Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
229/17.2PBBRG.G1
Relator: PAULO SERAFIM
Descritores: LEITURA DE ACÓRDÃO
AUSÊNCIA DE ARGUIDO
ARGUIDO NÃO NOTIFICADO
NULIDADE INSANÁVEL
ARTº 122º
NºS 1 E 2 DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Iniciando-se a audiência de julgamento sem a presença de arguido [regularmente notificado], nos termos e para efeitos do disposto no art. 333º, nºs 1 e 2, do CPP, e não tendo o seu ilustre defensor requerido que ele fosse ouvido na segunda data inicialmente designada pelo tribunal [nº3 do aludido normativo legal], o Tribunal podia logo nessa primeira sessão, como sucedeu, concluir a produção de prova, as alegações orais e encerrar a discussão da causa, sem necessidade de designar nova data para o efeito e diligenciar pela presença do arguido na mesma.
II – Contudo, ao proceder à leitura do acórdão em sessão que decorreu numa data que não estava previamente designada pelo tribunal, sem que o arguido fosse notificado da mesma e na sua ausência, cometeu o Tribunal a quo a nulidade insanável prevista no art. 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.
III – Tal nulidade gera a invalidade, no que concerne ao coarguido em causa, da sessão de julgamento em que se procedeu à leitura do acórdão e, outrossim, dos subsequentes atos relativamente a ele praticados no processo, e a necessária repetição desse ato, agora com cumprimento da impreterível formalidade legal de notificação do arguido [cf. art. 122º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal].
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 229/17.2PBBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 5, por acórdão proferido a 12.12.2019 e depositado no mesmo dia (fls. 540 a 573/ref. 166245185 e fls. 576/ref. 166356017, respetivamente), foi decidido quanto ao arguido B. M.:

“Como co-autor material de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º, 204º, nº2, e) e 26º do C.P., condenar o arguido B. M., na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.”

▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido B. M. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 723 a 729) - transcrição:

“1) Por sentença datada de 12 de dezembro de 2019, o ora Arguido foi condenado como co-autor material de um crime de furto qualificado p. p., pelo art. 203º, 204º, n.º 2, e) e 26º do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2) O aqui recorrente não esteve presente na audiência de discussão e julgamento e, o Tribunal entendeu não ser necessária a sua presença, considerando que o mesmo faltou injustificadamente, uma vez que se encontrava regularmente notificado na morada prestada no TIR.
3) No entanto, nenhuma diligência foi feita para encontrar o aqui Recorrente, mas, diga-se, após a realização do julgamento, o Tribunal não demorou a encontra-lo para o notificar do acórdão.
4) Nos termos do n.º 1 do art. 333.º do C.P.P., o Tribunal deverá dar início ao julgamento se o arguido notificado da audiência de julgamento por forma regular, faltar injustificadamente à mesma, se se considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade.
5) Perante este regime legal, o Tribunal pode determinar a realização da audiência na ausência do arguido nas seguintes condições:
a) Encontrar-se o arguido devidamente notificado para a mesma;
b) O arguido não estar presente na hora e dia designados; e
c) O tribunal considerar que não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a presença do arguido desde o início da audiência.
6) Ora, o Tribunal quanto ao aqui Recorrente em sede de audiência e discussão de julgamento sessão de 14-11-2019 – limitou-se a proferir despacho em que determina:
«Face a toda a prova produzida, não se mostra necessária a presença dos arguidos E. L. e B. M., pelo que se dá a palavra para alegações. Notifique.
Ficheiro: 20191114162552_5724724_3993024.wma. 00:01-00:34»
7) Com efeito, o Tribunal a quo não fundamentou devidamente o seu despacho para poder concluir pela dispensabilidade do aqui Recorrente.
8) Não foram conferidos ao aqui Recorrente os direitos basilares como o direito à defesa e a exercer o contraditório.
9) Não se encontrando assim reunidos os pressupostos legais para que o arguido fosse julgado na ausência, ao arrepio da regra geral enunciada no artigo 332.º do Código de Processo Penal, que nos diz que em sede de audiência de julgamento é obrigatória a presença do arguido, ou melhor este tem um dever de presença, sendo excepcional a possibilidade de julgamento na ausência do arguido.
10) Esse preceito é corolário do nosso sistema de justiça penal, na esteira da nossa doutrina dominante.
11) Desta sorte, a sentença recorrida, em nossa opinião e com o devido respeito por outra melhor, é nula ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o tribunal a quo não apreciou a dispensabilidade ou indispensabilidade do arguido no julgamento, conforme preconiza o artigo 333.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, questão essa que não poderia ter deixado de ser apreciada.
12) Acresce que, e caso assim não se entenda, é patente o direito que o arguido tem de estar presente em todos os actos processuais que directamente lhe dizem respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência.
13) Quando o julgamento tenha inicio na ausência do arguido, na data para que foi notificado, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 333º do CPP, caso seja(m) designada(s) nova(s) data(s) para a sua continuação, o arguido tem de ser notificado dessa(s) nova(s) data(s), sem o que, se impediria, na prática, a materialização daqueles direitos.
14) Ora, o aqui recorrente não foi notificado para a audiência que foram produzidas as alegações orais!
15) Não tendo o arguido sido convocado para as sessões da audiência em que foram produzidas alegações orais e se procedeu à leitura da sentença, foi cometida uma nulidade insanável, tipificada na al. c) do art. 119 do CPP, o que se requer expressamente.
16) De facto, no seguimento do artigo 32° da CRP, o arguido é titular de vários direitos fundamentais, nos quais se deve incluir o direito de ser ouvido pelo tribunal, direitos esses que se encontram concretizados nos artigos 61° n° 1 al. b) do e 333° n° 3, ambos do CPP. Logo, ao não ter tomado todas as diligências necessárias para assegurar a presença do arguido no julgamento, o Tribunal a quo cometeu uma nulidade insanável, conforme referido no artigo 119°, nº 1 al. c) do CPP.
17) Tal nulidade implica a invalidade das sessões de julgamento e a própria sentença recorrida, devendo o tribunal proceder às respectivas repetições (cfr artigo 122.° n.ºs 1e 2 do Código do Processo Penal).
18) Não podemos deixar de dizer que a pena de prisão deve ser encarada como a ultima ratio. Alias é perfeitamente explicito na exposição dos motivos do D.L 48/95 de 5 de Março, no seu nº 4 e dando origem ao artigo 70° do CP. "Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes, necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado.
19) Como já referimos, o aqui Recorrente encontra-se num centro de alojamento da Cruz Vermelha sendo ali acompanhado a todos os níveis. Condenar o aqui Recorrente a pena de prisão efectiva, a qual tem na sua essência, a ressocialização do agente, irá produzir o efeito inverso.
20) Normas jurídicas violadas: artigoº 18º, artigo 32° da CRP; artigos 61° n° 1 al. b) , alínea c) do art. 119, 122.º, 333°, n° 3 al. c), 379.º, n.º 1, CPP.”

Peticiona seja dado provimento ao recurso nos termos enunciados nas conclusões.”

▪ Na primeira instância, a Digna Magistrada do MP, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso (fls. 1171 a 1173):

Em conformidade, formula as seguintes conclusões - transcrição:
“1 – Tendo o arguido prestado termo de identidade e residência nos termos do actualmente disposto no artº196 do C.P.P., na redacção introduzida pelo Dec. Lei 320-C/00 de 15-2 (fls. 238), foi notificado para a morada aí indicada da data designada para realização da audiência de julgamento (14-11-19, às 9h30m).
2 - No dia 14-11-19, o arguido não compareceu à audiência de julgamento agendada, conforme resulta da respectiva ata, sendo que a mesma decorreu durante todo o dia, e nessa mesma data terminou, após produção das alegações orais.
3 - O tribunal não tem de diligenciar pela comparência do arguido em juízo, conforme tem sido entendimento já constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012 e o defensor do arguido não requereu a sua audição.
4 - O arguido foi notificado pessoalmente do acórdão condenatório e só nessa data se iniciou o prazo para apresentação de recurso, pelo que não foi preterido o exercício do direto de defesa e nenhuma nulidade foi cometida pelo tribunal recorrido nem violada norma jurídica.
5 - O arguido foi condenado, como co-autor material de um crime de furto qualificado p. p., pelo art. 203º, 204º, n.º 2, e) e 26º do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pena que se afigura adequada às elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.”

▪ Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer [fls. 1332 a 1335/ref. 7360338] em que, convocando pertinente jurisprudência, tece, em súmula, as seguintes considerações: a) a questão colocada pelo recorrente de nulidade do despacho judicial de 14/11/2019, por falta de fundamentação, é extemporânea. Tratando-se de uma eventual irregularidade, deveria ter sido arguida pela defensora do arguido naquela audiência de julgamento, o que não sucedeu, pelo que se mostra sanada; b) verifica-se a nulidade insanável invocada pelo recorrente, dado que a leitura da sentença ocorreu numa data distinta das que haviam sido previamente designadas pelo tribunal, e para as quais o arguido estava regularmente notificado; assim, não tendo sido o arguido notificado daquela nova data, ocorre a nulidade insanável prevista no art. 119º, nº1, al. c), do CPP, com a consequente invalidade da sessão de julgamento em que teve lugar a leitura pública do acórdão, bem assim de todos os demais atos processuais a ela posteriores [art. 122º, nº2, do CPP], ordenando-se a repetição da leitura com notificação do arguido para a mesma.
Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.


II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal [ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P., e ao qual nos referimos na falta de indicação expressa em contrário] (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir reportam-se a:

A – Alegada falta de fundamentação do despacho judicial proferido a 14/11/2019 e correlativa nulidade do acórdão por falta de pronúncia sobre a dispensabilidade ou indispensabilidade da presença do arguido na audiência de julgamento [art. 379º, nº1, al. c), do CPP].
B – Nulidade insanável por falta de notificação do arguido para as sessões de julgamento em que foram proferidas as alegações orais e se procedeu à leitura do acórdão [art. 119º, al. c), do CPP].
C – Escolha da espécie da pena.
*
III – APRECIAÇÃO:

A – Da invocada falta de fundamentação do despacho judicial proferido a 14/11/2019 e correlativa nulidade do acórdão por falta de pronúncia sobre a dispensabilidade ou indispensabilidade da presença do arguido na audiência de julgamento [art. 379º, nº1, al. c), do CPP]:

No início da primeira sessão da audiência de julgamento, ocorrida a 14/11/2019, a Exma. Presidente do Tribunal Coletivo proferiu despacho nos seguintes termos: «Os arguidos E. L. e B. M., estando devidamente notificados para a morada do TIR e conforme o doutamente promovido, condenam-se os mesmo em multa, montante de 2 UC, nos termos dos arts. 116º e 117º do CPP, e oportunamente nos pronunciaremos sobre a necessidade da audição dos mesmos nesta audiência de julgamento, e porque a audiência pode começar sem a presença dos arguidos, dar-se-á início ao ato sem a presença daqueles (art. 33º, nº2, do C. P. Penal).» - cf. ata referente a tal sessão [ref. 165852676], a fls. 522 dos autos.
Nessa sequência, após produção de toda a prova, a Exma. Juíza Presidente proferiu o seguinte despacho: «Face a toda a prova produzida, não se mostra necessária a presença dos arguidos E. L. e B. M., pelo que se dá a palavra para alegações. Notifique.» - cf. ata da sessão do dia 14/11/2019, a fls. 527 dos autos [cfr. ainda ficheiro: 20191114162552_5724724_3993024.wma. 00:01-00:34].
Alega o arguido recorrente [conclusões 7ª a 11ª] que o Tribunal a quo não fundamentou devidamente o seu despacho para poder concluir pela dispensabilidade da sua presença (a quem não foram conferidos direitos basilares como o direito à defesa e a exercer o contraditório), pelo que, no entendimento do recorrente, não se encontravam reunidos os pressupostos legais para que fosse julgado na ausência, tendo sido violada a regra geral enunciada no artigo 332.º do Código de Processo Penal, que preceitua que em sede de audiência de julgamento é obrigatória a presença do arguido, ou melhor, que este tem um dever de presença, sendo excecional a possibilidade de julgamento na ausência dele.
Conclui pela nulidade do acórdão recorrido, atento o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que, em sua opinião, o tribunal a quo não apreciou a dispensabilidade ou indispensabilidade do arguido no julgamento, conforme preconiza o artigo 333.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, questão essa que não poderia ter deixado de ser apreciada.

Apreciando:
Preceitua o art. 97º, nº5, do CPP, que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Note-se que o despacho recorrido é um ato decisório, porquanto, provindo de juiz, conhece de uma questão interlocutória (cf. nº1, al. b), do mesmo normativo legal).

Prescreve o art. 379º, nº1, al. c), do CPP:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º (…)”.
Por seu turno, estabelece o art. 374º, nº2, do mesmo Código, que a sentença começa por um relatório, ao qual “segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Sucede que as nulidades previstas no art. 379º do CPP concernem unicamente à sentença, não sendo aplicáveis aos meros despachos, por mais relevantes que sejam. (2)
Vigora no nosso ordenamento jurídico processual penal um sistema estribado no princípio da tipicidade das nulidades (cf. art. 118º, nºs 1 e 2).
Assim sendo, uma eventual omissão de motivação, de facto e de direito, que ocorresse no despacho em apreço geraria uma mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no art. 123º do CPP, uma vez que não se encontra legalmente tipificada como nulidade.

No caso vertente, o arguido, por intermédio da sua ilustre defensora oficiosa, devia ter invocado a apontada irregularidade na própria sessão da audiência de 14/11/2019, visto que ela ali esteve presente.
Não o tendo o ora recorrente arguido tal irregularidade tempestivamente, a mesma, ainda que se verificasse, estaria sanada, encontrando-se vedado a este tribunal ad quem o seu conhecimento. (3)
Por outro lado, não assiste razão ao recorrente quando convoca para a ajuizada situação processual o disposto no art. 379º, nº1, al. c), do CPP, em virtude de alegada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, porquanto, obviamente, ao Tribunal a quo não se impunha que apreciasse em sede de acórdão (decisão final) a questão da dispensabilidade da presença do arguido faltoso durante a audiência de julgamento, dado que essa questão, do foro processual, teria de ser decidida previamente, como, aliás, sucedeu no caso.

Em suma: inexiste a alegada nulidade do douto acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre questão de que devesse conhecer, nos termos e para efeitos do disposto do 379º, nº1, al. c), do CPP.

B – Da alegada nulidade insanável por falta de notificação do arguido para as sessões de julgamento em que foram proferidas as alegações orais e se procedeu à leitura do acórdão [art. 119º, al. c), do CPP]:

Neste segmento recursório, alega, em súmula, o arguido recorrente [conclusões 12ª a 17ª] que não tendo sido convocado para as sessões da audiência em que foram produzidas alegações orais e se procedeu à leitura da sentença, foi cometida uma nulidade insanável, tipificada na al. c) do art. 119º do CPP, que implica a invalidade das sessões de julgamento e a própria sentença recorrida, devendo o tribunal proceder às respetivas repetições (cfr artigo 122.° n.ºs 1e 2 do Código do Processo Penal).
Julgamos que lhe assiste parcialmente razão.

Preceitua o art. 119º, nº1, al. c), do CPP:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
(…)
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.”
Decorre do disposto no art. 61º, nº1, al. a), do CPP, assistir ao arguido, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, o direito a estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito.
O art. 332º, nº1, do mesmo Código, impõe a regra da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, excecionando os casos previstos nos arts. 333º, nºs 1 e 2, e 334º, nºs 1 e 2.
Todos os preditos preceitos da legislação processual ordinária são expressões, corolários, do art. 32º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio de que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, e, bem assim, do disposto no nº6 desse artigo, mediante o qual, «a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento
In casu, como vimos, atenta decisão judicial nesse sentido proferida, a audiência de julgamento, nos termos e para efeitos do disposto no art. 333º, nºs 1 e 2, iniciou-se sem a presença do arguido B. M., o qual, apesar de regularmente notificado para comparecer na sessão de julgamento designada para essa data [14/11/2019], faltou injustificadamente – cfr. fls. 394, 406, 438 e 465 dos autos, bem como o despacho proferido pela Exma. Juíza Presidente do Tribunal Coletivo constante da respetiva ata, a fls. 523 dos autos.
Neste circunstancialismo, o arguido mantinha o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, como tal ocorreu na primeira data marcada, o defensor nomeado ao arguido podia requerer que este fosse ouvido na segunda data inicialmente designada pelo tribunal [19/11/2019] – cf. art. 333º, nº3.
Sucede que, a ilustre defensora oficiosa do arguido, presente na sessão de audiência do dia 14/11/2019, não exerceu o mencionando direito legalmente atribuído àquele, não requereu a sua audição na segunda data que havia sido designada pelo tribunal ao abrigo do disposto no art. 312º, nº2. Caso tivesse formulado tal requerimento, obstaria a que o tribunal recorrido tivesse prescindido da presença do arguido para avançar para a produção de alegações orais e, ulteriormente, designasse data para leitura do acórdão. Não o tendo feito, não pode o arguido legitimamente escudar-se numa alegada preterição do exercício do contraditório e do direito de defesa, que não aconteceu; a Mma. Julgadora, no itinerário processual percorrido até esse momento, não violou qualquer disposição legal ou constitucional.
Atente-se ainda na jurisprudência fixada por via do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012, publicado no D.R. n.º 238, Série I de 2012-12-10, por nós sufragada: «Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo
Contudo, subsequentemente, ao proceder à leitura do acórdão em sessão decorrida numa data que não estava previamente designada pelo tribunal [12/12/2019], sem que o arguido B. M. fosse notificado da mesma e na sua ausência, cometeu o Tribunal a quo a nulidade insanável arguida [cf. art. 119º, alínea c)].
O anteriormente citado preceito do art. 332º, nº1, que determina a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, vigora durante toda a audiência, na qual se insere ainda a leitura do acórdão. Tal entrave não ocorreria caso o arguido faltoso tivesse sido devidamente notificado para comparecer nessa nova data, o que, frisa-se, não sucedeu.

Neste sentido, clarificadores são os doutos arestos já invocados pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no douto parecer que emitiu nos autos, e que aqui, pela sua pertinência, igualmente se convocam [todos disponíveis em www.dgsi.pt.]:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02/07/2019, processo 1812/17.1PBBRR.E1:

«I - A realização da audiência de julgamento, na ausência do arguido, pressupõe sempre que este esteja regular e devidamente notificado para nela comparecer. Tal decorre, desde logo, do direito que o arguido tem de estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe disserem respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência. II - Na situação em que o julgamento tenha início na ausência do arguido, na data para que foi notificado, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 333º do CPP, caso seja(m) designada(s) nova(s) data(s) para a sua continuação, o arguido tem de ser notificado dessa(s) nova(s) data(s), sem o que, se impediria, na prática, a materialização, daqueles direitos. III – Não tendo o arguido sido convocado para as sessões da audiência em que foram produzidas alegações orais e se procedeu à leitura da sentença, foi cometida uma nulidade insanável
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/01/2018, processo 112/16.6GESLV.E1:
«I - Se o n.º 2, do artigo 333.º, do Código de Processo Penal, confere ao Tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, tal disposição não o isenta do dever de o notificar da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente. II – Verifica-se a nulidade insanável prevenida na alínea c), do artigo 119.º, do Código de Processo Penal - ausência do arguido em caso em que a lei exige a respectiva comparência -, quando, como no caso em apreço, a arguida está ausente processualmente em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente por não ter sido devida e regularmente notificada da data agendada para realização da leitura da sentença.».
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/06/2017, processo 512/15.1PBVCT.G1:
«I) A audiência de julgamento, que começa com os atos introdutórios, comporta várias fases e não termina com o encerramento da discussão – a que alude o artigo 361.º do Código de Processo Penal –, que é coisa diversa do encerramento da audiência, que em regra só ocorre com a leitura pública da decisão judicial (sentença ou acórdão) que conhece a final do objeto do processo. II) O n.º 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal impõe que certos atos, pela sua importância e relação com as garantias do processo penal, sejam notificados não só ao defensor como também ao arguido. Como é o caso da própria notificação da data designada para a leitura da sentença, posto que também ela faz parte integrante da audiência de julgamento. III) Constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. Situação que também se verifica quando o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença.».
Acrescentamos, no acolhido sentido, os seguintes acórdãos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/07/2013, processo nº 2162/12.5TABRG.G1 [disponível em www.dgsi.pt]:
«I. O nº 2 do art. 333 do CPP confere ao tribunal o poder de dar início á audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente. II. A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119 do CPP.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/03/2009, processo nº 406/2008.7GTCSC-5 [sumário retirado da CJ, 2009, T2, pág.135]:
«I. A comparência do arguido na audiência de julgamento é um direito e uma obrigação. II. Faltando o arguido à audiência está legitimada a possibilidade de o julgamento ocorrer na sua ausência, mas apenas e só se ele não justificou a sua falta da forma a que estava obrigado, nos termos do artº 117º, nº2, do CPP. Nessa hipótese, é correto admitir que o arguido se desresponsabiliza do andamento do processo, justificando-se, em nome da celeridade processual, que se avance para o julgamento na sua ausência. III. Numa situação em que a audiência em processo sumário se inicia sem a presença do arguido e é, depois, interrompida, haverá que ter presente a regra estabelecida no nº3 do artº 333º, segundo a qual o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência. IV. Para dar conteúdo efectivo a esse direito é necessário notificar o arguido da data designada para a continuação da audiência. O desrespeito por tal procedimento redunda numa ausência do arguido por falta da sua notificação, sancionada como nulidade insanável em conformidade com o artº 119º, al. c) do CPP.»

Em conformidade, urge declarar verificada a arguida nulidade insanável consubstanciada na realização da sessão em que se procedeu à leitura do acórdão, na ausência do arguido F. M., sem a notificação deste para o efeito, com a consequente invalidade dessa sessão no que tange a tal arguido e, outrossim, dos subsequentes atos relativamente a ele praticados no processo, e ordenar a repetição desse ato, agora com cumprimento da impreterível formalidade legal – cf. arts. 119º, al. c), e 122º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal.

Consequente e logicamente, fica prejudicado o conhecimento da restante questão suscitada pelo recurso do arguido recorrente (descrita em C) do ponto II da presente decisão).
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IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o douto recurso interposto pelo arguido B. M. e, em conformidade:

IV.1 – Declarar inexistente a alegada nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia sobre a questão da dispensabilidade da presença do arguido nos termos e para efeitos do disposto no art. 333º, nºs 1 e 2 do CPP [art. 379º, nº1, al. c), do CPP].

IV.2 – Julgar verificada a arguida nulidade insanável tipificada no art. 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, consubstanciada na realização da sessão de audiência de julgamento em que o Tribunal recorrido procedeu à leitura do acórdão, na ausência do arguido F. M. e sem a notificação deste para o efeito.
IV.2.1 - Consequentemente, declarar a invalidade da predita sessão no que tange ao arguido recorrente e, outrossim, dos subsequentes atos relativamente a ele praticados no processo, e ordenar a repetição da leitura do acórdão, agora com cumprimento da impreterível formalidade legal de notificação do arguido para tal sessão [cf. art. 122º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal].

IV.3 – Declarar prejudicado o conhecimento da restante questão suscitada pelo recurso do arguido B. M..
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Sem tributação (art. 513º, nº1, do CPP, a contrario).

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
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Guimarães, 26 de abril de 2021,

Paulo Correia Serafim (relator)
Maria Augusta Fernandes

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Assim, entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/03/2006, processo nº 96/2006-3, de 12/05/2015, processo nº 2135/12.8TAFUN.L1-5, e de 30/06/2015, processo nº 147/13.3TELSB-F.L1-5, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
3. Vide Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anot. 301 e 302 ao art. 410º do CPP, p. 1122.