Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3095/16.1T8BRG.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA ABUSIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do relator:

I – A regra que impede o tribunal de recurso de conhecer de questões novas não vale quanto às questões de conhecimento oficioso, de que podem conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem, ainda que as partes as não tenham suscitado nem sobre elas se tenha pronunciado o tribunal recorrido, podendo ser apreciados fundamentos e razões jurídicas diversas das invocadas com base no princípio geral consignado no nº 3 do art. 5º do CPC, aplicável também à fase de recurso;

II – As cláusulas de delimitação dos riscos assumidos num contrato de seguro são, em princípio, válidas, mas estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85, de 25-10), sendo, nessa medida, proibidas as cláusulas contrárias à boa-fé;

III – Uma cláusula será contrária à boa - fé se a confiança depositada pela contra - parte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, dela resultar para o predisponente uma vantagem injustificável;

IV – Se para as chuvas serem consideradas fortes pelo IPMA basta atingirem valores acima de 4 mm/hora (sendo, por sua vez, os aguaceiros considerados fortes a partir de 10 mm/hora), então, forçoso é considerar que o segmento da cláusula que densifica o conceito de “chuvas torrenciais” através da exigência de verificação de uma precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro é, manifestamente, desrazoável e extremamente limitativo da cobertura contratada;

V – A referida delimitação é contrária à boa-fé e defrauda as expetativas dos aderentes, por, através da estipulação de uma exigência de caráter eminentemente técnico e de compreensão não acessível à generalidade dos aderentes, implicar um desequilíbrio desproporcionado, favorecendo excessivamente a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

DANIEL, casado, residente na Rua …, freguesia de Y, Concelho de Braga, intentou a presente ação declarativa comum contra a ré X COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS, S.A., tendo pedido que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 24.838,60€, a título de danos patrimoniais, e a quantia de 1.000,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios vencidos sobre tais quantias desde a data da citação e até integral pagamento.

Para o efeito, alegou que celebrou com a Ré um contrato de seguro multirriscos habitação, que tinha como objeto o imóvel melhor identificado no art. 1.º da petição inicial, seguro este que, entre outros, cobria os riscos derivados de tempestades, inundações e danos por água, sendo que, no dia 28/7/2013, mercê da precipitação abundante que se fez sentir, entrou água para o imóvel seguro, que veio a sofrer diversos danos, tendo ele sofrido incómodos vários durante a sua reparação, entendendo que a Ré é a responsável pela reparação daqueles danos em atenção ao contrato de seguro que com a mesma celebrou.

Tendo sido citada, a Ré veio apresentar contestação onde, em suma, repudiou a responsabilidade pela indemnização dos danos sofridos pelo Autor por entender que o sinistro ocorrido não se inclui dentro dos riscos cobertos pelo contrato de seguro, tendo ainda reputado de exagerados e desproporcionados os valores peticionados a título de reparações.
Efetuado o julgamento foi a ação julgada totalmente improcedente.

Inconformado, o Autor interpôs recurso, em cuja alegação formulou as seguintes “conclusões”:

A. O presente recurso tem como objeto, em primeira linha, a matéria de facto da douta Sentença proferida nos presentes autos, nomeadamente, não pode o ora recorrente conformar-se com a improcedência da ação em face dos factos constantes dos autos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas e, em segunda linha, a matéria de direito.
B. O Tribunal a quo formou a sua convicção no conjunto da prova testemunhal e documental produzida na audiência de julgamento, apreciada à luz das regras da experiência comum e normalidade, nomeadamente, na conjugação das declarações de parte do autor e dos depoimentos das testemunhas Carla, esposa do autor, Sofia, colega de escritório da esposa do autor, D. A., amigo do autor, Marta, funcionária da ré, e Diogo, perito averiguador que prestou serviços para a ré.
C. Da leitura da motivação da sentença posta em crise não se consegue compreender o raciocínio efetuado pelo Tribunal na apreciação e valoração da prova, não se consegue perceber o motivo pelo qual a decisão do Tribunal foi num sentido e não noutro e nem a razão de ciência que subjaz ao não acatamento da versão do autor, o que a lei impõe ao Julgador pois a fundamentação deve ser suficiente para que quem a lê fique convencido de que a decisão da matéria de facto foi efectivamente correta.
D. Mais, a convicção expressa pelo Tribunal recorrido, em nosso humilde entender, não tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode demonstrar, acarretando, assim, quer a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quer erro notório na apreciação da prova, impondo-se, em nosso entender, uma decisão diversa quanto aos factos considerados como não provados, nomeadamente quanto aos referidos nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5.
E. Ora, o Tribunal acabou por dar como provado os factos constantes das alíneas C), D), E), F) G), H) e I) da matéria dada como provada e que aqui por uma questão de economia processual se dá por integralmente reproduzida.
F. Na verdade, o tribunal a quo considerou doutamente que no dia 28 de julho de 2013 choveu intensamente, pelo menos 12,5 mm numa hora na região de localização da residência do autor, sendo que, inesperadamente, tal chuva entrou pelo tecto do quarto (suite) da habitação, provocando infiltração de água pelo tecto, em pladour, paredes dos quarto (suite) e casa de banho do piso superior, localizada junto à fachada principal da moradia, tendo acabado a água por descer, inclusive, ao piso inferior.
G. Mais considerou provado o douto tribunal recorrido que a entrada da chuva provocou na habitação inundação de onde resultaram danos descritos em F), tendo, em consequência, o autor realizados os trabalhos melhor descritos e orçados em G) e H).
H. Mais entendeu ficar demonstrado o Tribunal a quo que o autor, sua mulher e filho, viram-se obrigados a abandonar a habitação, tendo passado a viver em casa de familiares durante aproximadamente um mês.
I. De forma AMBIGUA, com todo o respeito, o Tribunal a quo mal andou quando a uma dada altura na Sentença fundamente que, passa-se a citar: “Ademais, afigurou-se-nos pouco plausível que, estando então já reparado o local da entrada da água (telhado), como admitido pelo autor, e, portanto, debelada a origem da infiltração, em escassos três meses, que foi o tempo que mediou entre a data da realização da “peritagem” a que se reporta o relatório de fls. 70 verso e ss. e a data da realização das obras, que todos reportaram a Novembro de 2013, e tivesse havido um agravamento de cerca de 400% do valor dos danos (vide a divergência de valores entre o relatório pericial de fls. 70 verso e ss., de onde consta ter sido inicialmente reclamado pelo autor o valor de 5.102,41€ (a que haveria de acrescer IVA) com vista à reparação dos danos que então se verificavam, e o valor do orçamento de fls. 11 verso e ss., de onde consta um custo estimado de reparação de 24.838,30€), tanto mais porque, como bem anotou a testemunha Diogo, era Verão e já tinha decorrido, por altura da realização daquela “peritagem”, cerca de um mês sobre a data da entrada da água, pelo que seria de esperar que os danos se encontrassem então estabilizados ou que, quando muito, pudessem ter sofrido apenas um pequeno agravamento, mas nunca na ordem de grandeza que o orçamento espelha.”
J. E logo de seguida, ainda de forma mais ambígua, fundamente o Tribunal a quo que, passa-se a citar:

«Acresce ainda ser incompreensível a razão pela qual, estando decorridos mais de quatro anos sobre a data da alegada reparação dos danos (que todos localizaram em Novembro de 2013), ainda se encontrem por pagar à data os trabalhos respectivos, como o autor admitiu, e que a sociedade executora dos mesmos se encontre a aguardar o desfecho do presente processo para se ver paga do valor a que diz ter direito, como declarado pela testemunha D. A.. (…) E é também um sério indício de que efectivamente não houve lugar à realização dos trabalhos enunciados no orçamento de fls. 11 verso e ss.»
K. Ora, apesar de ter ficado demonstrado / provado que ocorreu o sinistro (C), D)), houve danos na habitação (E), F) e G) e a realização de obras de reparação por parte do autor (G) e H)), de forma absolutamente contrária e ambígua, o tribunal recorrido conclui que “o autor não logrou demonstrar a verificação de um evento que, nos termos das cláusulas do contrato de seguro celebrado com a ré, pudesse ter-se como gerador da obrigação de indemnizar, sendo certo que a demonstração daquele evento era facto constitutivo do seu direito (cfr. art. 342.º, n.º l, do Código Civil), pelo que, sem necessidade de se analisarem as cláusulas de exclusão do contrato, que só seriam de considerar se se tivesse concluído que o infortúnio ocorrido se incluía dentro dos riscos cobertos pelo contrato, importa concluir pela necessária improcedência da acção.”
L. Mais entendeu o Tribunal recorrido que “apurou-se que os danos surgidos na habitação do autor se verificaram na sequência da entrada de água da chuva no interior da mesma, chuvas estas com intensidade de pelo menos 12,5 mm numa hora. Inexistem então dúvidas de que os danos surgidos na habitação do autor foram provocados pelo alagamento derivado da chuva.”
M. Com o devido respeito estamos perante uma contradição clara entre a fundamentação e a decisão proferida, o que torna nessa parte nula a sentença proferida, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º1 al. c) do C.P. Civil.
N. Das declarações de parte e dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, resultam suficientemente provados os factos supra mencionados, senão vejamos:
DEPOIMENTO da testemunha do Autor DANIEL de 09:58:23 a 10:22:06 do dia
14-12-2017:
Advogada da ré (A1): Na altura o senhor Daniel apresentou algum orçamento para a reparação dos danos?
Autor/T: Sim, ele veio fazer a peritagem, pediu-me um orçamento.
A1: E o senhor apresentou?
T: Até pedi dois orçamentos na altura e eu apresentei dois orçamentos.
A1: Que valores tinham esses orçamentos?
T: Um tinha cinco mil e tal euros ou sei mil, já não me lembra.
A1: mas isso é importante.
T: Mas eu não tenho os papéis. Eu dei os orçamentos em 2013…
A1: Pronto, não quero que diga o valor exato. Mas disse dois orçamentos porquê?
T: Porque ele disse-me para pedir dois orçamentos e eu pedi dois orçamentos, entretanto o perito disse que ia fechar o relatório de peritagem e que ia mandar para a companhia. E disse que podíamos arranjar a casa porque a companhia ia pagar para aquilo não causar mais danos. na altura eu disse ao perito que ia ficar a aguardar que a companhia me mandasse um comunicado a dizer que assumem. ele disse que podia começar a arranjar que não tem problema nenhum, que a companhia só tem é que assumir isto.
A1: Deixe-me só fazer aqui um parenteses: Quando disse que era um orçamento, disse seis mil euros?
T: Mais ao menos.
A1: Na altura, se a companhia tivesse aceite esse valor, entendia que esse valor era suficiente para reparar a casa?
T: Na altura era. Para os danos do momento era.
A1: Era?
T: O problema veio depois.
A1: E a reparação foi feita quando?
T: Em novembro.
A1: Três meses depois?
T: É.
A1: E Três meses depois os danos passaram a ser do valor que o senhor pede aqui?
T: Exatamente. E a companhia foi informada disso com vários emails: “Atenção para a água, a casa está cheia de água, está a estragar isto, está a estragar aquilo”. E a companhia só respondia com a mesma carta, é Copy Paste: “Não assumimos porque… está infundamentado”.
A1: Recorda-se de ter recebido em outubro de 2013 e fevereiro de 2014 duas cartas da seguradora a explicar o porquê de não assumir o sinistro?
T: Dizem que não havia nem chuva nem ventos suficientes para acontecer aquilo.
A1: A companhia disse sempre que não assumia?
T: Não, primeiro, atenção, tenho pena porque alguém da parte da companhia me liga e faz uma proposta e eu disse, eu não aceito esses valores. Eu não aceito porque depois de na casa estar tudo estragado veio alguém da companhia dizer: “Ó Senhor Daniel, olhe, você quer 4.000 mil euros para reparar os danos? E eu: “ o senhor está a brincar com a minha cara, eu tenho uma família, trabalho todos os dias de manhã à noite, isto é a brincar com as pessoas”. Disse que não aceito e nunca mais ninguém me ligou.
Juiz (J): Senhor Daniel, o senhor já percebeu porque é que a seguradora não assumia isto porque diz de acordo com as condições gerais da apólice, não choveu com a intensidade que ali se estipula.
T: Mas choveu mesmo muito nesse dia…
J: mas só lhe estou a dizer. Isto é uma questão técnica, se eu lhe perguntar o nível de precipitação ao minuto…
T: Isso não sei. Eu posso é dizer que estão ai umas fotografias e uns vídeos junto ai, a água caia pelos focos, há ai um vídeo no processo
T: Aquilo era tanta água tanta água que... Não sei dizer qual é a precipitação que eu não percebo disso.
J: Pronto, não sabe dizer não é?
T: Não sei. Sr doutora, eu tenho lá a minha família e não ia ter.. o tecto da minha sala e do meu quarto estava em risco de cair. Eu tinha que arranjar a casa. E depois é assim, eu não tinha outra solução. Eu tive que ir viver para a casa do meu sogro.
J: Fez muito bem o senhor reparar.
Advogado do autor (A2): Essa precipitação que aqui fala, que é, valores elevados de quantidade de precipitação no Minho e noroeste transmontano. Eu queria confrontar diretamente o Daniel, porque é importante para o tribunal que nos diga que tipo de precipitação, pese embora não saber os valores exatos, mas água abundante até que ponto?
T: Estava a chover muito, mas muito.
A2: Podemos considerar na gíria comum, queda torrencial de água?
T: Sim. Era mesmo fora do normal, não era uma chuva como a que está hoje.
A2: E o senhor sentia isso durante que período? Durante a noite, durante o dia. Como é que é?
Como é que se apercebeu da entrada de água?
T: Eram 8 da manhã, estava na cama, acordei com a água a cair-me nos pés. Foi como começou a entrar a água na casa, pelos focos do tecto.
A2: tem tectos falsos na casa?
T: Sim. Era água e caia em fio.
A2: E alargou-se pela casa?
T: Sim, alargou-se pela casa. E depois vem a questão de: Porque é que o orçamento depois mudou valores, porquê? porque a água começou a nadar no chão flutuante e vazou para a parte de baixo e eu disse á companhia “está a estraga-se tudo, façam alguma coisa”. “Não, não assumimos.” E eu tive que arranjar a casa porque não tinha outra casa para viver.
A2: O senhor á pouco utilizou a expressão “O problema veio depois”, como assim?
T: O problema veio depois porque a água começou a causar mais danos. A água estava no piso de cima.
A2: A casa tem 3 pisos?
T: tem.
A2: Apercebeu-se da entrada da água no terceiro piso?
T: Sim. E a água espalha-se logo nos quartos.
A2: Como é eu é constituída a sua casa? tem tectos falsos e o chão como é que é?
T: É soalho, tem paredes revestidas em madeira. tenho 3 quartos em cima, duas casas de banho. Depois tenho a sala e uma cozinha e uma casa de banho. Depois é uma garagem.
A2: Essa queda de água que o senhor falou. De manhã apercebeu-se que estava a cair água.
Diz que o problema veio depois. Passados já quantos dias, já depois de ter falado com a companhia ou não. Quando se apercebeu do agravamento da situação?
T: Eu...
A2: O perito foi lá quanto tempo depois do sinistro?
T: O perito foi lá, salvo erro, prai 8 dias.
A2: E nessa altura que ele lhe diz…
T: ”Arranje de imediato, que isso vai estragar-se tudo e a companhia paga!!”
A2: Mas não lhe mandou nada por escrito?
T: Não, não. Por isso é que eu disse “olhe, eu não vou fazer nada até a companhia me mandar carta a dizer que paga”. Porque eu não tenho condições par andar aqui. Felizmente tive que faze-lo porque não tinha onde viver. Em vez de gastar 5, fui gastar 5 vezes mais.
J: Gastou 5 vezes mais?
T: Gastei e ainda não paguei.
J: mas quem presta serviços tem uma obrigação e eu não me acredito que estando alguém com uma ação ou um litigio pendente contra uma seguradora que não fosse exigir e deixar bem claro, para que dúvidas não existissem, designadamente nesta ação, pedindo fatura dos serviços correspondentes. O senhor já pediu a emissão de fatura?
T: Eu não paguei.
J: Mas este senhor Eduardo já prestou os serviços?
T: Já. A casa está pronta.
J: Há quanto tempo estão prestados os serviços?
T: ele acabou a casa em janeiro de 2014. Mais ao menos.
J: O senhor tem alguma justificação a dizer sem ser “Eu ainda não paguei” para até à data, não obstante já terem decorrido 3 anos, ainda não ter sido emitida qualquer factura para cobrança destes 20 e tal mil euros que o senhor diz que pagou? Ou tem a pagar.
T: Não porque eu tenho falado com ele, mas eu não tenho como lhe pagar.
J: Quer o senhor dizer que o senhor Eduardo, que prestou serviços na sua casa no valor de 24.838,30€ está serenamente a aguardar…?
T: não porque é assim: eu falei com ele, vamos ver como isto vai ficar. Nem que peça dinheiro emprestado eu tenho que pagar. Nós fizemos um contrato e eu assinei-lhe uma letra.
J: E juntou cópia dessa letra?
T: Eu aqui não a tenho.
J: E ele fez o quê? Descontou essa letra?
T: Não. Ele pediu para deixar de garantia. E eu assinei-lhe uma letra.
J: De que valor é essa letra?
T: 20 e 4 mil e tal euros.
J: E para que é que interessa a letra se não… A mim o que me faz confusão sr. Daniel, isto realmente, é como a sra dra. está a dizer, nós muitas vezes deparamos aqui com pessoas que já agora “vamos pedir mais um bocadinho, não é senhor Daniel?” E o que é que acontece? A mim faz-me uma certa confusão como julgador, que uma empresa que vive disto, que será o Eduardo unipessoal Lda fique 4 anos a aguardar. Uma coisa são mil euros, outra são 24 mil.
T: Eu sei. Mas …
J: O senhor tem alguma justificação que tenha a apresentar para… Já não digo para o senhor não pagar, porque ai diz-me, faz sentido porque não tinha dinheiro portanto o senhor agora não pagou, mas este senhor está 4 anos a aguardar?
T: A empresa dele tem suporte financeiro para suportar isto.
J: 24 mil euros?
T; Eu acho que tem.
J: Uma Unipessoal?
T: Eu acho que sim.
J: Qual o nível de faturação desta empresa?
T: Não sei doutora.
A2. E a intervenção desse senhor Eduardo então operou em toda a casa ou só no 1.º e 2.º piso?
T: 2.º e 3.º.
A2: foi nos dois pisos?
T: Sim.
Veja-se também o DEPOIMENTO da testemunha do Autor Carla de 10:23:14 a 10:59:20 do dia 14-12-2017:
Advogado: Tem conhecimento em que altura ocorreu o sinistro nesta habitação? A senhora presenciou? O que é que nos pode contar desse sinistro?
T: tenho conhecimento direto porque eu presenciei, estive lá. Lembro-me como se fosse hoje.
Porque foi uma situação muito chata. Nós estávamos a dormir. Era um domingo de manhã. eram 8 da manhã do dia 28 de julho de 2013. Foi um dia em que estava a chover imenso
A: Deixe-me só confrontar com o documento. Sra. Carla, esse é o documento que efetivamente se referia a meritíssima juíza é isso?
T: Sim.
A: E recorda-se de ter visto ai que havia precipitação…?
T: Referia mesmo. Estava a tentar descobrir onde estava, porque eu recordo-me que o boletim fazia referências mesmo ao dia 28 em Braga. Só estava a ler isto muito rapidamente…
J: Pode fazer uma pintinha ao lado disso?
A: A meritíssima já identificou isso.
J: O sr dr disse ao bocado a folha,
A: Pagina 2 da 12, parte final. Terá sido isso que leu?
T: Não
A: como diz que nos dias 27 e 28 devido à aproximação..
T: Aqui refere que ocorreu precipitação nas regiões norte e centro, tendo-se registado no dia 28 valores elevados da quantidade no Minho e noroeste Transmontano. mas além disto eu vi um quadro onde tinha aqui uns números.. Não sou técnica portanto não sei…
J: Mas veja lá.
A: Depois tem na página 7, não sei se refere ai isso.
T: Aqui também refere que os valores da quantidade de precipitação no período do 1 de outubro de 2012 a 31 de julho de 2013 são superiores aos valores. Mas isto aqui é vago, pois não percebo nada disto.
A: Depois tem na página 10 é um resumo mensal, não sei se é isso que refere.
T: Exactamente, na página 10 do 12 do boletim, folhas 37 dos autos, onde diz resumo mensal, estação meteorológica, na região de Braga, tem portanto aqui uma tabela, uma legenda, onde..
J: Diz 48 qualquer coisa na região de Braga?
T: Exactamente…
J: Esse é o resumo mensal.
T: Sim.
A: Quer pormenorizar um pouco mais? Em a maçada de ser agora confrontada com as fotografias.
T: Sim, eu recordo-me das fotos. Nós tirámos várias fotos, até há um vídeo que demonstra perfeitamente a água a cair. E como eu estava a dizer eram 8 da manha e nós tivemos que sair da cama e desviar porque a água estava a cair em ciam de nós. Pelos focos e pela tela. Foi abundante mesmo. Eu digo com toda a certeza que a água no quarto tinha esta quantidade.. os nossos pés ficaram todos molhados. Era um charco de água dentro do quarto. Com a porta aberta, depois tem outra porta que dá para o quarto de vestir e a casa de banho. portanto era água em todo o lado. Eu socorri-me imediatamente de toalhas, do que tinha á mão, bacias, porque de facto a entrada de água era imensa, portanto eu acho que estas palavras descrevem o que aconteceu.
A: Quando dez que a água vem pelos focos é o quê? pladur?
T: Sim, pladur. tecto falso.
A: Depois houve um pormenor em que compartimentos que a água foi..
T: Foi no nosso quarto, no quarto de vestir e na casa de banho, tectos e chão. E armários.
A seguir ao quarto tenho outro hall de entrada, tem uns painéis de madeira que ficaram também danificados, principalmente na zona de baixo, porque é onde a água andou ali.
A: A que piso se está a referir?
T: Piso superior.
A: Qual é?
T: Foi no último. Depois na casa de banho, o chão é tijoleira e não ficou danificado, ficaram sim os painéis de madeira junto ao chão. O chão é soalho flutuante. E acabou por entrar pelos dois quartos do piso superior.
A: portanto a água espalhou-se? na parte de cima?
T: Espalhou-se. Completamente. Eu não conseguia dar vazão à situação. Não conseguia.
A: os senhores o que é que fizeram para além de estancar. Foram toalhas, já disse, foram baldes. O seu marido participou?
T: Sim o meu marido participou. E participou o acidente à companhia e eu própria cheguei a trocar uns email com a companhia para ver se solucionávamos a questão. E paralelamente ele também enviava emails á companhia para ver se resolviam a situação, porque nós não voltámos a viver lá naquelas condições.
A: Saíram?
T: Porque nos dias seguintes continuou a chover. Eu própria cheguei a ligar ao sr perito sr Miguel, a perguntar como é que era. Se ele resolvia a situação, se falava com a companhia. ele chegou a dizer: “arranjem, arranjem, que a companhia vai assumir”. Eu cheguei a perguntar: “Mas quem é o senhor para dizer uma coisa dessas?”. Ele “à vontade, à vontade!”. Ele sabia o que eu fazia e não chamou o meu nome normal. E eu” não, o senhor vai ter que ter uma resposta da companhia para nos garantir que nós podemos arranjar a casa”. Mas chegou a dizer isso ao meu marido também.
A: chegou-lhe a dizer para..?
T: E a mim ao telefone! Porque eu cheguei a falar várias vezes com esse senhor ao telefone.
A: A senhora diz que teve que sair efetivamente da casa.
T: Sim.
A: Ausentaram-se durante quanto tempo?
T: bastamente tempo.
A: mas quanto? Até que a reparação estivesse concluída?
T: Exatamente. Até início de 2014, salvo erro.
A: Tente-nos coordenar cronologicamente isso. Ocorreu nesse dia que já referia, espalha-se a água… Houve agravamento posterior?
T: Houve. Mas muito.
A: E como é que nos explica cronologicamente esse agravamento posterior?
T: Porque a companhia não assumiu, as obras não eram feitas. E os danos espalharam-se pela casa toda não é? A humidade e a água infiltrou-se pelo resto dos compartimentos do piso superior baixou ao piso inferior, naturalmente pelos tectos, cozinha, sala, casa de banho, as escadas ficaram uma lástima. A escada deu-se um jeito, digamos assim. As paredes da sala, as paredes do quarto. A casa de banho do nosso quarto, o tecto estava empolado já. E o soalho todo. A parte do hall da entrada dos quartos, os painéis de madeira estavam escuros. Via-se perfeitamente a humidade em todo o lado.
A: Esse agravamento surge quantos dias depois desse evento?
T: Dias não sei precisar, até porque eu lembro-me perfeitamente que no dia seguinte, já não posso ir mais longe. Mas mais um dia continuou a chover. E daí a nossa insistência com o senhor perito. “Como é vem? Não vem? A companhia resolve?”. Porque o tempo mantinha-se, não tão acentuada a chuva, mas mantinha-se. E portanto eu tinha água a entrar em casa, o que é que eu ia fazer? Como é que eu ia estancar aquela água? Não conseguia. Portanto a chuva continuou a entrar, não só nesse dia, mas nos dias seguintes, porque a chuva não parava.
A: mas tem conhecimento de alguma tentativa de resolução com a companhia, discussão de valores…?
T: Tenho, o meu marido comentou comigo, eu não presenciei nada. Chegou a comentar comigo que o sr perito achava o orçamento, não sei qual foi, um bocado exagerado e portanto que propôs uma quantia irrisória, muito inferior aos danos concretos no momento do sinistro. Porque os danos no momento do sinistro foram diferentes dos danos ao longo do tempo. porque como não se fazia a obra, como a infiltração continuava, a água estava lá, porque eu não levantei o soalhe e limpei a água por baixo e portanto a água continuava lá e conseguiu infiltrar-se ao piso inferior causando danos no tectos da cozinha, sala e casa de banho, paredes e na parte onde ela descia diretamente do quarto para a sala. Aquela parte das paredes da sala, os rodapés, aquilo estava um caos.
A: Mas então o seu marido, o sr Daniel tratou efetivamente de proceder depois à reparação desses danos?
T: Exatamente, porque eu estava, que era o que eu estava a dizer mas depois desviei-me.
Portanto há uma tentativa de acordo, entre aspas, entre o Daniel e o Sr Miguel, representante da empresa de peritagem, não foi a companhia que contratou a empresa de peritagem. E entretanto o sr. Miguel faz-lhe a proposta, mas fica condicional porque a companhia ainda não tinha assumido a responsabilidade. Entretanto acho que o meu marido trocou uns emails com a companhia, dizendo que vai mandar reparar, que já reparou, numa tentativa de pressionar a companhia a solucionar o problema. O que é certo é que mandou reparar mesmo, as obras foram feitas. Eu penso que, em finais de 2013, não consigo precisar se foi outubro, novembro, mas mais para o final de 2013, demoraram um tempo ainda e ficaram concluídas no inicio de 2014, salvo erro.
A: Acompanhou a execução das obras e quem as fez?
T: Sim, eu já ia lá raramente. Eu fu inicialmente por causa da água, porque eu tinha que limpar a água, só que aquilo causava um desgosto e uma tristeza, não poder dormir sequer no nosso quarto. Só quem passa por elas é que sabe o que isto custa e portanto eu ia lá limpar a água, mas durante a execução dos trabalhos ia lá esporadicamente ver, mas isso era mais como meu marido.
A: recorda-se quem contratou esses serviços?
T: Sim, foi a empresa do sr D. A., a empresa Eduardo, salvo erro.
A: Foi ele que andou lá a reparar?
T: Sim, ele e os trabalhadores dele.
A: Em termos de economia doméstica, portanto, são casados. Sabe quais foram os valores que efetivamente contrataram com a empresa que veio reparar?
T: Não foi comigo mas sei. Foi 24 mil e qualquer coisa.
A: Isso foi negociado, foi com alguém que vocês conheciam? Quem era a empresa?
T: Sim, eles são amigos.
A: Sabe se liquidaram esse valor?
T: Não liquidámos. O meu marido não liquidou.
A: Não liquidou porquê?
T: Porque estava à espera que a companhia assumisse a situação. E dada a confiança que eles têm, o senhor permitiu que fosse assim.
A: Disse á pouco que teve que se ausentar. Durante quanto tempo e onde é que passou a habitar?
T: Na casa do meu pai. Em Amares.
A: Durante quanto tempo?
T: Durante esse tempo todo. Até à conclusão das obras. Porque não dava para morar lá. Além do cheiro, a humidade que depois ficou. Com o meu filho mais novo eu não arriscava a viver numa casa assim.
Veja-se, ainda, o DEPOIMENTO da testemunha do Autor D. A. de 11:11:56 a 11:34:40 do dia 14-12-2017.
A: Posto isto, o senhor desloca-se lá a pedido do sr Daniel?
T: Sim.
A: O que é que verificou localmente?
T: Quando lá cheguei o quarto estava impróprio mesmo. A cair água pelos focos todos. Eles tinham toalhas e bacias. Até me lembro de terem lá uns vazos de decoração a receber as águas.
A: Em que piso da casa?
T: No piso de cima.
A: Onde é essa casa?
T: A casa, é em Y.
T: Olhe, o senhor na altura tem algum grau de amizade com o senhor Daniel?
T: Sim, sim.
A: Deu na altura algum orçamento para reparação imediato, ou á posteriori? Como é que fez?
T: Dei à posteriori o orçamento de reparação para aquilo.
A: E naquela altura? De imediato? Orçamentou só para aquela parte ou depois…?
T: Sim, sim.. fez-se dois orçamentos.
A: Fez-se dois orçamentos? Então explique ao tribunal o porquê de fazer dois orçamentos.
T: porque nós fizemos um orçamento e entretanto as humidades da casa ficaram entranhadas, nas madeiras, etc, a obra não foi logo executada e a humidade começou a espalhar-se pelas restantes zonas da casa.
A: E qual era a diferença desses orçamentos?
T: Notava-se nos apanholados que no início só tinha uma mancha pequena e depois a mancha foi aumentando e passando para outros apanholados.
J: Pode dizer ao tribunal o que é que incluiu nesse primeiro orçamento e o que é que incluiu no outro?
T: A nível de inclusões se não estou em erro são quase as mesmas inclusões, o que muda muito é em termos de m2. Porque nós numa primeira abordagem não tínhamos mudado nada.
Imagine que tínhamos aqui este tecto, que estava um bocado danificado, fez-se uma contabilização de substituição de 2 ou 3 placas, mas depois com o passar do tempo o tecto começou a empolar, a tinta a descascar e tudo o mais e nós então removemos o tecto todo. E foi mais ao menos a diferença desses orçamentos.
A: E recorda-se de valores? Do primeiro para o seguinte?
T: recordo sim, o primeiro era na ordem dos 6 mil e qualquer com IVA, e o segundo para os 24 mil e qualquer coisa.
A: E consegue explicar ao tribunal o porquê dessa diferença? Já disse os metros quadrados, mas só dos metros quadrados? O que é que acompanhou mais?
T: A maior parte foi m2. Porque mesmo no primeiro orçamento nós tínhamos a reparação de painéis, de tectos, de vidro, de pinturas, tínhamos tudo. O que aconteceu foi que a obra se foi danificando cada vez mais e nós depois em vez de arranjar só um bocadinho, tivemos que arranjar tudo.
A: estes metros quadrados que o senhor enumera aqui logo na primeira folha, logo a seguir tem transporte para a seguinte, diz aqui 2 mil e poucos euros de intervenção em gesso cartonado, sanca e tudo mais. Executou estes trabalhos na obra?
T: Sim.
A; continuando a apreciação desse orçamento na página 2, tem ai colocação de porta, armários, chão, portanto a nível de madeiras. tem ai quantidade, preços unitários com IVA. isto foi executado?
T: Foi.
A: Nesta quantidade.
T: Sim.
A: Confirma ao tribunal?
T: Confirmo.
A: Também tem as rubricas da pintura, tem 82m2 a 9 euros. isto foi feito?
T: paredes e tectos.
A: È assim que está contabilizado. Continuando na página 3, o senhor tem contras de madeira na zona da janela. Em que zona de janela foi isto?
T: isto ainda é na suite.
A: tem um valor global de 119 euros. Tem aqui telas (?) e fixas, que foram danificadas também?
T: Sim.
A: O senhor também as substituiu?
T: Sim.
A: tem aqui um porte pivotante em madeira igual à existente na entrada do quarto. O que é que aconteceu á porta?
T: Entrou humidade da parte de baixo e começou a ficar danificada.
A: No corredor tem aqui fornecimento de painéis de madeira. Aplicou?
T: Sim.
A: Substituiu por inteiro?
T: Tem que ser substituídos por inteiro. A não ser que o cliente quisesse mudar a estética da casa e cortasse os painéis a meio.
A: neste corredor também substituiu o chão flutuante?
T: Sim.
A: E o rodapé? As unidades que tem aqui…
T: O chão ficou todo uma vergonha.
A: Pintou o tecto neste corredor também? E substituiu portas? É assim?
T: É.
A: No quarto o que é que fez?
T: No quarto 1..
A: qual é o quero 1? O do casal?
T: Não, temos a suite e mais dois quartos.
A: ahh ok.
Nos outros quartos o processo foi exatamente o mesmo.
A: Então?
T: Danificou o tectos, porque a humidade espalhou-se pela placa da casa e começou a danificar os tectos. Na suite foi espalhando, inclusive os armários e as portas… a madeira puxa a humidade e o que aconteceu basicamente foi isso. Começou a puxar a humidade que estava no chão e começou a estragar aquilo. Com o tempo cada vez mais se notava a degradação daquilo.
A: Você tem aqui no 4.2, a mesma distinção…
T: Foi a mesma coisa que se fez.
A: Depois tem aqui sala e cozinha, o que é teve de danos?
T: Como tínhamos agua no piso superior, o que acontece é que na zona de entrada nos quartos a água caia para as escadas. Caía diretamente na sala. no restante, a água que estava na placa e no piso foi bazando a placa de betão para a parte de baixo.
A: Afetou a madeira?
T: Afetou.
A: teve que substituir para além do pladur o quê?
T: Substitui os pisos, rodapés…
A: muito bem, também nesse.. Na cozinha tinha madeira?
T: na cozinha acho que não tinha madeira.
A: na sala?
T: Na sala tinha flutuante.
A: este valor que apresenta aqui, 20 mil euros acrescidos de IVA, 20.193,84, o senhor apurou isto dentro do preço do mercado da região. Não estão inflacionados?
T: Não.
A: Eu queria que o senhor, que está com o documento na mão, a sra funcionária irá ajudar, para ser confrontado com o relatório junto pela companhia de seguros, que é o doc. 4 da contestação.
A: Sr. Eduardo, olhe, está a ver aí nesse relatório da companhia de seguros feito por uma empresa de peritagem, na pagina onde fazem a avaliação de prejuízos e capital, um quadro não é? Que está a ver? Presumo eu. Não? portanto um quadro que diz verba e danos. Ao contrário do seu, essa avaliação feita pelo perito, em relação àquilo que o senhor apresenta e das reparações que fez e que orçamentou, que diferenças é que tem do seu para este? Em que difere a nível de preços? Estes preços que estão aqui estão ajustados com a realidade ou não?
A: Só para agilizar, o senhor tem previsto a execução de sanca nesse local. Que aqui refere também, 60€, quanto a isto não haverá discrepância na sanca não é?
T: Aqui encontro-me com dificuldades por não ter metros quadrados. Nós temos aqui valores unitários. Por exemplo aqui nos painéis de madeira, não nos diz quantos painéis são sequer.
A: Além da remoção de 5 placas de gesso, 135€.
T: Aquilo é possível por este valor, estamos a falar de 5 placas. Não estamos a falr de tectos inteiros.
A: Foram intervencionados os tectos inteiros?
T: os tectos inteiros.
A: Fala aqui no fornecimento e colocação de madeira iguais aos existentes, 733€. Ponto 4, na suite.
T: mas não nos diz quantos painéis são. não sabemos se eles estão a contar os apanholados, quantos é que são. e é 1, 2, 3…
A: Depois tem fornecimento de chão flutuante e respetivo rodapé na suite. 499€.
J: Esse orçamento que está ai ou esses valores é só para ajudar…
T: Sim, sim, estou aqui a ver os metros quadrados.
J: Mas qual, o primeiro ou o segundo?
T: Eu fechei o negócio com o cliente. A nível de chão flutuante é exatamente a mesma coisa. O valor do nosso orçamento é exatamente o mesmo orçamento.
A: muito bem..
T: Aqui só está mesmo o da suite. Não está o resto dos quartos, sala nem nada.
A: Tem aqui o corredor com a colocação de painéis de madeira. Colocação de chão flutuante e fornecimento de pintura e tecto. Quanto a estas 3 peças isto não está desajustado relativamente ao seu orçamento?
T: pode estar desajustado a nível de m2. Não é a nível de preços.
A: mas para além destas 3 peças, os danos da habitação, estão nas outras peças da habitação?
T: Sim.
A: onde o senhor intervencionou e reparou?
T: Correto.
A: Olhe.. Não é mais nada de momento. perguntava, relativamente ao tribunal, sobre preços, negócio, disse à pouco que foi assim que fechou. Recebeu este valor?
T: Não.
A: Não porquê?
T: tenho uma letra, tenho um contrato assinado em meu poder. Com a amizade que eu tenho com o cliente, estamos a aguardar para ver se resolve a situação. Porque sei que de uma maneira ou outra o cliente resolve.
A: Não faturou ainda?
T: Não faturei para não suportar os 4 mil e qualquer coisa euros de IVA, da empresa. Era esperar para ter a situação resolvida para ter a facturação. Eu tenho que faturar de uma maneira ou outra. Eu a nível contabilístico tenho a obra sempre a ser adiada. E eu tenho que facturar.
J: E vai facturar?
T: Vou facturar. Tenho que facturar.
J: Quando são valores desta espécie… O senhor confirma que foram estes serviços conforme estão qui descritos?
T: Sim, sim.
J: Faça favor.
A: Olhe, o senhor diz-me que ficou com a garantia de uma letra. Essa letra entrou no circuito cambiário comercial á imagem das descontadas previamente?
T: Não.
A: Foi só como uma garantia?
T: Como garantia.
A: O senhor garante ao tribunal que este valor será facturado?
T: Sim, sim.
A: E entregue ao estado este valor?
T: Que remédio. tal como os restantes trabalhos tem que ser facturado.
A: E tem suporte a sua empresa para aguentar isto este tempo?
T: Há alturas boas e alturas más. Mas sim, neste momento sim.
A: Não quero mais nada sr dra.
J: Desta fatura que estamos aqui a ver. Estamos a falar do valor ilíquido de 20 e tal mil euros. Mais ao menos que montante deste que estou aqui a dizer seria parte do lucro do senhor? E vamos incluir nesse lucro a mão-de-obra. Quanto é que seria para o senhor custear materiais?
T: No mínimo metade.
J: Isso quer dizer que o senhor já adiantou do seu bolso 10 mil euros? Podemos então dizer que metade do valor eram custos?
T: Não paguei IVA porque eles a faturar para mim (?) eu vou descontar no IVA…
J: O senhor já pagou
T: Sim.
J: depois vai deduzir…
T: A factura vem IVA de (?), não vem mais IVA do fornecedor para mim.
J: O senhor paga o IVA e depois quando factura a terceiros deduz o IVA que esses terceiros pagam, certo?
T: Não, eu não pago IVA ao meu fornecedor.
J: Então não paga IVA ao fornecedor?
T: Não, se ele me fizer serviço de mão-de-obra e de material eu não pago IVA ao fornecedor.
J: muito bem, então… mas 10 mil euros, o senhor é uma unipessoal. Sabe dizer quanto é que ganha por ano? Quanto é que esta empresa lhe permite tirar de lucro por ano?
T: Média de 30 mil euros por ano.
J: lucro?
T: Sim.
J: Então quer dizer que o senhor está declarado para efeitos de IRC, 30 mil euros por ano?
T: mais ao menos.
J: Trabalha sozinho?
T: Não, tenho funcionários.
J: Como é que o senhor encaixa na sua estrutura 10 mil euros de custos ao longo de 4 anos, sem pedir este valor?
T: Ninguém disse que eu não pedia o valor.
J: não, sem cobrar.
T: É fácil, como muitos clientes ficam a dever, 10, 20 mil euros.
J: mas muitos clientes ficam a dever, mas tentam recuperar?
T: tentámos.
J: outra coisa é voluntariamente durante 4 anos.
T: porque confio no Sr. Daniel e sei que me vai pagar.
Atente-se também no DEPOIMENTO da testemunha do Autor Sofia de 11:00:01 a 11:11:17 do dia 14-12-2017.
A: Indo diretamente ao assunto e no que toca a esta demanda, recorda-se de ter ocorrido algum sinistro na habitação do casal?
T: recordo.
A: Em que altura é que foi se pode precisar o dia.
T: recordo-me perfeitamente desse dia. o dia exato não sei dizer, mas foi no final de julho.
Penso que há cerca de 4 anos. Lembro-me perfeitamente desse dia porque a colega contactou-me e pediu que eu lá fosse a casa. E ficou na memória porque tinha marcado um almoço de família e tenho presente que chovia imenso. Portanto ficou marcado pro várias razões.
A: Olhe, diz que chovia imenso, importa apreciar para o tribunal, embora do ponto de vista técnico vale o que vale. Essa chuva imensa correspondia a quê? para si e comparando com outros episódios.
T: Principalmente estávamos no verão não é? Era uma chuva anormal para um dia de verão.
E era acompanhada de vento, e mesmo com o guarda-chuva, num pequeno percurso nós molhávamos todos. Isso eu posso garantir.
A: grande intensidade?
T: Sim. Chove mesmo muito, choveu durante a noite e depois penso que toda a manhã choveu bastante porque na hora do almoço chovia mesmo bastante.
A: E deslocou-se lá a casa?
T: Desloquei lá a casa. Porque na altura ela ligou bastantes vezes aflita, ali pelo início da manhã. E pediu que eu lá fosse porque eles tinham um bebé. E estavam ali perante uma situação que teriam que limpar e por recipientes a apanhar a água. E pediram que eu fosse la dar uma ajuda com o bebé. para dar uma ajuda, porque estar com uma criança pequena a limpar não conseguiam.
A: Estamos a falar de habitação em Y?
T: Sim, em Y. Perto da escola preparatória.
A: E com o que é que se deparou? O que é que assistiu?
T: Portanto, subi e o quarto deles, vinha água pelos focos, saia água das contras das janelas, era bacias por todo o lado. o chão cheio de toalhas com água, porque na altura ela arranjou tudo o que pudesse para conseguir apanhar a água. Até um jarrão que tinham como decoração estava a suportar a água que caia em fio de um dos focos.
A: viu a água a cair?
T: Sim, sim. na altura o jarrão estava cheio de água até meio.
A: Como eram os tectos?
T: Tecto falso. A casa toda. E na altura a água espalhou-se pelo chão. Já estava também a sair do quarto em direção ao hall de entrada dos quartos. Eu penso que ela já estava a cair para o andar de baixo. A água estava a encaminhar-se para todo o lado, nomeadamente até para o quarto de vestir, em direção á casa de banho.
A: Lembra-se como era o chão? De que materiais eram feitos?
T: O chão é flutuante de madeira.
A: apercebeu-se se corriam nas paredes da habitação a água?
T: A água saia essencialmente dos pontos onde conseguia sair que era nos pontos, nos focos, saia nos contras junto das telas. Penso que na altura estavam as telas todas molhadas. Os blackouts das janelas, e as paredes estavam a ficar todas húmidas. Via-se perfeitamente a água ali a sair.
A;: Sabe o que ocorreu nos dias seguintes? o casal continuou na casa? teve que se ausentar por causa disso?
T: Não, eles depois tiveram que sair da casa. Pelo menos a parte dos quartos estava inabitável. Foram uns tempos para casa do pai da dra Carla.
A: Até se resolver a questão?
T: Sim, até se resolver a questão. Não lhe sei precisar quanto tempo mas ainda foi algum tempo.
A: Foram feitas reparações na casa?
T: É assim, foram feitas reparações na casa, eu não acompanhei as reparações, mas como trabalhamos juntas esse assunto era comentado. E tiveram que lançar com a reparação porque penso que com o tempo as infiltrações começaram a ser mais visíveis. E então optaram por avançar com a reparação. Eu não acompanhei a reparação mas depois disso estive lá em casa e vi que a casa estava reparada.
A: teve conhecimento se para além dessas áreas que viu ocorreu agravamento dessas situações dentro da habitação?
T: Era isso que eu estava a dizer há pouco. Naquele dia via-se a água mas passado algum tempo que eu cheguei a estar lá, via-se já manchas de água nos tectos próprias de a água ter secado e ter andado a espalhar-se e via-se também nas paredes e até no andar de baixo, nos tectos, nomeadamente na zona da sala. A água desceu pelas escadas e fica ali junto à sala. via-se nas madeiras, no chão, a madeira que fica a levantar. E também numa parede em madeira que eles têm no andar de cima, na parte do hall também tinha manchas de humidade. Nos armários no quarto. Penso que na altura eles até tiraram fotografias, chegaram a fazer um vídeo sobre isso.
A: Deslocou-se lá novamente?
T: Eu estive lá no dia e depois fui lá ali alguns dias e verifiquei o agravamento. E depois fui novamente e já estava reparada.
A: tem esse quadro cronológico?
T: Sim.
A: Quando fala em reparada verificou que houve reparações nos dois pisos da casa habitáveis?
T: Pelo menos não estava como eu vi anteriormente. E sabendo de antemão que tinha havido reparações já não estava com vestígios de humidade como tinha antes
A: Como próxima ao casal pergunto se se apercebeu que tenha causado algum transtorno durante o período em que tiveram que se ausentar?
T: Bastante, porquê. Se estivéssemos a falar só de dois adultos até é fácil, mas deslocar-se de casa com uma criança, levar tudo o que são bens pessoais, estarmos noutra casa que não é a nossa. Na altura ela queixava-se que era muito muito chato, que não estava na casa dela, que tiveram que se adaptar a outro espaço, que nem sempre é fácil.
A: lógico.
T: Levaram os bens pessoais, deles e do bebé. digo bebé, mas devia ter um ano e qualquer coisa.
A: E assim apreciou o que se passou?
T: sim, porque nós convivemos diariamente, somos próximas, e são conversas…
A: Dra, para resolução desta questão, sabe se houve tentativas por parte da dra Carla da resolução disto?
T: Sim, inicialmente penso que ela tentou resolver isto diretamente com a companhia de seguros, mas não conseguiu.
A: Só mesmo para concluir, dentro do senso comum da sua optica, que chovia, já temos aqui um relatório que fala em precipitação, mas tente com equiparação com exemplos que tem, catalogar como é que foi essa tempestade?
T: Se calhar, para lhe dar um exemplo concreto e recente, talvez um dia como esteve no domingo passado. Por exemplo. Bastante chuva.
J: Fez mais vento que chuva no domingo.
T: mas mais chuva.
J: sabe quantificar?
T: Quantificar não consigo.
J: pronto.
T: Não tenho forma de quantificar. Agora tenho presente que realmente choveu bastante.
A: muito obrigado.
DEPOIMENTO da testemunha do Réu M. L. de 11:43:35 a 11:54:55 do dia 14-12-2017.
J: é a senhora que analisa as participações? Os documentos? os relatórios?
T: Exactamente.
J: A senhora nunca foi a esta casa?
T: Não.
A: Disse que não ocorreram ventos de 90 km/hora. Sabe em que dia foi o sinistro?
T: 28 de julho de 2013.
A: Como é que chegou a esse elemento?
T: Através de participação que indicava…
A: Participação que lhe foi feita?
T: Exactamente.
A: Como é que sabe que no local de sinistro não correram ventos de 90 km/hora?
T: porque o gabinete de peritagem vai junto do instituto de meteorologia verificar naquela data quais foram as condições do vento. Nessa data.
A; portanto o seu depoimento é indireto? É em função do que o seu perito disse?
T: É em função do que o perito disse. O perito vai lá e recolhe todas estas provas. Nós fazemos só depois a gestão do sinistro.
A: Não é que a senhora saiba efetivamente se ocorreu ou não ventos superiores naquele local?
Sabe porque o perito lhe disse isso?
T: O Perito disse e há um documento do IPMA a indicar qual é o vento nesse dia. Que é de 15 km/hora.
A: ai disse?
T: Sim, sim.
A: A senhora tem o documento consigo?
T: tenho.
A: Ora diga lá em que página é que diz que o vento…
T: O documento que eu tenho aqui do IPMA, que é este, não lhe sei dizer em que página é que está. este é um documento que eu tenho que consta do processo em que mostra que a intensidade do vento vai no máximo aos 15 km/hora.
A: Não temos cá o documento por isso é que eu estava curioso. Em saber o que a senhora sabe da intensidade do vento.
T: Este documento existe e faz parte do processo.
A: São elementos do processo de sinistro?
T: Exatamente.
A: também deve ter elementos quanto à precipitação de água, ou não?
T: Por acaso não sei se aqui vem mas sim. Tem 12,5 mililitros por hora, no limite. E o limite foi atingido entre as 9 e as 10 da manhã.
A: não tem por acaso durante a noite?
T: É da meia-noite do dia anterior até às 23 horas do dia seguinte. E a precipitação é praticamente nula.
A: muito bem.
J: O que os senhores drs sabem disso mais que não chega aos advogados que patrocinam as seguradoras, nem metade do que era preciso, muitas das vezes em prol das seguradoras, pois neste caso compete ao sr d. fazer a prova pois é a parte constitutiva, se fosse uma exclusão era a sra dra que tinha que fazer a prova, mas como é constitutivo é o sr dr. porque a senhora diz que consultou algo que nós não temos aqui. porque eu só tenho a média mensal.
A: Sra testemunha, relativamente à precipitação de água. tem esses elementos, chegou-lhe ás mãos, foram vocês que fizeram essa pesquisa ou foi o perito que lhe fez chegar isso?
T: O perito. Que recolhe todos os elementos.
A: Quem paga ao seu perito? É a companhia?
T: A companhia paga sempre as peritagens.
A: É um prestador de serviços vosso?
T: É um prestador de serviços sim.
A: Não é mais nada.
Por fim, veja-se ainda o DEPOIMENTO da testemunha da Ré Diogo de 11:56:46 a 12:12:44 do dia 14-12-2017
Juiz: foi o senhor que fez a peritagem que estamos agora a discutir?
T: não senhor eu sou supervisor de processos foi eu que analisei o processo antes de seguir para a seguradora
M: quantos orçamentos é que vieram nesta peritagem?
T: Inicialmente terá sido apresentado um orçamento de 9000 euros, depois veio a ser corrigido para 5102,41.
T:a nossa intervenção foi ver quais eram os danos que foram resultante do sinistro e identificar quais os trabalhos seriam necessários para a sua reparação estará referido no orçamento a partir de aí poderá executar os trabalhos, sendo que no caso em concreto nos nas nossas conclusões entendemos que não estava cumprido ou seja o sinistro não tinha enquadramento com as coberturas da apólice
M: só para curiosidade quando enviou essa informação para a companhia de seguros?
T: outubro de 2013
M: desde Agosto a outubro de 2013 os senhores estiveram em análise com o processo internamente?
T: teve
M: nesse período a companhia não podia comunicar nada ao sinistrado?
T: não
M: o senhor não admite durante esse período de dois meses três possam ocorrer agravamentos em virtude dos danos que foram verificados e do tipo de sinistro que ocorreu?
T: não me parece plausível, não pode dizer que não possa acontecer um ligeiro agravamento mas não me parece plausível, porque a origem estava reparada ou seja o motivo da entrada entre as telhas estavam fissuradas e a partir do momento em que repararam o telhado logo apos a ocorrência não entra mais água não há motivo ao fim de três meses estar a agravar porque os materiais já reagiram a presença da água.

O. Assim sendo, o tribunal a quo, de acordo com o depoimento de parte do autor e das testemunhas supra aludidas, e, bem assim, com os documentos juntos aos autos (orçamento de fls. 11 verso e ss, fotografias de fls. 39 e ss, fotografias de fls. 122 verso a 126 e 128 a 130), e, ainda, com o recurso às regras de experiencia comum deveria ter dado como provado o factos que deu como não provado, mormente os pontos 1 a 5 dos factos não provados, mormente que:
P. Ficou provado que a água, proveniente da chuva intensa que fez sentir no dia 28/07/2013, infiltrou-se nos quartos e casa de banho do piso superior (3.º piso) da casa, especificamente em todo o seu soalho;
Q. E, em detrimento de tais infiltrações de chuva, o autor, face à imediata não assunção de responsabilidade pela seguadora, seguida, é certo, de apresentação por esta de uma proposta de indemnização irrisória / muito baixa, teve que proceder a obras de reparação nos três pisos da casa.
R. Os trabalhos realizados na casa do autor foram orçamentados em 24.838,30 € + iva.
S. Note-se que todas as testemunhas declararam que a água se espalhou ao longo de todos os quartos da divisão superior da casa face à abundância de água / chuva que se infiltrou no interior da habitação pelo telhado, janelas, portas.
T. Aliás, quer o autor, quer as testemunhas Carla (esposa do autor), D. A. (amigo e prestador dos serviços de reparação) e Sofia (colega da esposa do autor) afirmaram que verificaram que, face à delonga no inicio da execução das obras de reparação, atenta a não assunção de responsabilidades pela ré, os danos na habitação se agravaram, na medida em que as infiltrações de água existentes no piso superior se alastraram / desceram para os pisos inferiores.
U. O proprio perito (testemunha Diogo) não afasta, com cabal certeza, a possibilidade dos danos se agravarem.
V. Note-se, também, que a testemunha D. A. (amigo e prestador dos serviços de reparação) confirmou ao tribunal a quo as quantidades e preços dos trabalhos efetuados e constantes do orçamento de fls. 11 verso e ss.
W. Quer o autor, quer as testemunhas Carla, Liliana e D. A. confirmaram que a seguradora apresentou uma proposta de indemnização irrisoria / de valor muito reduzido face aos danos existentes na moradia do autor.
X. Quer o autor, quer o prestador dos serviços (D. A.) / sociedade confirmaram que pese embora os trabalhos se encontram executados o autor ainda não procedeu ao seu pagamento, quer porque o autor não tem a quantia disponivel (cerca de 24 mil euros), quer porque a sociedade prestadora dos serviços acordou em esperar que o processo fosse resolvido, mediante a entrega de uma letra pelo autor, como garantia do pagamento.
Y. Para além do mais, quer autor, quer a testemunha Carla, quer a testemunha D. A., referiram que tal valor ainda só não foi faturado para a empresa prestadora dos serviços não ter que suportar, sem receber, “os 4 mil e qualquer coisa euros de IVA”.
Z. Ao decidir como decidiu, e ao dar como não provados os factos a 1 a 5 constantes dos factos não provados, o tribunal a quo faz tábua rasa dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.
AA. Aliás, ressalvado e devido respeito, mas que só se admite por mera distracção ou lapso, o tribunal o quo, longe de se cindir aos depoimentos concretos e objetivos das testemunhas, resvala para a formulação de meras conjunturas ou suposições, o que é sobretudo visível muito particularmente nas seguintes conclusões:


“(…) É certo que o autor e as testemunhas Carla e D. A. procuraram justificar tal atitude com o elevado grau de confiança e amizade existente entre esta última testemunha, gerente da sociedade executora dos trabalhos, e o autor, mas tal justificação revelou-se de todo inverosímil ante a qualidade de sociedade unipessoal da aludida sociedade e, sobretudo, do elevado montante em causa (24.838,30€), sendo de todo improvável que a aludida sociedade fosse pagar os custos do material que incorporou na obra (que a testemunha D. A. quantificou em cerca de 10.000,00€) e ficasse a aguardar anos a fio o desfecho de um processo que não lhe diz respeito para se ver paga do seu valor.
E é também um sério indício de que efectivamente não houve lugar à realização dos trabalhos enunciados no orçamento de fls. 11 verso e ss. o facto de, pese embora a pendência da apresente acção e o longo período de tempo já decorrido sobre a data da alegada finalização das obras, não ter sido emitida até à data qualquer factura que titulasse fiscalmente o crédito da sociedade sua executora, o que o autor e as testemunhas Carla e D. A. procuraram justificar com a necessidade do pagamento do respectivo IVA, imposto que, de qualquer forma, sempre seria devido pelo autor, não se percebendo por isso como o seu pagamento pudesse constituir um óbice à emissão de tal factura.»
BB. Assim, ao dar como não provada os factos sob os números 1 a 5, decorrentes da prova testemunhal e documental carreada aos autos, existiu, por parte do Tribunal recorrido, manifesto erro de julgamento da meteria de facto, com a consequente incorrecta aplicação do Direito, tendo, nomeadamente, violado o disposto nos artigos 342.º e ss do Código Civil.
CC. Pelo que, assim sendo, o tribunal recorrido incorreu num erro de julgamento na forma como valorou os factos que deu como não provados, o qual deve ser alterado por este Tribunal Superior ( cfr. artigo 640.º, n.° 1, al. a) e b) e 662.°, n.°s 1 e 2 do C.P.Civi), pois a aludida prova testemunhal e documental junta imponha que o tivesse dado como provado na sua totalidade.
DD. Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1.ª instância contra decisão proferida acerca da materia de facto, não se sana o vicio da decisao, pois a Relaçao, em recurso, pode oficiosamente ou a reuqerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisao proferida.
EE. Pelo que, o recorrente pretende a alteraçao da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.Civil ou seja, “ A relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
FF. Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido dc fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662°, n.° 2 do C.P.Civil).
GG. Depois (matéria de direito), do conjunto da prova produzida, e infra elencada, o Tribunal concluiu no seguinte sentido:(…)

«Ora, apurou-se que os danos surgidos na habitação do autor se verificaram na sequência da entrada de água da chuva no interior da mesma, chuvas estas com intensidade de pelo menos 12,5 mm numa hora.

Inexistem então dúvidas de que os danos surgidos na habitação do autor foram provocados pelo alagamento derivado da chuva.

De facto, mais uma vez se retira com clarividência do âmbito das coberturas que as “chuvas torrenciais”, para serem susceptíveis de integrar a cobertura “inundações”, haveriam de atingir intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos, sendo que, como resulta da factualidade assente, a pluviosidade máxima no dia em causa foi de pelo menos 12,5 mm numa hora, do que decorre que a pluviosidade que se logrou apurar não tivesse ultrapassado o valor de 2,08 mm em 10 minutos, valor muito inferior àquele exigido, nos termos do contrato, para a classificação das chuvas como torrenciais.

Tudo serve para dizer que o autor não logrou demonstrar a verificação de um evento que, nos termos das cláusulas do contrato de seguro celebrado com a ré, pudesse ter-se como gerador da obrigação de indemnizar, sendo certo que a demonstração daquele evento era facto constitutivo do seu direito (cfr. art. 342.º, n.º l, do Código Civil), pelo que, sem necessidade de se analisarem as cláusulas de exclusão do contrato, que só seriam de considerar se se tivesse concluído que o infortúnio ocorrido se incluía dentro dos riscos cobertos pelo contrato, importa concluir pela necessária improcedência da acção.»
HH. Resulta assente nos presentes autos que os danos ocorridos na habitação do autor foram consequência das grandes chuvadas e ventos fortes que se fizeram sentir em 28/07/2013, e, bem assim, o relação ou nexo de causalidade entre as coberturas da apólice e os danos ocorridos.
II. Entendeu, no entanto, o tribunal a quo que, só haveria obrigação de indemnizar por parte da seguradora, aqui recorrida, se as “inundações” houvessem atingido uma intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos.
JJ. Sendo que, resulta dos autos que, naquele dia, a pluviosidade máxima foi de pelo menos 12,5 mm numa hora, do que decorre que a pluviosidade que se logrou apurar não tivesse ultrapassado o valor de 2,08 mm em 10 minutos, valor inferior ao exigido nos termos do contrato, para a classificação das chuvas como torrenciais.
KK. Entende o autor, muito humildemente, que tal raciocinio, feito pelo tribunal a quo recorrido, não é, no mínimo, razoável e justo.
LL. Está assente que entre as partes foi celebrado um contrato de seguro do ramo do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice n.º MR79633038, que tinha como objecto seguro a moradia sita na R. …, freguesia de Y, Braga, sujeito às condições particulares de fls. 10 a 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e às condições gerais de fls. 16 verso a fls. 22 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
MM. Estamos, assim, na presença de um contrato bilateral, de execução continuada, aleatório e de adesão.
NN. Pelo que se pode concluir que as “Condições Gerais da Apólice” se resumem a cláusulas contratuais gerais.
OO. As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré – elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar.
PP. Ao autor foi comunicado pela seguradora que estava a contratar um seguro com cobertura, para além do mais, dos danos provocados por "Tempestades", "Inundações" e "Danos por água".
QQ. Perante um contrato de seguro padronizado, um contrato de adesão, quando as cláusulas não são comunicadas ao aderente, atento o disposto no art.º 8º do DL 446/85 que, na sua al. a) considera excluídos dos contratos singulares, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma.
RR. Para que as cláusulas se possam incluir nos contratos, necessária se torna a sua aceitação pelo aderente, pelo que ficam naturalmente excluídas do contrato as cláusulas contratuais gerais não aceites especificamente por um contraente, ainda que sejam habitualmente usadas pela outra parte relativamente a todos os seus contraentes.
SS. Ao autor nunca foram explicadas tais condições de densidade da precipitação, níveis de água, etc; assim como não são explicadas a qualquer contratante comum / homem médio.
TT. Mas, para além disso, mesmo que ocorra a aceitação, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular.
UU. Essas exigências constam dos arts. 5.º a 7.º da LCCG, reconduzindo-se à (i) comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte (art. 5.º); (ii) à prestação de informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos (art. 6.º) e (iii) à inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (art. 7.º).
VV. Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6º, n.º 1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6.º, n.º 2).
WW. O cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices. Já perante um analfabeto, impõe-se um atendimento mais demorado e personalizado.
XX. Face aos termos dos contratos dos autos e à experiência comum de qualquer cidadão que contrata com seguradoras, poder-se-á concluir que se está perante um contrato de adesão, ou seja, um contrato que contem cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual pela seguradora e segurado, mas que somente o segurado se limitou a subscrever.
YY. Atente-se, ainda, ao conteúdo da cláusula geral da apólice:

«Inundações Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de: 3.1. Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais - precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro).»
ZZ. É básico que à experiência comum de qualquer cidadão não é fácil entender o sentido e interpretação do que seja “dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro”.
AAA. O autor, à semelhança de qualquer contraente comum, apenas depreende da contratação / negociação que seguro tem cobertura para os danos provocados por "Tempestades", "Inundações" e "Danos por água".
BBB. «Assim, será de ter em atenção, a título exemplificativo: os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessa» - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-11-2007, processo n.º 8220/2007-6, disponível para consulta in www.dgsi.pt
CCC. Estamos no âmbito de um contrato de seguro, negócio formal, que se rege pelas condições e cláusulas da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do Código Comercial.
DDD. E tem a natureza de um contrato de adesão, que se caracteriza por um dos outorgantes (segurado) não ter qualquer intervenção na preparação das respectivas cláusulas gerais, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente (segurador) oferece como produto acabado.
EEE. Neste tipo de contrato, o aderente é livre de aceitar ou não aquelas cláusulas, mas querendo firmá-lo, será obrigado a aceitá-las (artigo 1º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro).
FFF. Considerou-se, na sentença recorrida, que a causa geradora dos prejuízos sofridos pelo autor foram as chuvas intensas e ventos, havendo, inclusive, relação de causalidade entre o evento e os danos, mas, no entanto, não há dever de indemnizar por parte da ré pois tal infiltração da chuva não cumpre com os “dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro” - clausula contratual geral que nunca foi explicada ao autor.
GGG. Ora, constando da apólice estarem cobertos os danos causados ao imóvel, tal como caracterizado nos autos, em consequência, além do mais, de “Tempestades” “Inundações”, “Danos por Água”, é óbvio que com a celebração do contrato o autor pretendeu, nomeadamente, a cobertura para os riscos derivados de tempestades, inundações e os danos por água.
HHH. Importa, assim, perceber as referidas expressões para conhecer os seus conceitos, no sentido comum ou corrente.
III. Em termos gerais, pode dizer-se que, com a cobertura tempestades estão garantidos os danos causados aos bens seguros em consequência de tufões, ciclones, tornados e ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, bem como o alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo.
JJJ. As inundações cobertas pelo seguro serão as originadas em eventos como trombas de água ou queda de chuvas torrenciais; rebentamento de colectores, diques, barragens; enxurradas ou transbordamento do leito de cursos de água.
KKK. Danos por água respeitam aos causados aos bens seguros em consequência de fugas de água acidentais, provenientes de canalizações ou transbordamentos provenientes de aparelhos ou utensílios ligados à rede hidráulica de abastecimento. Protege-se, igualmente, a entrada acidental de águas pluviosas em consequência de qualquer precipitação atmosférica, através de portas, janelas, clarabóias, terraços e marquises.
LLL. Nesta matéria, a solução não pode passar pela simples da letra do contrato e do comportamento do segurado (dolo, negligência, etc).
MMM. Do que se trata é de saber se determinado evento está coberto pelo seguro contratado e pelo qual o segurado paga determinado prémio, já que a função do seguro é justamente a de eliminar os danos que determinado evento causa no património do segurado.
NNN. Com o seguro visa-se, certamente, acautelar os infortúnios que não são da responsabilidade de terceiro (pois se assim for, é este o responsável pelo ressarcimento do prejuízo), isto é, acautelam-se os infortúnios que seriam suportados por quem sofre o dano e que, muitas vezes, na sua génese, até têm alguma imprevidência, alguma falta de cautela ou de prevenção por parte do segurado.
OOO. Do que se trata é de saber se determinado evento está coberto pelo seguro contratado e pelo qual o segurado paga determinado prémio, já que a função do seguro é justamente a de eliminar os danos que determinado evento causa no património do segurado.
PPP. Ora, o que pode retirar-se dos factos provados é que na altura fazia muito mau tempo (facto confirmado por todas as testemunhas e relatórios e boletim climatológico), tendo existido chuva intensa e vento forte.
QQQ. E foi precisamente porque choveu torrencialmente durante um longo período de tempo, que provocou uma inundação no piso superior da habitação do autor.
RRR. Note-se que, no caso dos autos, afigura-se não ser de assacar, sequer, ao autor um comportamento tal que justifique a exclusão da cobertura dos danos resultantes do sinistro.
SSS. Ademais, não se tratou de uma queda normal de chuva mas de chuva torrencial.
TTT. Afigura-se, portanto, precipitado, por mera e simples leitura das condições gerais da apólice, o tribunal recorrido ter considerado que a situação em apreço não gera a obrigação de indemnizar por parte da ré por o autor não ter demonstrado / provado “dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro”, pese embora até se conclua que a chuva, naquele dia, teve uma intensidade de pelo menos 12,5 mm numa hora.
UUU. Entende o autor, muito humildemente que deve concluir-se, pois, que a Ré é responsável, por força do contrato de seguro, pelos danos resultantes do sinistro verificado, na medida em que se acham por aquele abrangidos.
VVV. Este foi o entendimento plasmado no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-11-2007, processo n.º 8220/2007-6, disponível para consulta in www.dgsi.pt
WWW. Violou, pelo menos, a douta Sentença recorrida o disposto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro (Regime Juridico das Cláusulas Contratuais Gerais).
XXX. Em face do exposto, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a Ré / Apelada, em consequência do sinistro descrito nos autos, a pagar ao Autor / Apelante a quantia de 24.838,60€, a título de danos patrimoniais, e a quantia de 1.000,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios vencidos sobre tais quantias desde a data da citação e até integral pagamento.
Terminou pedindo a revogação da sentença e a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 24.838,60€, a título de danos patrimoniais, e a quantia de 1.000,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios vencidos sobre tais quantias desde a data da citação e até integral pagamento.

A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado, apresentando as seguintes conclusões:

- O recurso interposto pelo A. não tem qualquer fundamento.
- O alegado sinistro não tem enquadramento nas cláusulas contratadas.
– Não se verificando os pressupostos de acionamento do contrato, não pode a R. assumir qualquer responsabilidade.
– Para além de que os danos peticionados excedem em quatro vezes mais os montantes aceites condicionalmente pelo perito para os prejuízos causados.
– Não é, como alegado pelo A., pela mera leitura das condições gerais da apólice que o tribunal recorrido considerou que a situação em apreço não gera a obrigação de indemnizar por parte da R.
– Mas porque entendeu que o A. não conseguiu demonstrar / provar que naquele dia a chuva teve uma intensidade de “10 mm em dez minutos, no pluviómetro”, o que é muito distinto de ter uma intensidade de 12,5 mm em sessenta minutos.
– O Tribunal ad quem não se poderá pronunciar sobre a nova questão levantada pelo recorrente - a nulidade das cláusulas contratuais gerais - porquanto essa matéria não foi alegada na primeira instância.
- A Sentença recorrida não enferma de qualquer vício, devendo ser mantida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes:

- Saber se a sentença recorrida é nula por contradição entre a decisão e os respetivos fundamentos;
- Saber se ocorreu erro na decisão relativa à matéria de facto provada;
- Saber se pode este Tribunal apreciar a questão das ora arguidas falta de comunicação e explicação do segmento relativo à intensidade da precipitação da cláusula 3.1, bem como a questão da interpretação da referida cláusula em conformidade com o regime das cláusulas contratuais gerais (e do caráter eventualmente abusivo da mesma face ao interesse visado pelo Autor/aderente, com a consequente nulidade) ou se, pelo contrário, tal lhe está vedado por se tratar de “questões novas”;
- Saber qual o sentido que deve ser extraído da cláusula em crise em conformidade com o regime das cláusulas contratuais gerais e do caráter eventualmente abusivo da mesma face ao interesse visado pelo Autor/aderente;
- Saber se, no caso, há lugar ao pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO:

Os factos

Na primeira instância foi considerada provada a seguinte factualidade:

A) Entre o autor e a ré foi celebrado um contrato de seguro do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice n.º MR79633038, que tinha como objecto seguro a moradia sita na R. …, freguesia de Y, Braga, sujeito às condições particulares de fls. 10 a 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e às condições gerais de fls. 16 verso a fls. 22 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (entre elas figurando no artigo 2º, ponto 3, sob a epígrafe “Inundações” a seguinte cláusula: Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:

3.1. Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais - precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro;”).

B) O autor é proprietário do prédio urbano denominado casa de cave r/c e andar, lote …, sito na Rua …, freguesia de Y, Concelho de Braga, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ….

C) No dia 28 de Julho de 2013, choveu pelo menos 12,5 mm numa hora na região do prédio referido em B).

D) Tal chuva inesperadamente entrou pelo tecto do quarto (suite) da habitação referida em A), provocando a infiltração de água pelo tecto, em pladour, paredes do quarto (suite) e casa de banho do piso superior, localizada junto à fachada principal da moradia.

E) A água acabou por descer ao piso inferior.

F) A entrada da água na habitação provocou inundação de onde resultaram danos nos seguintes compartimentos:

a) No piso superior: tecto, paredes e pavimento do quarto principal, casa de banho do mesmo e hall dos quartos;
b) No piso inferior: tecto e parede da sala.

G) O autor procedeu às seguintes obras/trabalhos de reparação dos danos referidos em D) a F):

- fornecimento e trabalhos de Sanca em gesso cartonado no quarto, com duas mãos de barramento;
- remoção de placas de gesso cartonado e remoção a vazadouro: quarto e casa de banho;
- fornecimento e colocação de placas em gesso cartonado hidrófugo, com duas mãos de barramento;
- fornecimento e colocação de painéis de madeira envernizados;
-fornecimento e colocação de chão flutuante e respectivo rodapé;
- fornecimento de tinta e pintura de paredes e tectos com várias mãos;
- fornecimento e colocação de contras de madeira nas janelas e portas;

H) O custo dos trabalhos referidos em G), incluindo a mão-de-obra e pintura, importaram pelo menos a quantia de 4.899,51€, acrescida de IVA.

I) Durante a execução das obras de reparação do imóvel, o autor, sua mulher e filho, viram-se obrigados a abandonar a habitação, tendo que passar a viver em casa de familiares, no Concelho de Amares, durante aproximadamente um mês.

Ao invés, a 1ª Instância considerou não provados os seguintes factos:

1. A água infiltrou-se no chão da outra casa de banho do piso superior e restantes quartos desse piso superior.
2. E infiltrou-se no soalho flutuante que pavimenta todo o piso superior.
3. O autor procedeu às seguintes obras/trabalhos de reparação:

- fornecimento e montagem de estaleiro para a realização dos trabalhos;
- remoção de placas de gesso cartonado e remoção a vazadouro doutros compartimentos da casa;
- fornecimento e colocação de portas, enquadradas com os painéis fixos de madeira;
- fornecimento e colocação de armários embutidos iguais aos existentes nos quartos;
- fornecimento e colocação de chão flutuante e respectivo rodapé noutros compartimentos da casa;
- fornecimento de tinta e pintura de paredes e tectos com várias mãos noutras divisões da casa;
- fornecimento e colocação de contras de madeira nas janelas e portas noutros compartimentos da casa;
- fornecimento e colocação de telas black-out, nos vários compartimentos da casa;
- fornecimento e colocação de focos nos vários compartimentos da casa;
- fornecimento e colocação de painéis de madeira envernizados, nos vários compartimentos da casa;
- fornecimento e aplicação de papel de parede igual ao existente.

4. O custo dos trabalhos referidos em G) e 3, incluindo a mão-de-obra e pintura, importaram a quantia de 24.838,30€, IVA incluído.
5. Em finais de 2013, a ré propôs ao autor o pagamento de uma indemnização de 4.000,00€.

O Direito

- Nulidade da sentença

Como se sabe, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º do CPC.

Dispõe a alínea c) do referido normativo que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

No caso em apreço, defende o Autor/Recorrente que a sentença recorrida padece da supra referida nulidade por, em suma, apesar de considerar que os danos ocorridos na casa do Autor foram provocados pelo alagamento derivado da chuva, ter concluído que o Autor não demonstrou a verificação de um evento que, nos termos das cláusulas do contrato de seguro celebrado com a ré, pudesse ter-se como gerador da obrigação de indemnizar.
Fá-lo, porém, sem qualquer razão.

Com efeito, lida a sentença recorrida, não se pode dizer que os respetivos fundamentos estejam em contradição com a decisão proferida.

A este respeito, explanam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, II vol., pág. 670: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade...”

Ou, como se lê no Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2016: “A nulidade da sentença decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.

Ora, no caso, não se deteta nenhuma contradição lógica, nenhum erro de raciocínio: o que se percebe ter sucedido é que o julgador da primeira instância, perante os factos que considerou provados, retirou conclusões distintas das propugnadas pelo Autor/Recorrente.
Se incorreu ou não em erro de julgamento é coisa de que nos ocuparemos noutra fase.
Improcede, pois, a arguida nulidade.

- Alteração da matéria de facto:

Sustenta o Recorrente que houve erro na apreciação da prova relativamente à matéria vertida nos factos não provados, pugnando pela alteração da mesma, quanto aos pontos 1 a 5 que, no seu entender, deverão ser considerados provados, invocando para sustentar a sua pretensão as declarações do Autor, os depoimentos das testemunhas Carla, esposa do autor, Sofia, colega de escritório da esposa do autor, D. A., amigo do autor, Marta, funcionária da ré, e Diogo, perito averiguador que prestou serviços para a ré, e ainda o orçamento de fls. 11 verso e ss, fotografias de fls. 39 e ss, fotografias de fls. 122 verso a 126 e 128 a 130.

Assistir-lhe-á razão?

Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.

Vejamos, em primeiro lugar, o teor da motivação a este respeito apresentada pela primeira instância, já que contra a argumentação da mesma diretamente se insurge o Recorrente, apelidando-a de ambígua e contraditória.

Reza assim a referida motivação:

Não foi já unânime a prova no tocante à extensão dos danos advindos para a moradia do autor e custo da sua reparação.

De facto, se bem que o autor tivesse declarado que, mercê da não intervenção imediata sobre os danos (que só vieram a ser reparados em Novembro), os mesmos tivessem sofrido um agravamento substancial após a data da realização da “peritagem” pela ré, tendo-se a água espalhado para as restantes divisões do piso superior e para o piso inferior, afectando o seu tecto, parede, piso e madeiras, que teve de reparar, tendo sido secundado em tais declarações pela esposa, a testemunha Carla, e pela testemunha D. A., autor do orçamento de fls. 11 verso e ss., que declarou ter realizado todas as obras que naquele constam discriminadas, o tribunal não veio a convencer-se da bondade de tais declarações.

Desde logo se anota o especial relacionamento das aludidas testemunhas Carla e D. A. com o autor, sendo aquela esposa do mesmo, partilhando por isso dos seus interesses, e a segunda, amigo do autor, pelo que obviamente o seu depoimento não foi um depoimento desinteressado mas antes patentemente comprometido com os interesses daquele.

Ademais, afigurou-se-nos pouco plausível que, estando então já reparado o local da entrada da água (telhado), como admitido pelo autor, e, portanto, debelada a origem da infiltração, em escassos três meses, que foi o tempo que mediou entre a data da realização da “peritagem” a que se reporta o relatório de fls. 70 verso e ss. e a data da realização das obras, que todos reportaram a Novembro de 2013, e tivesse havido um agravamento de cerca de 400% do valor dos danos (vide a divergência de valores entre o relatório pericial de fls. 70 verso e ss., de onde consta ter sido inicialmente reclamado pelo autor o valor de 5.102,41€ (a que haveria de acrescer IVA) com vista à reparação dos danos que então se verificavam, e o valor do orçamento de fls. 11 verso e ss., de onde consta um custo estimado de reparação de 24.838,30€), tanto mais porque, como bem anotou a testemunha Diogo, era Verão e já tinha decorrido, por altura da realização daquela “peritagem”, cerca de um mês sobre a data da entrada da água, pelo que seria de esperar que os danos se encontrassem então estabilizados ou que, quando muito, pudessem ter sofrido apenas um pequeno agravamento, mas nunca na ordem de grandeza que o orçamento espelha.

Acresce ainda ser incompreensível a razão pela qual, estando decorridos mais de quatro anos sobre a data da alegada reparação dos danos (que todos localizaram em Novembro de 2013), ainda se encontrem por pagar à data os trabalhos respectivos, como o autor admitiu, e que a sociedade executora dos mesmos se encontre a aguardar o desfecho do presente processo para se ver paga do valor a que diz ter direito, como declarado pela testemunha D. A..

É certo que o autor e as testemunhas Carla e D. A. procuraram justificar tal atitude com o elevado grau de confiança e amizade existente entre esta última testemunha, gerente da sociedade executora dos trabalhos, e o autor, mas tal justificação revelou-se de todo inverosímil ante a qualidade de sociedade unipessoal da aludida sociedade e, sobretudo, do elevado montante em causa (24.838,30€), sendo de todo improvável que a aludida sociedade fosse pagar os custos do material que incorporou na obra (que a testemunha D. A. quantificou em cerca de 10.000,00€) e ficasse a aguardar anos a fio o desfecho de um processo que não lhe diz respeito para se ver paga do seu valor.

E é também um sério indício de que efectivamente não houve lugar à realização dos trabalhos enunciados no orçamento de fls. 11 verso e ss. o facto de, pese embora a pendência da apresente acção e o longo período de tempo já decorrido sobre a data da alegada finalização das obras, não ter sido emitida até à data qualquer factura que titulasse fiscalmente o crédito da sociedade sua executora, o que o autor e as testemunhas Carla e D. A. procuraram justificar com a necessidade do pagamento do respectivo IVA, imposto que, de qualquer forma, sempre seria devido pelo autor, não se percebendo por isso como o seu pagamento pudesse constituir um óbice à emissão de tal factura.

A tudo se soma que pelo email de fls. 121 e ss. o autor veio a transmitir à ré, na sequência da alegada finalização das obras, um valor que nenhuma correspondência busca com o orçamento de fls. 11 verso e ss., tendo então apresentado (para pagamento) um orçamento emitido por uma entidade completamente estranha à sociedade emitente daquele orçamento de fls. 11 verso e ss..

Ora, se já então as obras estivessem efectivamente realizadas e se tivessem sido realizadas pela sociedade emissora do orçamento de fls. 11 verso e ss., nenhuma razão existiria para o autor apresentar a pagamento à ré o orçamento de fls. 121 verso.
Tudo serve para dizer que o tribunal, para além das reparações descritas no relatório de fls. 70 verso e ss., não logrou convencer-se que outras se tivessem entretanto revelado necessárias e muito menos que o valor da reparação tivesse ascendido àquele inscrito no orçamento de fls. 11 e ss..

E também nenhuma prova seguro foi produzida a respeito da factualidade enunciada em 5, tendo apenas, a tal respeito, sido produzidas as declarações naturalmente interessadas do autor, que foram frontalmente contrariadas quer pelo teor das missivas de fls. 16 e 78 verso e ss., quer pelo depoimento da testemunha Sofia, que declarou que nunca a seguradora assumiu a responsabilidade pelo sinistro.

Antes do mais cumpre dizer que, face à clareza da exposição e à aprofundada apreciação crítica efetuada pela primeira instância, é, no mínimo, injusta a qualificação que da motivação faz o Recorrente, podendo, ao invés do por este defendido, dizer-se que a julgadora, de forma escorreita, detalhada e completa, ao expressar a sua convicção, indicou os fundamentos que a determinaram, fazendo-o de molde a que, “através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro” (Ana Luísa Geraldes, in Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 595).

Pode ou não concordar-se com a convicção expressa, mas isso é uma outra questão e dela a seguir se passará a conhecer.

Para aferir da razoabilidade da convicção firmada pelo julgador a quo a respeito dos concretos pontos impugnados pelo Recorrente impõe-se ouvir e reponderar a avaliação da prova efetuada pela primeira instância.

Ouvida e criticamente analisada, à luz das regras da experiência e da normalidade, toda a prova gravada, bem como os documentos juntos aos autos com tais pontos relacionados (nomeadamente, o orçamento de fls. 11 verso e ss, fotografias de fls. 39 e ss, fotografias de fls. 122 verso a 126 e 128 a 130), concluímos no sentido de que as declarações do Autor e os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, não apontam em direção diversa, não permitindo um juízo diferente do formulado na 1ª instância.

Com efeito, no que toca aos pontos nºs 1 a 4, não só o perito contratado pela seguradora referiu como razão para o afastamento da hipótese do agravamento dos danos inicialmente apurados a circunstância de o telhado – por onde entrou a água por as telhas estarem fissuradas – ter sido reparado logo apos a ocorrência (e, não entrando mais água, não há motivo para agravamento porque os materiais já reagiram à presença da água), como o próprio Autor admitiu tal reparação, o que, como se frisa na sentença recorrida, torna pouco plausível um agravamento dos danos em causa, sobretudo da ordem do invocado, não se percebendo, por outro lado e como também se diz na sentença, porque é que, em dezembro de 2013, quando as alegadas obras supostamente já estavam realizadas pela empresa da testemunha D. A., o Autor remeteu à seguradora um orçamento (fls. 121.verso/122, documento junto pelo próprio Autor) de uma outra empresa…

E é à luz destes dados objetivos que devem ser avaliados os depoimentos das testemunhas que vieram a Tribunal confirmar o alegado pelo Autor quanto ao dito agravamento dos danos, bem como o, pelo mesmo, declarado, não podendo deixar de se concluir, face àqueles dados, pela fragilidade de tais depoimentos no que a tal agravamento concerne, com a consequente desvalorização do respetivo conteúdo.

Por último, no que toca ao ponto 5, reponderando a avaliação da prova efetuada pela primeira instância, nenhuma razão válida encontramos para chegar a conclusão distinta da alcançada pela primeira instância, certo que, exceção feita ao Autor, nenhuma das outras testemunhas referidas no recurso revelou ter conhecimento direto da alegada proposta, tendo as declarações do primeiro sido frontalmente contrariadas, como se diz na sentença quer pelo teor das missivas de fls. 16 e 78 verso e ss., quer pelo depoimento da testemunha Sofia, que declarou que nunca a seguradora assumiu a responsabilidade pelo sinistro.

Mais: como temos vindo a dizer noutros casos apreciados por este coletivo, ainda que dúvidas se suscitassem sobre o bem fundado da decisão impugnada, como salienta Ana Luísa Geraldes (in Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609): “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”.

Face ao exposto, esta Relação não pode concluir pela errónea análise e ponderação dos meios de prova, não havendo, pois, razões para afirmar a existência de um erro de julgamento.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.

- Subsunção jurídica dos factos

Quanto aos poderes de conhecimento deste Tribunal relativamente às “questões novas” introduzidas pelo Recorrente.

É certo estar vedada ao tribunal de recurso a apreciação das questões novas – questões que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal, nos termos do art. 608º, nº 2, do C.P.C. – suscitadas pela parte apenas em sede de recurso.

“Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente seguimos um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso” (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 110).

Mas a regra que impede o tribunal de recurso de conhecer de questões novas não vale quanto às questões de conhecimento oficioso, de que podem conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem, ainda que as partes as não tenham suscitado nem sobre elas se tenha pronunciado o tribunal recorrido, podendo ser apreciados fundamentos e razões jurídicas diversas das invocadas com base no princípio geral consignado no nº 3 do art. 5º do CPC, aplicável também à fase de recurso (obra e autor citados, pág. 111).

Nesse sentido se decidiu no Acórdão do STJ de 03.10.2003 e no Acórdão do mesmo Tribunal de 27.12.2016, que versou precisamente sobre a nulidade de uma cláusula geral de um contrato de seguro suscitada no recurso de apelação dos Autores, ali se tendo entendido que, não obstante tal questão não ter sido suscitada na primeira instância, se tratava de “questão a conhecer mandatoriamente pelo tribunal recorrido” ali se explanando a esse propósito:

“Anote-se que a questão podia ser suscitada, como foi, no recurso de apelação, precisamente porque era passível de ser conhecida oficiosamente (a inadmissibilidade de levantar questões novas nos recursos não se coloca relativamente às questões de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas). Neste sentido, cite-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de julho de 2008, (processo nº 08B1846, www.dgsi.pt), onde se pode ler que “Numa acção de indemnização deduzida contra uma seguradora pela respectiva segurada, a Relação pode, em recurso de apelação, conhecer da nulidade de cláusulas do respectivo contrato de seguro, apesar de só nas alegações da apelante tal nulidade ser levantada, por apesar de se tratar de questão nova, ser do conhecimento oficioso, nos termos do art. 286º do Cód. Civil”.

Acresce dizer, e se dúvidas houvesse (que não há), que o art. 6º da Diretiva 93/13/CEE - cujos ditames enformam, por via do DL nº 220/95, o regime legal das cláusulas contratuais gerais (DL nº 446/85) - determina que os Estados-membros porfiem legislativamente na respetiva ordem interna de modo a que, imperativamente, as cláusulas abusivas não vinculem os consumidores, e é assim que deve ser interpretado o DL nº 446/85. Ocorre que este propósito não poderia ser alcançado convenientemente se acaso os consumidores se vissem sempre na obrigação de invocar eles mesmos o caráter abusivo das cláusulas. Por isso o Tribunal de Justiça da União Europeia tem reiteradamente decidido, em sede de reenvio prejudicial, que é dever dos tribunais nacionais suscitar oficiosamente a questão”.

E o mesmo se diga de quaisquer questões relativas à qualificação jurídica dos factos, categoria em que se inclui a da interpretação do contrato em conformidade com o regime das cláusulas contratuais gerais.

Todavia, para que assim seja necessário é que estejam acessíveis os necessários elementos de facto (cfr. obra e autor citados, pág.´s 107 e 109).

Como ali se refere:

“A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas” (obra e autor citados, pág. 110).

Revertendo ao caso em apreço:

Não obstante nos contratos de adesão ser fundamental que o aderente/consumidor tenha podido conhecer e compreender o contrato com clareza, com destaque para as cláusulas de alguma forma desvantajosas, a verdade é que, como se acentua no Acórdão do STJ de 28.09.2017, “para efeitos de observância do ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação de cláusulas gerais neles inseridas, que incumbe ao proponente nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, importa distinguir esse ónus do ónus, por parte do aderente, de alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer”, sendo que “o ónus de prova que recai sobre o proponente pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele”.

Ora, no caso concreto, o Autor/Recorrente nenhuma questão suscitou na petição inicial e na audiência prévia relativamente à comunicação e explicação do conteúdo da cláusula contratual geral ora em crise, só agora tendo vindo despoletar a discussão sobre tal problemática dizendo que ao autor nunca foram explicadas tais condições de densidade da precipitação, níveis de água, etc; assim como não são explicadas a qualquer contratante comum / homem médio.

Consequentemente, não houve possibilidade de discutir tal matéria de facto na primeira instância estando, pois, vedado a este Tribunal conhecer da invalidade decorrente da agora invocada violação dos aludidos deveres.

Já, pelo contrário, cremos estar na posse dos necessários elementos para interpretar juridicamente a cláusula em crise e aferir se a mesma é ou não excessivamente limitativa da cobertura aparentemente dada pelo contrato de seguro celebrado (e, portanto, abusiva), cabendo tal tarefa no âmbito dos poderes de conhecimento deste Tribunal.

Senão vejamos.

Em causa está a interpretação da cláusula que, inserida no artigo 2º (artigo que estabelece o objeto e garantias do contrato) e sob a epígrafe “Inundações”, estipula que o dito contrato:

Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:

3.1. Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais - precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro;

Na verdade, o desfecho do recurso depende de saber qual o sentido que deve ser conferido à citada cláusula e, eventualmente, na hipótese de a interpretação alcançada assim o exigir, saber se a referida cláusula viola a boa-fé contratual.

Como se salienta no Acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017, “com tal propósito importa ter presente que um dos elementos essenciais do contrato de seguro e que tem a ver com o seu objecto é o risco – evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro; risco que define/delimita o objecto dum concreto contrato de seguro.

Denotando isto que as vulgarmente designadas “definições/exclusões”, constantes das condições gerais e especiais, se integram ainda na delimitação do objecto e âmbito do contrato de seguro; e que é necessário ter em conta, na delimitação do objecto do contrato de seguro, tanto as estipulações negociais que indicam, pela positiva, quais os riscos cobertos pelo contrato de seguro, como as que, negativamente, limitam o âmbito de cobertura através das designadas exclusões de responsabilidade.


O que, porém, não significa, por estarmos perante cláusulas respeitantes ao objecto do contrato, que possam escapar de todo a um “controlo” interpretativo (assim como não escapam ao controlo da sua natureza/conteúdo abusivo)”.

Assim, nada impede – pelo contrário –, que nesta fase se proceda ao dito controlo interpretativo e à apreciação do conteúdo da cláusula em crise no confronto com aquilo que era expetável para o segurado que o seguro cobrisse relativamente às “inundações”.

Analisando os conceitos utilizados na cláusula, temos que:

“Tromba de água” ou “tromba marinha” é, segundo a Wikipédia, “um grande vórtice colunar (normalmente semelhante a uma nuvem em forma de funil) que ocorre ao longo de um corpo de água e está ligado a uma nuvem cumuliforme” – cfr. https://pt.wikipedia.org), fenómeno que, obviamente, não está em causa nos autos.

Quanto à intensidade da chuva, única hipótese que para o caso releva, recorrendo ao sentido comum do termo, vemos que torrencial é o “Que cai com força e abundância” (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/torrencial [consultado em 08-06-2018]), o que inculca a qualquer pessoa sem conhecimentos meteorológicos para além dos comuns ao cidadão médio a ideia de que a cobertura do seguro por inundações só abrange inundações provocadas por precipitação intensa, o que, desde já de dirá, se compreende tendo em conta a necessidade da seguradora de evitar a cobertura de situações resultantes de uma má manutenção ou de defeitos do imóvel, não sendo, por outro lado, excessivamente gravosa para o aderente, porquanto, por regra, a chuva fraca ou moderada não é de molde a provocar inundações, pressupondo-se que o imóvel deve suportar as referidas intensidades.

Se, diferentemente, se entendesse que com a referência a chuvas torrenciais se estava a restringir a cobertura dos danos provocados por inundações aos decorrentes de chuvas com a intensidade das associadas a ciclones tropicais, então outra conclusão seria de retirar quanto à razoabilidade de tal cláusula. Todavia, sabendo-se que “a interpretação das cláusulas contratuais gerais de harmonia com os princípios da boa fé é uma forte e incontornável imposição legal” e que, nesta matéria, “o artigo 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 446/85, estabelece o princípio do in dubio contra proferentem, de acordo com o qual, existindo dúvidas quanto ao entendimento do destinatário, em aplicação do critério mais objectivo – emergente aliás do nº 1 do artigo –, prevalece o sentido mais favorável ao aderente” (Acórdão da Relação de Lisboa de 09.11.2010), se dúvidas existissem quanto ao sentido atribuído por um declaratário normal (sem conhecimentos meteorológicos que não os comuns à generalidade das pessoas) à expressão “chuvas torrenciais”, o que não se admite, forçoso seria sempre optar pelo primeiro dos sentidos da dita expressão.

Em conclusão: a menção às “chuvas torrenciais” deve ser entendida – na ausência de outros elementos – como referência a chuva abundante, chuva intensa, não sendo de qualificar como desrazoável a delimitação assim feita.

O problema surge quando, associado à dita referência, se faz a exigência de que a precipitação atmosférica seja de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro, porque, como infra melhor se verá, tal implica colocar o grau de intensidade da precipitação a um nível que acaba por delimitar excessivamente o risco, limitando, desse modo, em última análise, a obrigação da seguradora.

Senão vejamos.

A aferição da razoabilidade da delimitação da cobertura do seguro deve ter em conta que, num quadro negocial padronizado, a delimitação do risco deve pautar-se por critérios objetivos, guiados por cálculos de probabilidade, tendo em conta, nomeadamente, no caso das inundações decorrentes da chuva, os valores da precipitação verificados em Portugal, ponderando se o grau de exigência fixado não é tal que exclui ou restringe injustificadamente a cobertura em questão.

Com efeito, as cláusulas de delimitação do risco devem adequar-se às características da zona geográfica e climatérica em que se encontra o bem seguro, de tal modo que os riscos suscetíveis de ocorrência nessa zona e que o aderente visa ter cobertos o sejam efetivamente, não podendo o predisponente fixar uma cláusula que eventualmente possa ter préstimo noutras zonas, mas inadequada para a cobertura do risco para a qual concretamente foi contratada em função da localização do bem seguro.
Em causa, na situação sub judice, está a cobertura do risco de inundações por chuvas.

Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) a classificação da intensidade da precipitação faz-se nos seguintes termos:

a) chuva
1. fraca, para valores menores de 0,5mm/h
2. moderada, para valores compreendidos entre 0,5 mm/h e 4mm/h
3. forte, para valores acima de 4 mm/h

b) aguaceiros de chuva
1. fracos, para valores menores 2 mm/h
2. moderados, para valores compreendidos entre 2 mm/h e 10 mm/h
3. fortes, para valores compreendidos entre 10 mm/h e 50 mm/h
4. violentos, para valores acima de 50 mm/h.
(cfr.https://www.ipma.pt/pt/educativa/faq/meteorologia/previsao/faqdetail.html?f=/pt/educativa/faq/meteorologia/previsao/faq_0033.html).

Por outro lado, segundo aquele Instituto, “a chuva é a precipitação de partículas de água no estado líquido, que caem sob a forma de gotas de diâmetro geralmente superior a 0,5 mm, com velocidade em geral superior a 3 m/s e em regra de forma bastante uniforme. O aguaceiro, que é afinal um período de chuva, é caracterizado por começar e terminar de forma brusca, frequentemente com variações rápidas de intensidade e pela alternância rápida do aspeto do céu. Quando os meteorologistas estão a prever que a precipitação se estenda de forma uniforme numa determinada região e caia de forma regular e até contínua durante determinado período de tempo, então a previsão é de "chuva". Quando se prevê que haja grande alternância, quer do ponto de vista espacial de local para local, quer do ponto de vista temporal para um mesmo local, entre o céu muito nublado ou encoberto com precipitação com períodos de céu pouco nublado ou mesmo limpo, então os meteorologistas utilizam o termo"aguaceiro"”.cfr.https://www.ipma.pt/pt/educativa/faq/meteorologia/previsao/faqdetail.html?f=/pt/educativa/faq/meteorologia/previsao/faq_0028.html)

A cláusula em crise não se refere a aguaceiros, mas sim a “chuvas”.

Ora, se para as chuvas serem consideradas fortes pelo IPMA, basta atingirem valores acima de 4 mm/hora, então, forçoso é considerar que a exigência de uma precipitação superior a 10 mm em dez minutos é, manifestamente, desrazoável e extremamente limitativa da cobertura contratada. Deve, aliás, dizer-se que o facto de a delimitação em causa ser feita por referência a 10 minutos e não a 1 hora em nada ajuda; pelo contrário, só contribui para o encobrimento do grau de exigência em causa (veja-se que mesmo em relação aos aguaceiros a classificação da intensidade da precipitação é feita normalmente com referência à hora).

E, referenciando esta exigência ao nosso clima e à precipitação ao mesmo associada, mais se evidencia o carater limitativo da referida cláusula. Na verdade, apesar de se dizer que neste clima – temperado com inverno chuvoso – há grandes precipitações, recorrendo de novo ao IPMA, da análise dos respetivos boletins climatológicos, verificamos que aquela exigência é desproporcional: em termos de precipitação máxima diária em mm, vemos, p.ex. que o total da quantidade de precipitação ocorrida nos meses de março a maio (3 meses) do corrente ano, é de 429 mm e corresponde a cerca de 200 % do valor médio, sendo a 3ª primavera mais chuvosa desde 1931 (depois de 1936 e 1956) e que em março de 2018 – mês que ali é indicado como o 2º março mais chuvoso desde 1931 –, em que 2% do território atingiu a classe de chuva severa, o maior valor da quantidade de precipitação em 24 horas foi de 99,2 mm na Covilhã, e, em fevereiro de 2017, com uma quantidade de precipitação considerada dentro do normal para aquele mês, o valor máximo atingido foi de 102 mm em 24 horas, em Cabril, sendo, por outro lado, os episódios de chuva intensa assinalados, ao longo dos anos acompanhados por aquele instituto, no território continental, esporádicos (cfr.http://www.ipma.pt/resources.www/docs/im.publicacoes/edicoes.online/20180413/kzNotzaFruRainsItZNH/cli_20180301_20180331_pcl_mm_co_pt.pdf).

Face àquele segmento da cláusula em análise, nos exatos termos ali definidos, através do referido seguro estará coberto o risco de um fenómeno meteorológico muito pouco comum em Portugal continental, sendo, pois, de afirmar que a mesma, inserida em contratos de seguro que visam a cobertura do risco de inundações por chuvas num imóvel localizado nesse território, prejudica injustificadamente, por um lado, os aderentes e beneficia, também injustificadamente, por outro, a seguradora, porquanto poucas serão as situações que se poderão encaixar naquele quadro, podendo (o segmento da referida cláusula) pôr até em perigo a finalidade visada com a celebração de tal contrato no que toca à cobertura dos danos provocados por “inundações”, o que a torna nula.

Na verdade, se as cláusulas de delimitação dos riscos assumidos (assim como as de exclusão de certos riscos) são, em princípio, válidas, certo é que as mesmas estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85, de 25-10) e à Lei do Consumidor, de acordo com a qual “os fornecedores estão obrigados à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor” (art. 9.º, n.º 2, b), da lei n.º 24/96, de 31-07).

Assim, como princípio geral, de harmonia com o artigo 15° do DL 446/85, são proibidas as cláusulas contrárias à boa-fé, devendo, para efeito da aplicação desta norma ponderar-se nos termos do art. 16° do mesmo diploma os valores fundamentais do direito relevantes em face da situação considerada e, especialmente:

a) - A confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) - O objetivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efetivação à luz do tipo de contrato utilizado.

“A boa - fé, tida em vista neste diploma, é a boa - fé objectiva, exprimindo um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta à aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, ficando aberta deste modo a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça.

Assim, quem tem o poder de pré-estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua actividade antecipadamente à própria determinação da contraparte, deve sopesar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas ou supletivas constituem um padrão de referência.

Deste modo, poder-se-á concluir que uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva, quando, a despeito da exigência da boa - fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Ou seja, uma cláusula será contrária à boa - fé se a confiança depositada pela contra - parte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável”. (Acórdão do STJ de 18.09.2014).

Assim, “quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela com que o tomador do seguro podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e finalidade do contrato, tais cláusulas são nulas”, sendo, pois, “preciso apurar se, em concreto e na prática, tal delimitação/exclusão não desvirtua o objecto do contrato; se o contrato não fica esvaziado no seu objecto/risco, o que constituirá uma ilicitude” (Acórdão da Relação de Coimbra de 19.06.2013).

De acordo com esta regra da proibição de cláusulas contrárias à boa-fé, relativamente a cláusulas delimitativas da cobertura nos chamados seguros de vida, é predominante na jurisprudência mais recente – de que é exemplo paradigmático o já citado acórdão do STJ (Relator Granja da Fonseca) datado de 18.09.2014, seguido, de perto, pelo Acórdão do STJ de 14.12.2016 – a orientação que entende serem abusivas as cláusulas que, em contratos de seguro, pactuados conjuntamente com um mútuo, que garantem, em caso de morte ou de invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação à mutuante do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos, fazem “depender a verificação do estado de invalidez permanente e definitiva, em consequência de doença, não só da incapacidade definitiva de exercer qualquer profissão, mas também da necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”, por se tratar de “um artifício pelo qual a seguradora, predisponente da cláusula, intenta sub-reptícia e encapotadamente restringir de modo drástico o alcance da cobertura do seguro (...)”.

Em conclusão, retomando o particular caso que nos ocupa, cremos que, aqui também, se pode dizer que a cláusula que restringe a cobertura relativa às inundações provocadas por chuvas às provocadas por “chuvas torrenciais” ao densificar este conceito através da exigência de verificação de uma precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro é contrária à boa-fé e defrauda as expetativas dos aderentes, por, através da estipulação de uma exigência de caráter eminentemente técnico e de compreensão não acessível à generalidade dos aderentes, implicar um desequilíbrio desproporcionado, favorecendo excessivamente a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente.

Impõe-se, pois, considerar nulo este segmento, restando-nos a delimitação dada pelas “chuvas torrenciais”, conceito que, como se viu, deve ser interpretado no sentido de chuva abundante, intensa.

Ora, no que para o caso releva, sabemos que no dia 28 de Julho de 2013, choveu pelo menos 12,5 mm numa hora na região do prédio referido em B): o mesmo é dizer que a chuva caída se pode caracterizar como forte, intensa (veja-se, aliás, que, a considerar-se que a cláusula se referia a aguaceiros, o valor apurado também seria subsumível à categoria de aguaceiros fortes (valores compreendidos entre 10 mm/h e 50 mm/h).

Aqui chegados e tendo presente que, como se refere na sentença recorrida, inexistem dúvidas de que os danos surgidos na habitação do autor foram provocados pelo alagamento derivado da chuva, podemos, então, concluir que o Autor demonstrou os factos constitutivos do direito invocado, no que concerne a tais danos, dentro dos limites apurados nos autos, ou seja, danos que ascendem à quantia de 4.899,51€, acrescida de IVA, aqui se devendo acrescentar que, de acordo com as condições particulares constantes de fls. 10-verso não há lugar a qualquer franquia no que toca à cobertura “Inundações”.

O Autor peticiona ainda uma indemnização por danos não patrimoniais, tendo, para o efeito, alegado e provado que durante a execução das obras de reparação do imóvel, o autor, sua mulher e filho, viram-se obrigados a abandonar a habitação, tendo que passar a viver em casa de familiares, no Concelho de Amares, durante aproximadamente um mês.

Quanto aos transtornos e incómodos sofridos com a mudança de habitação, impõe-se recordar que a responsabilidade da Ré se restringe aos riscos abrangidos pelo contrato de seguro ou decorrentes do seu não cumprimento, sendo certo que a perturbação inerente à referida mudança não está abrangida pelo objeto do contrato de seguro celebrado, nem, por outro lado, decorre do seu incumprimento, nada tendo sido alegado no que toca a uma eventual relação de causalidade entre a não assunção, pela Ré, da cobertura dos danos verificados e a aludida necessidade de abandono da habitação durante a execução das obras.

Por último, a Ré/Recorrida encontra-se constituída em mora desde, pelo menos, a data da citação.

Tratando-se, como se trata, de uma obrigação pecuniária, a indemnização devida pela mora corresponde aos juros a contar do dia da constituição nessa mesma mora e os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal, o que não é o caso - cfr. arts. 804º, nºs 1 e 2, e 806º, nºs 1 e 2.
A taxa legal – cfr. art. 559º do Cód. Civil – de juros a considerar é, pois, a de 4% - cfr. Portaria nº 291/03, de 08.04.
Em conclusão, a apelação deve ser julgada parcialmente procedente.
*
IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré/Recorrida a proceder ao pagamento ao Autor da quantia da quantia de 4.899,51€, acrescida de IVA, sobre esse valor sendo devidos juros à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do remanescente do pedido.
Custas da ação e do recurso pelo Autor/Recorrente e pela Ré/Recorrida na proporção do respetivo decaimento.
Guimarães, 21.06.2018

(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)