Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1397/16.6T8BCL.G1
Relator: HELENA LOPES
Descritores: ADOPÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
COMPETÊNCIAS PARENTAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
. O superior interesse da criança a que se deve atender em primeiro lugar, não permite que esta possa ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam condições para o seu regresso à família natural.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

O presente processo iniciou-se com o requerimento do Digno Magistrado do Ministério Público para abertura de processo judicial a pedir a aplicação de medida de promoção e proteção a favor da menor F. C., nascida em -/06/2015, natural da freguesia de ..., concelho de Barcelos, filha de M. R. e de D. C., atualmente acolhida na "Casa do …”, com sede na Rua ….
Para tanto, alegou, em síntese, que os progenitores não reuniam competências parentais para cuidar da menor, que lhe infligiam maus tratos para o seu bem-estar físico e psicológico, por força das quezílias existentes entre o casal que deu origem ao processo crime nº.228/16. 1 PABCL, por violência doméstica, que correu termos contra o progenitor, motivado e agravado também pelos consumos excessivos de álcool que este apresentava e pelas dificuldades económicas do casal, não apresentando a progenitora ocupação profissional.
Ao circunstancialismo descrito, acrescia a falta de higienização da habitação, apresentando odor a urina e fezes de cão, com mobiliário degradado e sujidade no chão, a cozinha repleta de roupa suja e restos de comida, assim como sopa destinada à criança, que aparentava vários dias, não existindo qualquer lugar adequado para a criança dormir, nem para o acondicionamento das suas roupas. Aquando da realização da vista pela equipa da CPCJ a menor encontrava-se com febre e foi conduzida ao médico, tendo sido orientada para o hospital onde ficou internada.
Por despacho judicial proferido a fls. 43 a 44 foi declarada aberta a fase da instrução e solicitada a elaboração de Relatório Social.
Foi determinada, por despacho de 24.06.2019, a aplicação a favor da menor, a título cautelar e urgente, da medida de acolhimento residencial, no estabelecimento de acolhimento “Casa ...”.
Foram ordenadas diligências instrutórias tendo em vista aferir se, quer o pai, quer a mãe, conseguiam reorganizar-se e constituir uma alternativa viável para um projeto de vida desta criança, caso contrário, se existia a possibilidade de integrá-la em família idónea (no seio da família alargada ou fora da família biológica) ou se apenas restaria o seu encaminhamento para a adoção.
Foi designada data para inquirição dos progenitores e da técnica da Segurança Social, gestora do processo.
Por acordo de promoção e proteção firmado a fls. 112, foi aplicada a favor da menor a medida de promoção e proteção de "Acolhimento Residencial", na "Casa ...", pelo período de seis meses. Tal medida tem vindo a ser sucessivamente revista e prorrogada.
Em 13/06/2018 foi tentada a integração da menor no agregado familiar dos seus tios paternos C. M. e I. P., porém, tal acolhimento não resultou, por razões que os tios imputaram à menor, tendo estes optado pelo reingresso da menor na "Casa ..." e se recusado a recebê-la posteriormente.
Apesar de ter sido ordenada uma avaliação psicológica tendo em vista aferir quais os motivos pelos quais a menor F. C. apresentou os comportamentos descritos pelos tios, estes não compareceram nem nunca se disponibilizaram para dar início à avaliação.
Foi também averiguada a possibilidade da menor integrar, em contexto familiar, o agregado de tios maternos e de uma madrinha, o que se revelou igualmente infrutífero, tendo se concluído que estes não reuniam as necessárias competências para acolher a menor.
Face à impossibilidade de integrar a menor, quer em contexto familiar materno, quer paterno e tendo-se considerado como não viável a obtenção duma solução negociada, foi ordenada a notificação, para apresentação de alegações, as quais foram carreadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público (cfr. fls. 352 a 359) e pela Ilustre Patrona nomeada à progenitora - cfr. fls. 361 a 362.
Realizou-se o Debate Judicial onde foram prestadas declarações pelos pais da menor e foram inquiridas diversas testemunhas.

A final foi proferido acórdão tomada por unanimidade, com o seguinte dispositivo:

Nos termos e com os fundamentos expostos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 35º/1/g), 38º-Alb) e 62ºIAl1/3/5), o Tribunal decide aplicar a favor da menor F. C. a medida de confiança com vista a futura adopção sob a guarda da instituição "Casa ...".
Nos termos do disposto do artigo 62.º-Al5, da LPPCJP, nomeio como curadora provisória a Técnica da instituição que tiver um contacto mais direto com a criança.
Em consequência e nos termos do art.º 1978.º- A do Código Civil e 62.ºAl6 da LPCJP "ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais e não há lugar a visitas por parte da família biológica".

A progenitora, D. C., não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem como objecto o conteúdo e matéria de direito da douta sentença proferida nos presentes autos, que decidiu aplicar a favor da menor F. C. a medida de confiança com vista a futura adopção sob a guarda da instituição “Casa ...”.
II. Na verdade, mal andou o tribunal recorrido ao considerar provados os pontos supra expostos (7º, 8º, 9º, 13º, 14º, 24º, 25º, 26º, 29º, 31º e 32º), uma vez que resulta demonstrado nos autos, nomeadamente da prova produzida, o inverso
III. Com efeito, o tribunal recorrido formou a sua convicção com base num único relatório da CPCJ, bem como no depoimento da técnica da segurança social, coordenadora do processo.
IV. Não corresponde, pois, à verdade que o desempenho laboral da progenitora seja escasso, por causa que lhe seja imputável.
V. Pois que, conforme resulta das declarações da mesma, a única razão que gerou esta escassez foi o facto de ser contratada pela empresa/entidade patronal, mas mais tarde vir a apurar que a sua admissão não era declarada no sistema da segurança social.
VI. Por outro lado, quando questionada acerca das perspectivas futuras para si e para a sua filha, a progenitora assumiu uma atitude consciente.
VII. Bem sabendo das dificuldades que atravessa, mostrou-se assertiva, referindo que está a trabalhar, que pretende residir com uma tia, que é pessoa capaz, com condições habitacionais para a acolher, a si e à sua filha F. C..
VIII. Face ao exposto, constatamos que o tribunal recorrido valorou, sobretudo, a prova produzida por parte da equipa da segurança social.
IX. O tribunal recorrido, apesar da inquirição da testemunha A. P. tia materna da menor F. C., optou por não considerar o seu depoimento.
X. Pois se assim fosse, o tribunal não consideraria como provados os factos 24º, 25º, 26º, 31º e 32º
XI. Destarte, perante o depoimento desta, salvo devido respeito por douto entendimento, o tribunal recorrido deveria ter averiguado, novamente, a situação económica e social da tia da menor, uma vez que a mesma alterou-se substancialmente.
XII. A tia A. P. reune todos os pressupostos para receber a menor e garantir-lhe todos os cuidados necessários a uma saudável, feliz e familiar educação, alicerçada na unidade familiar e no reaproximar dos laços parentais.
XIII. Encontra-se inserida profissionalmente e de forma estável, trabalha no restaurante …, sito em Viana do Castelo, há 11 anos, auferindo o salário médio mensal de €890,00.
XIV. Apesar de tal não estar devidamente declarado.
XV. Vive numa casa com a tipologia T3, na morada indicada nos autos, juntamente com dois sobrinhos, que lhe foram entregues judicialmente, o J. P., de 16 anos de idade, e o L. F., de 11 anos de idade.
XVI. Os quais são primos da menor F. C..
XVII. Além do salário que aufere com o seu trabalho, a requerente recebe mensalmente a quantia de €200,00, quantia paga a título de pensão de alimentos aos seus sobrinhos, acrescidos do respectivo abono de família.
XVIII. Os sobrinhos da tia A. P. usufruem, ainda, do escalão A, referente à acção social escolar.
XIX. A tia da menor tem absoluta noção da responsabilidade que acarreta a educação, acompanhamento de uma criança nestas circunstâncias, uma vez que os seus sobrinhos lhe foram entregues na mesma situação,
XX. E, contrariamente ao que foi suscitado em sede de debate judicial – não comprovado – o processo de promoção e protecção iniciado a respeito destes sobrinhos, foi já arquivado há algum tempo e teve origem em mau comportamento escolar.
XXI. Ainda assim, entendeu o Tribunal "a quo", face ao conspecto fáctico dado como assente, que se impunha, atento o "superior interesse" da menor, afastá-la em definitivo dos pais biológicos e enfrentar um longo e estigmatizante processo de adoção,
XXII. Desta forma, não foram ponderados devida e corretamente todos os elementos de prova existentes e produzidos nos autos.
XXIII. Os sobrinhos da tia A. P. usufruem, ainda, do escalão A, referente à acção social escolar.
XXIV. A tia da menor tem absoluta noção da responsabilidade que acarreta a educação, acompanhamento de uma criança nestas circunstâncias, uma vez que os seus sobrinhos lhe foram entregues na mesma situação,
XXV. E, contrariamente ao que foi suscitado em sede de debate judicial – não comprovado – o processo de promoção e protecção iniciado a respeito destes sobrinhos, foi já arquivado há algum tempo e teve origem em mau comportamento escolar.
XXVI. Ainda assim, entendeu o Tribunal "a quo", face ao conspecto fáctico dado como assente, que se impunha, atento o "superior interesse" da menor, afastá-la em definitivo dos pais biológicos e enfrentar um longo e estigmatizante processo de adoção,
XXVII. Desta forma, não foram ponderados devida e corretamente todos os elementos de prova existentes e produzidos nos autos,
XXVIII. De tal forma, que os mesmos não permitem sustentar e fundamentar a decisão que o tribunal recorrido tomou.
XXIX. Assim, após essa análise outra decisão mereceria ter sido proferida, pois, salvo devido respeito, os laços afetivos, a educação, a formação pessoal e social, bem como a sua segurança está devidamente acautelada com a progenitora, ou até mesmo com a tia avó materna A. P. aqui recorrente, o que nem sequer foi equacionado pelo Tribunal.
XXX. O Tribunal "a quo" valorou os relatórios juntos aos autos e o testemunho da Técnica da Segurança Social de modo preferencial face ao depoimento da tia da progenitora, A. P. que se mostrou sincero, espontâneo e coerente, evidenciando vontade e disponibilidade e, dando mostras significativas de poder tomar conta da menor.
XXXI. Assim, uma medida de apoio junto de familiar é no nosso entender adequada a assegurar os superiores interesses da menor, e permitiria a manutenção dos vínculos afetivos com a sua família biológica e sobretudo com a progenitora.
XXXII. Considerando o caso concreto, não se mostram esgotadas as possibilidades de integração na família biológica, antes pelo contrário, mostra-se agora aberta uma porta, pelo que a solução passa-se no seio da família restrita, mais concretamente na sua tia avó materna.
XXXIII. No quadro atual de vida desta, dir-se-á, sem grandes margens para dúvida, que se trata de uma família que reúne todas as condições para que a menor lhe fosse confiada.
XXXIV. Por seu lado, a recorrente pretende continuar a demonstrar que a sua vida mudou completamente e que em nada tem a ver com a sua vida passada, estando em condições de cuidar e dar toda a educação e formação necessárias à sua filha.
XXXV. A aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, embora pré- anunciada nas situações elencadas no artigo 1978.º do Código Civil, há-de ter de se sustentar, necessariamente, no art.º 38.º-A da LPCJP, isto é, só deverá ocorrer quando já não exista qualquer ligação afetiva, entre os pais e a criança, própria da filiação.
XXXVI. Se é certo que a “futura adoção” preconizada para a criança tem de assentar no preclaro abandono dos progenitores, ou seja, no rompimento dos laços de filiação biológica por parte dos pais - como se induz da alínea c) do n.º 1 do art.º 1878.º do C.Civil - também é verdade que só quando tivermos a certeza de que esta relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adoção é a melhor medida para a criança.
XXXVII. Deste modo, atento os argumentos expostos, entende a recorrente que os pontos 7º, 8º, 9º, 13º, 14º, 24º, 25º, 26º, 29º, 31º e 32º dos factos provados deveriam ter sido considerados como não provados.
XXXVIII. Ora, a pretendida alteração nos moldes em que é feita, reúne condições mínimas de atendimento.
XXXIX. Nos termos do n.º1 do artigo 662.º do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa e se os mesmos impuserem decisão diversa.
XL. Tendo em conta o supra exposto, a Recorrente cumpriu o especial ónus de alegação fixado na al. a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, i.e., indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
XLI. Assim, face a tudo quanto fora exposto se entende que a medida de confiança com vista à futura adopção é excessiva, desadequada e desproporcional.
XLII. Das normas internacionais e nacionais sobre a família e a criança, designadamente Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Convenção sobre os Direitos da Criança, Constituição da República Portuguesa e Código Civil, resulta que se deve dar prevalência à família biológica e apenas quando esta é ausente ou quando apresenta disfuncionalidades que comprometem seriamente os vínculos afetivos próprios da filiação e portanto o estabelecimento de uma relação afetiva gratificante, se devem adotar outras soluções para que o desenvolvimento da criança seja harmonioso
XLIII. Assim, a adoção é “o último recurso”, devendo ser aplicada esta medida apenas quando está definitivamente comprometida a possibilidade de o desenvolvimento harmonioso da criança ocorrer no seio da sua família biológica.

TERMOS EM QUE, com o douto entendimento de V.as Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, que assim decidindo farão a habitual e costumada Justiça, deve o recurso ser rejeitado, por infundado, revogando-se a Douta Decisão recorrida, nos seus precisos termos, por não corresponder àquela que, atendendo à matéria de facto efetivamente provada, interpretada à luz do direito aplicável, designadamente das disposições conjugadas previstas nos artigos 3,°, 4.° alíneas a) d), e), f) g) e h) e 1210 nº 2, bem como a ordem p. e p. no artigo 35.°, (que coloca a medida prevista pelo Recorrente no último lugar da lista de medidas a aplicar), todos da LCPJP e 1978º nº 1 do Código Civil, uma vez que não é a que melhor salvaguarda os superiores interesses da menor, filha da recorrente, melhor identificados nos autos, substituindo-se, assim, a medida da adoção decretada por uma outra que fixe uma medida de apoio junto da tia avó materna.
A menor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, por assentar em fundamentos absolutamente certeiros.

Igualmente o Ministério Público contra-alegou, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1) A decisão recorrida não violou quaisquer disposições legais e, ademais, não infringiu o disposto em quaisquer dos invocados normativos, porquanto do teor conjugado da prova testemunhal, documental e pericial produzida ao longo dos autos e no Debate Judicial, se subsume a situação fáctica da menor às inequívocas previsões de perigo do artºs. 3º 1 e 2 alªb) c) e e) daquela Lei nº147/99 de 1/IX…
2) Conforme se vê das conclusões do recurso, a Recorrente impugna a decisão recorrida apenas na perspectiva (exclusiva) de facto e quanto à apreciação que o Recorrente faz dessa matéria de facto provada e não provada, não se vislumbram contradições de fundo nem razões de substância que levem a concluir da existência de incorrecções de julgamento em concretos pontos de facto ou de provas que, inequívocamente, imponham decisão diversa da decisão recorrida ou, porventura, de provas que devam ser renovadas porque manifestamente imprescindíveis à boa decisão da causa;
3) Havendo que observar que tem suscitado dificuldades de aplicação a matéria de registo de prova, uma das principais alterações introduzidas após as várias reformas do Codº Procº Civil, sobretudo a transcrição das gravações: as dificuldades serão, crê-se, superadas logo que se compreenda plenamente que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os eventuais vícios do julgamento em 1ª instância;
4) No caso em apreço, a recorrente não indica expressamente os vícios da decisão recorrida que se traduzam em autênticos e verdadeiros erros in procedendo ou in judicando – isto é, não explicita nem demonstra o eventual mau uso do princípio da livre apreciação da prova, ou seja, que esta foi valorada contra os elementares ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, ou que a convicção foi formada com claros vícios de raciocínio e mediante critérios arbitrários, ou caprichosos e meramente subjectivos;
5) O que a recorrente pretende, e faz, é ignorar e, assim, impugnar o depoimento das testemunhas inquiridas no decurso da audiência de julgamento e, consequentemente, os factos por elas percepcionados bem como escamotear as regras mais elementares da experiência comum face, também, à demais prova documental e pericial produzida e apreciada em audiência de julgamento...e quer, no fundo(inconfessadamente), a realização de um novo julgamento, por discordar da convicção formada pelo julgador, com base na prova colhida em audiência
6) Mas, uma coisa são os factos que ficaram provados e que como tal constam da decisão recorrida e outra coisa, bem diversa, são os factos que na opinião e convicção da recorrente deveriam ter sido considerados provados(nomeadamente quanto ao dolo);
7) Olvida a recorrente(ou talvez não...) que no direito processual civil impera também a regra da livre apreciação da prova por parte do Julgador(com arrimo, também, nas incontornáveis regras da experiência comum...) e que o julgamento deste pleito foi, nos termos da Lei e da Constituição, confiado a um colectivo de Juizes...e não à parte pleiteante, ora recorrente;
8) Acresce que, da fundamentação da decisão recorrida facilmente se apreende o processo lógico conducente à fixação da matéria de facto provada e não provada e à subsequente decisão final ora em crise.
9) Na verdade, da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não vislumbramos qualquer insuficiência da matéria de facto apurada e constante da decisão recorrida ou qualquer contradição insanável nessa matéria ou na sua fundamentação ou, por último, qualquer erro notório na apreciação da prova.
10) Pelo exposto, não deve ser provido nem procedente o recurso em sede de facto.
11) Temos que, no caso em apreço, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ao Venerando Tribunal de recurso restará, apenas, o reexame da matéria de Direito.
12) No que toca, porém, a este aspecto, a recorrente não se insurgiu contra a límpida proficiência técnico-jurídica da decisão recorrida – nem nada há a apontar, objectivamente, neste aspecto, não havendo, assim, qualquer razão que imponha a intervenção reparadora desse Venerando Tribunal...
13) A decisão recorrida obedeceu aos princípios orientadores da intervenção protectiva mais relevantes nesta fase final do processo: princípio do Interesse superior da criança; princípio da Intervenção precoce; princípio da Proporcionalidade e actualidade; e princípio da Prevalência da família(também no sentido lato que promove a Adopção) – tal como vêem meridianamente definidos no artº 4º alªa), c), e) e h) da Lei nº147/99 de 1/IX;
14) Lembrar-se-á, ainda, que o Procº judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária(cfr. Artº100º daquela Lei nº147/99 de 1/IX), nele avultando a Equidade, a justiça do caso concreto e a não vinculação ao direito formal e positivo constituído: e a decisão em crise está amplamente radicada num juízo concreto de equidade e só obedece ao critério do superior interesse da criança;
15) É a esta luz, pois, que se devem analisar os argumentos aduzidos nestes autos pela Recorrente: ponto essencial, repete-se, é que tais argumentos relevem à luz do superior interesse da menor sua filha:
16) E o interesse desta criança não passa mais por estar aos (des)cuidados da progenitora…ou duma tia-avó materna que nunca com ela teve qualquer ligação psico-afectiva nem nunca pela criança demonstrou sincero interesse demonstrado em esforço por com ela conviver e estabelecer tais laços;
17) As situações factuais dadas como provadas no douto Acórdão ora em crise bastamente justificam – e mais do que isso, impõem – a intervenção protectiva do Estado em relação à referida menor F. C., nos termos em que o fez a decisão recorrida;
18) As reafirmações da progenitora Recorrente em querer ficar com a guarda definitiva da menor (ou melhor, em querer destiná-la aos cuidados duma tia-avó que nunca estabeleceu quaisquer laços com a criança…) e os laços afectivos que aparenta demonstrar acabam por ser mais afirmações de posse e dum exorcizar das evidências de incapacidades parentais (frustrantes) do que verdadeiro e empenhado amor parental, traduzido em esforço e sacrifício pessoal no sentido de se dotar de condições psicológicas e de saúde interior bem como competências pessoais e de recta orientação para criar, educar e sustentar esta sua filha à qual este Tribunal não pode consentir seja reservado um futuro e percurso de vida que continue a passar por uma infância negligenciada e, objectivamente, maltratada que desemboque num adulto desestruturado e com o futuro já tolhido ou mesmo sem futuro algum
19) Atentos, pois, todos os elementos já disponíveis nos autos afigura-se-nos ser premente a definição de um projecto de vida para a F. C. que não passe nunca mais pela sua institucionalização nem pela sua sujeição às incapacidades e negligências dos progenitores.
20) A F. C. necessita – e ainda a tempo – de um colo seguro e certo, de pessoas a quem possa chamar de MÃE e de PAI, com tudo o que estas palavras, veramente, significam na formação de uma pessoa feliz e equilibrada.
21) Destarte, e porque à protecção dos “direitos” dos progenitores (que são, como se sabe, apenas “poderes-deveres”, meramente funcionais relativamente aos superiores interesse dos menores) se sobrepõe o direito dos filhos ao seu são desenvolvimento, através da criação de uma sólida relação filial, semelhante à biológica (quando esta se estabelece e desenvolve de modo são e em consonância com os princípios do Direito Natural) deverá ser definitivamente decidida a concreta aplicação da aqui impugnada medida de CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA Á ADOPÇÃO p. no Artº35º nº1 al.g) da Lei nº 147/99, de 01 de Setembro;
22) Tudo pelo que, na ausência de quaisquer fundamentos de direito e de facto, devem, pois, improceder as sem-razões da Recorrente.

TERMOS EM QUE,
Deverá ser julgado improcedente o Recurso em apreço mantendo-se, na íntegra, o douto Acórdão recorrido.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

. se os pontos 7, 8, 9, 13, 14, 24 a 26, 29 e 31 e 32 da matéria de facto considerada provada devem ser considerados não provados;
. se a aplicação da medida de confiança para adoção só pode ser decretada quando já não exista qualquer ligação afectiva entre os pais e a criança própria da filiação (artº 38-A da LPCJP e 1978º, nº 1 do CC);
. se a medida de confiança com vista à adoção deve ser substituída por outra que fixe uma medida de apoio junto da tia avó materna da menor, A. P..

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

A) Factos provados:

1.º A menor F. C. nasceu a -/06/2015 na freguesia de ..., Barcelos, e é filha de M. R. e de D. C..
2.º No dia 24/05/2016 foi instaurado, na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo de Barcelos, processo de promoção e proteção a favor desta menor na decorrência de uma sinalização onde, em síntese, se indiciavam, após uma avaliação diagnóstica, os seguintes sinais de perigo: a) desadequação parental dos progenitores, tendo em conta maus tratos para a sua saúde e equilíbrio e bem-estar psicológicos levados a cabo pelo pai sobre a mesma, devidos a recorrentes discussões e gritarias deste contra a mãe, descambando repetidas vezes em insultos e agressões, levadas a cabo em casa e também perante a criança, desde há um ano a essa parte, que deu origem ao NUIPC nº 228/16. 1PABCL, pela alegada prática pelo pai de factos que integrariam um crime de violência doméstica, motivado pelo alcoolismo de que padecia, b) dificuldades económicas do casal, c) quezílias reiteradas e habituais entre ambos os progenitores motivadas por desacordos e perspetivas opostas no concreto exercício das suas funções parentais e na gestão da vida doméstica comum do agregado familiar, d) a progenitora não se interessava por angariar um emprego, e os progenitores não cuidavam da casa de morada da família, a qual se apresentava mal arejada, com intenso odor de urina e fezes dum cão que se encontrava fechado na lavandaria, com mobiliário degradado e com sujidade no chão e na cozinha que se apresentava repleta de louça por lavar e com restos de comida e sopa de três dias, sujidade nas paredes, portas, janelas bem como os vários objetos que se encontram em tais divisões e sobre o atrás eludido mobiliário, não existindo qualquer espaço adequado à mesma criança nem ao adequado acondicionamento das suas roupas, e) situação esta que a progenitora nunca melhorou apesar da ajuda oferecida pela CPCJ de Barcelos, sendo que aquelas quezílias e discussões se refletiam-se, muito negativamente, quer na saúde, quer no equilíbrio psico-emocional da menor, f) a menor foi internada de urgência no Hospital de Barcelos em 16/06/2016, com febre alta sem que os pais houvessem providenciado por atempados cuidados médicos,
3.º Após avaliação diagnóstica conduzida pela CPCJ de Barcelos, face aos perigos evidenciados e após ter sido tentado consensualizar com os pais da F. C. a aplicação da medida de promoção e proteção de Acolhimento Residencial, o que estes recusaram, o processo transitou para o Ministério Público, tendo em 20/06/2016 sido aplicada judicialmente - fls. 43/44 -, a título cautelar e urgente, a favor da mesma menor a medida de promoção e proteção de "Confiança a pessoa idónea", na pessoa do Diretor do Hospital de …, no qual a criança se encontrava internada.
4.ºA partir de 24-05-2016, após a inicial avaliação da referida C.P.C.J. de Barcelos e avaliação diagnóstica levada a cabo pela Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais do Centro Distrital da Segurança Social de Braga, constataram-se os seguintes indicadores de perigo relativos à menor F. C.: a) reiterados consumos abusivos de álcool por parte do progenitor; b) instabilidade psico-emocional de ambos os progenitores; c) higiene e organização da habitação do agregado familiar muitíssimo deficitária; d) falta de prestação de cuidados básicos de saúde à menor, a qual foi internada de urgência no Hospital de Barcelos em 16.06.2016, com febre alta sem que os pais houvessem providenciado por atempados cuidados médicos; e) progenitores incapazes de encetar esforços de procura de emprego e pouco conscientes da necessidade de se autonomizarem financeiramente para poderem dar resposta às necessidades deles próprios e da filha; f) ausência de projetos de vida consistentes ao nível social e profissional; g) inadequadas competências pessoais e parentais de ambos os pais na resolução de problemas em diferentes áreas dos cuidados de alimentação, saúde e segurança da menor.
5.ºSó após o acolhimento residencial, que ocorreu quando a menor tinha 12 meses, a F. C. teve os cuidados que uma criança da sua faixa etária necessita, e que lhe estão, desde então, a ser proporcionados pela Casa de Acolhimento, porquanto verificou-se que nenhum dos progenitores alterou ou melhorou a sua vida, aos vários níveis, para poder acolher e responsabilizar-se pelo acompanhamento do processo desenvolvimental da filha.

Com efeito,
6.ºDurante a intervenção judicial protetiva a progenitora, apesar de manter constantes verbalizações de que pretendia autonomizar-se e conseguir a guarda da filha, manteve-se sem ocupação ou atividade laboral, o que implica que vá solicitando sucessivamente a amigos e familiares que a acolham e permitam que resida nas suas habitações.
7.º Assim, ao longo destes três anos, exerceu atividade para quatro empresas, num total de 29 dias, sendo da sua iniciativa a cessação de contratos, e existe notícia de desempenho laboral, em Viana do Castelo, onde trabalhou 19 dias, no mês de abril, no Hotel ..., Lda., tendo a cessação de contrato sido comunicada à Segurança Social como despedimento com justa causa.
8.º Atualmente não lhe são conhecidas ocupações laborais, continuando sem apresentar um projeto de vida para a F. C., não sendo capaz de contextualizar as necessidades quotidianas, estruturadas, para uma criança da idade da filha.
9.º A progenitora acordou com a Casa de Acolhimento visitas aos sábados e aos domingos, registando-se ausências sem comunicação e ou justificação, e comparece preferencialmente ao domingo, apesar de ser vista pela cidade de Barcelos durante a semana.
10.ºO progenitor da F. C. nunca diligenciou por obter condições que indiciem competências para proceder a um adequado acompanhamento da F. C., aos vários níveis, admitindo que não tem condições para ter a menor ao seu cuidado. Tem uma outra filha, fruto de um anterior relacionamento, a favor da qual existiu processo de promoção e proteção.
11.ºNos últimos três anos registam-se cessações de contrato por sua iniciativa, tendo
trabalhado: 20 dias entre 15.12.2016 e 04.01.2017, 13,5 dias em 2018 (entre 03.03.2018 e 02.04.2018). Não lhe são conhecidas ocupações laborais desde então.
12.ºDesde 20.01.2019 que não efetua qualquer convívio com a F. C., apesar de ter acordado com a Casa de Acolhimento visitas aos sábados e aos domingos.
13.ºNem o progenitor, nem a progenitora apresentam situação estável e capaz de ter a filha a seu cargo, verificando que, quer familiares maternos, quer paternos também não possuem adequadas condições ou vontade de acolher a menor, não apresentando, pois, aqueles qualquer suporte familiar ou vontade para se autonomizarem.
14.ºQuanto à família alargada também se concluiu pela inexistência de alternativas viáveis e credíveis que pudessem ser consideradas como projeto de vida securizante para os superiores interesses da menor.

Com efeito,
15º Ambos os progenitores tiveram intervenção ao nível de processo de menores em perigo e de promoção e proteção, tendo, ambos, estado acolhidos em instituições por alegada negligência familiar. O progenitor justifica os seus comportamentos agressivos/violentos e os seus problemas de alcoolismo "pelo facto de ter estado institucionalizado".
16.º D. C. que é natural de Torres Novas passou a residir em … por a mãe ter encetado relacionamento com um individuo dessa localidade. Entre os 5 e os 10 anos de idade esteve acolhida em instituição em Braga. A sua mãe veio residir para Barcelos, com outro companheiro, tendo D. C. integrado o agregado familiar da mãe, onde permaneceu até aos 13 anos, idade com que foi proposto novo acolhimento institucional, tendo fugido da instituição - Casa .... - passado cerca de dois meses.
17.ºA avó paterna, M. C., faleceu em 2005/12/-, por suicídio.
18.ºA avó materna, A. P., residia na Póvoa de Lanhoso e encontra-se a cumprir pena de prisão, por homicídio, no estabelecimento prisional de Santa Cruz do Bispo. O avô materno encontra-se emigrado, desconhecendo-se em que país.
19.ºNo que toca aos irmãos da progenitora verifica-se o seguinte: A. C. com 23 anos, tem um filho de 4 anos, e reside em Barcelos com um novo companheiro, que tem três filhos, mas verbaliza não se disponibilizar pelo acolhimento da sobrinha; M. E., com 30 anos de idade, divorciada, desempregada, reside em Braga e tem quatro filhos, porém, dois acolhidos por uma tia, um entregue a outro familiar e uma filha de quatro anos que reside com a mãe e com o seu atual companheiro; A. M., de 32 anos, solteiro, está emigrado; C. C., de 20 anos, encontra-se a cumprir pena de prisão por homicídio; A. M., de 32 anos, está emigrado, Póvoa de Lanhoso com três filhos, a mais velha a residir com o progenitor e os mais novos, com o seu companheiro.
20.ºApós avaliação diagnóstica para aferir da possibilidade da menor ser integrada no agregado familiar de A. J. (tio paterno), emigrado em França e R. P. (companheira deste), apurou-se que estes demonstram défices nas práticas educativa aplicadas aos seus filhos menores (de 15 e 11 anos de idade), os quais apresentam falta de assiduidade, alta taxa de absentismo às aulas, instabilidade emocional e bastantes dificuldades na regulação do comportamento, baixo autoconceito e autoestima, práticas pouco seguras e pouco saudáveis na utilização da internet, comportamentos de conflito com colegas, desobediência às indicações de professores, e com aproveitamento escolar negativamente comprometido. A que acresce o facto da CPCJ de Viana do Castelo ter realizado intervenção, por sinalização de alegada prática de prostituição de R. P., que seria proprietária de um bar de alterne, deixando os filhos sozinhos em casa ou os filhos frequentarem, até altas horas, o referido estabelecimento, e por a filha, na altura com 13 anos de idade, ter eventuais consumos de substâncias ilícitas.
21.ºEm 24.09.2019 a madrinha da criança, D. L., contactou a EMA T de … verbalizando disponibilidade para visitar a afilhada na Casa de Acolhimento.
22.ºPorém, apurou-se que esta mantém atividade por conta própria, com venda ambulante de cachorros quentes por feiras/festas populares pelo país, sem horários para acompanhar diariamente a menor, e sem disponibilidade para a acolher, nem para a visitar com regularidade.
23.ºNo seguimento do acompanhamento efetuado à situação da F. C. foi tentada a sua integração no agregado familiar dos seus tios paternos, C. M. e I. P., porém, tal acolhimento não resultou, face aos comportamentos adotados pela criança, manifestando, designadamente alterações a nível de sono, de alimentação, comportamentais e outras, o que levou a que esses tios optassem pelo regresso da menor à instituição onde antes estava acolhida" Casa ...", que voltou a reintegrar, em 11.09.2018.
24.ºPor sua vez, a tia avó materna, A. P., que inicialmente apresentou-se, apesar de relutante, como disponível para acolher a menor F. C., tendo-se procedido à avaliação das suas condições, constata-se que logo início do processo se havia aferido através do sistema de informação da SS que constavam como fazendo parte do seu agregado familiar 11 elementos: a própria, o pai de 80 anos de idade, uma filha de 27 anos, um filho R. C. a cumprir pena de prisão por homicídio, três sobrinhas e quatro crianças.
25.ºNa sequência de uma visita domiciliária efetuada à mesma apurou-se que a mesma se encontrava com sentimentos de revolta perante a progenitora por esta ter abandonado a sua residência e, por outro lado, apresentando resistência em acolher a sobrinha neta, alegando ausência de condições.
26.ºAcresce que a mesma conta já com 53 anos, exerce funções como cozinheira num restaurante, com atividade ao fim de semana, e tem a seu cargo dois menores adolescentes, a beneficiarem de processo de promoção e proteção, revelando a mesma, dificuldades na imposição de regras a estes e incongruências na gestão familiar e implementação de rotinas.
27.ºO pai deixou de visitar e de conviver com a F. C. em janeiro de 2019, tendo apenas efetuada uma outra visita em Janeiro de 2020, e reconhece não ter condições para ter a menor a seu cargo.
28.ºA F. C. apesar de reconhecer a figura dos pais, e subsistirem alguns laços afetivos, principalmente com a mãe, desapega-se muito facilmente dos mesmos, não demonstrando qualquer dificuldade no final das visitas em afastar-se destes, denotando apenas interesse pelas guloseimas que estes lhe trazem, tendo outrossim, educadores de como referência na equipa educativa da casa de acolhimento, não verbalizando, nem falando dos pais em contexto de creche.
29.ºNenhum dos progenitores pretende efetuar alterações no seu modo de vida, e apesar de alertados para a necessidade de mudanças conducentes à aquisição de competências parentais, nunca apresentaram motivação para as necessárias alterações comportamentais.

Concluindo,
30.ºDesde 24.06.2016 a F. C. está, pois, acolhida na «Casa ....» e decorrida a intervenção judicial, e consequente aplicação da medida de acolhimento residencial, verifica-se que nenhum dos progenitores realizou uma única ação com vista a melhorar a sua situação aos vários níveis, nunca apresentaram condições e nunca revelarem competências parentais adequadas para se poder perspetivar um projeto de vida para esta criança junto da família biológica, apesar de estarem cientes dos compromissos assumidos em Tribunal, nomeadamente nas conferências que se realizaram ao longo da intervenção judicial protetiva.
31.ºAvaliadas as várias hipóteses familiares (família materna e família paterna) verifica-se que se mantém e inexistência de possibilidades alternativas ao acolhimento residencial.
32.ºEncontrando-se esgotadas todas as possibilidades de possível aplicação de medida de promoção e proteção de apoio junto da família, terá que dar-se prioridade aos superiores interesses da criança, de forma a proporcionar à F. C. o direito do seu percurso desenvolvimental ocorrer numa família.

B) Factos não provados:

Com relevância para a decisão da causa.
- A progenitora reúne condições para ter consigo a menor F. C., tendo atualmente um emprego fixo e estável e procurando insistentemente casa para residir juntamente com esta, bem como encetado esforços para adquirir condições necessárias para a acolher e proporcionar afeto, segurança e demais cuidados de que necessita a sua filha.

Da impugnação da matéria de facto

Nos termos do artigo 662º, nº 1 do CPC a Relação pode alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diferente.
Entende a apelante que os pontos 7º, 8º, 9º, 13º, 14º, 24º, 25º, 26º, 29º, 31º e 32º dos factos provados deveriam ter sido considerados como não provados.
Fundamenta-se no seu próprio depoimento e no depoimento da testemunha A. P. sua tia e tia avó da menor F. C., a quem pretende que a mesma seja confiada, a fim de manter o vínculo à família materna e continuar a beneficiar da proximidade da mãe.
Procedemos à audição integral da prova produzida durante o debate.

Foram inquiridas e prestaram declarações/depoimento:

. a progenitora, D. C.;
. o progenitor M. R.;
. A. G., psicóloga, que teve reduzida intervenção no processo, pois o acompanhamento da menor e o seu acolhimento coincidiu com o seu início de funções na CPCJ onde coadjuvava a testemunha J. F., assistente social, mas que chegou a conduzir a colega J. F. para visitar a menor e compareceu em reuniões onde se discutia os problemas do seu agregado familiar;
. J. F., assistente social, técnica que integrava a CPCJ de Barcelos e que efectuou visitas à casa dos progenitores, tendo sido quem levou a menor ao hospital por ter febre e constatou as condições da habitação da menor, tendo efectuado diligências e acompanhado o processo;
. Z. G., psicóloga, técnica da EMAT (Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais), encarregada do processo da menor e que o acompanhou desde Junho de 2006. Na altura a testemunha integrava a equipa da CPCJ de Barcelos, como representante da Segurança Social e foi quem executou a medida de acolhimento residencial da menor, tendo a ido buscar ao hospital e conduzido à Casa de Acolhimento ..., tendo explicado todas as diligências que ao longo dos anos foram sendo efectuadas, na procura da melhor solução para a menor. Tem também, como encarregada do processo, conhecimento de todas as visitas efectuadas à menor, ao longo dos anos em que se encontra sujeita à medida de acolhimento residencial.
. A. I., psicóloga, directora técnica da Casa de Acolhimento ..., a qual tem conhecimento das visitas que a menor tem tido, das quais tem registo e que conhece a menor, tendo caracterizado-a como uma criança inteligente e perspicaz, com um desenvolvimento e comportamento normal e explicou qual a relação da menor com os progenitores.
. H. J., companheiro da madrinha da menor há cerca de dois anos que a acompanhou nalgumas visitas que esta fez à menor, relatando em que condições são feitas e como é que a menor as vivencia;
. D. L., madrinha de baptismo da menor que referiu ter solicitado o acolhimento da menor mas que presentemente não tinha já condições para a receber;
. A. P. tia avó materna da menor, que depôs sobre a sua profissão, rendimentos, os jovens que tem à sua guarda e o seu relacionamento com a progenitora e a menor.

São os seguintes os pontos impugnados:
Ponto 7 e 8
7.º Assim, ao longo destes três anos, exerceu atividade para quatro empresas, num total de 29 dias, sendo da sua iniciativa a cessação de contratos, e existe notícia de desempenho laboral, em Viana do Castelo, onde trabalhou 19 dias, no mês de abril, no Hotel ..., Lda., tendo a cessação de contrato sido comunicada à Segurança Social como despedimento com justa causa.
8.º Atualmente não lhe são conhecidas ocupações laborais, continuando sem apresentar um projeto de vida para a F. C., não sendo capaz de contextualizar as necessidades quotidianas, estruturadas, para uma criança da idade da filha.
A apelante fundamenta-se nas declarações que prestou. A progenitora prestou declarações no debate judicial, e disse encontrar-se a trabalhar num café pertença do seu irmão A. J., desde Dezembro de 2019, auferindo 635,00 euros mensais. No entanto, nenhum documento juntou para prova do que declarou, nem este seu irmão veio depôr. A progenitora referiu que tem feito outros trabalhos mas que não lhe fazem contrato (querendo referir-se a contrato escrito), nem a inscrevem na Segurança Social, como aconteceu no contrato de trabalho com a entidade que referiu quando prestou declarações em tribunal em momento anterior (em 5.11.2019 a progenitora prestou declarações na conferência de pais e referiu na altura estar a trabalhar há um mês e meio na fábrica de papel de nome “X”, sita em …, Esposende, auferindo o salário mínimo nacional). Como a “X” não a inscreveu na Segurança Social, resolveu terminar o contrato e pedir trabalho ao seu irmão. Também desta alegada passagem por esta empresa não há qualquer prova documental.
Por sua vez, encontra-se junto aos autos um relatório da Segurança Social (EMAT), com data de 26.09.2019 e junto aos autos na mesma data, onde é referido que a mãe da menor cessou o contrato de trabalho que tinha com o Hotel ..., Lda. tendo sido informado à Segurança Social que tinha cessado por despedimento com justa causa promovido pela entidade patronal e onde são referidos os demais factos dados como provados no ponto 7, tendo sido neste relatório que o tribunal certamente se baseou.

Posteriormente, foi junto aos autos a 11 de dezembro de 2019 um extracto de remunerações da progenitora, emitido pela Segurança Social, onde é mencionado o seguinte:

Em maio de 2016 trabalhou dois dias para Confeitaria Pastelaria …, Lda.;
Em novembro de 2016 trabalhou 14 dias para Têxtil …;
Em junho de 2017 trabalhou 2,5 dias para …, SA;
Em Agosto de 2017 trabalhou 13 dias para …;
Em Setembro de 2017 trabalhou 11,5 para … Limpezas, Lda.
Em junho de 2018 trabalhou 6 dias para …-Trabalho Temporário, Lda.
Em abril de 2019 trabalhou 19 dias para o Hotel ..., tendo sido despedida com invocação de justa causa.
Assim entre 2017 e 2019 a progenitora trabalhou 52 dias, face ao extracto de remunerações da Segurança Social, para 5 empregadores diferentes.
As declarações prestadas pela apelante, não coadjuvadas por quaisquer documentos, não impõe assim alteração do ponto 8, devendo prevalecer o que consta do extracto de remunerações da Segurança Social. No entanto, relativamente aos factos constantes do ponto 7, face às remunerações constantes do extracto da Segurança Social, verifica-se que a progenitora trabalhou mais tempo do que aquele que foi feito constar no ponto 7, verificando-se assim um erro de julgamento, devendo passar a constar como provado que entre 2017 e 2020 a progenitora trabalhou, pelo menos, 33 dias para 4 empregadores e ainda 19 dias, no mês de abril de 2019, no Hotel ..., Lda., tendo sido comunicado à Segurança Social que o contrato tinha cessado por despedimento com invocação de justa causa promovido pela entidade patronal.
Ponto 9, cuja redacção é a seguinte: 9.º A progenitora acordou com a Casa de Acolhimento visitas aos sábados e aos domingos, registando-se ausências sem comunicação e ou justificação, e comparece preferencialmente ao domingo, apesar de ser vista pela cidade de Barcelos durante a semana.
A apelante alega que apesar de ter justificado porque que nem sempre tinha disponibilidade para visitar a sua filha na instituição - razões de trabalho - o tribunal recorrido baseou a sua motivação unicamente no depoimento da testemunha Dra. Z. G., técnica coordenadora do processo que se mostrou de forma clara tendenciosa, demonstrando a formação de um juízo de valor sobre a pessoa da progenitora.
Embora fundamentando a impugnação nas suas próprias declarações e no depoimento da testemunha Dra. Z. G. que desvalorizou, a apelante não cumpre o disposto no artº 640º, nº 2 do CPC porque não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se fundamenta, relativamente ao seu depoimento, limitando-se a referir que justificou as razões porque nem sempre podia ir visitar a filha, o que acarreta a imediata rejeição do recurso com base nas suas declarações. A apelante juntou aos autos, após as alegações e conclusões, a transcrição integral de todos os depoimentos prestados no debate judicial, mas tal procedimento não satisfaz o disposto no artº 640º, nº 2 do CPC.
De qualquer modo sempre se dirá que a apelante não põe em causa que as visitas se fizessem quase sempre ao domingo, o que diz é que tinha justificação para tal, mas não o provou, desde logo, porque os dias que trabalhou são em número muito reduzido para impedir visitas aos sábados (ou a dias úteis), na generalidade das semanas, sendo que o motivo justificativo invocado foi precisamente o exercício de uma actividade profissional.
Ouvido o depoimento da testemunha Z. G., no qual o tribunal se fundamentou, e que a apelante não diz ser falso mas apenas tendencioso, não detetámos qualquer erro de julgamento nem o seu depoimento se nos afigurou ser “tendencioso”, sendo que essa característica não resulta do pequeno excerto em que a apelante se baseia e transcreve. Nesse segmento, a testemunha Z. G. apenas referiu, em resposta à pergunta formulada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, sobre se a progenitora chegou a ser vista durante a semana a passar à frente da instituição e no entanto não ia visitar a menor, visitando-a preferencialmente ao domingo, embora o plano de execução prevesse também a possibilidade de visitas durante a semana, que ela própria tinha visto a progenitora e falado com ela, durante a semana, embora não tivesse sido em frente à instituição, mas noutro local da cidade de Barcelos, cidade onde se situa a Casa de acolhimento ....

Pontos 24 a 26 cuja redacção é a seguinte:
24.ºPor sua vez, a tia avó materna, A. P., que inicialmente apresentou-se, apesar de relutante, como disponível para acolher a menor F. C., tendo-se procedido à avaliação das suas condições, constata-se que logo início do processo se havia aferido através do sistema de informação da SS constavam como fazendo parte do seu agregado familiar 11 elementos: a própria, o pai de 80 anos de idade, uma filha de 27 anos, um filho R. C. a cumprir pena de prisão por homicídio, três sobrinhas e quatro crianças.
25.ºNa sequência de uma visita domiciliária efetuada à mesma apurou-se que a mesma se encontrava com sentimentos de revolta perante a progenitora por esta ter abandonado a sua residência e, por outro lado, apresentando resistência em acolher a sobrinha neta, alegando ausência de condições.
26.ºAcresce que a mesma conta já com 53 anos, exerce funções como cozinheira num restaurante, com atividade ao fim de semana, e tem a seu cargo dois menores adolescentes, a beneficiarem de processo de promoção e proteção, revelando a mesma, dificuldades na imposição de regras a estes e incongruências na gestão familiar e implementação de rotinas.
Relativamente aos pontos 24º a 26º, a apelante baseia-se no depoimento da testemunha A. P., tia da progenitora, irmã do seu pai, já falecido na pendência do processo.
Esta testemunha referiu a profissão que exercia – cozinheira – declarando estar a trabalhar para a mesma entidade patronal há 12 anos e ter a seu cargo dois sobrinhos, um com 16 anos e outro com 11 anos, J. P. e L. F. que estão consigo, desde respectivamente, os 9 meses de idade e um ano de idade. Durante o seu depoimento a mesma declarou poder acolher a menor. No depoimento da tia da menor deteta-se no entanto a seguinte inverdade: refere que há 12 anos que trabalha para a mesma entidade patronal, no entanto, quando em 2016 prestou declarações à CPCJ afirmou estar desempregada e a receber Fundo de Desemprego e quando foi efectuado o relatório de 2 de maio de 2019, junto a 7 de maio, informou ter começado a trabalhar no restaurante onde agora se encontra, há cerca de dois meses, recebendo antes RSI.
Referiu ainda a A. P. que, quando foi contactada, no ano de 2016, para ficar com a menor estava ressentida com a atitude da progenitora porque, mesmo sendo vítima de violência doméstica quis continuar com o pai da menor e foi por esta razão que se mostrou relutante ao acolhimento da menor.
Fundamentou-se também a apelante no depoimento da testemunha Z. G., tendo transcrito também o segmento em que se baseia, no qual a testemunha refere que, de acordo com os registos da Segurança Social, o agregado familiar da tia A. P. era, em 2016, composto por 11 elementos e que pediu à CPCJ de Viana do Castelo para avaliar a situação.
Refere ainda a apelante que o acompanhamento pelo CPCJ do menor J. P. já cessou por não ser necessário, mas não foi feita prova nesse sentido.
Ora, os depoimentos prestados são no sentido do dado como provado, em conjugação com os relatórios juntos aos autos, com exceção da referência no ponto 26 à existência de medidas de acompanhamento aos menores J. P. e L. F., fazendo-se apenas referência ao menor J. P. no relatório junto a 7.05.2019. Assim: relativamente aos ponto 24 e 25, os factos dados como provados resultam dos depoimentos da A. P. e da Z. G. e do relatório junto a 5/07/2016 (elaborado em 20.06.2016); relativamente ao ponto 25: depoimentos da A. P. e Z. G. e relatório de 07.05.2019.
A apelante diz que o tribunal só se fundou num relatório, mas trata-se, decerto de um lapso, foram efectuados muitos relatórios ao longo destes quase 4 anos e sobre a A. P., além do relatório, contemporâneo da altura em que foi decretada a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, foi ainda junto outro relatório, em 7.05.2019.

E por fim, os pontos 13 e 14, 29 e 31 e 32:
13.ºNem o progenitor, nem a progenitora apresentam situação estável e capaz de ter a filha a seu cargo, verificando que, quer familiares maternos, quer paternos também não possuem adequadas condições ou vontade de acolher a menor, não apresentando, pois, aqueles qualquer suporte familiar ou vontade para se autonomizarem.
14.ºQuanto à família alargada também se concluiu pela inexistência de alternativas viáveis e credíveis que pudessem ser consideradas como projeto de vida securizante para os superiores interesses da menor:
29.ºNenhum dos progenitores pretende efetuar alterações no seu modo de vida, e apesar de alertados para a necessidade de mudanças conducentes à aquisição de competências parentais, nunca apresentaram motivação para as necessárias alterações comportamentais.
31.ºAvaliadas as várias hipóteses familiares (família materna e família paterna) verifica-se que se mantém e inexistência de possibilidades alternativas ao acolhimento residencial.
32.ºEncontrando-se esgotadas todas as possibilidades de possível aplicação de medida de promoção e proteção de apoio junto da família, terá que dar-se prioridade aos superiores interesses da criança, de forma a proporcionar à F. C. o direito do seu percurso desenvolvimental ocorrer numa família.

Pede também a apelante a alteração deste factos que impugna com base nos depoimentos da progenitora e da testemunha A. P., sua tia, dando-se como não provada a inexistência de alternativa familiar para o acolhimento da menor F. C..
Note-se que no presente recurso, embora a apelante tenha impugnado na totalidade os pontos 13 e 14 da matéria de facto e ponto 29 onde é referido que nem o progenitor nem a progenitora apresentam situação estável e capaz de ter a menor a seu cargo e que nenhum dos progenitores pretende alterar o seu modo de vida, apesar de alertados para a mudança, nenhuma prova apresenta a apelante que ponha em causa o que aqui foi dado como provado relativamente ao progenitor. Relativamente à progenitora, a única prova em que se fundamenta é a constituída pelas suas próprias declarações, nas quais refere encontrar se a trabalhar no café do irmão, matéria sobre a qual já nos pronunciámos, sendo certo que a própria progenitora reconheceu que ainda não tinha condições para ter a filha a seu cargo.
Como bem salienta o Ministério Público nas suas contra-alegações, a apelante não demonstra o mau uso do princípio da livre apreciação da prova, ou seja que esta foi valorada contra os elementares ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, ou que a convicção foi formada com claros vícios de raciocínio e mediante critérios arbitrários, ou caprichosos e meramente subjectivos.
O que a apelante pretende com o presente recurso é que à menor venha a ser aplicada a medida de apoio junto da sua tia A. P., em substituição da confiança para adoção.
Os presentes autos iniciaram-se no ano de 2016, estando a menor F. C., desde 24 de junho de 2016, em acolhimento residencial na Casa de Acolhimento ....
Desde essa altura, atento que a menor era ainda muito pequena, que tem vindo a ser tentado o retorno da menor à sua família natural. Procurou-se que os progenitores desenvolvessem competências parentais, através do acompanhamento pela mãe pela Equipa do Projeto …, da Cruz Vermelha de Barcelos e a inscrição do pai no programa “Projeto Sorrir” para combater os hábitos alcoólicos e o comportamento impulsivo/agressivo, projectos estes que os progenitores deixaram de frequentar. Além destes projectos, também estava equacionada a possibilidade dos pais obterem mais competências durante as visitas acompanhadas na Casa de Acolhimento, mas essa orientação seria dada preferencialmente durante a semana (por razões da presença das educadoras sobretudo aos dias úteis), altura em que os progenitores não compareciam. Na ata de declarações prestadas logo no início do processo, em 5/07/2016, a técnica responsável por este processo, Z. G., referiu achar que a menor poderia voltar à guarda da sua mãe, “pois tem-se mostrado muito interessada e agarrada à filha”, posição que veio a abandonar por não ter havido evolução na aprendizagem das competências parentais.
No relatório de 30.06.2016, junto a 1.07.2016 é mencionado que, aquando da integração da F. C. na Casa ...., apareceu uma tia-avó materna que referiu pretender acolher a criança, A. P., de 50 anos de idade, desempregada, constando no sistema da Segurança Social que o seu agregado é composto por 11 pessoas, pelo que, neste circunstancialismo se entendeu que a melhor opção era manter o acolhimento residencial.
No relatório de 7.12.2017, a EMAT já vem sugerir a confiança da menor com vista à adoção, mas o tribunal entendeu que haveria primeiro que procurar ainda outras alternativas no seio da família natural ou mesmo numa família idónea, insistindo para que a EMAT informasse previamente se existiam outras pessoas que pudessem acolher a menor (despacho de 18.12.2017).
Em 23 de maio de 2018 é junto novo relatório onde é referido que o progenitor e a progenitora não vivem juntos, vivendo aquele já com outra mulher, e informado que foram feitas diligências junto do progenitor do pai e da actual companheira do pai e junto da tia materna A. C. e do seu companheiro, os quais não manifestaram disponibilidade para receber a menor.
O pai da menor veio, então, na conferência que teve lugar em 13.06.2018, a indicar o seu irmão, C., e a sua companheira, como pessoas de família que poderiam receber a menor, mencionando ainda uma irmã. Foi ordenado que se averiguasse se os indicados reuniam condições para receber a menor.
A tia não se disponibilizou e foi tentada a integração gradual na família do irmão C., composta por pai, mãe e duas filhas. A menor começou primeiro a contactar com os tios apenas algumas horas, depois fins de semana e posteriormente um período de férias. Contudo esta integração não teve sucesso, tendo a menor sido entregue na instituição, antes de findar o período de férias, imputando os tios alterações comportamentais à menor. Estes tios não manifestaram ulteriormente qualquer interesse em retomar o acolhimento da menor, desinteresse bem patente por nunca ter sido possível contactá-los ou obter a sua comparência com vista a averiguar dos alegados problemas de comportamentos, através da intervenção de uma psicóloga.
Foram efectuadas diligências tendo sido apurado que a madrinha da menor, D. S., que também se disponibilizou para a acolher (relatório de 07.12.2018), se dedicava à venda de cachorros quentes em feiras pelo país, não tendo horários para acompanhar a menor (nem também residência fixa, nem renumeração constante e regular).
No relatório de 20.03.2019 é informado que a mãe da menor indica para acolherem a menor o seu irmão A. J. e a cunhada R. P.. Foram de novo efectuadas diligências, com vista a apurar das condições deste agregado, composto pelo irmão da progenitora, pela sua companheira e dois filhos desta. O irmão da progenitora não tinha filhos. A companheira do irmão da progenitora e a sua mãe acusam-se reciprocamente de se dedicarem à prostituição, o que aquela nega, e os seus filhos também estão referenciados por problemas educativos, especialmente o mais novo (designadamente, hiperactividade, défice de atenção, más práticas com a Internet, etc), sendo acompanhados pela CPCJ (relatório junto a 7.05.2019).
No relatório junto a 7.05.2019 (de 2/5) é informado que a A. P. se disponibilizou para receber a menor, tia que conforme se referiu já, foi contactada logo no início do processo com vista a acolher a criança. Foi a progenitora que a indicou como pessoa disponível para receber a F. C.. Mais é referido que esta tia toma conta de dois menores, filhos de uma irmã da progenitora da menor F. C., mantendo a CPCJ processo activo para o menor J. P., desde Fevereiro de 2017. O menor desde que está a ser acompanhado apresenta melhorias, mas tem absentismo escolar e comportamentos desajustados, estando a ser seguido em consulta de pedopsiquiatria e estando a tomar medicação. A tia A. P. mostra pouco envolvimento na vida escolar do jovem, revelando algumas dificuldades na imposição de regras ao J. P.. Mais informa que a A. P. sai de casa às 7 h e 45 mn e trabalha aos fins de semana, necessitando de retaguarda para os menores. Dado que os jovens que integram o agregado do irmão da progenitora e da A. P. têm processos de acompanhamento na CPCJ, apresenta reservas quanto ao eventual acolhimento da menor.
Mais é referido que encontraram várias incongruências no discurso da A. P., designadamente a propósito do tempo de residência da progenitora consigo e o local da residência da M. E..
Em 4.02.2020, na antevéspera do dia designado para o início do debate judicial, a A. P. veio requerer ao processo a confiança da menor.
Os autos espelham as diligências e tentativas de se encontrar uma solução dentro da família natural para a menor. Não sendo possível o seu regresso nem à mãe, nem ao pai, o que estes confirmaram nas declarações que prestaram, mantendo que não tinham condições para receber a menor, procurou-se ativamente uma solução junto de outros familiares.
Efetuaram-se assim diligências para encontrar outras alternativas que acabaram por não ter sucesso. E bem se andou ao não se tentar o acolhimento da menor junto da madrinha, como esta pretendia, pois que, actualmente, ao ser ouvida no debate judicial, esta declarou não ter condições para acolher a menor, pelo que teria sido mais uma tentativa malograda, correndo-se o risco da menor experimentar sentimentos de rejeição.
Não há qualquer ligação afetiva relevante entre a A. P. e a menor e entre esta e os dois primos que residem com a A. P.. Não há qualquer registo de visitas à menor durante o tempo em que se mantém em acolhimento (conforme declararam a directora técnica da Casa de Acolhimento e a testemunha Z. G.), mas admite-se que tenham ocorrido alguns contactos nos moldes descritos pela progenitora e a sua tia – a tia ficava à porta do estabelecimento, por não lhe ser autorizada a entrada, sem ordem do tribunal e a menina, acompanhada da sua mãe, convivia com ela alguns instantes, e neste circunstancialismo não foram efectuados quaisquer registos.
Este ténue contacto com a menor ao longo dos anos, pela sua exiguidade (a mãe e a tia referem-se a 5 contactos) não permite que se conclua pela criação de laços entre ambas.
Os pais, a madrinha, o tio paterno C., o tio materno A. J., cuja companheira é R. P., a tia materna A. C. e outros que foram inquiridos durante estes anos, todos foram equacionados para prestar acolhimento à menor, tendo manifestado não querer receber a criança ou não revelaram perfil adequado para receber uma criança da idade da F. C. (ponto 19 dos fatos provados).
Relativamente ainda à tia A. P., esta confirmou ter a seu cargo dois jovens de quem toma conta desde muito pequenos, o J. P., desde os 9 meses e que tem actualmente 16 anos e o L. F., desde um ano de idade, e que tem actualmente 11 anos e de quem tem cuidado ao longo dos anos, em substituição dos seus pais. Os menores J. P. são irmãos uterinos, sendo mãe, uma irmã da progenitora, M. E.. A A. P. tem 54 anos, trabalha como cozinheira e habita um T3, o qual se apresentava em boas condições de higiene quando foi visitado pela equipa técnica, em 2016.
Quando a menor se encontrava no hospital e se procurava alternativas para o seu acolhimento, a A. P. não manifestou grande interesse em receber a menor, alegando não ter condições, o que bem se compreende, dado o número elevado de pessoas que residiam em sua casa e o encontrar-se desempregada, referindo ainda estar revoltada com o comportamento da D. C. que a procurou para que ela a recebesse mais a menor e depois, optou por voltar para o pai da menor, continuando a viver num contexto de violência. No entanto, acabou por referir que “não viraria costas” à F. C., se fosse necessário, desde que a D. C. contribuísse para as despesas (relatório efectuado pela CPCJ de Viana de Castelo, a pedido da CPCJ de Barcelos, em 20.06.2016, junto a 5.07.2016), mas o que é certo é que os anos decorreram sem que a tia manifestasse junto da EMAT ou da Casa de Acolhimento, interesse em receber a F. C., e só três anos depois, no relatório de 02.05.2019, junto a 7 de maio, é que mencionado que a progenitora indicava a A. P. para acolher a sua filha, pelo que foram de novo feitas diligências.
Não se conhece qual é concretamente o seu rendimento, uma vez que há diferença pronunciada entre o valor que é declarado para a Segurança Social e o que a tia disse auferir quando prestou depoimento.
Não se pode deixar de ponderar que a A. P. já tem dois jovens ao seu cuidado, encontrando-se em plena adolescência e o outro na pré-adolescência, os quais vão continuar a necessitar de acompanhamento, sendo fases de exigência do ponto de vista educativo, carecendo de acompanhamento de proximidade, especialmente o J. P. atento as dificuldades que motivaram o seu acompanhamento pela CPCJ, sendo que a A. P. tem alguns condicionantes de tempo, pois que trabalha como cozinheira a tempo inteiro e tem ainda de fazer compras e tratar da lida da casa, como ela referiu nas suas declarações, trabalhando ainda, por vezes, aos fins de semana, cozinhando para festas de casamento.
O ingresso de uma criança que vai fazer no próximo mês 5 anos não irá deixar de ser um factor de destabilização no agregado da tia, uma vez que, com a sua idade não poderá ainda ficar sozinha, limitando-a na sua necessidade de por vezes trabalhar aos fins de semana como até então.
A possibilidade da integração da menor num ambiente com jovens muito mais velhos, com interesses muito diferentes e com os quais não há quaisquer relações desde que a menor se encontra internada, tem uma probabilidade em grau muito elevado de vir a falhar.
Face à postura da A. P. ao longo dos autos forçoso é concluir que a mesma não é norteada por um sólido interesse e afeição pela menor, propondo-se receber a F. C. quando se começou a se delinear como provável que a mesma viesse a ser confiada para adoção. Até essa altura nenhum requerimento foi feito aos autos, pedindo para receber a menor, nem contactou a Segurança Social ou a Casa de Acolhimento manifestando o mesmo propósito, como relatou a testemunha Z. G..
A menor tem quase 5 anos de idade. Irá atingir essa idade já no próximo mês. Já não há espaço para tentativas cujo grau de êxito se afigura altamente improvável, sob pena de se comprometer definitivamente o seu futuro.
Tudo ponderado não se nos afigura que as conclusões constantes dos pontos 13, 14 e 31 e 32 dos factos provados, no sentido da inexistência de outras opções familiares, enferme de lapso.
Mantém-se assim inalterada a matéria de facto, com exceção do ponto 7 que passa a ter a seguinte redacção: “Entre 2017 e 2020 a progenitora trabalhou, pelo menos, 33 dias para 4 empregadores e ainda 19 dias, no mês de abril de 2019, no Hotel ..., Lda., tendo sido comunicado à Segurança Social que o contrato cessou por despedimento com invocação de justa causa promovido pela entidade patronal” e do ponto 26, o qual passa a ter a seguinte redacção: “Acresce que a mesma conta já com 53 anos, exerce funções como cozinheira num restaurante, com atividade ao fim de semana, e tem a seu cargo dois menores adolescentes, um deles a beneficiar de processo de promoção e proteção, revelando a mesma, dificuldades na imposição de regras a estes e incongruências na gestão familiar e implementação de rotinas.”

Do Direito

O factor primordial a ter em conta na ponderação da decisão a tomar deve ser o da consideração do interesse superior da criança. Na verdade, no plano do direito internacional encontramos estabelecido na Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989 e aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12.9.1990, que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (art. 3º nº 1). Este, “deve ser entendido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (1), o qual, como refere Maria Clara Sottomayor (2) , trata-se de “um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais...”.E deve ser o factor primordial a ter em conta, constituindo os outros princípios constantes do art. 4º da Lei n.º 147/ 99 de 1 de Setembro, doravante designada por LPCJP, desenvolvimento e concretização desse interesse superior da criança, colocado num plano superior e de hierarquia em relação a quaisquer interesses da própria criança ou jovem, ou de quaisquer outras pessoas que, sendo portadoras de interesses legalmente protegidos, conflituam com o interesse superior da criança.
Não obstante, deverá existir sempre a preocupação de salvaguardar o valor da família natural, estabelecendo-se no nº 1 do art.º 9º da referida Convenção, que a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a não ser que a separação se mostre necessária no interesse superior da criança, o que pode acontecer se os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou manifestarem manifesto desinteresse. Assim, na intervenção a efectuar, importa, atentar no princípio da responsabilidade parental, isto é, a intervenção deverá ser orientada para que os pais assumam os seus deveres para com a criança, bem como pelo da prevalência da família, no sentido que deverá ser dada prevalência a medidas que integrem o menor na sua família, em detrimento das de colocação familiar ou institucional, no caso de se reconhecer que a inserção familiar se mostra a melhor maneira de se obter o desenvolvimento saudável e harmonioso de uma criança. A intervenção deverá afectar a vida do menor e da sua família na medida do estritamente necessário. Deverá dar-se prevalência às medidas que integrem a criança/jovem na sua família ou que promovam a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável – alínea h) do art.º 4.º da LPCJP. A família natural, ou adoptiva, continua a ser a maior garantia de socialização das crianças e dos jovens (3), permitindo um mais eficaz desenvolvimento integral da sua personalidade.
A Constituição, no plano nacional, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, consagra no art. 36º, nºs 1, 5 e 6 que todos têm o direito a constituir família, tendo os pais, o direito e o dever de educação e de manutenção dos filhos, não podendo os filhos ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
O art. 69.º, nºs 1 e 2 da Constituição estabelece que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. E na concretização de tal desígnio, de acordo com o preceituado no art. 3.º da LPCJP, a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem precisamente lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. O nº 2 do citado preceito legal indica, a título exemplificativo, situações que podem configurar como situações de perigo, não se mostrando que seja necessária uma efectiva lesão, bastando tão só um perigo eminente ou provável. E essa intervenção deverá pautar-se por princípios orientadores, enunciados no art. 4.º, dos quais ressalta o referido interesse superior da criança, no sentido que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesse e direitos da criança, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, tendo assim, em conta o direito da criança a um desenvolvimento normal e equilibrado, quer em termos físicos, como psíquicos, mas também considerando as suas condições específicas, os diferentes estádios de desenvolvimento e as normais vicissitudes decorrentes da interacção humana. Para além do princípio da intervenção precoce e mínima (artº 4º, c) e d) LPCJP), consagra-se também o princípio da proporcionalidade e atualidade (artº 4º, e), devendo assim a intervenção ser a necessária e adequada ao perigo em que a criança se encontre, no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário para essa finalidade.
As medidas de promoção e protecção encontram-se taxativamente discriminadas no art. 35.º da LPCJP, por ordem de preferência e prevalência e, por tudo quanto se vem de explicitar, “há que preferir as medidas a executar no meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para autonomia de vida e confiança a pessoa seleccionada para adopção - pela ordem) sobre as medidas executadas em regime de colocação (acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança a instituição com vista a futura adopção)” (4).

Todavia, para isso, é indispensável que a família reúna condições mínimas, designadamente em termos sociais, que salvaguardem a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento das crianças e jovens e, dessa forma, evitar situações de perigo. E isso, desde logo, porque o primeiro princípio orientador, que preside à intervenção para a promoção dos direitos e protecção, é, precisamente, como se disse, o do interesse superior da criança e do jovem – alínea a) do art. 4.º da LPCJP.
Da família, através dos pais, espera-se o cumprimento da sua função protectora em relação às respectivas crianças.

A menor nasceu em 8 de junho de 2015 e encontra-se sujeita a medidas de promoção e protecção de acolhimento residencial (artº 35º, alínea f), desde 24 de junho de 2016, data a partir da qual tem estado na Casa de Acolhimento ....
Na alínea g) do nº 1 do art. 35º da LPCJP encontra-se prevista a medida de promoção e protecção consistente na “confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista à futura adopção”.

Dispõe o artº 38-A que a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil.

E nos termos do nº1 do art. 1978º do CC “com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos efectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das situações seguintes:

.a) se o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos;

.b) se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) se os pais tiverem abandonado o menor;
.d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor; e,
.e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.”

Alega a apelante que para ser decretada a medida aplicada era pressuposto que se tivessem rompido os vínculos afetivos, o que não se verifica no caso.
Ora, o que a lei exija é a verificação objectiva de uma das situações descritas nas diversas alíneas do artigo 1978º, nº2, situações em que considera não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos efectivos próprios da filiação. Não é necessário que os pais deixem de nutrir sentimentos de afeição pelos filhos, o que no caso, pelo menos, relativamente à mãe, não se considera que tenham desaparecido, mas não basta visitar a criança, trazer-lhe guloseimas e dar-lhe alguns carinhos. É preciso muito mais e é esse mais que, apesar do tempo já decorrido, continua a faltar. Conforme se apurou, só após o acolhimento residencial, que ocorreu quando a menor tinha 12 meses, a F. C. teve os cuidados que uma criança da sua faixa etária necessita, e que lhe estão, desde então, a ser proporcionados pela Casa de Acolhimento, e entretanto, verificou-se que nenhum dos progenitores alterou ou melhorou a sua vida, aos vários níveis, para poder acolher e responsabilizar-se pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento da filha. Os próprios progenitores reconhecem não possuir ainda condições para ciar a menor, proporcionando lhe os cuidados necessários.
As responsabilidades que oneram os progenitores estão enunciadas, através duma cláusula aberta, no artigo 1878º, do CC. E, assim, incumbe a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e administração dos bens.

Na sentença recorrida entendeu-se que face aos factos provados, a conduta dos progenitores era subsumível às alíneas d) e e) do nº 1 do artº 1978º CC, consignando-se a propósito:

“Ora, estes pais, face aos factos dados como provados nos pontos acima referidos, não demonstraram ter um comportamento consonante com as responsabilidades parentais.
Não se coaduna também com os deveres parentais a falta de inflexão da progenitora no seu modo de vida de forma a priorizar as necessidades de uma criança face às suas opções.
Não denota a mãe quaisquer condições emocionais, económicas, familiares e habitacionais para acolher a menor.
De notar que a indefinição do projecto de vida da menor pode revelar-se muito prejudicial à F. C..
Os progenitores têm revelado e denotado uma total falta de competências para a assunção do seu cuidado, nem demonstram ter capacidade para o fazer no futuro, pelo que a sua conduta é grave e comprometedora dos vínculos próprios da filiação.”
Face aos factos apurados, mostra-se preenchida pelos dois progenitores as alíneas d) e e) do artº 1978º do CC, pois que tanto pelo comportamento que motivou a intervenção da CPCJ como pelo comportamento que mantiveram ao longo destes mais de três anos, perto de quatro, continuando a não reunir condições para receber a criança sem se manter o perigo para a sua saúde, formação, educação e desenvolvimento, a sua conduta não poderá deixar de ser considerada grave e comprometedora dos vínculos próprios da filiação, tendo o progenitor mais exuberantemente manifestado o desinteresse pela menor, ao deixá-la de a visitar durante uma ano.
Coloca-se ainda no presente recurso a questão relativa à medida que deve ser aplicada, não concordando a progenitora com a medida aplicada no acórdão recorrido, por entender que a menor deveria ser confiada à sua tia A. P., mantendo assim a proximidade com a sua filha.
Nenhum dos progenitores reclama para si a guarda da criança, reconhecendo não ter neste momento condições para esse efeito, não obstante os anos que já decorreram e não podiam deixar de estar conscientes que na falta de alternativas viáveis, a menor seria confiada para adoção. É certo que a mãe da menor era e é jovem, em 2019 consta como tendo 24 anos, mas mantém-se sem projecto definido. Vai “saltando” de emprego, e também de residência, ficando no sofá da casa de familiares e amigos, enquanto estes a receberem, geralmente no seio e agregados familiares também eles com problemas, como se verifica com o agregado da irmã com quem ultimamente reside, referenciado por problemas de violência doméstica.
O superior interesse do menor requer a tomada de uma decisão que lhe permita vir a usufruir de uma família, ainda que não a natural, que lhe possibilite uma boa estruturação da personalidade e dê seguimento ao desenvolvimento que já atingiu ao longo da sua institucionalização (5).
Protelar a decisão é hipotecar o futuro da menor, retirar-lhe a possibilidade de vir a ser adoptada e ter uma vida mais igual à generalidade das crianças. Como se repete amiúde, o tempo das crianças não é o tempo dos adultos.
Não se pode olvidar que a F. C. está institucionalizada desde um ano de idade e que quanto mais tempo se prolongar a sua situação, mais difícil será conseguir encontrar uma família disposta a adotá-la e a dar lhe todos os cuidados e carinho de que a mesma precisa para se desenvolver saudavelmente. A integração noutra família numa idade mais jovem terá mais possibilidade de ser bem sucedida. Ou seja, não há mais margem para tentativas, cujo sucesso é muito duvidoso, sob pena de, se a mesma se frustrar, se inviabilizar definitivamente a sua futura adoção. Como bem se refere no acórdão recorrido, determinar a colocação da F. C., com retorno ao seu meio natural de vida, integrando-a no seio da família materna ou paterna, seria sujeitá-la a um perigoso ensaio susceptível de comprometer o seu futuro, a sua segurança e a sua estabilidade psíquica e afectiva.
No circunstancialismo descrito, depois de esgotadas as soluções junto da família natural, afigura-se-nos adequada a medida escolhida.

Sumário:

. O superior interesse da criança a que se deve atender em primeiro lugar, não permite que esta possa ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam condições para o seu regresso à família natural.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando o acórdão recorrido.

Sem custas (artº 4º nº 2, alínea f) do RCP ).
Guimarães, 21 de maio de 2020

Helena Melo
Eduardo Azevedo
Maria João Matos


1. Almiro Rodrigues, Interesse do Menor, Ver. Infância e Juventude 1-1985.
2. Regulação do Exercício do Poder Paternal – 4ª edição, pág. 37.
3. Conforme defende Guilherme de Oliveira, Temas de Direito da Família, 2001, pág. 297.
4. Tomé d´Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, pág. 61.
5. Conforme se defende no Ac. do TRL de 12.01.2010, proferido no proc. nº 87/08, disponível em www.dgsi.pt.