Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4436/16.7T8VCT.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
MÁ-FÉ BILATERAL
PROVA INDIRETA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Estando em causa nos autos a impugnação pauliana de ato alegadamente efetuado a título oneroso, exige a lei a existência de má-fé, quer dos devedores, quer do terceiro adquirente - má-fé bilateral - traduzida na consciência do prejuízo que o ato causa ao credor, conforme definição constante do artigo 612.º, n.º 2, do CC;

II- Respeitando as circunstâncias em apreciação essencialmente ao foro interno, de âmbito psicológico, cognitivo ou volitivo da adquirente do direito alegadamente transmitido através de dação em cumprimento, ora recorrente, a respetiva prova não é, em regra, suscetível de ser feita de forma direta, salvo nas situações evidentemente raras de confissão dos próprios;

III- Daí que o Tribunal deva considerar o recurso à prova indireta, valorando a base factual disponível de acordo com as regras de experiência de modo a aferir se a mesma é suficiente para dela extrair, por presunção judicial, as circunstâncias integradoras da má-fé dos contraentes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

Caixa ..., CRL, intentou ação declarativa com processo comum contra G. M. e A. C.; e M. A., todos devidamente identificados nos autos, pedindo a declaração de nulidade do contrato de dação em pagamento retratado no artigo 20.º da petição inicial e o cancelamento do registo de aquisição a favor da ré M. A. com base nesse negócio; ou caso assim não se entenda, a procedência da impugnação pauliana do negócio de dação em pagamento, reconhecendo-se o direito da autora à restituição do quinhão hereditário e de ½ da fracção autónoma identificados nos autos, na medida do interesse da autora, podendo esta executá-lo no património da ré M. A..
Alegou para o efeito, e em síntese, que o contrato de dação em pagamento formalizado entre os réus configura negócio simulado, ou caso assim não se entenda, foi celebrado com vontade e consciência de prejudicar a autora, credora dos 1.ºs réus.
A ré A. C. apresentou contestação, impugnando parcialmente a factualidade invocada pela autora.
Também a ré M. A. contestou. Por exceção, invocou a invalidade da fiança pelo facto de a autora não ter constituído a hipoteca conforme estava contratualizado no contrato de empréstimo que constitui documento n.º 4 da petição inicial, impedindo os fiadores de ficarem sub-rogados no crédito e que quer os mutuários, quer os primeiros réus, são proprietários de bens em valor suficiente para garantir o pagamento integral à autora. No mais, impugnou genericamente toda a factualidade invocada pela autora, pugnando pela improcedência da ação.
Entretanto, a autora veio desistir do pedido deduzido a título principal, tendo tal desistência sido homologada pela competente sentença.
Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, tendo sido elaborado o despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, ao abrigo do disposto no artigo 596.º, do Código de Processo Civil (CPC).
Foram admitidos os meios de prova e realizada a prova pericial, após o que os autos prosseguiram com a realização da audiência final.

Foi então proferida sentença julgando a ação procedente, nos seguintes termos:

«Pelo exposto, julga-se procedente o pedido subsidiário e, em consequência, declara-se ineficaz quanto à autora o negócio de dação em pagamento, titulado pela escritura celebrada em 24.11.2014, podendo assim a autora executar o seu crédito identificado no ponto 10 do elenco dos factos provados, sobre o quinhão hereditário e ½ da fracção autónoma objecto da referida escritura.
Custas a cargo dos réus – cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.
Registe e notifique».

Inconformada com a sentença proferida dela apelou a ré M. A., pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O Tribunal “a quo” não deveria, salvo do devido respeito, ter dado como provado que
“23. Os réus actuaram bem sabendo que, ao efectuarem o negócio referido em 9. e 10., a autora ficaria impossibilitada de obter o pagamento dos seus créditos, à custa do património dos 1ºs réus”.
2. Dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, ficou provado, que à data da celebração da escritura de dação em pagamento, que a ré M. A. não era conhecedora que:
a. os primeiros réus eram fiadores de G. M. e E. M.;
b. G. M. e E. M. tinham empréstimos bancários com a autora;
c. esses empréstimos não estavam a ser cumpridos e
d. o avultado e conhecido património imobiliário de G. M. e E. M. não era suficiente para fazer face ao pagamento das suas responsabilidades junto da autora.
3. Ficou também demonstrado que os réus G. M. e A. C., à data da celebração da escritura de dação em cumprimento, acreditavam que o património de G. M. e E. M. era suficiente para pagar as responsabilidades junto da autora.
4. Não ficou provado a má-fé da Ré M. A..
5. Pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a verificação da impugnação paulina, pois tratando-se de um negócio oneroso, não se verificou que a Ré M. A. tenha agido de má-fé, ou seja, que tinha consciência do prejuízo que o ato causava à autora, conforme o exige o artigo 612.º do Código Civil
6. A douta sentença recorrida violou, por má interpretação, o disposto no artigo 5.º do CPC, tem feito um errada aplicação do disposto no art.º 612.º do Código Civil, devendo ser revogada».
A autora apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Reapreciação da decisão de mérito, na parte em que julgou verificados os requisitos da impugnação pauliana, designadamente quanto ao preenchimento do requisito da má-fé bilateral, como decorrência do que vier a ser decidido sobre a pretendida alteração da matéria de facto.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1.1.1. Por escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca e Fiança” celebrada e outorgada em 3-12-2010, G. M. e mulher E. M. confessaram-se solidariamente devedores ao banco autor da quantia de € 605.000,00 que do mesmo banco receberam a título de empréstimo, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.2. Os mutuários obrigaram-se a reembolsar o banco mutuante do capital e respetivos juros remuneratórios através de 60 prestações mensais e sucessivas, de juros e capital, com vencimento, a primeira delas, em 3-01-2011 e as demais em igual dia dos meses subsequentes, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.3. Para garantia do pagamento ou restituição de tal quantia mutuada e seus juros, remuneratórios e moratórios, os mutuários, acima referidos, declararam então e nesse ato notarial que constituíam hipoteca, a favor do banco autor e sobre o imóvel nessa escritura identificado, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.4. Os réus G. M. e A. C. outorgaram a escritura referida em 1.1.1 e nela declararam que se constituíam fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas pelos mutuários, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.5. Os mutuários G. M. e mulher E. M. e os réus G. M. e A. C. não pagaram a prestação do empréstimo que se venceu em 3-02-2014, nem as subsequentes.
1.1.6. Na sequência, a autora interpelou os 1.ºs réus informando-os do incumprimento, do valor em dívida à data e de que, caso o mesmo se mantivesse, iria recorrer a tribunal, conforme documentos de fls. 448v a 460v.
1.1.7. Em 2-02-2015, a autora instaurou contra os referidos mutuários e os 1ºs réus uma execução que corre termos sob o nº 539/15.8T8VCT, com base no aludido contrato de empréstimo, pelo valor de € 585.851,29, conforme certidão de fls. 434 a 436 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
1.1.8. Em 16-06-2011, a autora concedeu à sociedade J. C., Filho & Cª, Lda um empréstimo no montante de € 300.000,00, o qual deveria ser liquidado em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, com início em 16-07-2011 e no qual os réus G. M. e A. C. outorgaram como garantes/avalistas, conforme documento de fls. 23 a 24 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.9. Em 2-02-2015, a autora instaurou contra a mutuária e os 1ºs réus uma execução que corre termos sob o n.º 540/15.4T8VCT, com base no aludido contrato de empréstimo.
1.1.10. Após venda de bens imóveis pertencentes aos mutuários, o empréstimo aludido em 1.1.8 foi totalmente liquidado, em 27-07-2018 e o empréstimo referido em 1.1.1 foi parcialmente liquidado, pelo que, em 5-09-2018, encontrava-se em dívida a quantia de € 455.593,58 conforme documentos de fls. 392 a 408 dos presentes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.11. Por escritura pública de dação em pagamento, outorgada em 24-11-2014, os réus G. M. e A. C. declararam ser devedores à 2.ª ré M. A. da quantia de € 38.000,00, resultante de empréstimos que esta lhes fez, por diversas vezes e de cada uma delas em parcelas inferiores a cinco mil euros e que os devedores integraram na sua esfera jurídica sem quaisquer garantias nem estipulação de juros, conforme certidão de fls. 25 a 27 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.12. Mais declararam os referidos réus que, para extinção das citadas responsabilidades, em cumprimento da obrigação de restituir, lhe cediam: o quinhão hereditário pertencente à ré A. C. na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, A. F., falecido em ..-02-2001, correspondente a 3/16 dos bens que compõem a herança ao qual atribuíram o valor de € 8.570,00; sendo que fazem parte desta o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... sob o artigo ... e participações nas sociedades comerciais por quotas “X – Têxtil de Malhas, Lda” e “Y – Sociedade Têxtil, Lda; bem como a metade indivisa da fração autónoma designada pela letra “B”, descrita no registo predial sob o n.º 173 e inscrito na matriz sob o artigo ...-B, com o valor patrimonial de € 29.430,00, conforme certidão de fls. 25 a 27 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
1.1.13. Conscientes das suas responsabilidades para com a autora, os 1.ºs réus tomaram a iniciativa de realizar a dação em pagamento, tendo sido os mesmos a diligenciar junto do cartório notarial pela marcação da escritura pública.
1.1.14. O valor comercial do prédio urbano aludido na escritura pública de dação em pagamento ascende a cerca de € 227.600,00.
1.1.15. As participações sociais aludidas na mesma escritura pública têm valor não inferior a € 123.873,75.
1.1.16. A fracção autónoma aludida igualmente na dita escritura pública de dação em pagamento ascende a cerca de € 56.000,00, encontrando-se a mesma arrendada, pelo valor mensal de € 400,00.
1.1.17. Os 1.ºs réus não dispunham de qualquer outro património.
1.1.18. Aos mutuários G. M. e E. M. pertenciam os seguintes bens:
- prédio urbano, sito na Rua …, em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o nº …/19960530, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio urbano, sito no Lugar …, sítio do …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 4011 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1343;
- prédio rústico, sito no Lugar …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150602, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 168;
- prédio rústico, constituído por pinhal e mato, situado em …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 2100 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150512, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3622;
- prédio rústico, situado em …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 1100 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150512, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 1490 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150512, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio rústico, constituído por mato, situado em …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 1400 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150512, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio rústico, constituído por cultura arvense de regadio, situado em …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 1100 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150512, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em …, freguesia de ..., concelho de …, com uma área total de 3700 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20150512, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio urbano, situado na Rua …, freguesia de ..., concelho de …a, com uma área total de 183 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20070309, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em ..., freguesia de ..., concelho de ..., com uma área total de 38300 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20050426, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em ..., freguesia de ..., concelho de ..., com uma área total de 17.300 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20121012, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em …, freguesia de ..., concelho de ..., com uma área total de 3.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20071126, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em …, freguesia de ..., concelho de ..., com uma área total de 5200 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20050426, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …;
- prédio rústico, situado em ..., freguesia de ..., concelho de ..., com uma área total de 4610 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20121012, inscrito nas matrizes prediais rusticas sob o artigo … e …;
- prédio rústico, situado em …, freguesia de ..., concelho de ..., com uma área total de 1.490 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º …/20050426; conforme documentos de fls. 92 a 120 e cujo teor se dá por reproduzido.
1.1.19. Todos os bens imóveis referidos em 1.1.16. foram apreendidos e vendidos judicialmente, tendo o respetivo produto sido imputado nos valores em dívida pelos mutuários.
1.1.20. Corre termos neste tribunal, uma acção de impugnação pauliana com o n.º 2852/18.9T8VCT intentado pela autora contra os referidos mutuários e que tem por objeto o prédio denominado “Quinta da ...” que estes deram em cumprimento a um neto, conforme documento de fls. 424 a 433v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.21. O mutuário G. M. foi declarado insolvente no processo que corre termos sob o nº 434/16.9T8AVV, tendo o respetivo processo para liquidação da massa insolvente, conforme informação constante de fls. 124 dos presentes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.22. A ré A. C. foi declarada insolvente no processo que corre termos sob o nº 471/17.6T8VCT, conforme certidão de fls. 133v a 137 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.1.23. Os réus atuaram bem sabendo que, ao efetuarem o negócio referido em 11. e 12., a autora ficaria impossibilitada de obter o pagamento dos seus créditos, à custa do património dos 1ºs réus(1).

Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:

a) a 2.ª ré emprestou aos 1.ºs réus a quantia global de € 38.000,00;
b) os 1.ºs réus celebraram a dação em pagamento para não prejudicar os irmãos da ré A. C.;
c) os 1.ºs réus suportaram todos os encargos relativos à realização da escritura de dação em pagamento;
d) os bens imóveis pertencentes aos mutuários tinham o valor global de € 1.799.000,00.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. A apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto, alegando a propósito nas respetivas conclusões:

i) O Tribunal a quo não devia ter dado como provado que “23. Os réus atuaram bem sabendo que, ao efetuarem o negócio referido em 9. e 10., a autora ficaria impossibilitada de obter o pagamento dos seus créditos, à custa do património dos 1ºs réus” (conclusão 1.ª das alegações);
ii) Dos depoimentos prestados em audiência de julgamento ficou provado que à data da celebração da escritura de dação em pagamento a ré M. A. não era conhecedora que:
a. os primeiros réus eram fiadores de G. M. e E. M.;
b. G. M. e E. M. tinham empréstimos bancários com a autora;
c. esses empréstimos não estavam a ser cumpridos e
d. o avultado e conhecido património imobiliário de G. M. e E. M. não era suficiente para fazer face ao pagamento das suas responsabilidades junto da autora. (conclusão 2.ª das alegações);
iii) Ficou também demonstrado que os réus G. M. e A. C., à data da celebração da escritura de dação em cumprimento, acreditavam que o património de G. M. e E. M. era suficiente para pagar as responsabilidades junto da autora. (conclusão 3.ª das alegações);
iv) Não ficou provado a má-fé da Ré M. A. (conclusão 4.ª das alegações).

Nas contra-alegações apresentadas a apelada pronuncia-se no sentido de se verificar o incumprimento pela recorrente dos ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC, defendendo que a recorrente se limita a alegar de forma genérica e abstrata que dos depoimentos de parte e das testemunhas ouvidas em sede de audiência e discussão de julgamento não resulta provado que aquela tinha consciência que os 1.ºs réus eram fiadores dos devedores principais G. M. e mulher ou que o património de G. M. e mulher não era suficiente para liquidar as suas responsabilidades junto da recorrida, transcrevendo certas tranches do depoimento de parte do réu G. M., sem concluir fundadamente o raciocínio lógico-dedutivo que permitiria ao Tribunal a quo decidir de forma diversa da vertida na sentença impugnada, o mesmo se verificando no seu próprio depoimento de parte. De igual modo, a recorrente apenas alega, de forma inconclusiva, determinadas passagens do depoimento de parte da ré A. C., sem nunca fundamentar em concreto o alcance do mesmo. Defende que a recorrente não identifica as concretas expressões proferidas pelos referidos intervenientes capazes de colocar em crise a decisão do Tribunal recorrido, nem tão pouco fundamenta a conclusão a que deveria, no seu entendimento, ter chegado o Tribunal a quo mediante a conjugação dos referidos depoimentos com a demais prova produzida em sede de julgamento, uma vez que, conforme também refere, pelo teor de tais depoimentos impunha-se uma conclusão completamente contraditória com a pretendida pela recorrente. Conclui no sentido da rejeição do recurso, nesta parte.

Efetivamente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à pretendida reapreciação da decisão proferida.

Neste domínio, enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC o seguinte:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes (2), que «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

E tal como sintetiza ainda o citado autor (3), a propósito do sistema em vigor relativamente aos recursos sobre matéria de facto - o qual, em comparação com o disposto no artigo 639.º do CPC não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recurso da matéria de direito -, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos».

Resulta do exposto que a delimitação do âmbito probatório do recurso impõe, sob pena de rejeição, que a indicação dos concretos meio probatórios em que o recorrente fundamenta a sua discordância, bem como as concretas razões da mesma, seja efetuada relativamente a cada concreto facto impugnado.
Ora, na linha dos pressupostos supra enunciados e tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) (4), «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado».
Debruçando-se sobre os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que cumpra o ónus previsto no artigo 640.º do CPC na linha do entendimento constante da jurisprudência do STJ, refere-se ainda no Ac. STJ de 3-12-2015 (relator: Melo Lima) (5), «a recorrente ao dizer que determinado facto não devia ser dado como provado pelo confronto da prova testemunhal com a documental, fazendo uma transcrição da primeira, não está a fazer uma análise crítica da prova, nem sequer a fornecer os elementos necessários para permitir que o Tribunal a faça, deixando nas mãos do Tribunal uma atividade “recoletora” de todos os documentos e dos depoimentos identificados, não sendo assim possível ao Tribunal de recurso refazer o percurso/raciocínio lógico-jurídico que o próprio recorrente fez para concluir de forma diferente daquilo que a instância inferior decidiu.
Uma correta impugnação, que cumpra o ónus previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, passaria por identificar que determinado facto provado foi incorretamente julgado, enunciando-o e apresentando o porquê de tal incorreção, isto é, dever-se-ia apresentar uma análise crítica do/s elemento/s de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado».
Deste modo, não basta a alusão a determinados meios de prova quando reportados genericamente e em conjunto à apreciação da matéria impugnada.

No caso vertente, verifica-se pela análise das alegações da ré/apelante que esta indica nas respectivas conclusões o concreto ponto da matéria de facto que considera incorretamente julgado, nos termos supra enunciados.
Decorre igualmente das conclusões das alegações apresentadas que a recorrente especifica suficientemente a decisão que deve ser proferida sobre o ponto da impugnação da matéria de facto enunciado supra.
Relativamente aos meios probatórios que fundamentam a pretendida alteração à matéria de facto verificamos que as conclusões apresentadas pela apelante limitam-se efetivamente a aludir de forma genérica aos “depoimentos prestados em audiência de julgamento” (conclusão 2.ª das alegações).

Julgamos, porém, que tal constatação não leva, no caso vertente, à rejeição da impugnação da matéria de facto porquanto se verifica que no corpo das alegações a apelante alude aos concretos depoimentos que entende relevantes para firmar a discordância manifestada relativamente à convicção que foi extraída pelo Tribunal a quo, reportando-se para tal às declarações prestadas pelos réus em sede de audiência final e ao depoimento da testemunha P. J., indicando as passagens das gravações relevantes para o efeito, ainda que por referência às transcrições que apresentou quanto a tais depoimentos e transcrevendo excertos alargados dos mesmos.
É certo que a mera transcrição, no corpo das alegações, de excertos mais ou menos alargados dos depoimentos em referência, acompanhada de uma referência genérica ao que foi efetivamente declarado ou repetidamente afirmado mas sem qualquer alusão ao âmbito ou alcance específico das circunstâncias narradas e ao contexto em que o foram nem sempre revela uma verdadeira valoração crítica dos referidos meios de prova, o que pode comprometer de forma decisiva a possibilidade de o Tribunal de recurso refazer o percurso ou raciocínio lógico-jurídico que era exigível ao próprio recorrente fazer para concluir de forma diferente daquilo que a 1.ª instância decidiu. Julgamos, porém, que tal constatação não constitui, no caso vertente, fundamento de rejeição da impugnação da matéria de facto, entendendo-se por isso que a ré/apelante indicou os elementos que permitem identificar minimamente os meios probatórios que entende impor a alteração suscitada quanto à matéria de facto.
Assim, considera-se suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC.
Cumpre portanto proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à factualidade impugnada pelos recorrentes e enunciada em i) supra.

Analisada a decisão recorrida, verifica-se que o concreto ponto da matéria de facto provada, que a recorrente considera incorretamente julgado tem a seguinte redação:

«1.1.23. Os réus atuaram bem sabendo que, ao efetuarem o negócio referido em 11. e 12., a autora ficaria impossibilitada de obter o pagamento dos seus créditos, à custa do património dos 1ºs réus ».

No essencial, questiona a apelante a apreciação da prova que foi feita na sentença recorrida, sustentando, em primeiro lugar, que nem os réus em declarações de parte nem qualquer das testemunhas ouvidas nos autos afirmaram que a ré/recorrente M. A. sabia que os primeiros réus, suas filha e ex-genro, eram fiadores dos devedores principais G. M. e E. M., como também ninguém afirmou que a ré/recorrente tivesse conhecimento das dificuldades financeiras da filha ou de que os devedores principais fossem devedores da autora, nem mesmo que tal dívida se encontrasse em incumprimento e que o património daqueles fosse insuficiente para o débito, o que tudo foi negado pela recorrente/ré em sede de declarações.
Defende ainda resultar das declarações de parte prestadas pelos próprios réus G. M. e A. C. que estes, à data da celebração da escritura de dação em pagamento, estavam perfeitamente convencidos, como ainda estão, que o património imobiliário dos devedores principais, G. M. e E. M. era suficiente para fazer face ao pagamento das suas responsabilidades junto da autora, já que eram tidos como pessoas abastadas e com uma vida folgada, não havendo quaisquer indícios que fizessem suspeitar que se encontravam com dificuldades económicas. Neste domínio, verifica-se que a recorrente parece ainda enquadrar tal aspeto à luz do depoimento da testemunha P. J., funcionário da autora, do qual transcreve um excerto alargado ainda que sem enunciar qualquer juízo valorativo a propósito do teor do mesmo e da sua relevância no âmbito da impugnação da matéria de facto que suscita.
À luz dos fundamentos da impugnação apresentada vem a apelante sustentar não ser possível concluir que ao celebrar aquela escritura aquela sabia que estava a impossibilitar a autora de obter o pagamento dos seus créditos à custa do património dos 1.ºs réus, ou seja, não se verificou que a ré M. A. tenha agido de má-fé traduzida na consciência do prejuízo que o ato causava à autora.
Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, foram revistos e analisados de forma atenta todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final e juntos aos autos, entre os quais os concretos depoimentos indicados pela recorrente em sede de alegações do presente recurso.
Foram ainda considerados todos restantes os factos dados como provados na decisão recorrida, relevando ainda toda a restante matéria que ali foi considerada não provada por não ter logrado demonstração, posto que se verifica que tais factos não vêm concretamente impugnados pela apelante, sendo que, como se viu, a falta de impugnação da matéria de facto quanto a tais aspetos delimita o poder de cognição do Tribunal ad quem, conforme decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E tal como decorre do preceito contido no artigo 663.º, n.º 2, do CPC são aplicáveis ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais importa atender ao disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, do qual decorre que devem ser considerados os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos ou por confissão, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções legais e as presunções judiciais decorrentes das regras de experiência. Neste domínio, continua a vigorar o princípio da livre apreciação das provas quanto aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, o mesmo sucedendo quanto aos depoimentos das testemunhas e às declarações de parte, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º a 396.º do CC, e 466.º, n.º 3, do CPC.
Ora, em primeiro lugar e tal como decorre da motivação da decisão da matéria de facto que consta da decisão recorrida cumpre assinalar que as declarações prestadas pelos réus em sede de audiência final e que vêm assinalados pela recorrente como relevantes para a alteração da matéria de facto, à semelhança da globalidade dos depoimentos prestados em sede de audiência final e dos restantes meios de prova produzidos nos autos, não deixaram de ser considerados pelo Tribunal a quo.
Relativamente ao facto agora em causa, atinente à intenção dos réus ou consciência do prejuízo que o negócio causa ao credor, resulta indiscutível que respeita a circunstâncias do foro interno, de âmbito psicológico, pelo que a respetiva prova não é, em regra, susceptível de ser feita de forma direta, salvo nas situações evidentemente raras de confissão dos próprios.
No contexto anteriormente assinalado é normal que o julgador procure analisar criticamente as declarações prestadas pelos réus, confrontando-os com os restantes meios de prova disponíveis de modo a evidenciar as imprecisões, as fragilidades e a credibilidade de tais depoimentos à luz das regras da experiência e perante factos já suficientemente consolidados no processo, sendo certo que tal convicção foi formada com recurso à imediação, oralidade e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos que como se viu decorrem do disposto no artigo 466.º, n.º 3 do CPC, afigurando-se manifesto que em tal valoração não poderá o Tribunal deixar de ter presente o manifesto interesse das partes declarantes no desfecho da lide.
É o que se verifica ter sido feito pela Mm.ª Juiz a quo ao analisar a globalidade dos meios de prova produzidos, enquadrando-os criticamente nos termos e pelas razões que foram explicitadas na referida decisão, não deixando de valorar criticamente a consistência das declarações prestadas pelos réus em sede de audiência final.
Assim, a propósito de tal matéria, a decisão recorrida começou por enfatizar que os 1.ºs réus «admitiram que tinham conhecimento dos incumprimentos em causa e das dificuldades económicas que os mutuários vinham revelando para cumprir os compromissos assumidos», complementando tal valoração com a constatação de que «apesar dos réus (e de todas testemunhas por estes arroladas) terem vindo afirmar que os mutuários eram conhecidos como pessoas abastadas, dispunham de vasto património e que aparentemente o mesmo era suficiente para liquidar a dívida, a verdade é que os 1ºs réus acabaram por confirmar que tomaram a iniciativa de realizar a dação em pagamento; que a 2ª ré nunca lhes exigiu o pagamento de qualquer valor (como aliás é normal entre familiares que vivem em economia comum, como confessadamente ocorria no caso em apreço), sendo que nem sequer lograram esclarecer como calcularam o valor alegadamente emprestado pela 2ª ré».
Complementarmente cumpre destacar a propósito que o réu G. M. não soube indicar qual o valor que então indicaram na escritura de dação em pagamento, afirmando nem sequer fazer ideia de qual o valor que alegadamente consideravam estar em dívida para com a sua sogra.
E tal como sublinhou ainda - e bem - a decisão recorrida, «as testemunhas P. J., R. P., G. P., todos familiares dos réus afirmaram não ter conhecimento de quaisquer empréstimos realizados pela 2ª ré aos 1ºs réus, o que a nosso ver coloca em crise a motivação invocada pelos réus para a realização da escritura pública.
Ora, se nem a 2ª ré, nem aparentemente os demais herdeiros exigiram aos 1ºs réus a restituição de qualquer quantia, podemos concluir, com toda a segurança, que os mesmos pretenderam claramente salvaguardar o seu património de uma eventual cobrança coerciva das dívidas para com a autora.
Acresce que da análise da prova documental junta aos autos pela 2ª ré com vista a justificar a proveniência dos valores mutuados, nomeadamente, a escritura de cessão de quotas de fls. 351 a 355v e dos extractos bancários juntos a fls. 468 a 500 não se pode concluir com o mínimo de segurança que a 2º ré lhes tenha disponibilizado o valor incluído na escritura de dação em pagamento».
Feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os elementos de prova produzidos e juntos nos autos julgamos que os mesmos permitem formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto concretamente impugnada pela apelante/ré.
Na verdade, depois de ouvirmos as declarações prestadas em audiência final pelos réus, e concretamente para o que agora releva dos réus G. M. e A. C., verificamos que da respetiva análise não resulta qualquer constatação relevante que nos permita divergir da apreciação feita pelo Tribunal a quo a propósito do conteúdo material de tais declarações, bem como as concretas fragilidades e inconsistências que a propósito foram sublinhadas na decisão recorrida e que facilmente se constatam mediante a audição atenta dos respetivos depoimentos, sobretudo quando vistos à luz das regras da experiência comum e da normalidade social.

Nesta sede, cumpre realçar que o próprio réu G. M., para além de assumir ter tido a ideia de fazer a escritura dação em pagamento e de sobre isso ter falado com a 2.ª ré, sua esposa na altura, acabou por reconhecer que na data em que celebrou o negócio de dação em pagamento objeto dos presentes autos sabia que o seu pai se encontrava em dificuldades económicas para cumprir os seus compromissos com a aqui autora e que pretendia que a família da sua ex-mulher não fosse prejudicada pelos compromissos que havia assumido designadamente com a aqui autora. Isso mesmo resulta ainda evidente da referência que o réu também fez ao facto de ser casado em comunhão geral de bens e de ter achado bem dar a sua parte do quinhão hereditário à sua sogra, acrescentando não estar arrependido disso. Acresce que as respetivas declarações revelaram total inconsistência relativamente à motivação que inicialmente invocou para a realização da “dação em pagamento”, tal como aliás sucedeu relativamente às declarações prestadas pelas rés A. C. e M. A.. De concreto, verifica-se que o réu G. M. nem sequer chegou a justificar a respetiva causa a título de retribuição de quantias disponibilizadas a título de “empréstimos” pela ré M. A. ao longo dos anos, contrariamente ao que sucedeu nas declarações prestadas pela ré A. C. e pela própria recorrente/ré M. A., antes aludindo aquele réu de forma vaga, imprecisa e totalmente inverosímil à circunstância de ter vivido em casa da sogra durante cerca de 10 anos e que quando o negócio foi realizado ainda não tinha ideia sequer que se ia divorciar, tendo entendido por bem fazer aquele pagamento à sogra, porque sempre o tratou bem e por ter vivido em casa dela durante tanto tempo, sem nada pagar. Também não soube justificar o valor atribuído ao negócio, referindo simplesmente que estava em dívida moralmente para com a sogra e que se sentia obrigado a fazer tal pagamento. Acresce sublinhar, a propósito, que sendo a 2.ª ré, M. A., reformada, tendo a 1.ª ré, A. C., emprego estável como diretora de serviços e desempenhando o 1.º réu atividade económica regular como industrial, conforme decorre dos autos, torna-se evidente que a causa alegada para o negócio, atinente à retribuição de quantias disponibilizadas a título de “empréstimos” pela ré M. A. ao longo dos anos, configura um fundamento que não obteve credível sustentação à luz das regras da experiência, considerando que nenhum dos réus logrou apresentar qualquer explicação verosímil ou objetiva para as eventuais necessidades ou para a pressuposta dependência financeira relativamente à ré M. A. nem, consequentemente, para a correspondente disponibilidade financeira desta última, sendo que as justificações dadas a este propósito pelos réus revelaram-se sempre vagas e imprecisas.
Releva assim a falta de qualquer justificação atendível dos réus quanto à causa e ao momento escolhido para os 1.ºs réus cederem à ré M. A. (mãe da ré A. C. e sogra do 1.º réu) o quinhão hereditário pertencente à ré A. C. na herança ilíquida e indivisa por óbito de seu pai e metade indivisa da fração autónoma referenciada nos autos, sobretudo tendo presente que os 1.ºs réus não dispunham de qualquer outro património - tal como resulta pacificamente demonstrado sob o ponto 1.1.17. dos factos provados - e, como se viu, nem a 2.ª ré nem aparentemente os demais herdeiros exigiram aos 1.ºs réus a restituição de qualquer quantia. Sublinhe-se, a propósito, que a ré A. C. foi declarada insolvente no processo que corre termos sob o n.º 471/17.6T8VCT, conforme certidão de fls. 133v a 137 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ponto 1.1.22. dos factos provados) o que desde logo permite indiciar a existência de dificuldades financeiras e leva a pôr em causa a oportunidade da transferência patrimonial concretizada pela 1.ª ré na escritura de dação em pagamento relativamente ao seu único património, o qual incluía, além do quinhão na referida herança, metade indivisa da fração autónoma aludida na referida escritura e que cedeu em conjunto com o 1.º réu à 2.ª ré M. A., sendo que tal fração se encontra arrendada pelo valor mensal de € 400,00 (facto este que se mostra provado sob o ponto 1.1.16. dos factos provados e não foi objecto de impugnação neste recurso).
Acresce que a escritura pública de dação foi outorgada em 24 de novembro de 2014, isto é poucos meses depois de os réus G. M. e A. C. terem sido interpelados pela autora para cumprimento dos valores que estavam em dívida no âmbito dos empréstimos dos quais eram devedores principais G. M. e E. M., o que sucedeu pelo menos em 30 de abril de 2014, 14 de maio de 2014 e 8 de agosto de 2014, conforme teor dos documentos juntos a fls. 450-v.º, 451, 452, 452-v.º, 454-v.º e 455, aludidos em 1.1.6. dos factos provados. Note-se, a propósito - tal como também resulta do facto provado vertido em 1.1.5. que não foi objeto de impugnação no presente recurso -, que os mutuários G. M. e mulher E. M. e os réus G. M. e A. C. não pagaram a prestação do empréstimo (aludido em 1.1.1.) que se venceu em 3-02-2014, nem as subsequentes, circunstâncias que eram do perfeito conhecimento da ré A. C. tal como expressamente admitido por esta em sede de declarações de parte.
Perante todas estas circunstâncias objetivas mostra-se indiscutível que a causa adiantada pelos réus para a impugnada dação não se revela minimamente crível, à luz das mais elementares regras da experiência, conclusão que legitima a formulação de um juízo de total inverosimilhança a propósito da convicção alegada pelos 1.ºs réus de que o património imobiliário dos devedores principais, G. M. e E. M., seria suficiente para fazer face ao pagamento das suas responsabilidades junto da autora já que eram tidos como pessoas abastadas e com uma vida folgada e não havia quaisquer indícios que fizessem suspeitar que se encontravam com dificuldades económicas.
De resto, tal convencimento não alcança qualquer sustentação à luz dos restantes factos apurados e não impugnados nesta sede, os quais, aliás, o infirmam, como de resto observou - e bem - a sentença recorrida, porquanto efetivamente «resultou apurado que os bens dos devedores principais já apreendidos e vendidos judicialmente não se mostraram suficientes para liquidar integralmente a dívida em causa, sendo certo ainda que se encontra pendente uma outra ação de impugnação pauliana relativamente a um outro bem anteriormente pertencente aos devedores e que foi igualmente dado em pagamento a um familiar». Assim se constata que a análise do depoimento da testemunha P. J., funcionário da autora, a que alude a recorrente no corpo das alegações, também não permitiu, nem permite, consubstanciar qualquer circunstância pertinente ou decisiva para basear uma ilação relevante a propósito do convencimento alegado pelos 1.ºs réus relativamente à suficiência do património dos devedores principais, circunstância que nem a recorrente, aliás, logrou concretizar já que, como se viu, limitou-se a indicar as passagens das gravações relevantes para o efeito, ainda que por referência às transcrições que apresentou quanto a tal depoimento e transcrevendo um excerto alargado do mesmo sem retirar qualquer conclusão crítica a propósito do mesmo.
Por conseguinte, afigura-se-nos manifesto que a análise probatória empreendida pelo Tribunal a quo ao nível da conformação da concreta intenção ou consciência dos 1.ºs réus quanto ao prejuízo que o negócio causou à credora, aqui autora, tal como ficou vertido no ponto 1.1.23. dos factos provados, não merece censura porquanto assentou na formulação de um juízo de verosimilhança suficiente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas à luz do critério da probabilidade prevalecente, tendo por base a valoração dos restantes elementos de prova disponíveis e outros factos fortemente sugestivos do referenciado estado psicológico.
Relativamente agora à 2.ª ré M. A., o Tribunal a quo realçou - e bem - que «não foi realizada qualquer prova direta de que esta tinha conhecimento, à data do negócio, da dívida dos 1ºs réus para com a autora e que os devedores não tinham património suficiente para o pagamento de tal dívida.
Com efeito, tal factualidade não foi confessada por nenhum dos réus e nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento confirmou essa consciência, nomeadamente, que a ré tinha conhecimento do concreto crédito da autora ou de que aquela se haja conluiado com os demais réus para frustrar a garantia patrimonial dos respectivos credores».
Porém, como se referiu já, as circunstâncias em apreciação respeitam ao foro interno, ao âmbito psicológico ou volitivo da adquirente do direito alegadamente transmitido através da dação em cumprimento, ora recorrente, pelo que a respetiva prova não é, em regra, passível de ser feita de forma direta, salvo nas situações evidentemente raras de confissão dos próprios.
Na verdade, e conforme refere o Ac. TRL de 27-09-2016 (relator: Luís Filipe Pires de Sousa) (6), «[a] consciência do prejuízo não é, em regra, suscetível de prova direta mas sim de prova tradicionalmente classificada como indireta. Neste âmbito, as presunções judiciais assumem um protagonismo determinante permitindo alcançar a prova da má fé».
Daí que o Tribunal a quo tenha considerado provada tal matéria tendo por base a prova indireta dessa mesma má-fé, nomeadamente face às presunções judiciais consideradas habitualmente na doutrina e jurisprudência como suficientes para esse fim.
As presunções são, conforme as define o artigo 349.º do CC «as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

Deste modo, a prova de um facto por presunção judicial assenta no raciocínio do juiz, baseado em regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade. Neste domínio, explicam Pires de Lima/Antunes Varela (7) que as presunções judiciais, “simples ou de experiência”, “assentam no simples raciocínio de quem julga”, inspirando-se «nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana». E tal como esclarece Luís Filipe Pires de Sousa (8), «a presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos».

Por seu turno, «os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa» (9).

Importa ainda considerar o artigo 5.º do CPC com a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», o qual dispõe no n.º 1 que «[à]s partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas», acrescentando no n.º 2 que, «[a]lém dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções».

Decorre deste regime que se incluem nos poderes de cognição do tribunal determinados factos não alegados pelas partes nos respetivos articulados, entre os quais figuram os factos instrumentais que resultem da instrução da causa.
Extrai-se da fundamentação vertida na sentença recorrida que esta decisão, ao considerar provado o ponto agora enunciado sob 1.1.23. no que respeita à 2.ª ré, se baseou nos demais factos provados, tomando como referência factos instrumentais que teve por verificados face a meios probatórios analisados.
Assim, e tal como resulta da motivação da decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida, o Tribunal a quo começou por enunciar as presunções judiciais tidas habitualmente na doutrina e jurisprudência como suficientes para a prova indireta de alguns dos requisitos em matéria de simulação e de impugnação pauliana, seguindo de perto a fundamentação a propósito desenvolvida no Ac. TRG de 3-05-2018 (relatora: Maria João Matos) (10).
Considerou então a 1.ª instância a prova produzida «consentânea com a demonstração de uma verosímil causa simulandi - isto é, a preocupação dos réus - à data já objecto de várias interpelações dirigidas pela autora para cumprimento dos valores em dívida -, de frustrar a garantia patrimonial do crédito desta, tendo os mesmos soçobrado na prova do alegado empréstimo e na alegada motivação de não prejudicar os restantes herdeiros da 2ª ré».
Ponderou igualmente a existência de diversos outros factos indiciários, concretamente a verificação dos indícios que classificou como omnia bona, affectio e pretium vilis.
Assim, relativamente ao indício omnia bona (11), o Tribunal a quo considerou que «a ré A. C. transmitiu os bens que possuía e que poderiam ser afectados, no caso de vir a ser interpostas as acções executivas contra si, como efectivamente o foram».

E quanto ao indício affectio (12) sustentou-se na decisão recorrida o seguinte:

«[p]or outro lado, não podemos deixar de ter em considerar a relação próxima (indício affectio) existente entre os 1ºs réus e a 2ª ré, com quem, para além do mais, habitavam há mais de 10 anos, conforme foi atestado pela generalidade das testemunhas arroladas pelos próprios réus».
Por último, no que concerne ao indício pretium vilis (13) entendeu o Tribunal a quo realçar «a menoridade da contrapartida económica em causa (indício pretium vilis), já que foi atribuído ao quinhão hereditário da ré A. C. um valor muito inferior ao real (mesmo se tomarmos apenas em consideração o valor do bem imóvel que faz parte da herança)».
Concluiu a 1.ª instância, pelos motivos supra expostos - e bem -, que «os prévios factos (provados e não provados) estabelecidos (constituindo-se como facto base da presunção) permitem firmar a consciência que a ré M. A. tinha de que estava a prejudicar os credores dos réus G. M. e A. C. (facto presumido); e o facto presumido (inicialmente desconhecido) mostra-se absolutamente conforme com as regras da experiência.
Precisa-se que o exposto não equivale a dizer que a ré M. A. tinha conhecimento do concreto crédito da autora (v.g. natureza, montante, datas de constituição ou de vencimento), ou de que o mesmo se encontrava a ser judicialmente exigido. Contudo, considera-se suficiente para este efeito que tivesse actuado conjuntamente com os 1ºs réus, por forma e com a consciência de frustrar a garantia patrimonial dos créditos que terceiros tivessem sobre ela (onde, necessariamente, e não obstante o seu eventual desconhecimento, se incluía o crédito da autora), o que ficou sobejamente demonstrado supra.
Exigir mais do que isto, seria esquecer que o standard (suficiência) de prova é uma pauta móvel, que terá que ser adaptada (embora de forma objectiva) ao concreto litígio em causa (nomeadamente, à natureza dos factos que nele se pretendem demonstrar); e a correcção, ou incorrecção, dessa adaptação deverá ser sindicável por meio da indicação e da justificação das presunções judiciais que se haja utlizado para o efeito (conforme, aliás, o impõe o art.º 607º, nº 4 do NCPC), o que ficou sobejamente feito supra».
Neste domínio, cumpre constatar que não vem impugnada no presente recurso a matéria de facto que o Tribunal a quo entendeu constituir a base das presunções operadas na sentença recorrida, devendo a mesma considerar-se devidamente consolidada nos autos.
Por outro lado, analisados os factos indiciários que foram tidos em conta pela 1.ª instância, julgamos que as referidas circunstâncias de facto constituem uma base material relevante a partir da qual é possível inferir-se a restante matéria de facto agora impugnada, permitindo efetivamente extrair de forma segura as ilações retiradas na sentença recorrida para formular um juízo de suficiente probabilidade da verificação do facto constante do ponto 1.1.23. relativamente também à 2.ª ré M. A..
Entendemos, assim, que os concretos meios de prova indicados pela apelante como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida não permitem infirmar de forma decisiva a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo, a qual se afigura rigorosa, acertada e absolutamente adequada à prova produzida.
Em decorrência do exposto, não se revela ainda possível a este Tribunal extrair diferente solução relativamente à resposta vertida pelo Tribunal a quo no ponto 1.1.23 dos factos provados, improcedendo na íntegra as conclusões enunciadas a propósito pela ré/apelante.
Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mantendo-se as respostas que foram dadas pelo Tribunal a quo.

2.2. Reapreciação jurídica da decisão recorrida na parte em que julgou verificados os requisitos da impugnação pauliana.

A discordância manifestada pela apelante tem por base, no essencial, a verificação do requisito da má-fé bilateral, porquanto, segundo alega, não ficou provada a má-fé da ré M. A., ou seja, que esta ré, ora recorrente, tinha consciência do prejuízo que o ato causava à autora.
Tal como resulta das alegações apresentadas pela recorrente, grande parte da argumentação nelas desenvolvida implicava a reapreciação da decisão no que concerne às concretas questões de facto enunciadas a propósito pelo Tribunal a quo.
Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, vejamos, ainda assim, se existe qualquer desacerto da solução jurídica dada ao caso sub judice.
No caso em apreciação, a 1.ª instância analisou a matéria de facto relevante à luz do regime jurídico aplicável, entendendo verificados todos os requisitos da impugnação pauliana.
Com a presente ação pretende a autora, ora recorrida, exercer o direito de impugnação pauliana em relação ao negócio titulado na escritura pública denominada de dação em pagamento, outorgada em 24-11-2014, pela qual os réus G. M. e A. C. declararam ser devedores à 2.ª ré M. A. da quantia de € 38.000,00, resultante de empréstimos que esta lhes fez, por diversas vezes e de cada uma delas em parcelas inferiores a cinco mil euros e que os devedores integraram na sua esfera jurídica sem quaisquer garantias nem estipulação de juros. No referido contrato declararam os referidos réus que para extinção das citadas responsabilidades, em cumprimento da obrigação de restituir, cediam à ré M. A. o quinhão hereditário pertencente à ré A. C. na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, A. F., falecido em ..-02-2001, correspondente a 3/16 dos bens que compõem a herança ao qual atribuíram o valor de € 8.570,00; sendo que fazem parte desta o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... sob o artigo ... e participações nas sociedades comerciais por quotas “X - Têxtil de Malhas, Lda” e “Y - Sociedade Têxtil, Lda; bem como a metade indivisa da fração autónoma designada pela letra “B”, descrita no registo predial sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo ...-B, com o valor patrimonial de € 29.430,00.
Tal como decorre do disposto no artigo 601.º do CC «pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios», consistindo a impugnação pauliana num meio conservatório da garantia patrimonial do credor, tal como previsto nos artigos 610.º a 618.º do CC.
Deste modo, a impugnação pauliana consiste na «faculdade que a lei concede aos credores de atacarem judicialmente certos actos válidos, ou mesmo nulos, celebrados pelos devedores em seu prejuízo» (14).
Atendendo aos requisitos gerais da impugnação pauliana, tal como previstos nos artigos 610.º e 612.º do CC, «são susceptíveis de impugnação os atos jurídicos - nos quais se incluem os negócios jurídicos unilaterais (como, p. ex. a promessa pública) e os contratos - que envolvam uma diminuição da garantia patrimonial do crédito, que não é senão o património do devedor, entendido como a universalidade de bens susceptíveis de penhora que o constituem (arts. 736.º a 739.º do CPC), sem prejuízo do regime da separação de patrimónios (art. 601.º).
Dito de outra forma, só são impugnáveis atos que correspondam a valores patrimoniais.
(…)
A diminuição da garantia patrimonial do crédito pode verificar-se tanto pela diminuição do ativo, como pelo aumento do passivo (p. ex., com a constituição de obrigações ou de garantias), desde que, em qualquer dos casos e a este respeito, se encontre preenchido o requisito qualitativo previsto na al. b)» (15) - do artigo 610.º do CC.

Nos termos do disposto no artigo 610.º do CC, com a epígrafe «Requisitos gerais», «Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade».

Relativamente ao requisito da má fé, no que aqui releva, o artigo 612.º do CC prevê:

«1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa-fé.
2. Entende-se por má-fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor».

Assim sendo, à luz do enquadramento antes enunciado, são requisitos da impugnação pauliana:

a) a existência de um determinado crédito;
b) a realização pelo devedor de um ato que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal;
c) que o crédito seja anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido ele realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor - artigo 610.º, al. a), do CC;
d) que resulte do ato a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito, ou agravamento dessa impossibilidade - artigo 610.º, al. b) do CC;
e) que o ato seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má-fé tanto do alienante como do adquirente - artigo 612.º, n.º 1, do CC.

No caso em análise, verifica-se que a presente impugnação pauliana decorre no âmbito das relações imediatas, não envolvendo transmissões subsequentes dos referidos bens (artigo 613.º do CC), posto que vem impugnado o contrato celebrado em 24-11-2014 através do qual os 1.ºs réus declararam ceder à ré M. A., ora recorrente, o quinhão hereditário pertencente à ré A. C. na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, A. F., falecido em ..-02-2001, correspondente a 3/16 dos bens que compõem a herança, bem como a metade indivisa da fração autónoma ali referenciada, com a declarada intenção de «dar em cumprimento» o direito e o imóvel em referência para extinção de pretensa dívida resultante de empréstimos alegadamente feitos pela ré M. A. aos primeiros réus, expressando o propósito de extinguirem a dívida no montante declarado de €38.000,00, com a aquiescência da segunda outorgante.
Começando pelo ato impugnado, resulta manifesto que o mesmo tem como efeito essencial a transmissão da propriedade dos bens/direitos nele consignados, desta forma afetando necessariamente o património dos transmitentes pois envolve a alienação de bens com a consequente diminuição do património em que se integravam, no âmbito de uma declarada dação em cumprimento.
Passando agora ao crédito invocado pela autora, a sentença recorrida entendeu, atenta a factualidade apurada, não restarem dúvidas de que a autora é credora dos 1.ºs réus relativamente ao empréstimo concedido em 3-12-2010 a G. M. e mulher (aludido no ponto 1.1.1.), dado que os mesmos se constituíram fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas pelos devedores principais, afastando da fiança a característica da subsidiariedade posto que renunciaram ao benefício da excussão, colocando a obrigação por si assumida no mesmo plano de exigibilidade da obrigação principal.
Mais se verifica que o empréstimo referido em 1.1.1 foi parcialmente liquidado, pelo que, em 5-09-2018, encontrava-se em dívida a quantia de € 455.593,58.
Ora, ponderando o que decorre da matéria de facto assente, entendemos que se impõe, neste domínio, um juízo de total concordância quanto à fundamentação de direito enunciada na sentença recorrida.
Considerou ainda a sentença recorrida que o ato impugnado ocorreu em novembro de 2014 e o crédito da autora reclamado no processo executivo aludido no ponto 1.1.7. do elenco dos factos provados já se encontrava vencido na data da escritura pública em causa, o que igualmente resulta devidamente comprovado nos autos.
De todo o modo, ainda que assim não fosse, sempre relevaria a constatação de que o crédito da autora sobre os 1.ºs réus foi constituído em data anterior ao contrato celebrado em 24-11-2014 através do qual os 1.ºs réus declararam ceder à ré M. A., ora recorrente, o quinhão hereditário pertencente à ré A. C. na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, A. F., falecido em ..-02-2001, correspondente a 3/16 dos bens que compõem a herança, bem como a metade indivisa da fração autónoma ali referenciada.
Assim, o crédito deve preexistir ao ato a impugnar sem que esta prévia existência seja sinónimo de crédito vencido, bastando para o efeito que na esfera jurídica do respetivo devedor tenha passado a haver a obrigação de prestar pois a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento.
Na verdade, o momento do incumprimento pelo devedor e o subsequente vencimento da dívida não constituem pressupostos do instituto da impugnação pauliana (16).
Por conseguinte, cumpre considerar verificado o requisito da anterioridade do crédito da autora/recorrida relativamente ao ato impugnado.
A procedência da impugnação pauliana depende ainda da constatação sobre se resulta do ato impugnado a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
Para o efeito há que verificar se a transmissão ou alienação dos bens em questão afetou a possibilidade de a autora/recorrida obter a satisfação do seu crédito ou agravou a impossibilidade de tal satisfação, sabendo que o património do devedor constitui a garantia geral das obrigações.

Relativamente ao requisito agora em referência importa sublinhar, em primeiro lugar, que incumbe ao devedor ou ao terceiro interessado na manutenção do ato a prova de que o «obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, o que se justifica pela maior facilidade que o devedor tem de fazer essa prova» (17), tal como decorre da norma especial do artigo 611.º do CC.
Porém, no caso vertente mostra-se indiscutível a demonstração do requisito em apreciação, tal como resulta da matéria vertida sob os pontos 1.1.10, 1.1.14, 1.1.15, 1.1.16, 1.1.17, 1.1.18, 1.1.19, 1.1.20, 1.1.21 e 1.1.22 dos factos provados e, por contraponto, o facto enunciado na alínea d) dos factos não provados.
Assim, e tal como se consignou na decisão recorrida, verifica-se que «[n]o caso em apreço, a autora alegou e provou que os 1.ºs réus alienaram os bens de que eram proprietários, não tendo outros bens com valor venal relevante.
Por sua vez, a ré M. A. alegou que os devedores principais dispunham de outros bens penhoráveis de valor superior ao do crédito da autora.
Porém, de acordo com a prova produzida, resultou apurado que os bens dos devedores principais já apreendidos e vendidos judicialmente não se mostraram suficientes para liquidar integralmente a dívida em causa, sendo certo ainda que se encontra pendente uma outra ação de impugnação pauliana relativamente a um outro bem anteriormente pertencente aos devedores e que foi igualmente dado em pagamento a um familiar.
Ou seja, a impugnante logrou demonstrar que os bens remanescentes dos devedores, necessários à cobertura do seu passivo, são de difícil, dispendiosa ou precária apreensão no processo executivo em causa».
Por conseguinte, nada se deteta de relevante em face dos factos dados como provados e das normas legais aplicáveis que mereça qualquer discordância relativamente à apreciação feita pelo Tribunal a quo a propósito do preenchimento do mencionado requisito.
Quanto ao último requisito em análise, estando em causa a impugnação de negócio em abstrato oneroso exige a lei a existência de má-fé, quer do devedor, quer do terceiro adquirente - má-fé bilateral -, ou seja, a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor, conforme definição constante do artigo 612.º, n.º 2, do CC.
Assim, tal como é aceite maioritariamente na jurisprudência e doutrina, e vem sintetizado de forma eloquente no Ac. do TRP de 11-02-2010 (relatora: Maria Catarina Gonçalves) (18), «no conceito de má fé - a que alude o citado art. 612º - estão incluídas todas as situações em que o devedor e o terceiro têm consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, seja porque actuam com o propósito e a intenção de causar esse prejuízo (dolo directo), seja porque, embora actuando com outro propósito, admitem a verificação desse prejuízo como consequência necessária (dolo necessário) ou como consequência possível do acto (dolo eventual e negligência consciente)».
Também neste sentido anota Gonçalo dos Reis Martins (19), que a má-fé se traduz «na consciência do prejuízo que o ato causa ao devedor ou na representação desse prejuízo como resultado adequado do ato praticado, não sendo exigida a intenção de causar prejuízo ao credor”, abrangendo “não só as situações de dolo, mas também da de negligência consciente».
A decisão recorrida entendeu, a propósito, resultar da factualidade apurada de forma inequívoca que os réus sabiam que ao efetuarem a escritura impediam os credores dos 1.ºs réus de se pagarem com os bens em causa, nomeadamente, a autora.

Ora, no caso vertente mostra-se indiscutível a demonstração do requisito em apreciação, tal como resulta da matéria vertida sob o ponto 1.1.23 dos factos provados e, por contraponto, dos factos enunciados nas alíneas a) e b) dos factos não provados.
Assim, o alegado erro de julgamento invocado pela apelante a propósito da parte da sentença recorrida que analisou e decidiu a questão atinente à consciência por parte da ré M. A. do prejuízo que o ato causava à autora, incidia, no essencial, sobre a invocada discordância da matéria de facto contida na decisão recorrida. Tal questão resulta prejudicada atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, considerando que a eventual alteração da solução jurídica alcançada na sentença impugnada dependia, nessa parte, do prévio sucesso da modificação/alteração da decisão de facto contida na decisão recorrida, o que não sucedeu.
Da factualidade provada decorre efetivamente que os réus atuaram bem sabendo que, ao efetuarem o negócio referido em 11. e 12., a autora ficaria impossibilitada de obter o pagamento dos seus créditos, à custa do património dos 1.ºs réus.
O conhecimento de tal situação é merecedor de censura, permitindo concluir que também a atuação da ré M. A., ora recorrente, integra má-fé no sentido exigido pelo artigo 612.º, n.º 2, do CC.
Daí que não mereça censura a decisão recorrida quando considerou verificados os requisitos da impugnação pauliana com a consequente procedência da ação.
Em consequência, improcedem integralmente as conclusões da apelação.

Síntese conclusiva:

I - Estando em causa nos autos a impugnação pauliana de ato alegadamente efetuado a título oneroso, exige a lei a existência de má-fé, quer dos devedores, quer do terceiro adquirente - má-fé bilateral - traduzida na consciência do prejuízo que o ato causa ao credor, conforme definição constante do artigo 612.º, n.º 2, do CC;
II - Respeitando as circunstâncias em apreciação essencialmente ao foro interno, de âmbito psicológico, cognitivo ou volitivo da adquirente do direito alegadamente transmitido através de dação em cumprimento, ora recorrente, a respetiva prova não é, em regra, suscetível de ser feita de forma direta, salvo nas situações evidentemente raras de confissão dos próprios;
III - Daí que o Tribunal deva considerar o recurso à prova indireta, valorando a base factual disponível de acordo com as regras de experiência de modo a aferir se a mesma é suficiente para dela extrair, por presunção judicial, as circunstâncias integradoras da má-fé dos contraentes.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 17 de outubro de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Alberto de Paiva Taveira (1.º adjunto)
Espinheira Baltar (2.º adjunto)


1. Consta da sentença recorrida neste ponto 23.º dos factos provados a menção ao negócio “referido em 9. e 10”. Trata-se, porém, de manifesto lapso, revelado no próprio contexto da referida decisão posto que estes pontos não aludem a qualquer negócio, sendo o aludido em 11. e 12. dos factos provados o único que está em causa no âmbito do pedido formulado na presente ação, o que demonstra que só por mero lapso de escrita o Tribunal a quo aludiu neste ponto da matéria de facto aos artigos 9.º e 10.º. Tal constatação impõe se proceda aqui à devida retificação do ponto 23.º dos factos provados porquanto a recorrida/autora suscitou a sua existência em sede de resposta e nas alegações de recurso a apelante sempre se reportou ao negócio aludido em 23 como sendo o vertido em 11 e 12 dos factos provados e do processo constam todos os elementos para o efeito, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 249.º do CC, 613.º, 614.º, n.º 2, e 662.º, do CPC.
2. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pgs. 126 e 128.
3. Abrantes Geraldes, Ob. cit. p. 128 - nota 5.
4. Proferido na revista n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt
5. Proferido na revista n.º 1348/12.7TTBRG.G1.S1- 4.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt
6. P. n.º 9448/12.7TCLRS.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
7. Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312.
8. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 29-30.
9. Cfr. Lopes do Rego, Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 200-201.
10. P. n.º 573/14.0TBCTB.G1, disponível em www.dgsi.pt.
11. Cfr. a propósito, Luís Filipe Pires de Sousa, Ob. cit., p. 222, realçando a propósito da exposição analítica do indício omnia bona e no que agora releva, o seguinte: «A alienação de todo o património ou da parte mais significativa do mesmo constitui um dos indícios típicos da síndrome simulatório, podendo também constituir a base para uma presunção de fraude ou de liberalidade encoberta. Pode também este ato indiciar a intenção de não pagar ou restituir».
12. Relativamente a este indício, cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Ob. cit., p, p. 206, realçando a propósito e no que agora releva, o seguinte: «O indício affectio representa um estado de ânimo que se caracteriza por afeição ou influência sobre outra pessoa. Atinge o seu grau mais elevado em relações interpessoais constituídas por uma constelação de duas ou três pessoas, v.g. casamento, relação paterno-filial, mas pode abarcar pequenos grupos primários caracterizados por uma estreita convivência ou uma íntima colaboração no trabalho, v.g., a família, sociedade com poucos sócios ou local de trabalho».
13. Quanto a este indício, cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Ob. cit., p, p. 222, realça no que agora releva, o seguinte: «Mantendo-se estáveis as variáveis económicas que se repercutem no preço, o pagamento de um preço superior ao valor de mercado (pretium magnum) ou bastante inferior ao valor de mercado (pretium vilis) indica que alguma das variáveis interferentes sofreu uma mudança significativa, afastando-se do seu contexto habitual. Nos negócios simulados é comum a fixação de um pretium vilis para aparentar a celebração efectiva do negócio e, do mesmo passo, reduzir os encargos com o negócio (impostos, registo) bem como para impedir o accionamento de outros indícios (…)», precisando ainda ser tal indício também compatível com uma situação de animus fraudendi não simulatório, v.g., alienação do património para subtraí-lo à execução dos credores.
14. Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 857.
15. Cf., Gonçalo dos Reis Martins, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628
16. Cf., a propósito, entre outros, Acs. STJ de 23-02-2012, Revista n.º 4470/05.2TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção (relator João Bernardo), e de 20-03-2012, Revista n.º 29/03.7TBVPA.P2.S1 - 1.ª Secção (relator Martins de Sousa), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt; Acs. STJ de 3-07-2003 (relator: Lucas Coelho) Revista n.º 04B049; TRP de 22-04-2013 (relator: Manuel Domingos Fernandes) p. 11289/10.7TBVNG.P1; TRC de 18-05-2010 (relator: Falcão de Magalhães) p. 139/05.6TBFAG.C1; disponíveis em www.dgsi.pt.
17. Cf. Ac. TRL de 27-09-2016 (relator: Luís Filipe Pires de Sousa) p. 9448/12.7TCLRS.L1-7; disponível em www.dgsi.pt.
18. P. 862/06.8TBFAF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
19. Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 793, em comentário ao art.º 612.º do CC