos, que foram pedidos, por carta registada à sociedade e diretamente, na assembleia de dia 29 de Março de 2018, ao gerente Manuel e à Sócia Maria, tendo estes, naquela data, se predisposto a enviar a documentação solicitada, bem como que no dia 23 de Abril de 2018 a Autora esteve presente na Assembleia Geral para a qual foi convocada, não lhe tendo a Ré permitido a consulta de nenhum documento contabilístico.
Ressalvado o devido respeito, ouvidas as declarações de parte da Autora e do legal representante da Ré, os depoimentos das testemunhas e examinados os documentos juntos aos autos, formamos convicção inteiramente coincidente com a convicção do tribunal recorrido.
A alegada desconformidade da convocatória, além da sua total irrelevância, foi prontamente esclarecida pela Ré no sentido de que a convocatória conforme é a que foi recebida pela Autora e se mostra junta como documento nº4 com a petição, sendo o outro documento uma mera minuta que instruiu uma outra ação judicial.
Daí que, com base nesse documento 4 devidamente assinado, se tenha dado como provado (facto J.) que em 6 de Abril a Autora rececionou convocatória para assembleia geral a realizar no dia 23/4/2018, com a seguinte ordem de trabalho: 1º Deliberação sobre o relatório de gestão, as contas do exercício e sobre a proposta de aplicação dos resultados; 2º Deliberação sobre a propositura de acção de exclusão judicial da sócia M. C., incluindo um pedido de indemnização pelos prejuízos causados.
Como bem se faz consignar na decisão recorrida, da ata da assembleia geral em causa, junta com a petição inicial como doc. nº 3, consta que a Autora compareceu na sede da sociedade, mas não quis participar na própria Assembleia, pelo que é lógico concluir que a ata não foi redigida à sua frente.
De evidenciar o esforço empregue pelo Tribunal no sentido de entender a razão pela qual a Autora, estando presente nas instalações, não entrou na sala destinada à realização da assembleia geral, tendo-se concluído que esta não conseguiu explicar com razoabilidade o motivo. Na verdade, a Autora limitou-se a dizer que se sentiu ameaçada pelas pessoas presentes, mas sem fundamentar minimamente tal asserção.
Não é pois verdade que a Recorrente tivesse participado na assembleia e que não lhe foi permitido ditar para a ata o que entendia por conveniente, pois que a própria em declarações referiu expressamente que não entrou no local onde decorreu a assembleia não tendo participado da mesma.
Todos os elementos probatórios indicados na impugnação da apelante foram atendidos, conjugados com a demais prova, e afinal valorados criticamente, tendo-se feito constar na decisão, e por referência aos mesmos, a razão por que se dava por provado ou não provado cada facto.
A impugnante não aportou argumentos válidos nem provas bastantes que conduzam a diferente convicção.
Daí que, quanto à factualidade considerada não provada, nenhuma censura mereça a decisão.
Do exposto resulta não assistir razão à Recorrente na impugnação da matéria de facto.
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3.2.2. Da subsunção jurídica

No âmbito do presente recurso é questão primeira a decidir a caducidade da ação.
A recorrente pretende a anulação da deliberação social tomada em assembleia geral de 23 de abril de 2018.
Para o efeito intentou a correspondente ação judicial que deu entrada no dia 9 de junho de 2018.
A recorrida arguiu a caducidade da ação.
Estando em causa uma deliberação tomada por uma sociedade comercial por quotas é aplicável ao caso as disposições constantes do Código das Sociedades Comerciais.

Dispõe o artigo 59.º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais que o prazo para a proposição da ação de anulação é de 30 dias contados a partir:

a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da acta da deliberação por voto escrito;
c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre assunto que não constava da convocatória.

Sustenta a Recorrente que a ata não lhe foi notificada e que só teve conhecimento da mesma no dia 9 de junho de 2018 quando foi citada para uma ação de processo comum de exclusão de sócia (processo 2934/18.7T8VNF), concluindo que só a partir desta data é que pode reagir e impugnar o seu conteúdo.
Vejamos se pode colher a argumentação da Recorrente.
Essa apreciação será feita mediante a subsunção da situação fática ao enquadramento da lei.
Tendo por referência o campo factual, é seguro afirmar que não está em causa deliberação aprovada por voto escrito, assim como não está em causa deliberação que incida sobre assunto que não constava da convocatória - as deliberações votadas e aprovadas versaram exatamente sobre os temas que constavam da convocatória, como se pode ver pela análise das alíneas J) e U) da matéria de facto assente.
Por conseguinte, excluídas estão as previsões das alíneas b) e c) do normativo legal (artigo 59.º, nº2).
Resta a alínea a): data em que foi encerrada a assembleia geral.
O prazo para propositura da ação de anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral da sociedade Recorrida realizada no dia 23 de abril de 2018, conta-se a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral, portanto, a partir dessa data de 23 de abril de 2018.
A Recorrente dispunha até ao dia 23 de maio de 2018 para intentar a ação de anulação de deliberações sociais.
A presente ação deu entrada em juízo no dia 9 de junho de 2018.
Logo a ação foi proposta fora do prazo de 30 dias concedido por lei.
A Recorrente vem sustentar que o prazo só começa a contar a partir da data em que teve conhecimento da ata pois só a partir daí passa a ter conhecimento do seu conteúdo e está em condições de reagir judicialmente.
Esta construção jurídica não tem fundamento legal.
A lei determina categoricamente que a ação de anulação da deliberação seja requerida no prazo de trinta dias, a contar da data em que foi encerrada a assembleia geral. Neste âmbito da anulação da deliberação social a falta da ata não tem, como pretende a Recorrente, a virtualidade de suspender o decurso do prazo de propositura da ação de anulação.
Em confirmação do sentido exposto, o nº 4 do art.º 59, é claro ao estatuir que a proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata.
Como se afirma no acórdão da Relação de Coimbra de 10/09/2013 (1), "Não existe na letra da lei qualquer correspondência verbal, mínima que seja, no sentido de o prazo para intentar a ação se contar apenas a partir do momento em que o autor tenha acesso ao teor da acta. O legislador não estabeleceu, por isso, qualquer excepção nesta matéria, não concedeu qualquer prazo adicional mesmo no caso de se suspeitar que a acta poderá não vir a corresponder com fidelidade ao que efectivamente se passou na assembleia, garantia de fidelidade que, aliás, inexiste relativamente à acta de qualquer assembleia".
Na ação pode é dar-se uma suspensão da instância após a sua propositura, se o autor invocar impossibilidade de obter a ata, caso em que o juiz manda notificar quem deva assinar a ata para ser apresentada em tribunal, ficando então a instância suspensa até à apresentação. Ou seja, a suspensão da instância que se pode verificar na ação de anulação é a da própria ação e não a suspensão do prazo para a sua propositura.
Conclui-se, pois, que face ao disposto no art.º 59º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais, que estatui que a proposição da ação de anulação de deliberação social não depende de apresentação da respetiva ata, não é possível sustentar que o prazo para intentar a ação se conta apenas a partir do momento em que a parte tenha acesso ao teor da ata.
Verifica-se, assim, a caducidade da ação.
Pelo que, não procede esta parte do recurso.
Passemos, agora, à análise da segunda questão que se prende com as causas de invalidade das deliberações sociais.
As deliberações sociais são a forma de as sociedades comerciais manifestarem a sua vontade. As deliberações representam a expressão da vontade, ciência ou sentimentos gerais da sociedade, conformados através do plenário dos seus sócios, quer pelo método de assembleia quer através do método referendário. (2)
O Código das Sociedades Comerciais refere-se às duas qualificações de deliberações inválidas em sentido lato, regulando no artigo 56º as deliberações nulas e no artigo 59º as deliberações sociais anuláveis.
Da análise destes dispositivos resulta a tipificação clara das situações em que as deliberações sociais são nulas ou anuláveis, apresentando-se descritas com exatidão as causas que poderão levar à verificação de um ou outro vício.

Assim, nos termos do art. 56º, nº 1, são nulas as deliberações dos sócios:

a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.

Por sua vez, de acordo com o art.º 58º, são anuláveis as deliberações que:

a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.

Ao contrário da regra tendencial do regime do Código Civil, que é a de considerar a nulidade dos atos que violem a lei, no Código das Sociedades Comerciais o regime regra é o da mera anulabilidade. Justifica Menezes Cordeiro que tal regime se deve à intenção de "dinamizar a vida das sociedades comerciais, que ficaria embaraçada com uma multiplicação de situações de nulidade" (3).

No vício de procedimento o que está em causa é como se chegou a certa deliberação, seja ela qual for. No vício de conteúdo, aquilo que se sanciona é o que se deliberou, independentemente do modo por que se chegou a essa deliberação. Donde, a solução da nulidade justifica-se quando a deliberação, pelo seu conteúdo, atenta contra normas imperativas, sob pena de, por exemplo, pelo decurso do prazo de impugnação, se admitir a intolerável subsistência de uma disciplina divergente da que é imposta por lei (4). Por contraste, uma deliberação é anulável quando ofende a lei em razão do seu processo formativo e aqui, dada a sua natureza, compreende-se que se faça emergir a possibilidade da caducidade da impugnação.
Em causa nos autos está a validade das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade de 23 de abril de 2018.

As deliberações são:

- Aprovação do relatório de gestão e as contas do exercício de 2017;
- Propositura de acção de exclusão judicial da sócia M. C., incluindo um pedido de indemnização pelos prejuízos causados.

Como vimos, as deliberações sociais podem enfermar de nulidade ou anulabilidade, sendo a regra a da anulabilidade.
Confirmada, porém, a verificação da caducidade da ação de anulação de deliberações sociais, fica prejudicada a apreciação das causas de anulabilidade invocadas pela Recorrente, restando apenas por apreciar as eventuais causas de nulidade, na medida em que esta é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do Código Civil).
A Recorrente invoca a nulidade por considerar que tais deliberações enfermam de conteúdo ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (art. 56º, nº1, al. d)).
Ancora-se nas disposições dos artigos 263º, nº 1 e 214.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais para fundamentar uma violação do seu direito à informação enquanto sócia, por não lhe ter sido disponibilizado o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas.
Ora essa violação do direito de informação dos sócios encontra-se prevista na lei, mas enquanto causa de anulabilidade, nos termos do art. 58º, nº 1, al c) do Código das Sociedades Comerciais, que refere que são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
Mas não é causa de nulidade.
O vício previsto no art. 56º, nº 1, al. d) prende-se, como a norma o diz expressamente, com o conteúdo da própria deliberação, que teria de ser ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
As deliberações em apreço não são objetivamente, nem ofensivas dos bons costumes, nem de preceitos legais que não possam ser derrogados.
Não se verifica, pois, qualquer causa de nulidade das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 23 de abril de 2018.
Pelo que, também nesta parte, improcede o recurso.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2019

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º Adj. - Des. Alexandra Viana Lopes


1. Disponível em www.dgsi.pt.
2. Neste sentido, Pinto Furtado, in Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, pág. 30.
3. In Manual de Direito Comercial, II Volume, 2001, pág. 244.
4. Neste sentido, Manuel Carneiro da Frada, Deliberações Sociais Inválidas no Novo Código das Sociedades, in Novas Perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, págs. 319-320.