Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
20786/20.5T8PRT-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MONTANTE DA CONDENAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO À PARTE CONTRÁRIA
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Para que o tribunal apure a litigância de má fé relevam apenas os factos dados como provados, não podendo o tribunal alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto, assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.
II - Os factos em que se alicerça a má fé, no âmbito do objeto da ação, têm de configurar factos relevantes para a decisão da causa, apresentando-se os mesmos como essenciais à verificação dos pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado.
III - A natureza dos factos e as circunstâncias em que ocorreram devem conduzir inelutavelmente à conclusão de que a parte pleiteou tendo a obrigação de saber que não tinha razão. Não se trata, pois, de defesa convicta de uma posição, diversa daquela que a decisão judicial acolheu, antes a dedução de uma pretensão infundada, sustentada em factos não verdadeiros e/ou a omissão de factos relevantes.
IV - O montante da condenação para quem litiga de má fé tem que corresponder ao grau de culpa do litigante e à maior ou menor censurabilidade do comportamento que adotou. Na avaliação e graduação da culpa atender-se-á à diligência do bom pai de família, mas atendendo sempre às circunstâncias do caso e, nos termos da lei, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
V - Para além da multa, a litigância de má fé pode levar à aplicação ao litigante de uma outra sanção, a indemnização à parte contrária.
VI - A condenação em multa não depende de pedido da parte, já no que respeita à indemnização ela terá de ser pedida pela parte. Neste caso vigora o princípio do dispositivo, já que a referida indemnização apenas poderá ser arbitrada na medida em que tenha sido pedida pela parte.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

M. J. intentou contra Caixa … oposição à execução, mediantes embargos, alegando que o incumprimento contratual é imputável de forma culposa ao exequente/embargado, pedindo a extinção da instância executiva.
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A final foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos à execução e declarou que o embargante agiu com má fé processual, condenando-o na multa de sete mil euros, no pagamento das despesas processuais do banco exequente e no pagamento dos honorários do ilustre mandatário do banco exequente, diretamente a este, a liquidar no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença.
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Inconformado com a sentença na parte que o condenou como litigante de má fé veio o embargante interpor recurso.

Finaliza as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Não existe qualquer fundamento para que o Recorrente seja condenado como litigante de má-fé, ao abrigo de uma alegada violação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542º do CPC, sendo deste segmento da sentença recorrida que discorda e daí o presente recurso;
2) O recorrente alegou factos e deduziu uma pretensão cuja veracidade tinha como certa, de que a aposição da sua assinatura no documento inserto no item 11º dos factos provados, sendo sua intenção apenas tomar conhecimento do respetivo teor, não consubstanciava uma instrução de cativo de conta e/ou de saldo;
3) O Recorrente não conseguiu produzir prova adequada e obter o convencimento do Ex.mo Tribunal "a quo", da sua intenção e dos efeitos que para si implicava, a aposição da sua assinatura no documento referido no item 11º dos factos provados;
4) A litigância de má-fé, é dedução pela parte de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, mas já não é dedução de pretensão ou oposição cujo fundamento a parte não conseguiu provar;
5) Para a tipificação da litigância de má-fé, exige-se o dolo ou negligência grave;
6) Dos autos não resulta evidente que o Recorrente, ao alegar que a aposição da sua assinatura no documento descrito no item 11 dos factos provados, não permitia ao banco exequente cativar a conta bancária e/ou o respetivo saldo, do que estava plenamente convencido, quis alegar um facto que sabia sem fundamento;
7) O recorrente sempre entendeu e defendeu, quer na oposição à execução deduzida por meio de embargos, quer previamente, ainda na fase extra processual, isto é, desde 20/02/2020 (a data em que o documento inserto no item 11º dos factos provados ficou em poder do banco exequente) que "não formalizou um cativo do saldo", "não formalizou uma instrução para que a conta não fosse movimentada sem a autorização da 2ª titular";
8) O recorrente sempre entendeu e defendeu, quer com a oposição à execução deduzida por meio de embargos, quer na prévia fase extra processual que "em momento algum alterou as condições contratualmente fixadas inicialmente e a transmutação de uma “conta solidária” em “conta conjunta”, o que implicaria – procedimento bancário contratualmente exigível - que fosse feito através de adenda ou verbete dedicado exclusivamente ao efeito."
9) O Recorrente não logrou convencer o Tribunal "a quo", da factualidade descrita supra nos itens 6), 7) e 8), considerando tais factos não provados;
10) Vem sendo entendimento unânime na Doutrina e Jurisprudência que a simples circunstância de a parte não ter conseguido produzir prova bastante, não determina nem fundamenta a condenação como litigante de má fé.
11) No Acórdão da Relação de Guimarães, de 18/03/2021 do Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. Ramos Lopes, escreveu-se: "A proposição de uma acção que venha a ser julgada sem fundamento, não constitui, de per si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte – a falta de razão com que uma das partes litiga não basta para justificar a má fé, apenas podendo provocar a improcedência da sua pretensão (7) e assim que a simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé..."
12) A matéria factual descrita nos embargos deduzidos pelo ora recorrente, bem como a respetiva interpretação jurídica, traduzem-se no exercício legítimo da sua defesa, e, como tal, devem ser apreciados;
13) No Acórdão da Relação de Guimarães, de 21/01/2021 da Ex.ma Sra. Juiz Desembargadora Dra. Conceição Sampaio, escreveu-se: "Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil.";
14) Não se verifica uma conduta processual do recorrente a merecer a censurabilidade do Tribunal; Pelo facto de os embargos terem sido julgados improcedentes, tal, só por si, não pode significar que o recorrente pautou a sua atuação por intenções ou objetivos reprováveis;
15) E da matéria de facto considerada provada, constante da sentença recorrida, não se pode concluir, no uso do prudente arbítrio e do juízo equitativo do julgador, ter havido, na postura assumida pelo Recorrente, algo que exceda um normal litígio judicial, que mereça ser especialmente censurado e sancionado;
16) O Recorrente sempre reconheceu a dívida, dispôs-se e quis liquidá-la, procurando insistentemente junto do Banco ... que tal sucedesse e nunca pôs em causa a autenticidade da sua assinatura;
17) A sentença recorrida fundamenta, ainda, a sua decisão no facto de o Recorrente, também por ter exercido as funções de administrador do Banco ... desde 1992 até 2011 (item 7 dos factos provados), é do seu conhecimento os "efeitos" da instrução contida no documento referido no item 11º dos factos provados;
18) Porém, a experiência profissional e os conhecimentos adquiridos no exercício de funções na Banca ditou o sentido, a interpretação e intenção com que o Recorrente assinou o dito documento, bem como os seus efeitos jurídicos;
19) O documento foi manuscrito pela executada R. A., redigido na primeira pessoa do singular, apondo nele a assinatura imediatamente a seguir ao texto;
20) O recorrente também assinou o documento, em local diferente, no canto superior direito dele, com o intuito apenas de tomar conhecimento do seu conteúdo;
21) Sem prescindir e, por mera cautela, para a hipótese do Ex.mo Tribunal da Relação decidir manter a sentença recorrida, no segmento da litigância de má-fé, a multa aplicada, bem como o pagamento das despesas processuais do banco exequente e o pagamento dos honorários do ilustre mandatário do banco exequente, é manifestamente excessivo, injusto e desproporcional.
22) Nos termos do n.º 4 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais, o montante de multa é fixado tendo em consideração "os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste."
23) O Tribunal "a quo" não atendeu, na fixação da multa aos princípios basilares de adequação e de proporcionalidade, pelo que não usou de prudente arbítrio no momento de julgar o montante da multa e indemnização ao banco exequente.
24) Na fixação do montante da multa por litigância de má-fé o Tribunal "a quo" tem de ter em consideração a maior ou menor intensidade do dolo com que tenha agido o recorrente, que é diminuta, entendido este como a consciência da sua falta de razão e da gravidade das consequências prováveis da sua conduta, pois o recorrente sempre esteve convicto da sua razão, espelhada na intenção com que subscreveu o dito documento, na sua interpretação quanto às consequências sobre a movimentação da conta, bem como da sua razão quanto aos respetivos e consequentes efeitos jurídicos, a situação económica do recorrente, o que não foi apurado nos autos, a repercussão da condenação no património deste, sendo de valor diminuto o valor dos autos de embargos - igual ao da ação executiva – no montante de €21.459,14.
25) Conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30-01-2020, em que Relator o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. Paulo Reis, "Na falta de elementos atinentes às condições económicas e à situação financeira dos autores/litigantes de má-fé afigura-se razoável e proporcional às circunstâncias do processo ponderar o valor da ação."
26) O valor da multa deve ser fixado pelo mínimo legal previsto no nº 1 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais.
27) Segundo preceitua o n.º 3 do art.º 27º do Regulamento das Custas Processuais "nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.";
28) A sentença recorrida não podia ter condenado o Recorrente na multa de sete mil euros, mas sim em número certo de unidades de conta o que não fez, pois sete mil euros é superior a 68 unidades de conta e inferior a 69 unidades de conta;
29) Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 616º do C.P.C., o recorrente requer a reforma da douta sentença recorrida, passando a constar um número certo e determinado de unidades de conta, fixadas a título de multa pela litigância de má-fé.
30) O Banco exequente não formulou nos autos de embargos qualquer pedido indemnizatório, no âmbito da litigância de má-fé;
31) O Tribunal "a quo" não podia ter condenado o recorrente no pagamento das despesas processuais do banco exequente e no pagamento dos honorários do ilustre mandatário do banco exequente.
32) Para que pudesse ter lugar a condenação nas despesas do banco exequente e honorários do mandatário, a respetiva indemnização teria que ter sido pedida pela embargada e não foi;
33) O Tribunal "a quo" não podia decidir pelo pagamento dos honorários do Ilustre Mandatário do Banco exequente, bem como no pagamento das despesas processuais do mesmo banco sem, ouvindo as partes, determinar previamente o seu valor, isto é, fixando-o num montante certo e líquido.
34) Ao decidir como decidiu o Tribunal "a quo" deixa de forma arbitrária ao critério do Banco ... a apresentação ao ora recorrente, de tais montantes,
35) Determina o n.º 2 do art.º 457º do CPC que tal fixação, em montante certo, é decisão que cabe, após ouvir as partes, ao Tribunal.
36) Foi violado o disposto nos artigos 542º, 543º, n.º 2 do art.º 457º e 616º todos do C.P.C. e artigos 5º, n.ºs 1 e 2 e 27.º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.

Pugna o recorrente pela revogação da sentença que deve ser substituída por Acórdão que decida pela inexistência de má- fé processual, absolvendo o recorrente da sua condenação como litigante de má-fé e, caso assim se não entenda e se venha a decidir pela condenação do Recorrente como litigante de má-fé, procedendo-se à reforma da sentença quanto à fixação de multa em número certo de unidades de conta, se decida pela aplicação de uma multa a fixar pelo mínimo legal, e, ainda, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condena o recorrente no pagamento das despesas processuais e no pagamento dos honorários ao mandatário do banco exequente, absolvendo o recorrente, nesta parte,
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

As questões a decidir são as seguintes:

- se o embargante deve ser considerado litigante de má fé;
- em caso afirmativo, fixar o montante da condenação;
- se pode ser arbitrada indemnização pela litigância de má fé à parte que não a pediu.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. OS FACTOS

Na primeira instância foi considerada a seguinte factualidade:
Factos provados:

1.- Por escritura pública, os mutuários M. J. e R. A. celebraram com a Exequente um contrato de mútuo com hipoteca nos termos dos quais esta entregou àqueles, a título de empréstimo a quantia de 124.699,47 €, conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.- Estipularam Exequente e Mutuários que, pela utilização do capital mutuado, pagariam os mesmos juros sobre o capital em dívida, de acordo com a taxa de juros fixada no doc. 1, juros, esses que, em caso de mora, seriam acrescidos de uma sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal.
3.- Ficou, ainda, expressamente convencionado que o empréstimo seria pago pelos Mutuários em prestações mensais e sucessivas e nas demais condições constantes documento particular autenticado.
4.- Para garantia do pagamento do capital mutuado, dos juros compensatórios e moratórios devidos no seu reembolso e das despesas judiciais e extrajudiciais, constituíram os Mutuários a favor da Exequente uma hipoteca unilateral sobre o prédio urbano de que são donos e legítimos proprietários descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, conforme documento n.º 2 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- A referida hipoteca encontra-se registada a favor da Exequente pela Ap. 25 de 2004-07-21.
6.- Pese embora interpelados para o efeito, os Mutuários não pagaram à Exequente, nem na data do respetivo vencimento, 26-05-2020, nem posteriormente, as prestações vencidas, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as restantes responsabilidades assumidas no âmbito do contrato de mútuo em apreço, conforme documentos n.ºs 3 a 8 juntos com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
7.- O ora embargante exerceu as funções de administrador do Banco ... desde 1992 até 2011.
8.- No decurso do processo de divórcio dos executados, o ora embargante solicitou ao banco exequente a transferência dos fundos existentes da conta bancária à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3, na qual era debitada a prestação mensal do contrato de mútuo identificado em 1 para uma outra conta bancária exclusivamente por si titulada.
9.- Acontece que, no mesmo período de tempo em que o ora embargante solicitou a transferência dos fundos da conta na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3 a que se alude em 8., a executada também estava a desenvolver esforços junto do banco exequente para transferir para uma outra conta bancária exclusivamente por si titulada os mesmos fundos existentes na conta bancária na qual era debitada a prestação mensal do contrato de mútuo identificado em 1.
10.- Confrontado com estas duas intenções antagónicas dos executados, o banco exequente solicitou a presença dos executados nas suas instalações, o que aconteceu.
11.- Na sequência dessa reunião nas instalações do banco exequente, os executados, de forma consciente, apresentaram o pedido de bloqueio do saldo existente nessa data nessa dita conta bancária na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3, conforme documento n.º 1 junto com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
12.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, após os executados apresentaram esse pedido junto do banco exequente, o saldo existente nessa conta bancária à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3, ficou bloqueado.
13.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, caso ocorressem operações a crédito nessa mesma conta bancária, após o solicitado bloqueio do saldo bancário do montante, esse saldo de valor superior ao valor do saldo bloqueado podia ser movimentado pelas partes.
14.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, na sequência do pedido que dirigiu ao banco juntamente com a executada, a conta bancária na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3 não ficou bloqueada mas apenas o saldo bancário.
15.- O empréstimo bancário a que se alude em 1., era pago em prestações mensais, sendo os respetivos montantes debitados, mensalmente, na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3, que os executados possuem no "Banco ...", atualmente, Banco ..., devendo, para o efeito, estar essa conta devidamente provisionada para esse efeito.
16.- Até ao pedido dos executados a que se alude em 11., o débito das prestações sempre ocorreu com a regularidade contratualizada.
17.- Em 2018 ocorre o divórcio dos executados, que foram casados no regime de comunhão de adquiridos.
18.- O executado/embargante instaura Inventário, atualmente a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Barcelos - J2 - Processo n.º 416/20.6T8BRG, e relaciona, entre outros bens, sob a verba n.º 7, a conta n.º ............-3.
19.-Esta conta bancária é e sempre foi do inteiro conhecimento da executada R. A..
20.- Os executados são os titulares da conta solidária n.º n.º ............-3.
21.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, na sequência do pedido que dirigiu ao banco juntamente com a executada identificado em 11., o saldo bloqueado apenas podia ser desbloqueado por ambos os titulares, o que não aconteceu.
22.- Após o pedido de bloqueio do saldo da dita conta bancária, a pedido dos executados, a conta solidária n.º ............-3 nunca teve fundos suficientes que permitisse o pagamento da prestação do crédito identificado em 1., provocando a situação de incumprimento dos respetivos mutuários.
22.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, na sequência do pedido que dirigiu ao banco juntamente com a executada identificado em 11., era mister que os titulares da conta bancária depositassem fundos suficientes para liquidar a prestação do empréstimo, o que, apesar dos esforços desenvolvidos pelo banco exequente junto do embargante, não aconteceu.
23.- Apesar de saber que só com o pedido devidamente assinado por ambos os titulares para que o banco exequente procedesse ao desbloqueio do saldo da dita conta, no dia 26/03/2020, o executado/embargante, via email, insistiu junto do Banco .../embargado para que o crédito habitação fosse pago por via de débito em conta, através da identificada conta, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos.
24.- A exequente respondeu, via email, ao executado/embargante no dia 27/03/2020 que estavam a "aguardar instrução da 2ª titular da conta, para o débito da prestação do crédito habitação", conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, o que não aconteceu.
25.- Uma vez que o saldo bancário da identificada conta que apresentou fundos suficientes que não estava bloqueados, foram liquidados algumas despesas que estavam sediadas nessa conta bancária, nomeadamente, seguro automóvel e da "…", igualmente pagos através da dita conta.
26.- Por emails enviados em 27/04/2020 e 29/05/2020, ao exequente/embargado, o executado/embargante insurge-se, nomeadamente, contra o não pagamento por débito em conta do seguro automóvel, bem como da segurança da habitação, conforme documentos n.ºs 3 e 4, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
27.- Apesar de ter conhecimento que o bloqueio do saldo bancário resultou de um pedido expresso dos dois titulares, o embargante, via email datado de 18/06/2020, informou o exequente que: "ao aceitar esta situação, estaria a aceitar o bloqueio indevido e ilegítimo de saldos de conta e a instituir a cotitular do estatuto leonino de "mandante da conta"; "a impossibilitar, com elevado sacrifício e custo de oportunidade, a movimentação e aplicação de disponibilidades financeiras que me pertencem"; "a limitar o uso do saldo residual para a aplicação exclusiva na liquidação das prestações adstritas ao crédito à habitação, esquecendo-se o cumprimento das demais autorizações de débito em conta, tais sejam, seguro automóvel (…) e segurança da habitação (…)”, conforme documento n.º 5 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
28.- Apesar de ter conhecimento que o bloqueio do saldo bancário resultou de um pedido expresso dos dois titulares, o executado/embargante enviou novo email ao banco exequente, datado de 21/08/2020, com os seguintes dizeres: "i. Sendo o Contrato de Financiamento para Aquisição de Habitação vinculado e assinado por ambos os titulares da conta originária à data de ser contraído e no qual se determinava, por via do seu clausulado se determinava que o pagamento das prestações para cumprimento do serviço da dívida se haveria de fazer por débito automático em conta (conta n.º ............-3); ii. Atendendo a que ambas as partes (à qual se junta, também, o Banco ... como outorgante) se comprometeram legitimamente a cumprir com as obrigações impostas pelo referido contrato; iii. Tendo em conta que eu próprio nunca pus em causa - nem o pretendo fazer – o cumprimento dessas obrigações conscientemente assumidas; iv. Atendendo que há provisão mais do que suficiente para tal em saldo de conta-corrente; v. Reconhecendo que a contitular da conta, RA, apresentou um documento avulso e manuscrito em que “vinha solicitar que não fosse feito nenhum movimento sobre a conta n.º ………-3… … sem a minha autorização”. vi. Sabendo-se que se encontra em regularização, segundo notificação do X – instituição mutuante e processadora dos movimentos sobre a conta -, um montante em dívida de 1.061,13 € - que implica os dois titulares da conta - relativo ao contrato em referência e em risco de instauração de ação judicial, por não processamento dos pagamentos das prestações nas condições estabelecidas -, bem como das graves consequências para ambos da comunicação ao Banco de Portugal, Pergunta-se: a) Foi a contitular da conta, RA, questionada, específica e objetivamente, pelo X sobre se concedia individualmente “autorização” para que os referidos pagamentos das prestações através de débito em conta ocorram regularmente como sempre aconteceu e ainda que tal iniciativa vossa fosse redundante, já que resulta do cumprimento de uma obrigação contratual antes formalmente assumida e, ainda, tal qual se pode constatar abaixo na transcrição da proposta que a contitular, a mesma reconhece tais prestações serem o “resultado do cumprimento das obrigações decorrentes do crédito habitação”? b) Se o foi, qual a resposta que expressamente forneceu? Se não o foi, porque não a questiona o X e obtém uma resposta inequívoca e probatoriamente proveitosa? c) Finalmente, e tratando-se de uma conta de natureza “solidária”, e, estando eu como titular – para além do X, como envolvido direto, também – interessado no processamento regular dos pagamentos periódicos contratualizados, a que propósito (e, por maioria de razão se não houver instrução expressa de não vontade de o fazer!), não se está a processar a liquidação das prestações e a fazer-se prevalecer uma presumida posição contrária assumida individualmente pela contitular? Tratar-se-á de alguma titularidade similar nos seus direitos a uma “golden share” sobre a conta com direitos especiais sobre os meus? d) Por último, e ainda que não me mereça aceitação a proposta abaixo apresentada pela outra parte, porque incongruente face aos meus pressupostos e sem qualquer sentido face à atual natureza da conta, parece resultar claro que há intenção expressa de demonstrar vontade de resolver o atraso de cumprimento de pagamentos e a alocação de um montante para tal (ver sublinhado), ainda que dependente de outras condições complementares para mim inaceitáveis. Logo, o X terá de não ser mais fator de obstáculo à resolução deste processo.", conforme documento n.º 7 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
29.- Apesar de ter conhecimento que o bloqueio do saldo bancário resultou de um pedido expresso dos dois titulares e que tal desbloqueio só podia acontecer com o consentimento dos dois titulares, em 08/09/2020, o executado/embargante remete email ao "Gabinete do Cliente" do exequente/Banco ... referindo o seguinte: "Na sequência dos contactos processados com V. Exas. via Gabinete do Cliente e ao qual dirigi uma reclamação registada internamente com o número 4715/20/R, dou conta da comunicação dirigida ao balcão de J. D. e abaixo transcrita. O assunto refere-se essencialmente ao crédito à habitação que detenho junto do Banco ... e cujas prestações periódicas para a sua amortização não estão a ser processadas regular e periodicamente como o deveriam ser, fazendo-me incorrer em incumprimento forçado. Nesse sentido, e de forma sintética, é a seguinte a minha posição: i. O contrato de crédito foi assinado oportuna e legitimamente, prevendo a liquidação das prestações através de débito automático em conta, sendo nesses termos e com essas especificidades outorgado pelos 2 titulares da conta originária bem como pelo Banco ... (então, Banco ...) e atualmente com o seu saldo D/O cativo; ii. É de minha expressa vontade cumprir com as obrigações que assumidas contratualmente o que aqui reporto, havendo mais do que suficiente provisão de meios financeiros em conta. Ainda que entenda fazê-lo de modo redundante, confiro a minha reiterada autorização para que tais pagamentos ocorram, o que nunca esteve em causa; iii. Entendo-me titular de uma “conta solidária”, cuja natureza foi originariamente assim constituída, pelo que, nesse mesmo sentido, instruo o Banco ... (X), enquanto agente pagador e mutuário, assim haja nesse sentido; iv. Caso o X assim o entenda dever fazer, e não obstante os pontos acima enunciados, que tome a iniciativa de confirmar junto do outro contitular da conta, a mesma disponibilidade para fazer cumprir o contrato antes rubricado e a intenção de que os pagamentos se façam da forma habitual através de débito à conta. No limite, que recolha demonstrativamente instrução expressa para que tal ocorra ou não assim aconteça; v. Não se verificando a normalização imediata desta inusitada situação, entendo dever comunicar tal situação ao Banco de Portugal, clarificando desse modo as circunstâncias que ditam o incumprimento prestacional e a mora invocados", conforme documento n.º 8 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
30.- Apesar de ter conhecimento que o bloqueio do saldo bancário resultou de um pedido expresso dos dois titulares e que tal desbloqueio só podia acontecer com o consentimento dos dois titulares, em 07/09/2020, envio novo e-mail ao banco exequente manifestando, expressamente, a sua vontade e intenção no cumprimento escrupuloso do contrato de mútuo, referindo que: "Enquanto titular primeiro da conta número ............-3, contratualmente aberta como 'conta solidária' e relativamente ao crédito à habitação a ela associada, a partir da qual está também indexado o cumprimento do respetivo serviço da dívida nos termos do clausulado do citado contrato, oportuna e legitimamente outorgado pelos dois titulares da conta e pela terceira parte o (então) Banco ... (hoje, Banco ...), venho por este meio solicitar, e, implícita e redundantemente, autorizar que a liquidação periódica, regular e tempestiva que vinha ocorrendo da liquidação das respetivas prestações mensais, continue a ser feita nos exatos termos como até aqui se realizava, através de débito automático à conta." Não pretendo assim, nos termos da comunicação que recentemente me foi endereçada pela Direção de Recuperação de Crédito, incorrer em qualquer incumprimento nas obrigações assumidas por mim, muito menos, a iniciativa injustificada de ações judiciais a intentar ou quaisquer consequências outras, nomeadamente, junto do Banco de Portugal.", conforme documento n.º 9 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
31.- A conta de depósitos à ordem a que se refere o Embargante, é titulada pelos dois executados, ou seja, pelo M. J. e R. A..
32.- Não foi a aqui embargada quem tomou a iniciativa de cativar o saldo da conta.
33.- Até às instruções em contrário a que se alude em 11., a conta podia ser movimentada por cada um dos titulares, de forma isolada.
34.- Porém, em 20-02-2020, os executados apresentaram um pedido de instrução de cativo do saldo total, conforme documento n.º 1 junto com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
35.- Nesse pedido que os executados dirigiram ao banco, consta o seguinte: “venho por este meio solicitar que não seja feita nenhuma movimentação da conta n.º ............-3 bem como de qualquer depósito a prazo, carteira de títulos, fundo de investimentos, sem a minha autorização”.
36.- Este pedido encontra-se assinado pelos dois titulares.
37.- Na sequência dos e-mails que o embargante dirigiu ao banco exequente, a aqui embargada prestou-lhes, por escrito, os necessários esclarecimentos, conforme documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
38.- Em consequência da instrução emitida em 20-02-2020, o desbloqueio do saldo bancário só poderá ocorrer por vontade expressa de ambos os titulares da conta.
39.- As prestações não foram pagas no prazo acordado e o contrato de mútuo identificado em 1. foi resolvido pelo banco exequente.
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Factos não provados

- Muito mal andou o exequente/embargado, não se fazendo pagar mensalmente através do saldo da conta já identificada.
- O executado/embargante não formalizou um "cativo no saldo” e, muito menos, formalizou uma instrução para que a conta não fosse movimentada sem a autorização da 2ª titular.
- O executado/embargante em momento algum alterou as condições contratualmente fixadas inicialmente e a transmutação de uma “conta solidária” em “conta conjunta”, o que implicaria – procedimento bancário contratualmente exigível - que fosse feito através de adenda ou verbete dedicado exclusivamente ao efeito.
- O executado/embargante nunca deu ordem de transferência para outra Instituição de Crédito, menos ainda, à anulação da conta em causa.
- A conta em causa era gerida exclusivamente pelo executado/embargante.
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3.2. O DIREITO

Da litigância de má fé.

Preceitua o artigo 542º do CPC, nos seus nºs 1 e 2:

“1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
As alíneas a) e b) do normativo legal reportam-se à chamada má fé material ou substancial, ao passo que as alíneas c) e d) se referem à má fé processual ou instrumental.
Resulta desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.
O legislador deixou ainda clara a desnecessidade, quanto à prova, da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objetivos ilegítimos (atuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade (1).
Afirma Abrantes Geraldes, que “é neste contexto, com certeza fruto da degradação dos padrões de atuação processual e do uso dos respetivos instrumentos, que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres de boa-fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má-fé” (2).

No entanto, não deve confundir-se litigância de má-fé com:
· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
· com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer.
Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade. (3)
Conformemente, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave.

Consta da decisão recorrida o acervo factual em que se fundamentou a condenação da parte como litigante de má fé, que, com essencialidade, é o seguinte:

7.- O ora embargante exerceu as funções de administrador do Banco ... desde 1992 até 2011.
8.- No decurso do processo de divórcio dos executados, o ora embargante solicitou ao banco exequente a transferência dos fundos existentes da conta bancária na qual era debitada a prestação mensal do contrato de mútuo para uma outra conta bancária exclusivamente por si titulada.
9.- Acontece que, no mesmo período de tempo em que o ora embargante solicitou a transferência dos fundos dessa conta para conta por si exclusivamente titulada, a executada também estava a desenvolver esforços junto do banco exequente para transferir para uma outra conta bancária exclusivamente por si titulada os mesmos fundos existentes na conta bancária na qual era debitada a prestação mensal do contrato de mútuo.
10.- Confrontado com estas duas intenções antagónicas dos executados, o banco exequente solicitou a presença dos executados nas suas instalações, o que aconteceu.
11.- Na sequência dessa reunião nas instalações do banco exequente, os executados, de forma consciente, apresentaram o pedido de bloqueio do saldo existente nessa data nessa dita conta bancária na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3.
12.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, após os executados apresentaram esse pedido junto do banco exequente, o saldo existente nessa conta bancária à ordem ficou bloqueado.
13.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, caso ocorressem operações a crédito nessa mesma conta bancária, após o solicitado bloqueio do saldo bancário do montante, esse saldo de valor superior ao valor do saldo bloqueado podia ser movimentado pelas partes.
14.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, na sequência do pedido que dirigiu ao banco juntamente com a executada, a conta bancária na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3 não ficou bloqueada mas apenas o saldo bancário.
15.- O empréstimo bancário era pago em prestações mensais, sendo os respetivos montantes debitados, mensalmente, na conta de depósitos à ordem n.º ............-4, atualmente ............-3, que os executados possuem no "Banco ...", atualmente, Banco ..., devendo, para o efeito, estar essa conta devidamente provisionada.
16.- Até ao pedido dos executados a que se alude em 11., o débito das prestações sempre ocorreu com a regularidade contratualizada.
17.- Em 2018 ocorre o divórcio dos executados, que foram casados no regime de comunhão de adquiridos.
18.- O executado/embargante instaura Inventário, atualmente a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Barcelos - J2 - Processo n.º 416/20.6T8BRG, e relaciona, entre outros bens, sob a verba n.º 7, a conta n.º ............-3.
19.- Esta conta bancária é e sempre foi do inteiro conhecimento da executada R. A..
21.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, na sequência do pedido que dirigiu ao banco juntamente com a executada identificado em 11., o saldo bloqueado apenas podia ser desbloqueado por ambos os titulares, o que não aconteceu.
22.- Após o pedido de bloqueio do saldo da dita conta bancária, a pedido dos executados, a conta solidária n.º ............-3 nunca teve fundos suficientes que permitisse o pagamento da prestação do crédito, provocando a situação de incumprimento dos respetivos mutuários.
22.- Como é do conhecimento do ora embargante, até por força das suas funções de administrador de uma instituição bancária, na sequência do pedido que dirigiu ao banco juntamente com a executada identificado em 11., era mister que os titulares da conta bancária depositassem fundos suficientes para liquidar a prestação do empréstimo, o que, apesar dos esforços desenvolvidos pelo banco exequente junto do embargante, não aconteceu.
23.- Apesar de saber que só com o pedido devidamente assinado por ambos os titulares para que o banco exequente procedesse ao desbloqueio do saldo da dita conta, no dia 26/03/2020, o executado/embargante, via email, insistiu junto do Banco .../embargado para que o crédito habitação fosse pago por via de débito em conta, através da identificada conta, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos.
24.- A exequente respondeu, via email, ao executado/embargante no dia 27/03/2020 que estavam a "aguardar instrução da 2ª titular da conta, para o débito da prestação do crédito habitação", conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, o que não aconteceu.
O tribunal a quo justificou a condenação do embargante por à luz destes factos ter concluído que a sua conduta corresponde a dedução de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alteração da verdade dos factos, omissão de factos importantes para a descoberta da verdade e a utilização do processo para entorpecer a ação da justiça.
Considerou-se não existir razão lógica, à luz das regras de experiência comum, para que um ex-administrador de uma instituição bancária recorra ao tribunal para discutir a semântica e os efeitos dum documento que confessadamente assinou e pretenda confessadamente retirar do teor desse dito documento efeitos a que não tem direito.
Acrescenta-se na decisão impugnada que os embargos não são mais do que uma arma de arremesso contra a instituição bancária que não permitiu a liquidação, a pedido do embargante, da conta bancária em tempo útil.
Concluindo-se, assim, que o embargante omitiu a verdade dos factos e incompreensivelmente pretende obter um efeito que à luz das mais elementares regras de justiça sabe que não pode atingir.
Contra este entendimento insurge-se o recorrente defendendo que alegou factos e deduziu uma pretensão cuja veracidade tinha como certa, de que a aposição da sua assinatura no documento inserto no item 11º dos factos provados, com o intuito de tomar conhecimento do seu conteúdo, não consubstanciava uma instrução de cativo de conta e/ou de saldo, pelo que a circunstância de não ter conseguido produzir prova adequada e obter o convencimento do tribunal a quo, da sua intenção e dos efeitos que para si implicava a aposição da sua assinatura naquele documento não consubstancia litigância de ma fé.
Assim não é.
Para que o tribunal apure a litigância de má fé relevam apenas e só os factos dados como provados; ou seja, no raciocínio lógico (silogismo judiciário) que conduz à condenação de alguém como litigante de má-fé, a premissa menor só pode ser composta pelo cotejo entre o que a parte alegou e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados. O tribunal não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto; assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário (4).
No caso, bastará uma análise perfunctória ao conjunto de factos relativos ao conteúdo do documento, circunstâncias que estiveram na origem da sua subscrição, a natureza das funções exercidas pelo embargante e o contexto pessoal (divórcio) envolvente, para concluir que estamos perante muito mais que convencimento de determinada realidade que não se logrou demonstrar.
Não se trata de ter deduzido uma pretensão cujo decaimento sobreveio em virtude da fragilidade da prova ou por existirem diversas correntes jurisprudenciais ou doutrinais sobre o assunto, antes perante a alegação de factos que o embargante sabe não serem verdadeiros.
A alegação destes factos no âmbito do objeto da oposição à execução configura factos relevantes para a decisão da causa, apresentando-se os mesmos como essenciais à verificação dos pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado, e conducentes à extinção da execução.
A natureza dos factos e as circunstâncias em que ocorreram conduzem inelutavelmente à conclusão de que o embargante pleiteou tendo a obrigação de saber que não tinha razão. Não se trata, pois, de defesa convicta de uma posição, diversa daquela que a decisão judicial acolheu, antes a dedução de uma pretensão infundada, sustentada em factos não verdadeiros, e a omissão de outros relevantes, o que consubstancia uma litigância censurável.
Bem sabia o embargante quando deduziu a oposição à execução da sua falta de fundamento, imputando uma conduta à exequente que bem sabia não ser verdadeira, pois que bem sabia que após apresentar pedido de instrução de cativo do saldo, o saldo existente nessa conta bancária ficou bloqueado, bem sabendo que a partir da instrução dada a conta em causa só poderia ser movimentada mediante instrução assinada por ambos os titulares. Aliás, nem se compreende o sentido e alcance da posição aqui defendida pelo recorrente ao acentuar a afirmação de que assinou o documento apenas com o intuito de tomar conhecimento do seu conteúdo - asserção irrelevante na medida em que ao assinar, além de tomar conhecimento, estava a dar instrução para o bloqueio do saldo da conta.
Em causa estão factos pessoais nos quais interveio e dos quais não podia deixar de ter consciência, e procurou através da oposição e da alegação de tais factos obter uma finalidade a que sabia não ter direito.
Como se afirmou no acórdão do STJ, de 13.07.2021, «o comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adoptado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé» (5).
Agiu, assim, o embargante de má fé.
Concluindo-se pela má-fé, será a parte prevaricadora condenada em multa que sancione o seu comportamento, e, caso tenha sido pedida pela parte contrária, numa indemnização a favor desta (artigo 542.º, n.º 1, do CPC).
A respeito da multa dispõe o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, que a mesma deve ser fixada entre duas a cem unidades de conta processuais.
Dentro destes limites, deverá atender-se «ao grau de má-fé, revelado através dos factos concretos, e à situação económica do litigante doloso, por forma a assegurar quer a função repressiva, de punir o delito cometido, quer a função preventiva, de evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro. (6)
Concretiza o nº4 do citado preceito legal que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Escreveu-se a propósito no acórdão desta Relação de Guimarães de 30.01.2020 que “na falta de elementos atinentes às condições económicas e à situação financeira do litigante de má-fé afigura-se razoável e proporcional às circunstâncias do processo ponderar o valor da ação” (7).
Considerando estes fatores, afigura-se, no caso, excessivo o montante de sete mil euros, em que o embargante foi condenado.
O montante da condenação para quem litiga de má fé tem que corresponder ao grau de culpa do litigante e à maior ou menor censurabilidade do comportamento que adotou. Na avaliação e graduação da culpa atender-se-á à diligência do bom pai de família, mas atendendo sempre às circunstâncias do caso.
Na situação presente, o comportamento do embargante é evidentemente censurável, se o compararmos com aquele que seria exigível de um bom pai de família, o homem comum que atua segundo parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais. A má fé traduz-se precisamente na violação do dever de probidade que é exigível às partes, concretizado no dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não omitir factos relevantes para a decisão da causa.
É, pois, pela intensidade da violação deste dever de probidade que se há-de sancionar, através da aplicação da multa prevista no artigo 27º, nº3 do Código das Custas Processuais, variável entre 2 UC e 100 UC, a conduta do litigante de má fé.
A multa de sete mil euros com que a sentença sancionou a conduta do embargante é desajustada, por excessiva, não correspondendo a um justo equilíbrio entre o grau de culpa e a censurabilidade do comportamento, no quadro da concreta ação judicial.
Impõe-se destarte a sua redução, expresso em unidades de conta, para o montante mais equilibrado de 15 UC.
Para além da multa, a litigância de má fé pode levar à aplicação ao litigante de uma outra sanção, a indemnização à parte contrária.
A condenação em multa não depende de pedido da parte, podendo, ou melhor, devendo, o Tribunal aplicá-la desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.
Já no que diz respeito à indemnização, afigura-se-nos indubitável que ela terá de ser pedida pela parte.
Tal resulta do teor literal do artigo 542º, nº1, do CPC: “Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Porque a litigância de má fé pode surgir em qualquer momento da marcha do processo, a indemnização não tem que ser formulada nos articulados, podendo inclusive ser pedida na pendência do recurso, mas só é legalmente consentido o seu pagamento se a parte contrária a pedir.
Destarte, para que o crédito indemnizatório se constitua na esfera jurídica do lesado é necessária a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância censurável; por outro, que o lesado com essa conduta, formule o pedido indemnizatório (8).
A propósito do direito da contraparte à indemnização, escreveu-se no acórdão da Relação do Porto de 23.12.2001 que para que tal possa suceder, necessário se torna que a respetiva parte tivesse formulado pedido nesse sentido, adiantando a competente fundamentação (9).
No mesmo sentido, Abrantes Geraldes afirma que nesta matéria vigora o princípio do dispositivo, já que a referida indemnização apenas poderá ser arbitrada na medida em que tenha sido pedida pela parte (10).
Ora, o exequente/embargado não formulou nos autos qualquer pedido indemnizatório, no âmbito da litigância de má-fé.
Porque assim, o tribunal a quo não podia ter condenado o recorrente no pagamento das despesas processuais do exequente e no pagamento dos honorários do ilustre mandatário.
Pelo exposto, o recurso procede parcialmente, reduzindo-se o montante da multa fixado pela condenação como litigante de má fé, para 15 UC, e revogando-se a sentença na parte relativa à condenação no pagamento da indemnização.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando o montante da multa fixado pela condenação do embargante como litigante de má fé para 15 UC, revogando-se a sentença na parte relativa à condenação no pagamento da indemnização.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 30 de Junho de 2022

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes



1. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol., 3ª ed., pág. 341.
2. Ob. Cit., pág. 313.
3. Neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra, de 28.05.2019, disponível em www.dgsi.pt
4. Neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 25.10.2018, disponível em www.dgsi.pt.
5. Disponível em www.dgsi.pt.
6. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, pág. 269.
7. Disponível em www.dgsi.pt.
8. Neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 11.05.2017, disponível em www.dgsi.pt.
9. Disponível em www.dgsi.pt.
10. In “Temas Judiciários”, pág. 334.