Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/15.9T8BGC.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
REGRAS PROCESSUAIS
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ARTº 340º DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Tendo a arguida requerido a inquirição de uma nova testemunha já no final da audiência de julgamento, nos termos do disposto no artº 340º, do CPP, tal arrolamento tem carácter excepcional e deve fundar-se, além do mais, na sua estrita necessidade e em circunstâncias supervenientes ocorridas, sendo ónus do requerente motivar devidamente tal necessidade, bem como a apontada natureza superveniente.

II) No caso dos autos, inexiste fundamento legal para a pretendida inquirição de uma testemunha identificada desde o início dos autos e, se nunca foi arrolada como testemunha foi desde logo porque a defesa por estratégia processual nunca teve interesse na sua audição.

III) Assim, não poderá vir agora requerer a sua audição como essencial para a descoberta da verdade, pois nunca o foi e dos autos não resulta a existência de quaisquer factos novos, que tenham surgido na sequência das anteriores inquirições, que tenham feito surgir tal necessidade de inquirição, pois tais factos são precisamente os mesmos desde o início.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:

I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo de Recurso de Contra-Ordenação, que com o nº 52/15.9T8BGC, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, a arguida “S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.”, com sede na …, Pessoa Colectiva nº …, impugnou judicialmente a decisão administrativa do “Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres” (I.M.T.T.), que lhe aplicou a coima de € 1.250,00, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 31º, nº 2, do Decreto-Lei nº 257/2007, de 16 de Julho, porquanto na data de 10 de Outubro de 2012, pelas 08h.51m, na Estrada Nacional 15-5, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula “MP”, propriedade da sociedade arguida efectuava um transporte de electrodomésticos e, ao ser submetido a pesagem nas balanças “CAPTELS 10”, aprovadas pelo despacho da ANSR 12594/07, de 16 de Abril, acusou um peso bruto de 4.740Kg, sendo o peso do veículo 3.500Kg, pelo que se verificou um excesso de carga de 1.240kg.

A arguida/recorrente, no decurso da audiência de julgamento de recurso judicial, formulou o seguinte requerimento:
“S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.”, arguida nos autos à margem referenciados neles já devidamente identificada, vem, muito respeitosamente, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:

No decurso da última sessão de julgamento foi referido, pelas testemunhas da arguida, a presença no local de um motorista de nome C. S. ambas referindo que era este o motorista que conduzia o veículo de mercadorias aquando da alegada prática da contra-ordenação;

Por manifesto lapso, a arguida supunha que o motorista autuado não seria esse, mas antes outro que já não se encontra ao seu serviço, mas emigrado em (F)Grança;

Assim, revela-se essencial a inquirição do motorista supra identificado por se afigurar necessário para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.

Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 340º CPP requer-se a sua inquirição na sessão de julgamento agendada para a próxima sexta-feira;

A arguida compromete-se a apresentar a testemunha, nesse dia nesse Tribunal.”

Ouvido o Ministério Público, o Tribunal a quo decidiu sobre o requerido:
“Veio a recorrente, através do requerimento que antecede, requerer a inquirição de mais uma testemunha, que supostamente tem conhecimento directo dos factos, o que faz ao abrigo do disposto no artigo 340° do Código de Processo Civil.
Decorre do disposto no nº 1, do artigo 340º, que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Acrescenta o nº 4 que os requerimentos de prova são indeferidos quando as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa, nos termos da alínea a), ou quando tiverem finalidade meramente dilatória, nos termos da alínea d).
No caso em apreço, não só é manifesto que a prova agora indicada já podia ter sido oferecida na sequência da primeira sessão da audiência de julgamento, porquanto a recorrente foi notificada para se pronunciar quanto à utilidade da inquirição da testemunha cuja inquirição entretanto foi indeferida, a para requerer o que tivesse por conveniente, em 10 dias, nada tendo requerido, como também, tendo em conta a demais prova já produzida, não se nos afigura que a sua inquirição seja indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa, afigurando-se-nos antes que tem uma finalidade meramente dilatória, não podendo o tribunal olvidar que a audiência de julgamento esteve marcada por seis vezes, desde 2015, sendo sempre obstaculizada a sua realização e conclusão.
Termos em que, pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 340º, nºs 1 e 4, alíneas a) e d) do Código de Processo Penal, indefiro o requerido.
Notifique”.

Inconformada com esta decisão, a arguida “S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.”, dela interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
A. Nos autos de impugnação judicial de contra-ordenação do presente processo, a recorrente, entre o mais, alegou factos tendentes à exclusão da sua culpa.
B. Para prova dos factos alegados juntou como testemunhas J. P., A. S., F. S. e S. U..
C. No decorrer da audiência de julgamento pelas testemunhas A. S. e J. P. foi referido por diversas vezes, como pessoa que teve intervenção directa nos factos supra enunciados o Sr. C. S., que era à data, o motorista do pesado autuado.
D. Em função de tais depoimentos a Mandatária da recorrente na audiência de discussão e julgamento de 06-12-2016, pediu informalmente ao Tribunal a palavra para ditar um requerimento para a acta tendo referido que se destinava a requerer a inquirição do dito motorista.
E. A MM. Juiz a quo solicitou à Mandatária da recorrente que o fizesse por escrito, ao que esta anuiu – cfr. gravações da audiência de discussão e julgamento do referido dia 06-12-2016.
F. Assim, a recorrente apresentou por escrito requerimento aos autos nos termos do qual requereu a inquirição do referido motorista que teve intervenção directa nos factos ora em crise.
G. A testemunha C. S. era o motorista do veículo pesado de mercadorias, aquando do alegado cometimento da infracção imputada à recorrente e que, por manifesto lapso desta, não havia sido junto como testemunha em momento anterior.
H. A recorrente fez comparecer, no Tribunal de Bragança, na data designada para continuação da audiência de julgamento, tal como tinha indicado no seu requerimento a testemunha C. S., conforme impõe a norma do artigo 340º, nº 1, do CPP.
I. No início da audiência de discussão e julgamento desse dia o Tribunal a quo indeferiu o requerimento da recorrente, invocando, em síntese, tratar-se de uma “manobra dilatória” e que “não se nos afigura que a sua inquirição seja indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa”, tendo dado de seguida, imediatamente, a palavra ao MP e defesa para alegações orais e, proferindo, de seguida, sentença.
J. A MM Juiz a quo não se pronunciou, sequer, sobre a substância do dito requerimento, nomeadamente, não invocou que tal testemunha nunca tivesse sido mencionada pelas demais testemunhas - cfr. despacho de 31-03-2017 - nem fundamentou de facto a razão pela qual a inquirição do motorista C. S. não se afigurava necessária e indispensável à boa decisão da causa e descoberta da verdade material (nem poderia porque tal depoimento era o único capaz de sustentar a versão dos factos da recorrente, uma vez que era o próprio motorista do veiculo autuado e que apenas, por manifesto lapso da recorrente, não tinha sido indicado em momento anterior).
K. Com efeito, não se alcança também como se poderá considerar tal inquirição uma manobra dilatória uma vez que C. S. estava, nesse dia, presente no Tribunal da Comarca de Bragança (tendo-se deslocado desde São João da Madeira para esse efeito). Ressalve-se que não se requereu a inquirição de uma testemunha para uma outra data. A testemunha estava no Tribunal de Bragança, no dia 31-03-2016, presente, tal como foi dado conhecimento à MM Juiz a quo.
L. Dispõe o artigo 340º, nº 1 do CPP que: “1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
M. O artigo 32º, nº 1 da CRP estatui: " 1. O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa”.
N. Tais preceitos regulam a admissão da prova na audiência de julgamento. Trata- se de um direito constitucional concretizado, uma vez que o direito à produção de prova é uma das componentes do direito de acesso ao tribunal (artigo 20º nº 1 da CRP) e das garantias de defesa.
O. O artigo 340 CPP prevê expressamente a possibilidade de as partes, o MP, o arguido e as partes civis poderem requerer durante a audiência de discussão e julgamento no tribunal de primeira instancia, tal como foi requerido pela recorrente.
P. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem enfatizado o carácter oficioso da investigação probatória. Com efeito, a título meramente exemplificativo, refira- se que, o Juiz pode ordenar a produção dos documentos oferecidos pelo arguido durante a audiência, quando o seu conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mesmo que não seja alegada e provada a impossibilidade de os juntar no decurso do inquérito ou da instrução, conforme se refere no Acórdão do TC nº 137/2002.
Q. O artigo 340º do CPP regula também a produção oficiosa de meios de produção de prova na audiência de julgamento, consagrando, assim, o princípio da investigação, limitando-a apenas pelo princípio do contraditório. Este preceito vale para a admissão de prova relativa ao objecto do processo, isto é, para a prova para a descoberta da verdade material, como também para prova relativa às questões e incidentes que se suscitam na pendência do processo, como, por exemplo, para a boa decisão da causa.
R. No Processo Penal a admissão da prova tem que ser (como é) o poder mais vinculado do Juízo sob pena de comprometimento do Estado de Direito (vide Paulo Albuquerque, 2003, 601 e 602).
S. A este propósito refere o Acórdão do TR do Porto (disponível em http://www. dasi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7fffc777bb7d2ed580257c8b00506737?OpenDocument): “impõe aqui declarar, extraindo-se as respectivas consequências dessa declaração”.
T. Nesta senda, no caso em apreço, não só a prova foi requerida e devidamente fundamentada pela recorrente, como poderia (e deveria até, salvo o devido respeito) ser oficiosamente ordenada pela MM Juiz a quo uma vez que se apurou do depoimento das restantes testemunhas que o C. S. era o único que poderia esclarecer, na primeira pessoa, os factos ocorridos e descritos na impugnação judicial - neste sentido também vide Acórdão da Relação do Porto (disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ealc61802568d9005cd5bb/ac23a39842f957d780257b010036ee0f?OpenDocument, no qual se menciona que “em processo penal não há um ónus de prova: o princípio da investigação obriga o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão”.
U. No mesmo sentido reforça o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, (disponível em http://www.dgsi.pt/isti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/94930927fa0f4039802576e800434c41?OpenDocument), conforme supra referido.
V. Ora, no caso dos autos é manifesto que a testemunha era essencial à descoberta da verdade material porque conhecia os factos de forma directa, conforme verbalizado pelas demais testemunhas, e poderia e deveria, atento o supra exposto ter sido chamado C. S. a depor pela MM Juiz o quo atenta a sua absoluta indispensabilidade (prova essencial) para a boa decisão da causa. No entanto, não só não foi efectuada tal diligência como foi indeferido o requerimento apresentado pela recorrente para inquirição dessa testemunh3 apesar de devidamente fundamentado.
W. Mais grave, no decurso do julgamento resultou que tal testemunha seria a única a estar em condições de explicar ao Tribunal o circunstancialismo que obrigou a carregar o camião em causa com peso a mais do permitido por lei, era ele o único condutor do veículo autuado.
X. Nomeadamente era da maior importância para prova de todos os factos dados como não provados.
Y. Como muito bem escreve a MM Juiz a quo estes factos têm relevo para a decisão a proferir e porque se deram por não provados? Porque não foi admitida a inquirição do motorista C. S.? Trata-se de uma inquirição que indubitavelmente se nos afigura como necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Z. E não se afigura como se possa apelidar de "manobra dilatória" o pedido da sua inquirição, porquanto a testemunha estava no Tribunal no dia e hora agendados para a continuação da audiência, tal como se tinha a defesa comprometido no seu requerimento.
AA. Assim, ao indeferir a requerida inquirição o Tribunal violou de forma escandalosa o disposto no artigo 340º, nº 1, do CPP e artigo 32º, nº 1, da CRP, ferindo de nulidade a decisão que agora se coloca em crise, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que imponha ao Tribunal a quo a inquirição da referida testemunha.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser recebido e julgado procedente, com todas as consequências legais enunciadas nas conclusões.
Assim se fazendo Justiça.

O Ministério Público junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto, concluindo por seu turno (transcrição):
1. A recorrente alega que que a sentença é nula por supostamente os seus direitos de defesa terem sido violados ao não se ter autorizado a audição de uma testemunha indicada no fim da produção de prova.
2. Sucede, porém, que a identidade de tal testemunha C. S. foi sempre do seu conhecimento.
3. Não compete ao Tribunal «a quo» suprir lapsos de defesa e/ou estratégia da arguida, tanto mais que teve sempre oportunidade de indicar tal testemunha, fosse na fase administrativa, fosse aquando da impugnação judicial ou no próprio decurso da audiência de julgamento e de produção de prova.
4. O depoimento da testemunha em causa não é essencial nem indispensável para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa, pois se o fosse, seguramente, tinha sido indicada anteriormente.
5. A recorrente teve sempre a possibilidade de exercer o seu direito de defesa.
6. O eventual depoimento da testemunha que a recorrente quis ouvir, atenta toda a prova produzida, em nada seria relevante para excluir a sua culpa ou responsabilidade.
7. O indeferimento da sua audição foi legítimo e fundamentado.
8. Não viola o princípio das garantias de defesa da arguida/recorrente o exercício do poder de direcção e controlo do processo por via da aplicação do disposto no art. 340º, nº 1 e 4 do CPP.
9. Não foi violado o disposto nos artigos 32º da CRP ou 340º do CPP, pelo que
10. A decisão tomada deve ser mantida nos seus exactos termos.
V. Exas, porém, e como sempre, farão Justiça.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 371 a 372, dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a arguida apresentado qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº 1, do artigo 379º, e, 119º, do mesmo diploma legal.
Nestes termos, porque as conclusões da motivação demarcam, no essencial, o objecto do recurso – cfr. artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, ex vi do disposto no artigo 74º, nº 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações – cumpre, pois, fazer exame da questão aportada pela arguida recorrente, que se resume à seguinte:

– Impugnação do despacho recorrido por violação do disposto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal e o artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, ao não admitir a inquirição da testemunha requerida no decurso da audiência de julgamento.

2Decidindo:

Conforme resulta claramente da lei, os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem confinam-se à matéria de direito, nos termos prevenidos no artigo 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e actualizado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro e pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro e doravante designado por R.G.C.O.).
Assim, são inteiramente irrelevantes quaisquer considerações expendidas, designadamente em sede de conclusões, sobre eventual erro de julgamento em matéria de facto em que o tribunal a quo possa ter incorrido, sem prejuízo, naturalmente, do dever oficioso, de conhecimento dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Tal interpretação do disposto no artigo 75º, nº 1, do R.G.C.O., não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente os artigos 20º e, 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Decorre do disposto no artigo 340º, do Código de Processo Penal:
"1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória”.
É o artigo do Código de Processo Penal onde se encontra expresso o princípio da investigação ou da verdade material.
“Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32°, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, pág. 72, Marques Ferreira, Meios de Prova, in CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal - O novo Código de Processo penal, Coimbra 1988, págs. 231-232, Costa Pimenta, Introdução ao Processo Penal, Coimbra, 1989, págs. 142-148, Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal, 2ºvol., Lisboa, 1996, págs. 280-281, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol, I, 4ª ed. 2000, págs. 78-79 e 85-86, vol. II, 3ªed. rev., 2002, págs. 112-115, III, 2ªed., rev., 2000, págs. 251-252, Gil Moreira dos santos, O Direito Processual Penal, Porto, 2003, págs. 260-262, e v.g. os Acs. do Tribunal Constitucional n.º e 584/96 e 137/2002, in www.tribunalconstitucional.pt)
Daqui resulta que o tribunal deve, oficiosamente, ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Mas este princípio tem limites.
Com efeito, nos termos do nº 3 e nº 4 do citado artigo 340º os requerimentos de prova são indeferidos:
- quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis ou;
- se for notório que :
- as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
- o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa;
- o requerimento tem finalidade meramente dilatória”.(Ac. Rel. Guimarães – P. 12/03.2TAFAF.G1).
Tendo a arguida requerido a inquirição de uma nova testemunha já no final da audiência de julgamento, nos termos do disposto no citado artigo 340º, do Código de Processo Penal, tal arrolamento tem carácter excepcional e deve fundar-se, além do mais, na sua estrita necessidade e em circunstâncias supervenientes ocorridas, sendo ónus do requerente motivar devidamente tal necessidade, bem como a apontada natureza superveniente.
Conforme decorre dos artigos 79º, nº 1, 283º, nº 3, alínea d), 287º, nº 2 e, 315º, nº 1, todos do Código de Processo Penal, as testemunhas devem ser arroladas em fase anterior ao julgamento.
Daí que o arrolamento posterior assuma natureza excepcional, por dissentir da regra decorrente daqueles preceitos legais.
Mais, tal arrolamento posterior deve assentar na necessidade da inquirição requerida, o que sucede quando esta seja susceptível de contribuir para melhor apreciar e decidir da causa.
Atenta a apontada natureza excepcional do arrolamento posterior, este deve decorrer de circunstância superveniente, ocorrida em momento posterior àquele correspondente à apresentação normal da prova pelo sujeito processual no processo, pois só assim se justifica a sua apresentação após aquele momento.
“Há um momento processual próprio para requerer a produção de prova, mas a prova pode ser requerida para além desse momento se houver uma circunstância especial (a “superveniência”) que o justifique. Sendo assim, o requerimento da produção de meios de prova na audiência é fundado quando o requerente alegar e provar que os meios de prova ou de obtenção de prova só foram por si conhecidos depois do momento próprio para requerer a respectiva produção (…) ou surgiram depois desse momento (…) A alegação da superveniência constitui, afinal, um caso legal de justo impedimento para o requerimento tempestivo do sujeito processual” Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, página 878.
Sob pena de ineptidão, a necessidade de inquirição de nova testemunha, bem como a circunstância superveniente que motiva aquela devem ser devidamente justificadas.
De outro modo, estaria encontrada a forma de acrescer à prova anteriormente indicada nova prova, num indefinido devir, protelando o processo e defraudando as indicadas regras processuais gerais de arrolamento da prova.
Neste caso concreto a referida testemunha C. S. consta da fl. 2, dos presentes autos, ou seja está identificado como motorista do pesado desde o início dos presentes autos e, se nunca foi arrolado como testemunha nos presentes autos, foi desde logo porque a defesa por estratégia processual nunca teve interesse na sua audição.
Assim, não poderá agora vir a requerer a sua audição como essencial para a descoberta da verdade, pois nunca o foi e dos autos não resulta a existência de quaisquer factos novos, que tenham surgido na sequência das anteriores inquirições, que tenham feito surgir tal necessidade de inquirição, pois os factos são precisamente os mesmos desde o início.
Por este caminho, estaria desvendado o caminho para a prescrição de todos os procedimentos criminais, pois ouvia-se agora o motorista, que remetia para o fiel do armazém, que havia necessidade de ouvir, que remetia para o chefe de armazém, que havia necessidade de ouvir, que remetia para etc. e etc., até nunca acabar e nunca se poderia por termo a tal gincana porque se violava as garantias de defesa e, consequentemente, se estaria a violar o artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Obviamente, que não é este o sentido da lei, mais propriamente do artigo 340º, do Código de Processo Penal, só podendo ser utilizado pela acusação ou defesa, em caso de desconhecimento da existência ou da identificação da testemunha em causa, que manifestamente não é o presente caso.
Poderá ainda proceder-se à produção de prova oficiosamente, ou seja, caso o tribunal entenda como indispensável à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Trata-se de um poder vinculado, pois é seu dever ordenar os meios de prova – todos os meios de prova - necessários à descoberta da verdade, como também, impedir que se produzam provas “irrelevantes ou supérfluas”, “inadequadas ou de obtenção impossível ou muito duvidosa”, ou que obedeçam a um desiderato “dilatório”.
Neste caso concreto, entendeu o Tribunal a quo, que “, tendo em conta a demais prova já produzida, não se nos afigura que a sua inquirição seja indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa, afigurando-se-nos antes que tem uma finalidade meramente dilatória, não podendo o tribunal olvidar que a audiência de julgamento esteve marcada por seis vezes, desde 2015, sendo sempre obstaculizada a sua realização e conclusão”.
Fundamentou pois o tribunal a quo, que a requerida prova era supérflua e irrelevante, ou seja, em nada contribuiria para a descoberta da verdade material nos autos.
Ou seja, atento o objecto do processo, nunca as declarações da indicada testemunha poderiam vir a alterar a decisão a proferir, no sentido de que nunca poderiam vir a comprovar qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa relevante, em face da conduta provada nos autos.
Por tal, a inquirição tinha finalidade dilatória, pois era manifestamente inócua face ao objecto do processo, pois a comprovar-se, seria insusceptível de constituir causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, da conduta da arguida, por nunca puder constituir uma situação de eventual estado de necessidade desculpante.
Assim, bem andou o Tribunal a quo, ao indeferir a requerida inquirição nos termos do disposto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, sendo que tal indeferimento, nos termos em que o foi, não constituiu qualquer violação dos direitos de defesa do arguido, face ao disposto no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, mas a mera aplicação do indicado preceito legal.
Improcede pois o recurso interposto pela arguida “S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.”.

Contudo poderá existir alteração da factualidade assente na 1ª instância por verificação de algum dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Os vícios do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, ou, são anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respectivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
Tais vícios (ou, como também são designados, erros-vícios) não se confundem com errada apreciação e valoração das provas.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Assim, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
De igual modo, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do favor rei, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o tribunal de julgamento tenha tido qualquer dúvida na apreciação da matéria de facto e, a existir haja resolvido essa ou essas dúvidas contra a arguida.

Nestes termos improcede, portanto, a pretensão constante das motivações e conclusões do recurso interposto pela arguida “S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.”, confirmando-se, consequentemente, integralmente a sentença recorrida.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pela arguida “S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.”, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação da recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida “S. - Comércio e Utilidades, Unipessoal, Lda.” e, consequentemente, confirmar na íntegra o despacho recorrido.

Custas pela recorrente que se fixam em 5 UC (cinco unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.


Guimarães, 23-10-2017
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Maria José dos Santos de Matos)