Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2490/20.6T8BRG-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
JUSTO RECEIO
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As providências têm de se antecipar à lesão, porque o requisito do justo receio pressupõe que a lesão não se ache ainda consumada, que os actos susceptíveis de produzir a lesão devem ser em potencialidade e não realizados, pois a providência destina-se a evitar o prejuízo e não a repará-lo.
II- É que os procedimentos cautelares são meios, por essência, destinados a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão eminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

B. A., devidamente identificados nos autos, por apenso aos autos principais, veio intentar providência cautelar comum contra A. M. e K. N., também devidamente identificados nos autos, pedindo que os requeridos sejam condenados na imediata restituição provisória da posse do imóvel pertencente ao Requerente, livre de pessoas e bens, no estado em que o mesmo se encontrava aquando da entrega do mesmo.
Alegou para o efeito, em resumo, que é o proprietário do prédio urbano em regime de propriedade horizontal tipologia T3, sito na Rua ...., n.º ...., Braga, tendo celebrado com o requerido marido, em 01/05/2018, um contrato de comodato, com prazo certo de 24 meses, em que ficou estabelecido que este caducaria automaticamente ao fim de 24 meses, caso os requeridos não comunicassem ao requerente a sua intenção de celebrar contrato de arrendamento sobre o referido imóvel.
Assim, referiu que interpelou por carta registada com A/R, em 25/07/2019 o requerido marido da sua oposição à renovação de contrato de comodato e consequente entrega do imóvel, sem que o mesmo tivesse procedido como deveria, logo em 31 de outubro de 2019, a essa entrega.
Aduziu, ainda, que o referido imóvel, tem um valor de locação que ronda a quantia de, pelo menos, € 600,00 mensais, quantia essa que o requerente não está a auferir por força da conduta ilegal dos requeridos, tendo de suportar os competentes e devidos impostos com o mesmo, nomeadamente, e não exclusivamente, o IMI, despesas de manutenção e despesas de condomínio.
Aduziu, também, que, na acção principal, após tentativa de conciliação frustrada, por se ter considerado ser possível conhecer do mérito da causa, determinou-se a marcação de audiência prévia ainda não realizada.
Por fim, invocou que o mencionado imóvel é o único bem que o requerente tem, mas é forçado a residir na casa dos pais, e que os requeridos não têm rendimentos para suportar o valor da renda.
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Por se ter considerado que os fundamentos de facto invocados pelo requerente eram insusceptíveis de integrar os pressupostos de que depende o deferimento da providência requerida e se ter considerado a mesma manifestamente improcedente, indeferiu-se liminarmente o requerimento inicial.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio o requerente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, apresentando, a final, as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão de folhas… que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de entrega judicial da fração autónoma com a restituição provisória da mesma ao aqui Recorrente.
B. O Recorrente rejeita, assim, veementemente, a decisão que indeferiu o procedimento cautelar, nomeadamente, na imediata entrega judicial provisória do imóvel pertencente ao recorrente, livre de pessoas e bens, para, assim, ser posto termo à continuada, repetida situação gravemente lesiva causada pelos Recorridos ao aqui Recorrente.
C. Na senda de uma posição divergente daquela que o Recorrente defende, a decisão recorrida considerou que a situação alegada por ele, em sede de Providência Cautelar, se traduz, prima facie, numa lesão já em absoluto consumada,
D. Considerando também que em sede de realização da segunda audiência prévia ser possível conhecer, desde logo, do mérito da causa, daí decorrendo o poder ocorrer o termo da ação sem realização de audiência de julgamento, assim diminuindo o período temporal de duração da Ação,
E. Julgando, também, a decisão ora recorrida, que os prejuízos materiais sofridos pelo aqui Recorrentesãosuscetíveis dereparaçãomedianterestituição natural ou através de uma indemnização substitutiva, e afirmando que apenas na situação de se demostra que a demora natural da resolução judicial definitiva do litígio cause um perigo de insatisfação do direito invocado, estará preenchido o requisito do deferimento da providência.
F. Concluindo-se, na mesma decisão que ora se recorre, que, a impossibilidade de o recorrente auferir uma quantia a título de rendado imóvel ocupado pelos recorridos, e o recorrente poder ocupar tal imóvel para aí constituir família, sendo forçado a residir na casa dos pais, são meros inconvenientes (não concretizados), insuscetíveis de integrar a gravidade da lesão exigida à procedência da tutela cautelar.
G. Tudo isto a revelar que a decisão recorrida, num total autismo, olvidou ou fez tábua rasa de tudo o alegado pelo aqui Recorrente na Providência Cautelar, fazendo um incorreto enquadramento conclusivo e jurídico dos factos alegados por este.
H. A lei impõe que o julgador evite a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto e que determina que a convicção adquirida se faça através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objetivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, para que, assim, a sua bondade e legalidade possa ser sindicada, como muito bem se decidiu por unanimidade no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/05/2007.
I. O aqui recorrente intentou uma providência cautelar não especificada para entrega provisória do imóvel, objeto da presente contenda, na pendência da Ação Principal, dada a notória morosidade da mesma, por um lado, ocasionada pela pandemia provocada pela doença SARS-COV-19, e por outro, dada a extensa e a delonga agenda do Tribunal, apenas foi designada data para a realização da audiência prévia em 11/05/2021.
J. Audiência prévia essa na qual se frutou a conciliação entre as partes, dada a tenaz posição dos Recorridos em se manterem na posse ilícita, sem título, ocupando o imóvel, propriedade do aqui Recorrente, sem despenderem de qualquer quantia, e sem possibilidade de poderem ressarcir no presente momento o aqui recorrente, atenta a sua falta de capacidade económica e financeira, e de bens móveis ou imóveis, que possam garantir o ressarcimento dos danos causados.
K. Insolitamente, foi designada nova data para realização de uma segunda audiência prévia para o dia 27 de maio de 2021, pelas 10:00 hora, considerando o Tribunal a quo, ser possível conhecer então o mérito da causa.
L. Só que tal segunda audiência prévia nada mais é do que uma prolixa diligência que apenas vai continuar a protelar a realização dos subsequentes e pertinentes atos processuais (despacho saneador e realização de audiência de discussão e julgamento, bem como o proferir da sentença em 1.ª instância) ,
M. Ou seja, prolixa por não ser possível conhecer nela do mérito da causa, até porque já se tinha frustrado a conciliação entre as partes, e cada uma delas se mantinha nas suas posições.
N. Sendo, assim, a matéria de facto controvertida, bem como o seu enquadramento jurídico, tornava-se necessário a produção de prova.
O. Foi nessa delonga processual, que o Recorrente, instaurou na pendência da Ação principal, o presente procedimento cautelar, pelo que, não corresponde, por isso, à verdade, que apenas a tenha requerido muito depois do surgimento do perigo de lesão.
P. Aliás, tal delonga processual está para lavar e durar, uma vez que a Meritíssima Juiz titular do processo, em 26/05/2021, notificou as partes do adiamento da segunda audiência prévia por se encontrar em isolamento profilático, agendando nova data para 25/06/2021,
Q. Mas também desta segunda data, já foi o aqui Recorrente notificado de que a diligência agendada, se encontrava adiada, sine die, em consequência da baixa médica da Mmª. Juíza titular.
R. Ora, tudo a revelar que, o aqui recorrente em sede de Ação principal não terá uma sentença pelo menos,daquiaumano,eque,todaestadelonga processualesituação existente constitui uma grave lesão dificilmente reparável do seu direito,
S. Lesão essa que não é consumada, mas sim continuada e repetida, (porque cada mês que passa com os recorridos na posse ilegítima do bem, aumentam o dano e prejuízo ao recorrente) sendo necessáriaquena presenteprovidênciacautelar sejaproferida decisão que previna a continuação ou a repetição dos atos lesivos que os Recorridos vêm causando.
T. Como bem se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 18/01/2007, CJ Tomo I, pág. 80, “estão dentro da proteção concedida pelo procedimento cautelar comum as lesões continuadas ou repetidas, nada obstando a que seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de atos lesivos
U. Foi em subsequência de todo esse circunstancialismo, que, atendendo à morosidade de todo o processo principal e a persistência da situação lesiva e continuada, tornou-se imprescindível a propositura de uma providência cautelar não especificada para restituição provisória da posse.
V. Impondo-se alegar, nesta conformidade, o que afirma o Prof. Alberto dos Reis, in em Bol.Min.Just., 3-42: “ o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar, e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa(…)
W. O perigo especial que o processo cautelar remove é este: periculum in mora, isto é, o perigo resultante na demora a que esta sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de percorrer até a decisão definitiva para se dar satisfação à necessidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julgamento final ofereça garantias de ponderação e acerto
X. A propositura de tal providência cautelar prepara o terreno, toma precauções para evitar a continuação de lesões graves e reiteradas, como está acontecer no caso sub judice.
Y. Também como se afirmou no Acórdão da Relação de Évora de 03/02/2005, Proc. 2460/04-3. Dgsi.net: “ os procedimentos cautelares visão proteger o justo receio de algum se ver prejudicado por uma conduta de terceiro, inquietação que poderá ser agravada de forma efetiva com as delonga normais do pleito judicial” Receio esse que, no caso in merito, existe e é justo.
Z. Sem conceder, não é o facto de no momento em que se requer a providência, já terem ocorrido lesões do direito que, de per si, obsta a que a providência seja decretada, e, ela deve sê-lo, desde logo, quando as lesões do direito já verificadas constituam, elas próprias, indicio de que se lhe podem seguir futuras lesões do mesmo direito.
AA. Num tal caso, a ocorrência da lesão dá maior consistência ao receio de verificação das ofensas do direito que se pretendem evitar/acautelar.
BB. O aqui Recorrente é o comprovado proprietário pleno do prédio urbano em regime de propriedade horizontal tipologia T3, sito na Rua ...., n.º...., Braga, cfr. caderneta predial urbana junta com a Ação principal.
CC. Encontrando-se também provado por documento escrito (contrato de comodato válido e eficaz) que recorrente e Recorrido marido celebraram em 01/05/2018 um contrato de comodato, com prazo certo de 24 meses, vide cláusula 5.º do mesmo, que este caducaria automaticamente ao fim de 24 meses caso os Recorrentes não comunicassem a sua intenção de celebrar contrato de arrendamento sobre o referido imóvel.
DD.Na falta de formulação de vontade por parte dos Recorridos de celebrarem tal contrato de arrendamento, o aqui recorrente interpelou devidamente por carta registada co A/R, em 25/07/2019 o Recorrido marido da sua oposição à renovação de contrato de comodato e consequente entrega do imóvel, não obstante isso, os Recorridos, sem qualquer título válido, continuaram ocupar e deter o prédio (após ter cessado o contrato de comodato) ocupando-o, assim, de forma ilegítima.,
EE. O qual acabou por ter de intentar em 29/05/2020 a competente Ação Principal sob o n.º de processo n.º 2490/20.6T8BRG junto do Juízo Central Cível de Braga - Juiz 2., suportando, como é evidente, os competentes e onerosos custos processuais e outras despesas, que uma Ação Judicial acarreta.
FF. Continuando a sofrer da privação do uso do seu bem desde 31/10/2019 até à presente data.
GG.No que concerne à gravidade dos prejuízos sofridos pelo aqui Recorrente, o mercado do arrendamento nas grandes cidades, como é o caso da cidade de Braga, tem cavalgado, o imóvel propriedade do aqui Recorrente, tipologia T3, novo, na cidade de Braga, atualmente, tem, como é facto notório, um valor de locação que ronda a quantia de, pelo menos, €600,00 mensais, quantiaessadequeestenão estáa auferir por força da conduta ilegal dos Recorridos.
HH.O que eleva substancialmente o prejuízo que este está a sofrer, já que se encontra, por um lado, impossibilitado desde 31/10/2019 de tirar tal proveito e rendimento do seu bem, e por outro lado, ainda tem de continuar a suportar os competentes e devidos impostos com o mesmo, nomeadamente, e não exclusivamente, o IMI, despesas de manutenção e despesas de condomínio.
II. Esta insólita e ilegal situação provocada pelos Recorridos, com a delonga processual da Ação Principal ( que reitere-se, não será proferida sentença final na 1.ª instância, no mínimo, no próximo ano), é revelador de danos graves e irreparáveis sofridos pelo Recorrente, que contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, não estão já inteiramente consumados, mas sim em continua lesão e perturbação da vida pessoal e patrimonial do Recorrente. ( porque cada mês que passa com os recorridos na posse ilegítima do bem, aumentam o dano e prejuízo ao recorrente)
JJ. Tudo isto a significar que se verifica o pressuposto legal do periculum in mora contrariamente ao que foi, inopinadamente, decidido pela sentença recorrida.
KK. Decisão esta que também padece de fundamento legal válido no que concerne à afirmação de que os prejuízos sofridos pelo Recorrente são suscetíveis de restituição natural ou substitutiva através de uma indemnização.
LL. É que, por um lado, a referência que se faz na decisão recorrida à restituição natural constitui uma contradição nos seus próprios termos, pois não se vislumbra qualquer caminho em que tal restituição possa ter lugar, e por outro, também não é possível a restituição através de uma indemnização a pagar pelos Recorridos uma vez que estes não têm rendimentos para usarem e fruírem tal imóvel, maxime, através de um contrato de arrendamento.
MM. Nem rendimentos para suportar o valor da renda referente ao bem pertencente ao aqui Recorrente, apenasesópretendem usufruir do imóvel, sempagar oque quer que seja, fazendo protelar o processo o máximo de tempo que conseguirem, nem têm quaisquer rendimentos adequados, que possam ressarcir o recorrente de todo o prejuízo que vem sofrendo, que advém da posse ilegítima do imóvel desde Outubro de 2019,
NN.Também não possuem quaisquerrendimentosdetrabalho ou bens móveis e imóveis, que possam garantir o pagamento de qualquer indemnização em permita o ressarcimento dos damos que vêm causando ao Recorrentes, muito menos pagar pagarem uma caução como garantia.
OO.Tudo isto a revelar que a sentença recorrida carece totalmente de fundamentação válida também na parte em que nela se afirma que omite o aqui Recorrente a alegação de quaisquer factos demostrem a existência de um prejuízo notável, de intensidade extraordinária, superior aquela que decorre sempre da natural demora de uma ação judicial, de modo a integrar a gravidade da lesão exigida no artigo 362.º do Código de Processo Civil, e a justificar a tutela cautelar.
PP. O julgador da 1.ª instância, paradoxalmente, desloca e desfoca a questão fulcral e pertinente de um procedimento cautelar, de tal modo que acaba por nela ser feita a inenarrável afirmação de que “ estamos apenas a alegação de meros inconvenientes ( não concretizados), manifestamente insuscetíveis de integrar a gravidade da lesão exigida à procedência da tutela cautelar”
QQ.Atendo o alegado, deve ser julgado procedente o presente recurso, e revogada a decisão que decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial da Providência Cautelar apresentada pelo ora Recorrente, por estarem verificados os requisitos principais, os prossupostos que a lei refere nos artigos 362.º e 368º do CPC .
RR. Pelo que devem V./Exas., Venerandos Desembargadores julgar procedente o presente recurso e revogar a decisão recorrida, declarando que não há qualquer fundamento de indeferimento liminar do procedimento cautelar, o qual deverá prosseguir os seus ulteriores termos.
SS. Como com toda a certeza o farão, realizando como sempre a Justiça material.
Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerandos Desembargadores, proferir decisão que julgue totalmente procedente o recurso interposto, e em consequência, revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo, declarando que não há qualquer fundamento de indeferimento liminar do procedimento cautelar, devendo o mesmo ser deferido,
Com o que farão inteira Justiça.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

III-O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608.º, n.º 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir se deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que dê acolhimento ao recurso.
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§ Fundamentação de Facto

A factualidade descrita no precedente relatório resultante da tramitação processual.
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§ Fundamentação jurídica

O procedimento cautelar comum é uma verdadeira acção cautelar geral para tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o seu decretamento a remoção do "periculum in mora" concretamente verificado e visando assegurar a efectividade do direito ameaçado, sendo requisitos do procedimento em causa a provável existência do direito tido por ameaçado, que haja fundado receio de que outrém, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, que ao caso não convenha nenhuma das providências especialmente reguladas, que a providência seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado e que o prejuízo resultante da providência não exceda consideravelmente o dano que com ela se quis evitar – art.º 362.º e seguintes do CPCivil.
Assim, as providências têm de se antecipar à lesão, porque o requisito do justo receio pressupõe que a lesão não se ache ainda consumada, que os actos susceptíveis de produzir a lesão devem ser em potencialidade e não realizados, pois a providência destina-se a evitar o prejuízo e não a repará-lo.
É que os procedimentos cautelares são meios, por essência, destinados a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão eminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo.
Acontece que, de harmonia com o disposto no artigo 2.º, nº 2, do C.P.C., “a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o direito útil da acção”.
Acresce que, a falta de autonomia das providências, significa, ainda, que o seu objecto há-de ser conjugado com o objecto da causa principal, impondo, esta identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da acção principal.
Assim, ao autor/requerente incumbe alegar o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que pretende fazer valer, invocando as razões de facto que sustentam a sua pretensão.
Essa individualização do acto ou facto concreto que suporta a pretensão do autor formulada em juízo deve ser efectuada em termos inteligíveis, permitindo apreender com segurança e clareza o respectivo substrato factual que a fundamenta, não se podendo apresentar em termos obscuros ou ambíguos, e, portanto, insusceptível de permitir apreensão segura das razões sustentadoras desses factos constitutivos do pedido formulado.
Em tal análise importa averiguar previamente qual o direito que o Recorrente pretende acautelar.
Já quanto ao chamado "periculum in mora", traduz-se ele na probabilidade de que a decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave para o requerente.
Em relação aos factos que o integram, o requerente tem que alegar e provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança – os danos que visa acautelar, importando não esquecer, que se exige a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas da manutenção do “status quo”, o que significa que apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis – cfr. A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 5ª edição revista e actualizada, p. 89.
Por sua vez, o “receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, o que pressupõe a iminência da verificação ou repetição de uma lesão no direito (cfr. A. Geraldes, ob. cit.).
Acresce que o tribunal não pode decretar providências cautelares cujos efeitos se tornem irreversíveis, esvaziando o conteúdo da acção principal (cfr. GONÇALVES, Marco Carvalho, Providências Cautelares, 2.ª edição, Almedina, 2016), dado que se está perante um meio processual acessório, na medida em que se traduz numa composição provisória de interesses até que seja proferida a decisão final, dependendo assim da existência de outro meio ao qual se encontra instrumentalizado.
Acresce que os meros inconvenientes também são manifestamente insusceptíveis de integrar a gravidade da lesão exigida à procedência da tutela cautelar, a não ser que possa obliterar o próprio direito a defender na acção definitiva, tornando esta inútil (cfr. Ac. RL, de 16.3.2004, no proc. 5694/2002-7, in dgsi).

Ora, no caso em apreço, como fundamento do receio de lesão grave e irreparável do seu direito, o requerente invoca o facto de ainda não ter sido proferida decisão e que se antevê ainda um longo período até tal se verificar, apesar de se apontar o facto de até se ter adiantado a possibilidade de ser logo, em sede de audiência prévia, proferida decisão de mérito, o que não abona a favor do requerente, dado que diminui o período temporal de duração da acção.
Já quanto à lesão, tal como se referiu, para além de se ter de exigir a sua irreparabilidade ou difícil reparação, importa não deixar de ter presente que os prejuízos materiais são susceptíveis de reparação mediante reconstituição natural ou através de uma indemnização substitutiva, sendo certo que o que se visa é evitar a lesão e não a sua reparação.
Assim, a providência tem de se antecipar à lesão por o requisito do justo receio pressupor que a ofensa não se ache ainda consumada, ou seja, que os actos susceptíveis de produzir a lesão se encontrem em potencialidade e não realizados (cfr. Ac. RP, 3.9.96, BMJ, 459, pg. 509), a não ser se for de recear futuras lesões do mesmo direito que se visa proteger (cfr. Ac. RC de 4.10.94, BMJ, 440, pg. 559).
Ora, in casu, relativamente aos danos, na acção é já formulado um pedido de condenação dos requeridos no pagamento da quantia de €4000,00, pela ilícita demora na entrega do bem, como medida de reparação da sua lesão, sem que, face aos factos alegados, se aponte um prejuízo notável, de intensidade extraordinária, superior àquele que decorre da natural demora de uma qualquer acção judicial.
Por outro lado, o facto de se alegar que os requeridos não dispoém de património para suportar os danos contabilizados, por si só, não pode fundamentar o deferimento da providência, sob pena de, então, todas as providèncias similares terem de ser decretadas com base nessa razão.
Isto sem se poder deixar de sopesar que, visando a providência cautelar, antecipar os efeitos de julgamento (evitando os prejuízos da natural demora na resolução do litígio), cabe ao requerente convencer o tribunal da previsível procedência da acção que define a pretensão que o procedimento visa cautelar.
Quanto a tal, perante o que é esgrimido na acção pela parte contrária, outra será a realidade da base negocial estabelecida entre as partes, dependendo da prova de uma ou outra posição a procedência, ou não, da acção.
Por outro lado, também o facto do requerente não poder ocupar o imóvel para aí constituir família, em vez de ter de residir na casa dos pais, não consubstancia um qualquer prejuízo capaz de alicerçar o direito que pretende ser acautelado.
Também na esteira do que foi defendido no Ac. RE de 2.7.98, BMJ, 479, pg. 736, ‘é[É] da essência dos procedimentos cautelares a obtenção provisória de uma tutela para o direito ameaçado, pelo que não é viável e contraria a finalidade conservatória típica dos procedimentos cautelares, pedir a entrega imediata de um prédio, mesmo que se considere ter cessado a relação de arrendamento. Tal não seria menos que executar uma decisão definitiva’.
Do exposto resulta que, não se verificando os pressupostos necessários e legalmente exigidos para o decretamento da providência, em conformidade com o que foi decidido pelo tribunal a quo, é de manter o decidido.
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IV- Decisão:

Nestes termos, acordam os Juízes desta 2.ª Secção da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão proferida.
Custas do recurso pelo requerente.
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TRG, 13.07.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida