Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/14.6T9CMN.1.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: EXECUÇÃO SENTENÇA CONDENATÓRIA
PROCESSO PENAL
EFEITO DO RECURSO
ARTºS 408º Nº 1 71º DO CPP
ARTºS 641º Nº 5 703º E 704º DO CPC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Perante o disposto no art 408º, nº 1, a), do CPP, tem efeito suspensivo o recurso interposto pela aqui executada da sentença final condenatória, invocada como título executivo, proferida no âmbito de um processo penal quanto ao pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime e deduzido ao abrigo do disposto no art. 71º do CPP.

II - Na hipótese, que não é aventada pela exequente, de o recurso incidir exclusivamente sobre a parte cível da condenação, a verificar-se, não teria pertinência a natureza provisória da atribuição oferecida em 1ª instância ao efeito do recurso, de harmonia com o disposto no art. 414º, nº 3, do CPP (a que corresponde, no âmbito do CPC, o art. 641º, nº 5, deste): a circunstância de o tribunal superior não estar vinculado a tal atribuição, cabendo-lhe a fixação definitiva do efeito do recurso, não seria susceptível de obstar ao efeito suspensivo, tal como ditam aquelas regras do CPP.

III – Mesmo que a Relação, perfilhando a tese sugerida pela exequente, viesse, depois, a fixar ao recurso o efeito meramente devolutivo, reputando de aplicável ao caso o regime processual imposto pelo CPC, sempre se teria também de concluir que quando a exequente ofereceu à execução a sentença não transitada em julgado, não se mostraria preenchido o requisito da respectiva exequibilidade, atinente ao efeito meramente devolutivo do recurso, de cuja verificação dependeria a possibilidade de a exequente iniciar a execução na pendência de recurso (artigos 703º e 704º do CPC)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1) Academia de Música FF instaurou os presentes autos de execução, em 21-05-2017, contra E. M., invocando como título executivo a sentença proferida, em 21-04-2017, no processo penal nº 52/14.6T9CMN, mediante a qual a executada foi condenada a pagar-lhe a quantia de € 20.650,56, acrescida de juros de mora desde a notificação.
2) Em 29-05-2017, a executada requereu a extinção da execução por não ter transitado em julgado a sentença cujo cumprimento coercivo se pretendia alcançar.
3) Em 19-06-2017, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho: «Dado que nos autos principais foi conferido, em 31/5/2017, efeito suspensivo ao recurso interposto da sentença neles proferida e que vem apresentada como título executivo nos presentes autos, determino a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, porquanto só podem ser títulos executivos as sentenças sob recurso com efeito meramente devolutivo – art. 704º nº 1 do CPC e 277º al. e) do CPC».
4) Inconformada com essa decisão, a exequente interpôs dela recurso cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões:
«1ª A Apelante apresentou tempestivas contra alegações no recurso que a Apelada interpôs contra a douta decisão que, nos autos principais a condenou pela prática de um crime de peculato na forma continuada, e bem assim no pedido de indemnização civil na quantia de 20.650,00 €,
2ª A Apelante deduziu questão prévia precisamente relativa ao efeito do recurso relativamente ao segmento da decisão que condenou a Apelada no pedido de indemnização civil, tendo impugnado efeito suspensivo genericamente fixado na douta decisão ref. 41140516 dos autos principais, considerando que tal efeito deveria ser meramente devolutivo, salvo se a apelante tivesse prestada caução.
3ª O douto despacho ref. 41140516, que admitiu o recurso interposto nos autos principais relativamente ao efeito nele fixado ao recurso, não é definitivo uma vez que a Apelante impugnou tal efeito relativamente á parte da decisão condenatória no pedido de indemnização civil, cabendo ao Tribunal “ad quem”, o qual não está vinculado ao efeito fixado ao recuso pelo tribunal “a quo”, fixar definitivamente tal efeito.
4ª Considera a Apelante que o Tribunal “a quo” não poderia ter declarado a extinção da presente execução, com fundamento na ocorrência da inutilidade superveniente da lide uma vez que o efeito suspensivo fixado naquele douto despacho ref. 41140516, o qual não era definitivo, sempre poderá vir a ser modificado pelo Tribunal “ad quem” na sequência da impugnação que a Apelante deduziu nas suas contra alegações.
5ª Salvo o devido respeito, e melhor entendimento, não ocorre assim qualquer inutilidade superveniente da lide, antes deveria o tribunal “a quo” aguardar pelo exercício do contraditório da Apelante relativamente aquele recurso, e bem assim relativamente ao despacho que o admitiu, pelo que o douto despacho padece de nulidade por se ter praticado acto que a lei processual não permitia, nos termos do art. 195º e ss. do CPC.
6ª Deste modo, salvo sempre melhor entendimento, considera a Apelante que o douto despacho recorrido padece de nulidade, por manifesta violação do disposto nos art. 413º, 414º nº 3 do CPP, e 647º nº 1 do CPC ex vi art. 4º do CPP, fazendo por conseguinte uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. art. 704º nº 1 do CPC e 277º al. e) do CPC, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da presente execução.».

5) A executada contra-alegou.

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 74.
Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, nº 3, al. c), do CPP.
*
Importa apreciar e decidir a questão formulada no recurso que consiste em saber se não deveria ter sido determinada a extinção da instância executiva por poder vir a ser modificado pela Relação o efeito suspensivo atribuído em 1ª instância ao recurso interposto da sentença. Para tanto, releva o antecedentemente relatado.

Estabelece o art. 10º, nº 5, do CPC que toda a execução cível, tem por base um título, pelo qual se determinam o seu fim e limites (1).
No caso vertente, não podemos olvidar que a sentença final condenatória, invocada como título executivo, foi proferida no âmbito de um processo penal, decorrente de um pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime e deduzido ao abrigo do disposto no art. 71º do CPP. Daí que, perante o disposto no art 408º, nº 1, alínea a), do CPP, o recurso dela interposto pela ora executada sempre teria efeito suspensivo, tal como a Sra. Juíza, e bem, lhe atribuíra.
É certo que, de harmonia com o disposto no art. 414º, nº 3, do CPP (a que corresponde, no âmbito do CPC, o art. 641º, nº 5, deste), tal atribuição assumiu uma natureza provisória, não podendo ter sido autonomamente impugnada pelas partes nem vinculando o tribunal superior, ao qual caberia a fixação definitiva do efeito do recurso, embora tal questão pudesse ser suscitada – o que a recorrente informa ter feito – nas contra-alegações de recurso, para que a Relação se pronunciasse sobre essa matéria.
Ainda que o recurso incidisse exclusivamente sobre a parte cível da condenação – hipótese que não é aqui aventada nem é confirmada pelos elementos disponibilizados nestes autos – continuaria a não ter pertinência a observação da recorrente quanto à natureza provisória da atribuição oferecida em 1ª instância ao efeito do recurso. Tal hipótese, a verificar-se, não seria susceptível de alterar o efeito suspensivo fixado ao recurso pela 1ª instância, como ditam as regras do CPP.
E ao mesmo resultado se chegaria se a Relação viesse a fixar ao recurso o efeito meramente devolutivo, por reputar de aplicável ao caso o regime processual imposto pelo CPC, perfilhando a tese académica sugerida pela recorrente. Vejamos:
O art. 703º do referido diploma adjectivo define as espécies de títulos executivos, entre as quais figuram a sentença condenatória – alínea a) – e, quanto aos requisitos da exequibilidade desta, dispõe o subsequente art. 704º que a «sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo».
Logo, a sentença cível só é exequível na pendência de recurso se a este for fixado o efeito meramente devolutivo, requisito que, neste caso, não se mostrava verificado, uma vez que a Sra. Juíza lhe atribuíra efeito suspensivo (e bem, como vimos). Assim, mesmo na hipótese de o recurso incidir exclusivamente sobre uma sentença proferida no âmbito de uma acção cível, sempre se teria também de concluir que quando a exequente ofereceu à execução a sentença não transitada em julgado, não se mostraria preenchido aquele requisito da respectiva exequibilidade, atinente ao efeito meramente devolutivo do recurso, de cuja verificação dependeria a possibilidade de a exequente iniciar a execução na pendência de recurso, nos estritos termos do nº 2 e seguintes do citado art. 704º, a qual só ocorreria se e quando a Relação viesse a fixar tal efeito. Ora, mesmo nessa tese, faltando esse requisito da exequibilidade da sentença, o requerimento executivo não poderia prosseguir, devendo ser julgada extinta a execução, mesmo oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados [cf. artigos 726º, nº 2, a), 729º, a), e 734º, nº 1 do CPC].
Concluindo, não merece censura o despacho recorrido.
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Decisão:

Pelo exposto, julgando improcedente o recurso, decide-se confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
Guimarães, 20/11/2017

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

1- Como já ensinava José Alberto dos Reis, Processo de Execução, volume 1.º, 3.ª edição, Reimpressão, 1985, p. 68, o título executivo é a base da execução: nulla executio sine titulo. Para Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 58, o título executivo constitui «documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo». E para Eurico Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, pág. 23, na acção executiva o título vale como causa de pedir. Também no Acórdão do STJ de 15/3/2007, proc. n.º 07B683, relatado pelo conselheiro Salvador da Costa se afirmou: «A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva. O fundamento substantivo da ação executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da ação executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas.».