Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
375/20.5T8BCL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
VALOR PROBATÓRIO DA PROVA PERICIAL
IPATH
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A prova pericial em que se traduzem os exames médicos realizados no âmbito das acções emergentes de acidente de trabalho está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo livremente fixada pelo Tribunal, nos termos prescritos nos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código do Processo Civil, não estando assim o Tribunal impedido de atribuir maior força probatória a outros meios de prova, que apontem fundamentadamente para a modificação do resultado da perícia médica realizada nos autos e se fixe assim um entendimento divergente daquela
II - O exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada actividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afectado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual.
III – Existindo nos autos elementos factuais, designadamente as exigências do trabalho prestado à data do acidente e as suas repercussões no posto de trabalho depois da cura clínica, que conduzem à impossibilidade do exercício da profissão habitual, impõe-se ao julgador divergir do laudo de junta médica, atribuindo ao sinistrado IPATH.
IV – É de atribuir IPATH se atualmente o sinistrado não tem condições físicas para de forma segura exercer o núcleo essencial das suas tarefas de pedreiro que tinham quando ocorreu o acidente e que impõem a persistente capacidade de mobilização e força dinâmica dos membros inferiores.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE – X SEGUROS, S.A.
APELADO – J. G.

Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo do Trabalho de Bragança

I – RELATÓRIO

Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. G. e responsável X SEGUROS, S.A., não obteve êxito a tentativa de conciliação, em virtude da discordância manifestada pela Seguradora quanto à questão das incapacidades designadamente quanto ao período de incapacidade temporária parcial (ITP) de 55% (91 dias) e, nesta decorrência, a data da alta; a incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho de 26,25%, atribuídos pelo senhor perito médico do Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, bem assim como a natureza da IPP com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), constante da proposta de acordo apresentada pelo Ministério Público.
Em tempo e ao abrigo do disposto no art.º 21.º nº 4 da Lei 98/2009 de 4/09 foi solicitado, ainda na fase conciliatória dos autos, parecer técnico complementar ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, tendo em vista o cabal esclarecimento da situação do sinistrado no que respeita à desvalorização funcional atribuída se o torna ou não incapaz para a profissão habitual pedreiro. No âmbito da emissão de tal parecer conclui-se que o sinistrado se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Notificadas as partes de tal parecer nada vieram dizer.
Não tendo sido possível a conciliação entre as partes, veio a Seguradora requerer a realização de junta médica, nos termos do artigo 138.º n.º 2 do C.P.T., tendo apresentado os respectivos quesitos.

Designada tal diligência, nela vieram os peritos nomeados responder aos quesitos nos termos consignados no auto de junta médica, emitindo parecer por unanimidade, no qual concluíram o seguinte:

- O sinistrado, sendo portador de prótese total da anca esquerda (PTA) prévia, sofreu fratura do fémur esquerdo, consolidada em rotação externa de 15% (factos já admitidos pelas partes na tentativa de conciliação);
- Por força do acidente apresenta queixas dolorosas ocasionais e limitação funcional por rotação externa de 15% do membro inferior esquerdo, sequelas que lhe determinam, atendendo ao fator de bonificação em função da idade do sinistrado, uma IPP de 15% (0,100 x 1.5), enquadradas no Cap. I.11.2.1 b) da TNI.
- Pela fratura em causa e pela consolidação da mesma, não é de atribuir IPATH.

Seguidamente foi pelo Tribunal a quo proferida sentença no âmbito da qual se fixou ao sinistrado a IPP de 15%, com IPATH, desde a data da alta (17/05/2017) e da qual consta o seguinte dispositivo.

“Nestes termos e, pelo exposto, condeno X Seguros, S.A. a pagar ao sinistrado J. G., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo de Trabalho):
- a pensão anual, vitalícia e atualizável de €5.203,60 (cinco mil duzentos e três euros e sessenta cêntimos), com início em 15/04/2020;
- o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de €4.285,26 (quatro mil duzentos e oitenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos), a pagar de uma só vez e momento;
- a quantia de €836,79 (oitocentos e trinta e seis euros e setenta e nove cêntimos) a título de diferença nas indemnizações por incapacidades temporárias;
- a quantia de €20,00 (vinte euros) a título de despesas de deslocação.
Valor da ação: €67.668,51.
Custas pela requerida seguradora.
Registe e notifique.”

Inconformada veio a Seguradora interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

A. No presente recurso será impugnada tanto a vertente fáctica da douta sentença recorrida como a solução jurídica aí firmada.
B. A questão que se coloca à apreciação do tribunal ad quem é a de saber se, face à prova produzida, o tribunal a quo poderia dar como provado que o Sinistrado padece de uma IPP de 15%, com IPATH.
C. Salvo o devido respeito, a Apelante não pode concordar com os fundamentos de facto e de direito que sustentam a Douta decisão proferida, considerando que a mesma advém de uma errada apreciação da prova produzida e com o consequente erro de julgamento, o que redundou numa desadequada subsunção jurídica dos factos e injusta decisão de mérito. Violou e interpretou erroneamente as normas por si próprias invocadas e o disposto no n.º 5 das Instruções Gerais da TNI.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO DO ERRO DE JULGAMENTO (REAPRECIAÇÃO DA PROVA)

D. O presente recurso sobre a douta decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Apelante de que o Douto Tribunal a quo terá efectuado uma incorrecta apreciação da prova, e concretamente na instrução da matéria factual relativa à fixação de uma IPP de 15% com IPATH, os quais, por motivos que infra se demonstrará, deveria ter sido considerado não provado, atenta a prova produzida.
E. Assim, pese embora o teor da junta médica, que por unanimidade, os Peritos médicos não atribuíram IPATH ao sinistrado, o Tribunal a quo deu como incorrectamente provado que o mesmo se encontra afectado de uma IPATH e consequentemente fixou-lhe uma IPP de 15% com IPATH.
F. As questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo. É nosso entendimento que o Tribunal a quo não dispunha de elementos seguros para divergir da inquestionável força probatória do auto de exame por junta médica.
G. Dito de outra forma, não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar, no entanto, em casos devidamente fundamentados, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que possa extrair no âmbito da sua prudente convicção.
H. O Tribunal a quo não opera uma fundamentação clara da razão da divergência, limitando-se a trazer à colação o relatório do IEFP, que como infra demonstraremos, não passa de uma entrevista. Salvo o devido respeito, inexiste qualquer documentação clínica ou outro documento subscrito por um profissional de saúde, que permita afastar o resultado do laudo por junta médica.
I. Apresentam-se os pareceres do IEFP como instrumentos técnicos, não realizados por profissionais de saúde, que visam o esclarecimento de eventuais dúvidas sobre o emprego do trabalhador incapacitado.
J. Acresce que, sem prejuízo do contributo essencial do parecer técnico emitido pelo IEFP, na parte em que procede ao estudo do posto de trabalho (tarefas e exigências), aquele tem que ser adequadamente ponderado na parte em que esteja em causa a atribuição, ou não, ao sinistrado de IPP ou IPATH, maxime havendo uma junta médica unânime.
K. Assim, e tendo em consideração que os Exmos. Peritos do sinistrado, da seguradora e do tribunal responderam de forma clara e consensual aos quesitos formulados no sentido de que o sinistrado se não acha afectado de IPATH, não vemos razões objectivas para discordar do laudo pericial.
L. Ora, quanto à atribuição de IPATH, face à relevância que deve ser dada à prova pericial, pela sua natureza, em termos que aludimos anteriormente, ao apontar essa em sentido negativo, não encontramos razões, baseadas em prova que lhe dê sustento, para afastarmos aquela pronúncia médica pericial, assumindo aqui relevância, em termos de formação da convicção.
M. É esta a razão de ser da intervenção da junta médica nas acções emergentes de acidente de trabalho – cfr. os artigos 138.º e ss. e 145.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho – em que os mesmos factos já apreciados no primeiro exame “voltam agora à apreciação de outros peritos mais numerosos”.
N. Ficando claro que o Sinistrado apenas se encontra desvalorizado numa IPP de 15%, conforme resulta unanimemente do laudo da junta médica, nos termos do artigo 662º n.º 1 do Código Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 1º n.º 2 do Código Processo de Trabalho, deve-se proceder à alteração da decisão.
O. A sentença recorrida violou e interpretou erroneamente as normas por si próprias invocadas e o disposto no n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, devendo assim ser o Sinistrado considerado desvalorizado numa IPP de 15%.

IMPUGNAÇÃO DA SOLUÇÃO JURÍDICA

P. A propugnada alteração da decisão sobre a matéria de facto implicaria, como consequência directa e necessária, salvo o devido respeito por diverso entendimento, a não atribuição de IPATH ao Sinistrado.
Q. Não ficando provado que o Sinistrado se encontra com IPTAH, a douta decisão ora posta em crise se mostra, assim, inquinada, devendo ser substituída por outra que apenas fixe ao Sinistrado uma IPP de 15%.
TERMOS EM QUE, Deverão V. Exas. julgar o presente recurso de apelação procedente, revogando a sentença recorrida e proferindo acórdão nos termos supra expostos.
Fazendo assim a Sã e Costumeira JUSTIÇA.

Não houve resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.
Cumpridos os vistos, cumpre apreciar.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal respeita à atribuição ou não ao sinistrado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra, a que acrescem os seguintes:

1 – No dia 28 de Maio de 2019, cerca das 17H00M, o sinistrado J. G. sofreu um acidente – ao subir para um camião, para descarregar, escorregou e caiu - quando trabalhava, em …, Barcelos, sob a autoridade, direção e fiscalização da sua entidade empregadora, “Construções S. M., S.A.”.
2- Tinha a categoria profissional de pedreiro e auferia, à data do acidente, a remuneração anual ilíquida de €9.818,12 (€600,00 x 14 + €128,92 x 11).
3- A responsabilidade infortunística encontrava-se integralmente transferida para a seguradora demandada.
4- A seguradora reconheceu o acidente como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, o salário auferido pelo sinistrado à data do acidente e a sua responsabilidade na reparação.
5- O sinistrado despendeu a quantia de €20,00 em deslocações, que a seguradora aceitou pagar.
6- O sinistrado sofreu 231 dias de ITA, desde 29/05/2019 até 14/01/2020 – para além de 91 dias de ITP de 55% desde 15/01/2020 até 14/04/2020.
7- A seguradora pagou ao sinistrado a quantia de €4.455,18 a título de indemnização por incapacidades temporárias.
8- J. G. nasceu em -/09/1963.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da atribuição ao sinistrado de IPATH.

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter divergido do laudo unanime de junta médica valorizando o parecer do IEFP, atribuindo ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual, contrariando o auto de junta médica no qual de forma unanime foi entendido pelos Srs. Peritos Médicos não ser de atribuir ao sinistrado incapacidade para o trabalho habitual.
Reclama por isso que se altere a decisão recorrida valorizando-se o auto de junta médico unanime que entendeu não ser de atribuir ao sinistrado IPATH.

A este propósito o tribunal a quo consignou o seguinte na sentença recorrida:

Já no que concerne à IPATH, trata-se de questão com exige maior reflexão, envolvendo a avaliação dos restantes elementos do processo, sendo que o tribunal não está não está absolutamente vinculado aos laudos médico-legais, já que se trata de meios de prova a apreciar livremente pelo tribunal, que poderá deles divergir em situações devidamente fundamentadas, sem pôr em causa o juízo emitido pelos peritos médicos, mas sim a sua adequação a uma concreta e determinada realidade (cfr art.ºs 388.º e 389.º do Código Civil e art.º 489.º do Código de Processo Civil).
Assim, definidas e enquadradas que estão, face à TNI, as lesões e sequelas que o sinistrado apresenta, questão esta de cariz essencialmente técnico/médico, o juízo quanto à questão de saber se as mesmas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação de diversos outros aspetos, como o tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
Cabe assim ao tribunal decidir se o sinistrado se encontra ou não afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), para o que se mostra essencial analisar as características da atividade profissional do sinistrado e as funções do seu posto de trabalho.
A IPATH pressupõe a impossibilidade de o sinistrado executar as tarefas características da atividade laboral que exercia, ficando este, porém, com uma capacidade (residual) para o exercício de outra atividade.
Tal como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/10/2019, disponível em www.dgsi.pt, “I. A incapacidade absoluta para o trabalho habitual não implica a impossibilidade da totalidade das tarefas incluídas na categoria. O que releva é o núcleo essencial dessas funções, as tarefas que dão corpo à categoria, o núcleo das tarefas que eram executadas. II. Deve considerar-se afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual o sinistrado que apenas pode desempenhar funções residuais ou acessórias do trabalho que habitualmente executava.”
Como refere Carlos Alegre a propósito do artigo 17º da Lei 100/97, de 13/09 “a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta” - Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, Almedina, 2ª Edição, 2005, pág. 96.
Para esta avaliação, apresenta-se da maior importância a realização do inquérito profissional e análise do posto de trabalho, a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 13 das Instruções Gerais das TNI, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23/10, bem como a requisição de parecer por parte de peritos especializados a que se reporta o art.º 21.º, n.º 4, da Lei 98/2009, de 04/09, o qual foi, no caso dos autos, solicitado ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP de Barcelos, cujo relatório se encontra junto a fls. 72-78 dos autos.

Do inquérito profissional e estudo do posto de trabalho junto a fls. 49 verso a 50, resulta que:
- O sinistrado tinha como profissão de pedreiro à data do acidente, atividade profissional que desenvolvia desde 2009 e que tem as seguintes caraterísticas:
- É desenvolvida no interior e sobretudo no exterior, ao ar livre; - Envolve trabalho em alturas;
- Envolve trabalho predominantemente em pé.

Do parecer técnico elaborado pelo IEFP, IP, cujo relatório se encontra junto a fls. 72 a 78 dos autos, oportunamente notificado às partes, resulta que:

- À data do acidente, o sinistrado desenvolvia habitualmente tarefas como as seguintes: “executa caboucos e edificações em betão armado, efetua revestimentos de maciços de alvenarias de tijolo, ou de outros blocos, efetua roços e demolições, realiza cobertura com telha, efetua armações e cofragem, manejando ferramentas e máquinas apropriadas e realizando as seguintes tarefas e operações:

1. Prepara e organiza o trabalho de acordo com as características da obra:
1.1 Seleciona os materiais, os equipamentos, as ferramentas e os meios auxiliares a utilizar em função dos trabalhos a efetuar;
2. Colabora na execução de fundações diretas de elementos estruturais de alvenarias e de pavimentos;
2.1 Participa na marcação e sinalização de alinhamentos para abertura de caboucos, seguindo as instruções do responsável da obra;
2.2 Verifica medidas e prepara a base dos caboucos para enchimento; 2.3 Efetua e/ou acompanha o enchimento dos caboucos.
3. Executa alvenarias estruturais e de tapamento
3.1 Efetua marcações em obra de acordo com as indicações recebidas;
3.2 Efetua a preparação de massas e argamassas quanto à constituição das mesmas; 3.3 Executa alvenarias com materiais diversos.
4. Executa revestimentos em pavimentos, paredes e tetos
4.1 Executa betonilhas de regularização e de acabamentos em pavimentos e outras superfícies;
4.2 Prepara a massa de pedreiro, efetuando a mistura dos componentes na betoneira utilizando a pá;
4.3 Efetua, ocasionalmente, rebocos para executar acabamentos em paredes e tetos; 4.3.1 Marca pontos, mestras, com a ajuda do prumo e régua de nível;
4.3.2 Arremessa a massa para a parede ou teto utilizando a colher de pedreiro; 4.3.3 Procede ao alisamento e nivelamento utilizando as réguas e a talocha.
5. Efetua coberturas de telha de cerâmica ou de outro material:
5.1 Assenta a estrutura de suporte à cobertura, respeitando as dimensões adequadas (vigas de pré-forçado, vigas de alumínio e ferro, travessas);
5.2 Coloca as telhas encaixando-as na respetiva estrutura; 5.3 Efetiva os acabamentos necessárias com massa.
6. Realiza desmontes e demolições, utilizando ferramentas adequadas, nomeadamente martelos pneumáticos e elétricos.
7. Realiza, regularmente, as tarefas inerentes ao carpinteiro de cofragens: 7.1 Executa elementos de estruturas de cofragens em madeira;
7.2 Marca sobre a madeira os pontos e as linhas de referência, segundo a forma e as dimensões do trabalho a executar;
7.3 Corta, serrando, palmetas, barrotes e vigas, com ferramentas e equipamentos adequados;
7.4 Instala em obra estruturas e cofragens em madeira ou painéis metálicos, destinados a trabalhos de betonagem de lajes, placas, pilares, vigas, escadas e telhados;
7.5 Monta e fixa os elementos/painéis de madeira ou metálicos segundo a forma e as dimensões previstas no projeto ou no plano de execução;
7.6 Aplica extensores, grampos, parafusos e pregos para fixar os elementos de cofragem;
7.7 Apruma e nivela a cofragem para que a estrutura de betão fique nivelada, horizontal ou verticalmente, conforme o trabalho que está a ser executado, utilizando prumos ou níveis de laser coordenando o ajustamento dos extensores ou colocação de cunhas;
7.8 Verifica se a instalação das cofragens está conforme o plano de execução da obra; 7.9 Acompanha os trabalhos de betonagem coadjuvando na distribuição uniforme e adequada do betão, utilizando aparelhos apropriados para o efeito;
7.10 Procede à desmontagem dos painéis e estruturas de madeira, após o enchimento e a secagem, utilizando ferros de desmontagem (pés de cabra) e outros equipamentos, desapertando extensores, parafusos e retirando pregos e grampos.
8. Assegura a carga e descarga de materiais para a obra (sacos de cimento, tijolos, telhas, azulejos, mosaicos, pedras, areia, vigas de pré-esforçado, etc.).
9. Verifica a qualidade do trabalho em função das especificações técnicas solicitadas. 10. Assegura a limpeza e conservação das máquinas e ferramentas de trabalho que utiliza.

O efetivo desempenho destas tarefas requer e envolve os seguintes riscos profissionais, as condições ambientais, e as exigências sensoriais, físicas, motoras e cognitivas:

• Relativamente às condições de execução do trabalho as tarefas são executadas na maioria do tempo em ambiente exterior, em contexto de obra, estando o titular sujeito às normais condições atmosféricas, nomeadamente chuva, vento, frio, calor e mudanças de temperatura. O trabalhador está sujeito a quedas e a trabalhar em posição de equilíbrio instável (trabalhar em andaime, em cima de estruturas de betão, escadas, telhados).

O trabalhador está submetido, pela utilização do martelo pneumático e/ou elétrico, a níveis elevados de vibração de braços, à exposição a ruídos intensos e, ainda, à inalação de poeiras e produtos químicos (pós de cimento, poeiras de pedra, etc.).
Os riscos profissionais a que está mais exposto são dos tipos músculo-esquelético (afeções osteoarticulares dos membros superiores; bursite acromial tendinites, hérnias discais, etc.) doenças do aparelho respiratório (fibrose pulmonar pela inalação de sílica do pó de pedra e pó de cimento), dermatológico (dermatites de contato reativas ao cimento e outras substâncias) e hipoacusia (exposição ao ruído do martelo pneumático e outros equipamentos).
Quanto às exigências físicas, e no que respeita às posturas, esta função exige que o trabalhador adote na maior parte do tempo a posição de bipedestação. Adota também com muita frequência outras posturas, como curvado, cócoras e de joelhos no decurso das atividades de pedreiro (assentar tijolos ou blocos, nivelar paredes e pavimentos, executar cofragens).
No desenvolvimento da atividade o trabalhador está sujeito a frequentes flexões frontais e torções laterais do tronco, flexão, torção e extensão do pescoço, bem como a trabalhar com os braços estendidos em frente e acima dos ombros (construir estruturas de betão/alvenaria de grande altura).
• Em termos de locomoção a função exige persistentes deslocações em terreno plano, desnivelado e acidentado (escavações, piso da obra com obstáculos), a subida e descida frequente de escadas e andaimes, transportando pesos diversos: materiais e equipamentos como martelos pneumáticos/elétricos, prumos, níveis, barrotes, baldes com massa, vigas de pré-forçado, etc., assim como deslocar carros de mão com carga.
• No que diz respeito ao tipo e intensidade do esforço, a função exige que o titular levante, manuseie, transporte/desloque ou sustente pesos até 30/40 Kg (transportar sacos de cimento, transportar o martelo pneumático/elétrico, transportar/manusear vigas de pré-forçado, e ainda, transportar baldes de cimento, tijolos, blocos de betão, taipais, barrotes) e deslocar pesos que podem ascender os 100 Kg (puxar/empurrar o carro de mão e com material diverso, deslocar/puxar/empurrar painéis de cofragem).
• Ao nível das exigências psicomotoras, é necessária agilidade física e coordenação motora no desenvolvimento das tarefas, especificamente a coordenação motora mão-mão, ombro-braço-mão, coxa-perna-pé e braço-braço. É ainda exigido a firmeza e o controlo muscular contínuo no sistema braço-mão (manipular a colher, a talocha, a régua, o martelo pneumático/elétrico, etc.). É requerido também elevada firmeza e controlo muscular contínuo ao nível dos membros inferiores (subir e descer escadas e andaimes, manter posturas em equilíbrio instável e em altura, adotar e manter de forma persistente as posturas de joelhos e de cócoras).
• Em termos de exigências sensoriais e cognitivas, não são necessárias acima da média para a execução das tarefas, sendo, importantes a capacidade de visualização espacial, a atenção distribuída, assim como a orientação corporal e cinestesia (capacidade para detetar a posição e o equilíbrio do corpo).

A execução de tais tarefas exige:
• É requerido a persistente mobilização dos membros inferiores ao nível da articulação coxa-perna-pé que permita executar as tarefas inerentes à atividade profissional de pedreiro, designadamente subir e descer escadas e andaimes, manter posturas em equilíbrio instável e em altura, adotar e manter de forma persistente as posturas de joelhos e de cócoras.
• É requerido a persistente força dinâmica de ambos os membros inferiores, que permita transportar objetos de dimensão e pesos diversos, até 30/40Kg., puxar e empurrar pesos que podem ascender os 100 Kg. (empurrar/puxar o carro de mão com pesos diversos, empurrar/puxar/deslocar painéis de ferro).

No caso em apreço, considerando as lesões e sequelas (aceites pelas partes) que o sinistrado apresenta no membro inferior esquerdo - fratura do fémur consolidada em rotação externa de 15% - que lhe causa, para além de queixas dolorosas, limitação funcional por rotação externa de 15% do membro inferior esquerdo, a que corresponde uma IPP de 15% (0,10 x 1.5), tendo em conta as caraterísticas supra descritas da atividade profissional do sinistrado e as regras da experiência comum, não se vislumbra como o sinistrado poderá, sem por em risco a sua saúde e segurança, continuar a exercer a maioria das tarefas profissionais que exercia à data do acidente, tarefas que exigem, durante todo o turno de trabalho, esforços intensivos, continuados e pesados e que exigem ampla capacidade de locomoção, em terreno plano, desnivelado ou acidentado e elevada firmeza e controlo ao nível dos membros inferiores (subida e descida frequente de escadas e andaimes, transportando pesos diversos materiais e equipamentos) e manter posturas em equilíbrio instável e em altura.
Entendemos assim que o sinistrado deixou, pura e simplesmente, de poder exercer a atividade de pedreiro, em tudo o que na sua essência isso traduz, que era a sua atividade e categoria profissional habitual, para passar a exercer funções meramente residuais
Assim a conclusão a retirar, compatível com todos os elementos do processo e as regras da experiência comum, é que a incapacidade que o sinistrado apresenta por força das lesões e sequelas decorrentes do acidente, é, não uma incapacidade para todo e qualquer trabalho, o que não está sequer em causa nos autos, mas uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de pedreiro, que, naturalmente lhe deixa margem (capacidade restante) para o exercício de outras funções profissionais, mormente a de auxiliar.
No sentido do exposto, cfr Acórdão do TRG de 24/10/2019, in www.dgsi.pt.
Por estas razões, não obstante a habilitação técnica dos Ex.mos Peritos que integraram a junta médica, entendemos afastar, nesta parte, o laudo-médico dos Ex.mos Peritos e decidir que as lesões e sequelas que o sinistrado apresenta, lhe determinam uma IPP de 15%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde a data da alta, que se fixa em 14/04/2020, não havendo razões para, nesta matéria, divergir da perícia médica de fls. 57-59, quanto ao período de ITP de 55% fixado, tendo em conta a natureza das lesões e o tipo de tratamentos exigidos (cirurgia, internamento, tratamento fisiátrico e uso de meios auxiliares de locomoção/canadianas).”

Vejamos:
Como refere Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 96, a propósito da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), “trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade, laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”. Contudo daqui não resulta só ser de atribuir IPATH quando o sinistrado não poder executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho, ao invés significa apenas que o sinistrado deixou de poder executar pelo menos o núcleo essencial das tarefas que anteriormente exercia.
A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma vulgar IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual, correspondendo este às funções fulcrais e que predominante desempenhava à data do acidente.
Assim, o exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada actividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afectado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual.
Conforme se refere a este propósito no acórdão deste Tribunal de 24/10/2019, Proc. n.º 1730/15.8T8VRL.G1, relator Antero Veiga, “A incapacidade absoluta para o trabalho habitual não implica uma impossibilidade de execução da totalidade das tarefas incluídas na categoria. O que releva no caso é o núcleo essencial dessas funções, as tarefas que dão corpo à categoria, o núcleo das tarefas que eram executadas.
O STJ no acórdão uniformizador de 28/5/2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, refere que “...na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho…”
Consta ainda do acórdão e relativamente à reconvertibilidade, que “ a reconversão em relação ao posto de trabalho … materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.”
Importa assim que o trabalhador retome ou possa retomar o essencial das suas anteriores tarefas, ainda que com esforço acrescido e eventualmente com algumas modificações técnicas ou outras, que visam precisamente adaptar o local ou a forma de prestação, de modo permitir a execução dessas tarefas em função das limitações funcionais adquiridas.

Como acertadamente se refere no Ac. RL de 7/3/2018, processo nº 1445/14.4T8FAR.L1-4:
“ não se pode falar em IPATH se o sinistrado retoma a totalidade das suas funções ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente. Neste caso, o sinistrado, pese embora os constrangimentos e esforço acrescido continua a conseguir executar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho.
Se não consegue, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.”
Na mesma linha o Ac. da R.P. de 30/5/2018, processo nº 2024/15.4T8AVR.P1, referindo, “O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caraterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa (s) tarefa (s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.”
No caso em apreço foi atribuída ao sinistrado uma IPP com IPATH, com base no parecer emitido pelo IEFP, conjugado com a restante informação clínica resultante dos autos, em manifesta divergência no que respeita à atribuição de IPATH com o laudo unanime de junta médica.
Importa salientar que a prova pericial, em que se traduzem os exames médicos realizados no âmbito das acções emergentes de acidente de trabalho, está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo livremente fixada pelo Tribunal, nos termos prescritos nos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código do Processo Civil, não estando assim o Tribunal impedido de atribuir maior força probatória a outros meios de prova, que apontem fundamentadamente para a modificação do resultado da perícia médica realizada nos autos e se fixe assim um entendimento divergente daquela- cfr. Ac. STJ de 8/06/2021, Proc. n. 3004/16.8T8FAR.E1.S1.
Como temos vindo a defender, designadamente no Ac. de 12-09-2019, Proc. n.º 327/18.5Y2GMR, “resulta do disposto no artigo 140.º do CPT. que a fixação da incapacidade para o trabalho decorre de decisão soberana do juiz, que evidentemente terá de ter em atenção a prova pericial produzida, que deverá ser apreciada livremente pelo julgador. No entanto, atenta a natureza técnica e complexa associada a este tipo de perícia, na maioria dos casos a decisão proferida pelo juiz relativamente à fixação da incapacidade para o trabalho corresponde àquela que foi atribuída pelos peritos médicos que intervieram no processo em exame singular ou colegial e sendo este último presidido pelo juiz, permite-lhe indagar e esclarecer, aquando da realização do exame, todas as suas dúvidas resultantes da complexidade e tecnicidade que normalmente decorre de uma perícia médico-legal.
Reafirmamos que destinando-se esta prova a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 322 e segs.), deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, mas apenas deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes.”
Retornando ao caso dos autos teremos de dizer que de forma clara e cabalmente fundamentada e justificada a juiz a quo divergiu do auto unânime da junta médica no que tange à atribuição de IPATH, com o que não podemos deixar de concordar, já que os demais elementos de prova que constam dos autos conjugados com as regras da experiência impunham a divergência do auto de junta médica.
Com efeito do inquérito profissional e análise do posto de trabalho, a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 13 das Instruções Gerais das TNI, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10, bem como do parecer por parte de peritos especializados a que se reporta o art.º 21.º, n.º 4, da Lei 98/2009, de 04/09, solicitado ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP de Barcelos, permite-nos divergir do auto unânime de Junta Médica, no qual apenas se conclui de forma concisa e desprovida de fundamentação (não resulta do referido laudo que tivessem sido apreciadas as funções concretamente exercidas pelo sinistrado), não ser de atribuir ao sinistrado IPATH.
Como se refere no Ac. da Relação de Évora de 14-06-2018, Proc. n.º 1679/15.0T8BJA.E1 (relator Moisés Silva), consultável in www.dgsi.ptNo caso concreto, não está em causa o laudo pericial emitido pela junta médica, nem o seu juízo científico, mas sim elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências físicas, mentais e emocionais, em que o trabalho era prestado no momento do acidente de trabalho e as suas repercussões no posto de trabalho a partir da data da alta. Em face das sequelas das lesões decorrentes do acidente e das caraterísticas funcionais do posto de trabalho em causa, o tribunal analisa e pondera se no caso concreto o trabalhador pode continuar a prestar aí a sua atividade tal como se não tivesse havido acidente de trabalho, embora de forma mais penosa, ou se tal é impossível.”

No caso dos autos, os elementos probatórios permitem concluir com segurança o sinistrado, em virtude das lesões sofridas, bem como das respectivas sequelas de que é portador em consequência do acidente dos autos, designadamente o facto de no membro inferior esquerdo apresentar fratura do fémur consolidada em rotação externa de 15% - que lhe causa, para além de queixas dolorosas, limitação funcional por rotação externa de 15% do membro inferior esquerdo, a que corresponde uma IPP de 15% (0,10 x 1.5), não ficou em condições físicas de voltar a desempenhar as tarefas nucleares inerentes ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente – pedreiro da construção civil -, as quais demandam esforços intensivos, continuados e pesados, que exigem ampla capacidade de locomoção, em terreno plano, desnivelado ou acidentado e elevada firmeza e controlo ao nível dos membros inferiores e manter posturas em equilíbrio instável e em altura.
Resulta do parecer do IEFP que o sinistrado atualmente apenas desempenha para o mesmo empregador tarefas compatíveis com o seu estado de saúde, tais como limpeza de material e de equipamento. Contudo à data do acidente, o sinistrado desenvolvia habitualmente as seguintes tarefas “executa caboucos e edificações em betão armado, efetua revestimentos de maciços de alvenarias de tijolo, ou de outros blocos, efetua roços e demolições, realiza cobertura com telha, efetua armações e cofragem, manejando ferramentas e máquinas apropriadas.”
Sabemos também que as principais tarefas que o posto de trabalho de pedreiro da construção civil requerem persistente mobilização dos membros inferiores ao nível da articulação coxa-perna-pé de forma a permitir subir e descer escadas e andaimes, manter posturas em equilíbrio instável e em altura, adotar e manter de forma persistente as posturas de joelhos e de cócoras e requerem persistente força dinâmica de ambos os membros inferiores, que permita transportar objetos de dimensão e pesos diversos, até 30/40Kg., puxar e empurrar pesos que podem ascender os 100 Kg. (empurrar/puxar o carro de mão com pesos diversos, empurrar/puxar/deslocar painéis de ferro).
Resulta ainda do referido parecer que a profissão de pedreiro exige adequadas capacidades designadamente ao nível das exigências psicomotoras. É necessária agilidade física e coordenação motora no desenvolvimento das tarefas, especificamente a coordenação motora mão-mão, ombro-braço-mão, coxa-perna-pé e braço-braço, sendo também requerida elevada firmeza e controlo muscular contínuo ao nível dos membros inferiores (subir e descer escadas e andaimes, manter posturas em equilíbrio instável e em altura, adotar e manter de forma persistente as posturas de joelhos e de cócoras).
Em suma é imprescindível que o trabalhador possua um adequado sentido de equilíbrio, robustez e agilidade física com grande destreza manual e coordenação motora para poder praticar as diversas tarefas/funções associadas à actividade de pedreiro, que o sinistrado deixou de possuir em face das sequelas de que ficou portador no membro inferior direito.
Assim, existindo nos autos elementos factuais, designadamente as exigências do trabalho prestado à data do acidente e as suas repercussões no posto de trabalho depois da cura clínica, conjugadas com a idade do sinistrado e as regras da experiência, que conduzem à impossibilidade do exercício da profissão habitual, já que o sinistrado não consegue realizar o núcleo essencial das funções de sua profissão de pedreiro, bem andou o julgador divergir do laudo de junta médica, atribuindo ao sinistrado IPATH.
De tudo isto resulta que é de atribuir IPATH se atualmente o sinistrado não tem condições físicas para de forma segura exercer o núcleo essencial das suas tarefas de pedreiro que tinha quando ocorreu o acidente e que impõem a persistente capacidade de mobilização e força dinâmica dos membros inferiores.
Improcedem as conclusões do recurso e confirma-se a sentença recorrida.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 23 de Setembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga