Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1059/17.7T8VVD.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: DIREITO AO CRÉDITO E AO BOM NOME
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
INTERESSE GERAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada indivíduo.

II- A manifestação de pensamento não pode sofrer qualquer tipo de limitação a não ser em casos que caibam na previsão do art. 10º, nº 2 da CEDH, pois a aplicação de sanções no contexto do debate de ideias (políticas ou outras), pode dissuadir os jornalistas de divulgar/comentar assuntos com relevo para o interesse geral.

III- Segundo o TEDH a ingerência na liberdade de expressão não é de conceber sem motivos particularmente graves, quando está em causa a discussão de assuntos que a instância europeia denomina de “interesse para a comunidade em geral” ou de “interesses gerais”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

Caixa ..., CRL, e J. S. intentaram contra X – Multimédia, Unipessoal, Lda., J. C. e J. L. a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum na qual pedem a condenação dos Réus a pagar solidariamente a cada um dos Autores a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que:

A Autora é uma instituição de crédito sob a forma cooperativa, dedicando-se ao exercício e atividade do comércio bancário, nos termos da legislação vigente. Por seu turno, o Autor encontra-se ao serviço da Autora, desempenhando as funções de Presidente do Conselho de Administração.
A 1.º Ré é uma sociedade comercial que se decida à prestação de serviços no âmbito do design e da multimédia, assessoria de imagem e comunicação; prestação de serviços no âmbito da cartografia e dos levantamentos geodésicos e hidrográficos de solos e limites fronteiriços; prestação de serviços na área da publicidade nomeadamente preparação e difusão de publicidade em jornais, revistas, cartazes, painéis e outros suportes publicitários; gestão de suportes publicitários e comércio de brindes, com carácter habitual e intuito lucrativo e é dona e legitima proprietária do Jornal Local “Y”, o qual tem tiragem mensal e ampla distribuição pelo concelho de Vila Verde, constituindo um dos principais meios de comunicação do concelho, ao qual é atribuída credibilidade, constituindo um “opinion maker” no concelho de Vila Verde. O 2.º Réu o diretor do Jornal Local “Y”, propriedade da 1.ª Ré.
Nos dias 05 de março, 2 de abril, 7 de maio, 4 de junho, 2 de julho, 3 de dezembro de 2015, 8 de janeiro, 3 de março de 2016, 8 de setembro de 2017 foram publicados no referido Jornal Local “Y”, artigos assinados pelo pseudónimo W, com o título “CRÓNICAS ... – MAPA ... by Capitão ...”, artigos esses que os Autores consideram que colocaram em causa a credibilidade, o prestígio e a confiança depositados na Caixa, ora Autora, instituição bancária de renome, tendo ainda colocado em causa a seriedade, a honestidade, a honra, o bom nome, a reputação e credibilidade do denunciante, quer a título pessoal, quer a título profissional. Dizem que ao longo dos artigos são tecidos comentários falsos, que extravasam a liberdade de opinião e expressão no âmbito de um Estado de Direito Democrático, entrando no campo da calúnia, suspeição e difamação dos ora Autores;
Consideram que ao proferir e publicar tais afirmações, os Réus sabiam que estas não tinham nenhum fundamento válido e não correspondiam à verdade, por isso estavam cientes da falsidade das imputações e de que o seu comportamento não era permitido por Lei. Que a Autora sempre pautou a sua conduta pela seriedade, transparência, defesa do interesse dos clientes e associados e pelo cumprimento das disposições legais vigentes no setor bancário nas suas decisões e na sua atuação. Da mesma forma o Autor sempre cumpriu com todos os deveres e obrigações atinentes ao seu cargo, no interesse da instituição, sempre com o respeito pelas normas regulamentares vigentes na matéria, cumprindo ainda com todos os objetivos a que estava adstrito enquanto Presidente do Conselho de Administração, e nunca usou da sua posição profissional para obter favorecimentos pessoais ou subverteu o sistema em ordem a obter fundos públicos ou outros benefícios.
Referem ainda que a Autora, enquanto instituição bancária do grupo Crédito ..., é sujeita a vária auditorias internas e externas independentes, que escrutinam a sua gestão, e emitem relatórios onde são constantes os resultados positivos da Caixa, ora Autora, a qual sempre apresentou um bom desempenho, nunca lhe tendo sido apontada qualquer ilegalidade, pelo que, pretenderam os Réus com os referidos artigos e propagação pública ofender a denunciante, Instituição de Crédito, na sua credibilidade, prestígio, bom nome e confiança pelo qual é conhecida pelos clientes, associados, setor bancário e pelo público em geral, diminuído a confiança que depositavam na mesma, o que lograram conseguir. Os Réus pretenderam ainda, com os referidos artigo e propagação pública, ofender o Autor, na sua honra, bom nome, reputação e consideração social de que goza, assim como na sua credibilidade e confiança pela qual é conhecido pelos clientes e associados da Caixa e pelo público em geral, o que lograram conseguir, sendo que, a publicação dos artigos supra referidos no jornal Local “Y” afetou grave e irremediavelmente a credibilidade, o prestígio e a confiança da Autora e a honra, consideração social e bom nome do Autor;
Cabia ao 2.º Réu, enquanto diretor do Jornal Y, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação, no entanto, o mesmo não se opôs, através da ação adequada, à publicação dos referidos artigos, bem sabendo que os mesmos tinham conteúdo difamatório e que com tal omissão se encontrava a violar a lei, não tendo indagado indagou sequer sobre a falsidade de tais imputações;
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O Réu J. L. contestou, impugnando os factos alegados na Petição Inicial, e invocando a sua ilegitimidade processual para a presente ação, alegando que não é autor do escrito denominado “Crónicas ... ...”, sendo que desconhece sem obrigação de saber de quem se trata. De qualquer forma, da análise dos escritos resulta dos mesmos que se trata de uma literatura novelesca, resultante de mera invenção – tal como o titulo parece indiciar – sem a intenção de atingir a honra e consideração de quem quer que seja.

O Réu J. C. contestou, impugnando os factos alegados na Petição Inicial, alegando que:

- O Réu é, de facto, o diretor do jornal Y, jornal este respeitado, sério, isento e que pauta a sua dinâmica jornalística respeitando a comunidade;
- O Autor identifica-se com os artigos jornalísticos que enumera, porém, nenhum desses artigos refere o nome do Autor;
- A liberdade de expressão ainda é um corolário da humanidade e da democracia, com assento na Convenção universal dos direitos do homem;
- A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa;
- Assim é exigido pelo pluralismo, pela tolerância e espírito de abertura sem os quais não existe sociedade democrática;
- Esta liberdade está sujeita a exceções que devem, contudo, ser interpretadas restritivamente e a necessidade de qualquer restrição deve ser demonstrada convincentemente;

As afirmações vertidas nos artigos enumerados pelo Autor não se desproporcionados em relação ao fim visado com a liberdade de expressão e de crítica;
E se o Autor se sentisse assim tão incomodado, logo que os artigos começaram a ser publicados, teria apresentado queixa-crime contra à sua honra e consideração, o que manifestamente não fez;
A atuação do Réu como diretor do jornal, ao permitir a publicação dos artigos tiveram como fim a liberdade de expressão e critica, não se vislumbrando do teor dos artigos qualquer intromissão no segmento da vida privada e pessoal do Autor, nem, tão pouco, atingiu a sua dimensão de homem honrado, de forma desproporcionada;
- Trata-se de pura sátira e humor tendo por fim a liberdade de expressão, perante a sujeição pública a que um homem como o Autor está sujeito pelo cargo que ocupa;
- No binómio liberdade de expressão - direito à honra, os excertos publicados situaram-se no âmbito estrito do exercício da liberdade de expressão – com recurso à sátira e ao humor – que reconhecidamente, tem um papel essencial na vida pública num Estado de Direito e numa sociedade democrática e pluralista.
Pede a improcedência da ação.
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Por despacho de fls. 58 e 59 foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pelo Réu J. L..
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e em consequência absolveu os Rés do pedido.
Quanto ao Réu J. L., a absolvição teve como fundamento a falta de prova de que as crónicas referidas nos autos foram da sua autoria e quanto aos restantes réus, considerou-se afastada a ilicitude do seu comportamento.
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Inconformados vieram os Autores recorrer formulando as seguintes Conclusões:

I – Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido julgar “improcedente a ação e, em consequência, absolvo os Réus, X – Multimédia, Unipessoal, Lda., J. C. e J. L., dos pedidos formulados pelos Autores, Caixa ..., CRL, e J. S.”:
II – Com o devido respeito, que é muito, os Recorrentes não se podem conformar com a sentença proferida. Pelo que, salvo melhor opinião, consideramos que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na interpretação e subsunção dos factos ao direito.
III – Na verdade, resulta da motivação de direito da sentença que os artigos publicados no jornal “Y”, transcritos nos pontos 6 a 27 dos factos provados da sentença são efetivamente ofensivos da honra e bom nom e atingiram a honra, o crédito e o bom nome dos Autores, ora Recorrentes.
IV - Por outro lado, também consta dos factos dados como provados na sentença, sob os números 38 a 46 dos factos provados que, após a publicação dos artigos referidos em 6 a 27 dos factos provados, os Autores foram objeto de comentários nos concelhos de Vila Verde e Terras de Bouro, tendo surgido dúvidas, junto do público em geral, sobre a transparência, credibilidade, a confiança, a reputação e o bom nome da Caixa, Autora, e do Autor, tendo ainda que prestar esclarecimentos perante o Conselho de Administração Executivo da Caixa Central.
V - E levou a que o Autor se sentisse humilhado, enxovalhado, triste e envergonhado, ainda hoje se sentindo profundamente tristeza e desgosto pelo conteúdo de tais artigos”, que lhe causaram muito mal-estar e desassossego, o que levou a ter de prestar vários esclarecimentos juntos de várias pessoas.
VI - A tutela da honra radica na dignidade da pessoa humana, fundamento da ordem jurídica (art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa), a qual consagra expressamente a integridade moral e física e o bom nome e reputação como direitos pessoais fundamentais (artigos 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
VII – A liberdade de imprensa tem limites, os quais são, nos termos do artigo 3.º do diploma, “os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática”.
VIII – Assim, efetivamente, a liberdade de expressão, como direito fundamental dos jornalistas e da imprensa, tem como limite a esfera da honra do visado, na medida em que não pode ser atingido o bom nome do visado, nesse sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 0616761, de 21-03-2007, em: www.dgsi.pt.
IX - J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (em Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1978, p. 110) que do nº 3 do art. 37º conclui-se que “há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. A liberdade de expressão e de informação não pode efectivamente prevalecer sobre os direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, à sua integridade moral, à reserva da sua vida privada. Esses limites encontram-se concretizados na lei penal. A injúria, a difamação ... não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou de informação”.
X - A mesma interpretação é perfilhada pelo Tribunal Constitucional, que, no seu Acórdão nº 81/84 (D.R., II Série, de 31-01-1985), considerou que “a liberdade de expressão ― como, de resto, os demais direitos fundamentais ― não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes”
XI - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 113/97 (DR. II Série, nº 88, de 15-04-1997) refere a este respeito que “a punição criminal da imputação a outrem de factos ou a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração, atuando o agente com dolo eventual e a coberto do exercício da liberdade de informação de imprensa e de participação na vida política, não é algo ofensivo das normas e princípios constitucionais, designadamente do números 2 e 3 do artigo 18º da Lei Fundamental”.
XII - Conforme refere Artur Rodrigues da Costa, na Revista do Ministério Público, ano 10º, nº 37, p. 7 e segs., sobre “A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes da sua função”, “em princípio, a liberdade de criação é ilimitada. Assim pode não ser, todavia, se se absolutiza ou exagera a imitação/alusão a factos ou pessoas reais (...), ou quando, a pretexto da criação, se acobertam ataques pessoais, ou se distorcem factos verídicos com a intenção de produzir uma atmosfera artificial e induzir o leitor em erro. Neste caso, já estaríamos rigorosamente fora do âmbito do exercício do direito de criação”.
XIII - No caso dos artigos em causa, publicados no jornal “Y”, cujo conteúdo consta dos números 6 a 27 dos factos provados, embora nalguns deles se teçam considerações subjetivas de carácter opinativo sobre os Recorrentes, são todas elas (des)considerações de sentido negativo, desvalorativo que assentam na imputação, sob a forma de suspeita, de factos concretos relatados de forma distorcida ou inverdadeira, de modo a fazer passar a ideia de que o Recorrente cometeria irregularidades e abusos, instrumentando as suas funções para se manter no poder e obter benefícios para si próprio e para os seus familiares, sendo incompetente e inábil para o cargo que ocupava, tudo com um reflexo na solidez, estabilidade e confiança da Recorrente.
XIV - Como acentua Artur Rodrigues Da Costa (in na Revista do Ministério Público, ano 10º, nº 37, p. 7 e segs.), o criador do texto não podia, a pretexto da liberdade de expressão e de opinião, acobertar-se em ataques pessoais infundados ou distorcer factos verídicos com a intenção de denegrir o bom nome e a reputação de outrem.
XV - Além disso, os artigos em causa não se destinavam a debater ou a analisar qualquer questão ou tema relevante do funcionamento da Caixa, ora Recorrente, mas, pelo contrário, os artigos constantes dos números 6 a 27 dos factos provados lançam insinuações e suspeitas sobre condutas e decisões do Autor, enquanto Presente do Conselho de Administração da Caixa, e sobre o funcionamento da Autora, com um significado marcadamente ilícito e indigno, visando denegrir a competência do Recorrente e minar a reputação e consideração social de que goza, juntamente com a Recorrente, junto da população local.
XVI - Por isso, mesmo que se considerem que os artigos publicados no jornal “Y” constantes dos números 6 a 27 dos factos provados se tratam de manifestação de opiniões, inerentes ao discurso satírico, na qual seria tolerável uma linguagem mais mordaz, tais textos teriam de expressar-se, num Estado de direito democrático, com respeito pela dignidade dos outros, designadamente ao nível da honra, do bom nome, da imagem e da consideração social, o que não aconteceu nos artigos aqui em causa.
XVII – Não é juridicamente aceitável que, em nome das liberdades de imprensa, de expressão, de opinião e de informação se ofenda, injustificada e imerecidamente, a honra e a consideração de outra pessoa, mesmo que relativamente a assuntos do interesse público.
XVIII - Deste modo, no nosso entendimento, não se poderia ter concluído que nos presentes autos, como estava em causa a manifestação de opiniões sobre assuntos de interesse geral da coletividade, deve a mesma ser permitida, considerando-se afastada a ilicitude do comportamento dos Réus X – Multimédia, Unipessoal, Lda. e J. C. e, consequentemente julgando-se improcedente a ação.
IXX - Com o devido respeito, o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 484.º e 70.º do Código Civil, artigo 1.º, 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
XX - As referidas normas legais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de que o comportamento ilícito dos Réus violou a integridade moral e o bom nome e reputação dos Recorrentes, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual quanto aos Réus X – Multimédia, Unipessoal, Lda. e J. C., os quais, efetivamente, tiveram uma conduta ilícita, fazendo assim a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 484.º e 70.º do Código Civil, artigo 1.º, 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
XXI - Por tudo acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, e, em consequência, determine a condenação dos Réus X – Multimédia, Unipessoal, Lda. e J. C. a pagar solidariamente a cada um dos Autores a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, e, em consequência, determine a condenação dos Réus X – Multimédia, Unipessoal, Lda. e J. C. a pagar solidariamente a cada um dos Autores a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento

ASSIM FARÃO V.EX.AS INTEIRA JUSTIÇA.

Foram apresentadas contra-alegações onde os recorridos se pronunciaram no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:

- Analisar se a conduta dos 2º e 3º RR., relativa à publicação das crónicas referidas nos autos, preenche os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, fazendo-os incorrer na obrigação de indemnizar os AA.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância foi a seguinte:

1- A Autora é uma instituição de crédito sob a forma cooperativa, dedicando-se ao exercício e atividade do comércio bancário, nos termos da legislação vigente.
2- Por seu turno, o Autor encontra-se ao serviço da Autora, desempenhando as funções de Presidente do Conselho de Administração.
3- A 1ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços no âmbito do design e da multimédia, assessoria de imagem e comunicação; prestação de serviços no âmbito da cartografia e dos levantamentos geodésicos e hidrográficos de solos e limites fronteiriços; prestação de serviços na área da publicidade nomeadamente preparação e difusão de publicidade em jornais, revistas, cartazes, painéis e outros suportes publicitários; gestão de suportes publicitários e comércio de brindes, com carácter habitual e intuito lucrativo.
4- Sendo a 1ª Ré, à data dos factos, dona e legítima proprietária do Jornal Local “Y”, o qual tem tiragem mensal e ampla distribuição pelo concelho de Vila Verde, constituindo um dos principais meios de comunicação do concelho, ao qual é atribuída credibilidade.
5- Sendo o 2.º Réu o diretor do Jornal Local “Y”.
6- No dia 05 de Março de 2015 foi publicado no referido Jornal Local “Y”, na página 37, um artigo assinado pelo pseudónimo W, com o título “CRÓNICAS ... – MAPA ... by Capitão ...”.
7- No referido artigo pode ler-se: “Veja-se o caso flagrante do E. S., cangalheiro da Caixa ... segundo o princípio do Peter «Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência»”.
8- “Senhores Depositantes, Senhores Associados, acordem! Há exemplos no país que bastem, Bancos Fortes e Grandes, que assassinaram financeiramente muitas famílias e empresas. Aquilo que temos vindo a assistir na Gestão da Caixa ... de Vila Verde, nos últimos tempos, pode ser um sinal precioso de uma gestão paupérrima, sem ter em conta o potencial dos negócios dos seus associados, clientes e Ys”.
9- Continuando:
As Caixas ..., pode definição, são cooperativas na sua formulação jurídica com atividade de crédito mútuo em associação com a Caixa Central.
O Decreto-Lei n.º 24/91 de 11 de Janeiro, refere que a especificidade das referidas cooperativas, tendo em conta a sua estrutura financeira e grau de organização, e a sua multiplicidade e dimensão heterogénea, o modo de cobertura e a especialidade do seu objeto, aconselha a adopção de um modelo organizativo forte e de confiança; mas uma coisa é o que a lei prevê e obriga e outra é aquela a que assistimos «do quero, posso e mando», com acordos ruinosos e duvidosos, o E. S., cangalheiro da Caixa ..., está atafulhado com trapalhadas, desde depósitos que desapareceram à suspensão de gerentes sem acusação (…) Vila Verde e os Ys só tinham a ganhar com uma Caixa ... forte e credível, uma verdadeira entidade dinamizadora das economias locais que com uma autonomia e integração na respetiva região, devia conhecer em profundidade as realidades locais do respetivo tecido empresarial e económico e os desafios que se colocam para o progresso económico e social de Vila Verde (…)
Há quem afirme que possui dados suficientes capazes de comprovar que o E. S. faz exatamente o contrário para se perpetuar no poder a custo das economias e dos negócios dos seus associados e clientes. Por isso, devemos todos estar atentos às contas e créditos malparados na Caixa ... de Vila Verde”.
10- No dia 2 de Abril de 2015, foi publicado um novo artigo no Jornal Local “Y”, na página 37, assinado pelo pseudónimo W.
11- Nesse artigo consta que:
Mas em Vila Verde ainda há casos que deveriam requerer a atenção do Inspetor M. L., que tem a ver com as assembleias secretas da Caixa ... de Vila Verde…
É no mínimo lamentável, para não dizer deplorável, que, de acordo com os estatutos da Caixa ..., CRL., no seu art.ª 24, ponto 1, seja referido que os associados têm que ser convocados para a Assembleia com pelo menos 15 dias de antecedência; que no ponto 2 se refira que a convocatória tem ser publicada num diário do distrito da sede da Caixa ..., ou noutra publicação do distrito ou de distrito mais próximo, de periodicidade máxima quinzenal; que no ponto 3 e 4 do referido artigo, seja cumprida a fiscalização da Convocatória em lugar visível na sede da Caixa ...
E o que realmente se verifica é que a maioria dos associados não conhece a convocatória (para a assembleia que presumidamente terá sido realizada no passado dia 30 de março), é desconhecida a sua publicação em meio de comunicação habitual e a afixação encontra-se desde o dia 27 de março por detrás da porta da entrada da Caixa ... de Vila Verde e ainda à data de hoje se mantém! Será porque ainda não fez os 15 dias e tem de continuar mesmo após a data de hoje se mantém! Será porque ainda não fez os 15 dias e tem de continuar mesmo após a data da realização do ato que lhe deu origem – a dita cuja Assembleia?
Perante tais factos e em nome da transparência que os discursos apregoam, só posso fazer o desafio ao senhor Presidente da Assembleia Geral da Caixa ..., Dr.ª A. E., que declare publicamente qual o meio de comunicação utlizado para publicação Da Convocatória (nome do jornal e data) e ainda permita a publicação da ata da referida Assembleia geral realizada a 30 de março.
Caso contrário, estamos perante o não cumprimento da lei, e o mais grave ainda perante uma falta de respeito para com os associados evitando que participem na vida da Cooperativa da Caixa ....
O que será que pretendem esconder? (…)
Mais uma vez, insisto na falta de responsabilidades públicas, sociais e económicas perante os estatutos e os associados e desrespeito pelo descanso de várias famílias que têm a na Caixa ... todas as suas economias e poupanças de uma vida de trabalho!
Será que os associados já se habituaram a que o E. S., Cangalheiro da Caixa ... é o banqueiro privado de Vila Verde? Esperemos para ver!...”.
12- No dia 7 de Maio de 2015, foi publicado mais um artigo no Jornal Local “Y”, na página 37, assinado pelo pseudónimo W.
13- No qual consta:
E por falar em boa gestão, princípios éticos e de moral, sou obrigado a falar da Caixa ... de vila Verde, questionando novamente o Sr. Presidente da Assembleia da Caixa ..., Dr.º A. E., digníssimo jurista (sabe, porque já o comentou, que as coisas não estão bem no cumprimento dos estatutos da Caixa ...), no controle do poder do “eu quero, posso e mando” do E. S., cangalheiro da Caixa ..., pois da última vez solicitei, em nome da transparência de todos os associados e Ys, a publicação do anúncio da convocatória da Assembleia Geral de aprovação de contas de exercício de 2014, tal como preconizam os Estatutos da Caixa ... e até há data nada foi tornado público, pelo que a dúvida subsiste na existência de uma Assembleia Fantasma????
(…)
Além do mais, sabemos que o senhor E. S., cangalheiro da Caixa ..., empregou a sua filha arquiteta no balcão de Terras de Bouro da Caixa …, depois de ter estagiado nos serviços da Câmara Municipal. Afinal a arquiteta tem artes de banqueira como o pai e já agora como a mãe que também é funcionária da Caixa ... de Vila verde. É caso para dizer “mãe, filha e E. S.” todos a viver à custa dos depositantes!
Será que os sócios sabem e aprovam? Será que não há associados com familiares desempregados e formados na área? Senhores associados e senhores depositantes, afinal a moral e o bom serviço é só para os outros”.
14- No dia 4 de Junho de 2015, foi publicado outro artigo no Jornal Local “Y” a página 37, assinado pelo pseudónimo W.
15- Constando do mesmo:
Da política à arte é um passo… E o E. S., cangalheiro da Caixa ..., viveu mais um momento alto da sua «gestão financeira», já que a arte mexicana arrebatou o coração dos Ys (diga-se das Ys) com o patrocínio da Caixa ... de Vila Verde e Terras de Bouro, tendo o intercâmbio México/Vila Verde sido coroado de êxito. Será que daqui a nove meses, teremos idêntico intercâmbio do outro lado do Atlântico?
Esperemos para ver!
Tendo em conta as notícias da nossa praça, a Caixa ... ficou mais um cliente por 3 anos, de acordo com acordo judicial que financia a EPATV com os créditos da Câmara. Inteligente … o que é que a EPATV ganhou? Talvez paz e estabilidade nos créditos!”.
16- No dia 2 de Julho de 2015 foi publicado um novo artigo no Jornal Local “Y”, na página 37, assinado pelo pseudónimo W.
17- No âmbito do qual se lê:
Vila Verde no seu melhor! Festas de Sto. António, ao nível orçamental e da economia local, é uma realidade a que não podemos fugir. A autarquia não mobiliza meios nem recursos da sociedade Y, o que contrapõe com obras por todo o lado à custa do endividamento.
E vamos ver quem vai pagar? Se mais um empréstimo da Caixa ...… ou a ausência de pagamento aos empreiteiros e credores do município… ou ficar a breve trecho como a Grécia, e o E. S. cangalheiro da Caixa ... a fazer de M. D. do BCE a injetar dinheiro dos depositantes nas empresas municipais e projetos da autarquia com os juros num corrupio que mais parece a montanha russa, sem sabermos se se trata de negócios ou de favores políticos.
Por isso, acho que o presidente A. V. foi um ingrato ao não reconhecer os dotes e capacidades da Menina E. S., arquiteta de formação e bancária de profissão, por ingratidão”.
18- No dia 3 de Dezembro de 2015 foi publicado novo artigo no Jornal Local “Y”, na página 41, assinado pelo pseudónimo W.
19- Onde se lê:
Pelos lados da Caixa ..., será que vai iniciar um ciclo de mudanças? As eleições devem acontecer em Março ou Abril de 2016… Será que vai acontecer alguma mexida? Será que o mofo e o cheirinho a naftalina deixarão de fazer parte do quotidiano da Caixa ... de Vila Verde e Terras de Bouro?
(…)
Caros associados, deixaram de cuidar do que é vosso? A cidadania faz-se pela participação social com intervenção nas associações e esta que é altamente lucrativa (diz-se…), ninguém questiona para onde vão os lucros, que benefícios têm os associados.
Muitos de vocês abandonaram a Caixa ... de Vila Verde, porque sem qualquer razão vos cortam o crédito só porque discordam de algum ato de gestão; os depositantes não temem não saber a aplicação dos seus depósitos …
É tempo de mudança e a Caixa ... de Vila Verde continua sem vida associativa, porque não há convocatórias e as que existem estão atrás da porta…
É tempo do senhor Presidente da Assembleia Geral da Caixa ... demonstrar o seu profissionalismo e sobretudo ter respeito por todos os associados, tornando público as decisões das Assembleias Gerais, pugnar pela divulgação do relatório de contas e plano de atividades, de modo a desfazer o sentimento de muitos Y que que a Caixa ... é uma sociedade secreta, dirigida por 3 velhotes… e para isso já nos chega o vinho do Porto”.
20- No dia 8 de Janeiro de 2016 foram publicados dois artigos no Jornal Local “Y” assinados pelo pseudónimo W, a páginas 15 e 41;
21- No primeiro dos artigos, constante da página 15 do jornal, que tem como título “Caixa ... ... (des)mandados do Coveiro”, consta que:
E. S., cangalheiro da Caixa ..., continua no seu reinado do «quero, posso e mando», na gestão pública da Caixa ... (…)
Em primeiro lugar, importa defender os princípios éticos e morais e o objeto da instituição Caixa ...: é uma cooperativa de responsabilidade limitada, CRL, inserida no setor da economia social, integrando-se no ramo do crédito do setor cooperativo, a que se refere a alínea d) do número um, do artigo 4.º do Código Cooperativo, e como parte desse setor, coopera ativamente com as cooperativas dos demais ramos e seus organismos de grau superior, para o seu fortalecimento, desenvolvimento e autonomia (…).
A Caixa ... de Vila Verde e Terras de Bouro, na prossecução da sua atividade, orienta-se pelas finalidades de progresso e desenvolvimento da agricultura e aumento do bem-estar físico, social e económico dos seus associados, à luz dos princípios mutualistas do cooperativismo (…)
Nada disso tem sido cumprido por esta administração, e é lamentável que mais de 1.500 sócios e associados a esta cooperativa, ignorem esta situação, porque os órgãos sociais da Caixa ... de Vila Verde e Terras de Bouro, escondem e tudo fazem para que nenhum sócio vá às assembleias gerais para conhecer a realidade, refletir, decidir sobre as propostas.
E. S., cangalheiro da Caixa ..., há vários anos que a fechou aos sócios e a esconde como se de um quiosque deles e tratasse (já no passado, os sócios e depositantes foram alertados para o perigo das suas aplicações nesta Caixa ... com uma gestão que não respeita os estatutos e seus associados, uma gestão não democrática, ao arrepio dos mais elementares direitos dos sócios com a agravante de assembleias que não se convocam nem se realizam mas das quais existem atas… (…)
Isto é o que deveria ser feito com todos os sócios e depositantes, mas só o é com os amigos do beija-mão. Não estamos mais nesse tempo.
É tempo de mudar e recuperar a Caixa ... de Vila Verde e Terras de Bouro para os associados e expulsar os detratores e os ditadores que servem de um bem, que é de todos os sócios”.
22- Já no segundo artigo, constante da página 41 do jornal, pode ler-se “2016 promete muitas novidades!... (…) J. S. da Caixa vai ser (re)eleito democraticamente (Se forem cumpridos os estatutos e o regulamento eleitoral. Vai ser uma luta renhida!)”
23- No dia 3 de Março de 2016 foi publicado novo artigo de opinião no Jornal Local “Y” assinado pelo pseudónimo W, a páginas 41, do qual consta:
J. S., o «Coveiro da Caixa», anda preso ao poder, de carro topo de gama e combustível para as férias (até faz arregalar os olhos às chefias da Caixa Central), aumentos das senhas de presenças dos administradores e órgãos – e muitos «gatos escondidos» -, continua a conduzir a Caixa ... ... de Vila Verde e Terras de Bouro a seu «bel-prazer». E fecha qualquer investida… irrita-se … maltrata… põe e dispõe! Até quando se vai perpetuar no poder? E até quando os sócios vão tolerar tantos desmandos?”.
25- No dia 8 de Setembro de 2017 foi publicado novo artigo de opinião no Jornal Local “Y” assinado pelo pseudónimo W, a páginas 33, do qual consta:
O caso mais atual e gritante, é que há quem diga e até corre um folheto em Vila Verde, sobre sérias dúvidas na transparência do negócio de empréstimos entre a Câmara e a Caixa ... de Vila Verde. Pelos vistos, o J. S. (VER) cangalheiro da Caixa ..., está mesmo a fazer justiça ao nome. As propostas que apresentou à Câmara dos 4,7 milhões e dois milhões foram propostas únicas, pois a concorrência (leia-se outros bancos, não ousaram sequer concorrer), propunham condições nada comerciais para a própria entidade bancária (spreads a menos de metade do mercado!), o que leva a questionar se a Caixa … estará a ser bem gerida?
Há quem diga que a contrapartida será um futuro emprego na Câmara para a descendente do cangalheiro?
Estejam atentos a estes «concursos privados» e no caso disso, contestem a falta de transparência, defendam a ética e a verdade e conte sempre comigo!”.
26- Sendo que, no fundo da referida página, encontra-se um quadro, com o título: “ATUALIDADE”, no qual refere:
“- O J. S. da Caixa, o “coveiro” ou “banqueiro mor de Vila Verde”, continua a somar… Depois da vitória «anti-democrática» na eleição para o Crédito ..., agora virou-se para os restauros na sua quinta de luxo. Em Esqueiros, a poucos metros da estrada, nasceu uma lagoa (uma mega lagoa). Será que a APA aprovou?
Mais abaixo, vislumbra-se o palacete, que esta a ser alvo de restauro. Tudo indica graças a apoios do Estado, no âmbito dos projectos de turismo rural, vulgo turismo de habitação, com a «bênção da ATAHCA». E, para completar o ramalhete do usufruto dos dinheiros públicos, nasce uma mega-plantação de mirtilos. E o povo é que paga? Assim…”.
27- Terminando todos os artigos com “qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência!”.
28- Sendo que, o “E. S., cangalheiro da Caixa ...”, “E. S., cangalheiro da Caixa ...”, “J. S. da Caixa”, “J. S., o «Coveiro da Caixa»”, “o J. S. da Caixa, o «coveiro» ou «banqueiro mor de Vila Verde»”, como é do conhecimento da generalidade das pessoas dos concelhos de Vila Verde e de Terras de Bouro, corresponde à pessoa de J. S., Presidente do Concelho de Administração da Caixa ..., C.R.L, ora Autor.
29- A Autora é considerada como uma instituição que sempre pautou a sua conduta pela seriedade, transparência, defesa do interesse dos clientes e associados e pelo cumprimento das disposições legais vigentes no setor bancário nas suas decisões e na sua atuação.
30- A generalidade das pessoas de Vila Verde e Terras de Bouro considera que o Autor sempre cumpriu com todos os deveres e obrigações atinentes ao seu cargo, no interesse da instituição, sempre com o respeito pelas normas regulamentares vigentes na matéria, cumprindo ainda com todos os objetivos a que estava adstrito enquanto Presidente do Conselho de Administração, e nunca usou da sua posição profissional para obter favorecimentos pessoais ou subverteu o sistema em ordem a obter fundos públicos ou outros benefícios.
31- A Autora, enquanto instituição bancária do grupo Crédito ..., é sujeita a vária auditorias internas e externas independentes, que escrutinam a sua gestão, e emitem relatórios onde são constantes os resultados positivos da Caixa, ora Autora, a qual sempre apresentou um bom desempenho, nunca lhe tendo sido apontada qualquer ilegalidade.
32- A publicação dos artigos referidos em 6 a 27, no jornal “Y”, abalou o prestígio e a reputação social de que os Autores gozavam junto dos clientes, associados, setor bancário e pelo público em geral nos concelhos de Vila Verde e Terras de Bouro.
33- Tendo diminuído a confiança dos clientes, associados, setor bancário e pelo público em geral, na instituição bancária Caixa ..., C.R.L, ora Autora.
34- Cabia ao 2.º Réu, enquanto diretor do Jornal Y, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação.
35- O 2.º Réu não se opôs à publicação dos artigos referidos em 6 a 27.
36- A Ré “X” e o Réu J. C. tinham conhecimento do referido em 31 e 32 e de que a publicação dos artigos referidos em 6 a 27 poderia ter os resultados referidos em 29, 30, 34 e 35.
37- A Autora integra o Grupo Crédito ..., um grupo financeiro de âmbito nacional, com base cooperativa, integrado por um variado número de bancos locais, denominados Caixas ..., e por empresas especializadas.
38- A Autora goza de grande credibilidade, prestígio e bom nome nos concelhos de Vila Verde e Terras de Bouro, sendo considerada uma instituição sólida, robusta e confiável para os clientes, associados, setor bancário e pelo público em geral.
39- O Autor desempenha funções de Presidente do Conselho de Administração da Caixa, há vários anos.
40- O Autor é considerado por todos como um homem honesto, educado e com um exemplar comportamento moral e cívico e insuscetível de qualquer censura, gozando de grande respeito, confiança e consideração social entre clientes e associados da Caixa e pelo público em geral.
41- Após a publicação dos artigos referidos em 6 a 27, no jornal “Y”, os Autores foram objeto de comentários nos concelhos de Vila Verde e Terras de Bouro.
42- Tendo surgido dúvidas, junto do público em geral, sobre a transparência, credibilidade, a confiança, a reputação e o bom nome da Caixa, Autora, e do Autor.
43- Tendo a Autora que prestar esclarecimentos perante o Conselho de Administração Executivo da Caixa Central.
44- O Autor sentiu-se humilhado, enxovalhado, triste e envergonhado pelo conteúdo dos artigos publicados no jornal “Y”, referido em 6 a 27.
45- O Autor ainda hoje sofre uma enorme angústia, profunda tristeza e desgosto pelo conteúdo de tais artigos.
46- A publicação dos artigos referidos em 6 a 27 causou muito mal-estar e desassossego ao Autor, o que levou a ter de prestar vários esclarecimentos juntos de várias pessoas, incluído o Conselho de Administração Executivo da Caixa Central.
Na decisão recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:
Artigo 4.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 4 dos Factos Provados.
Artigo 5.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 5 dos Factos Provados.
Artigo 38.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 28 dos Factos Provados.
Artigos 39.º e 40.º da Petição Inicial.
Artigo 43.º da Petição Inicial, na parte em que se diz “Na verdade, ao longo dos artigos são tecidos comentários falsos” (sendo o restante conclusivo).
Artigos 44.º e 45.º da Petição Inicial.
Artigo 46.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 29 dos Factos Provados.
Artigo 47.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados.
Artigos 49.º e 50.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 36 dos Factos Provados.
Artigo 51.º da Petição Inicial, na parte em que se refere “com conteúdo totalmente falso” (sendo o demais conclusivo).
Artigo 79.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 34 dos Factos Provados.
Artigo 83.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 35 e 36 dos Factos Provados.
Artigos 85.º a 88.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 36 dos Factos Provados.
Artigo 89.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 31 dos Factos Provados.
Artigos 90.º e 91.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 36 dos Factos Provados.
Artigo 97.º da Petição Inicial, na parte em que se diz “os quais continham factos falsos” (sendo o restante conclusivo).
Artigo 99.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 37 dos Factos Provados.
Artigos 100.º a 108.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 38 dos Factos Provados.
Artigo 109.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 39 dos Factos Provados.
Artigos 110.º e 111.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados.
Artigo 113.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 41 dos Factos Provados.
Artigo 114.º a 116.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 42 dos Factos Provados.
Artigo 117.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 43 dos Factos Provados.
Artigo 118.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 44 dos Factos Provados.
Artigo 119.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 45 dos Factos Provados.
Artigo 120.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 46 dos Factos Provados.
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O Direito:

Os AA. baseiam o seu pedido na violação por parte dos RR. dos seus direitos de personalidade.
Na Constituição da República Portuguesa são protegidos tais direitos. Designadamente e com interesse para o caso em apreço, no art. 25º refere-se que a integridade moral das pessoas é inviolável e no art. 26º reconhece-se o direito à integridade moral ao bom nome e reputação. O nº 2 do art. 16º da Lei Fundamental, que tem como epígrafe “Âmbito e sentido dos direitos fundamentais”, diz que “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, no seu art. 12º preceitua que “Ninguém sofrerá (…) ataques à sua honra e à sua reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei”.
Na lei ordinária, tais direitos encontram proteção, designadamente, e com interesse para o caso em apreço, no capítulo VI do C. Penal (crimes contra a honra) e no art. 70.º do Cód. Civil (determinado a proteção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física e moral). O art. 484º do C. Civil, preceitua que, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ao bom nome de qualquer pessoa, responde pelos danos causados.
Rabindranah Capelo de Sousa (in A Constituição e os Direitos de Personalidade – Estudos sobre a Constituição II, pág. 93) refere que “a honra abrange desde logo a projeção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância… Em sentido amplo inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses de apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.”
A proteção ao bom nome abrange o das pessoas coletivas, relativamente à sua imagem, credibilidade, prestígio social (v. art. 12º, nº 2 da C.P.P. e art. 160º do C. Civil).

No caso, a alegada violação dos direitos de personalidade dos AA., ocorreu através da comunicação social, concretamente através da imprensa.

O direito à liberdade de expressão, de informação e de imprensa encontra-se tutelado internacionalmente, designadamente, nos arts. 37º e 38º da CRP, 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 10º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direito do Homem e art 19º, nº 2 do pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Na Lei ordinária, tal liberdade encontra-se consignada na Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de janeiro); Estatuto do Jornalista (Lei nº 1/99, de 13 de janeiro). A Proteção da Liberdade de Expressão e Informação resulta ainda da Constituição da República Portuguesa (art. 37º, nº 1 e nº 2).

Como resulta do que expõe J. F. Moreira das Neves in (A tutela da honra frente à liberdade de expressão numa sociedade democrática, Datavenia (www.datavenia.pt) Ano 4, nº 5, pág. 77), a liberdade de expressão, de informação e de imprensa, constitui um dos pilares fundamentais que estruturam qualquer sociedade democrática, uma condição primordial do seu progresso, bem assim como da autonomia e realização individual, sendo conatural ao funcionamento da democracia, não se concebendo esta sem aquela e constitui um dos mais relevantes meios de controlo do exercício dos poderes (político, económico ou social), nomeadamente de abuso pelos seus titulares.

Hoje em dia e cada vez mais, os meios de comunicação social difundem notícias e ideias que põem em causa a reputação, a probidade, etc., de políticos e outras figuras públicas, surgindo cada vez mais conflitos entre a liberdade de expressão e o direito à honra/consideração/crédito/prestígio, importando identificar critérios que resolvam tais conflitos.

Os Direitos mencionados encontram-se num plano de igualdade na Constituição da República Portuguesa, o mesmo acontecendo na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Todavia, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, prevalece a liberdade de expressão/imprensa, estando o direito à honra mencionado apenas a propósito das restrições à liberdade de expressão (v. art. 10º nº 2).

A jurisprudência dos tribunais portugueses, em face destes dois direitos em conflito, tendia a dar preferência à honra, dando origem a inúmeras condenações penais e civis de jornalistas. Algumas destas decisões foram apreciadas no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, algumas das quais deram origem a condenações do Estado Português naquele Tribunal, por violação do art. 10º, nº 1 da C.E.D.H., defendendo o primado da liberdade de expressão como princípio estruturante de uma sociedade democrática e considerando que não estavam reunidos os pressupostos necessários para que ocorresse ingerência no exercício da liberdade de expressão, sendo exemplo das mesmas o Caso Lopes da Silva c. Portugal, de 28/9/2000; o Caso Almeida Azevedo c. Portugal, de 23/1/07; o Caso Urbino Rodrigues c. Portugal, de 29/11/05; o caso Mestre c. Portugal, de 26/4/07; o Caso Público c. Portugal de 07/12/10; o caso Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, de 23/7/13, o aso Medipress – Sociedade Jornalistica Lda c. Portugal, de 30/08/16, todos em www.echr.coe.int).

A este propósito pode ler-se no Acórdão proferido no caso Almeida Azevedo e acima referido que, “O Tribunal relembra que de acordo com a jurisprudência constante do TEDH, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de casa indivíduo. Sem prejuízo do nº 2 do art. 10º, ela vale não apenas para “informações” ou “ideias” acolhidas como tal ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam. Assim o exigem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, fatores sem os quais não existe “sociedade democrática””.

No Acórdão do TEDH, proferido no Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, aquele Tribunal, citando outro Acórdão do mesmo Tribunal, relativo ao Caso Prager et Oberschlick c. Áustria diz que, “Convém lembrar que a liberdade do jornalista compreende também o recurso possível a uma certa dose de exagero ou mesmo de provocação”.

Dos Acórdãos dos TEDH ressalta ainda que os limites da crítica são mais amplos em relação a políticos e outras figuras públicas do que a simples particulares porque os primeiros expõem-se “inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus atos e gestos”.

Sobre este aspeto, explica Henriques Gaspar (in Liberdade de expressão: o art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias, p. 698) que “o TEDH enunciou o seguinte princípio fundador: os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular. Diferentemente destes, aquelas expõem-se, inevitável e conscientemente, a um controlo apertado dos seus comportamentos e opiniões, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, devendo, por isso, demonstrar muito maior tolerância. Esta perspectiva garante uma extensa margem de actuação na expressão crítica e nas intervenções publicadas.”

Ainda segundo a jurisprudência do TEDH é importante fazer a distinção entre factos e juízos de valor, considerando que os juízos de valor não se prestam demostração da respetiva veracidade, tendo proteção mais ampla do que a difusão de factos. Tal como refere Teixeira da Mota (in Liberdade de Expressão – A jurisprudência do TEDH e os Tribunais Portugueses, Julgar, nº 32, 2017), “os nossos tribunais, durante muito tempo não faziam a distinção entre afirmação de factos e a afirmação de opiniões ou juízos de valor. Foi o TEDH que veio explicitar que as opiniões não são verdadeiras nem falsas. Podem ter mais ou menos sustento factual, mas não passam de opiniões, de juízos de valor que variam de pessoa para pessoa, pelo que não faz sentido condenar uma pessoa por ter uma opinião falsa; já os factos serão verdadeiros ou falsos”.

Uma ideia fundamental que recorrentemente consta dos mencionados Acórdãos é que a ingerência só será legítima se corresponder a uma necessidade social imperiosa e ainda que se impõe que o Tribunal nacional “examine se a ingerência (…) era proporcionada à finalidade legítima prosseguida” (v. Caso Lopes Gomes da Silva c Portugal). Na maioria dos casos levados perante o TEDH, este Tribunal concluiu que as condenações muitas vezes não representam “um meio proporcional ao prosseguimento do fim visado” tomando em consideração o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa (v. Caso Colaço Mestre e SIC c. Portugal).

No Caso Colaço Mestre e SIC c. Portugal, sustentou-se ainda que “as instâncias judiciais nacionais não encontraram um justo equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos jornalistas à liberdade de expressão e a necessidade de proteger os direitos e a reputação do visado e que a motivação avançada pelos tribunais portugueses para justificar a condenação, embora pertinente, não é suficiente, nem corresponde a qualquer necessidade social imperiosa”.

Segundo o TEDH a ingerência na liberdade de expressão não é de conceber sem motivos particularmente graves, quando está em causa a discussão assuntos que a instância europeia denomina de “interesse para a comunidade em geral” ou de “interesses gerais” (v. a título de exemplo o Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal – 28/09/2000 ou o Caso Campos Dâmaso c. Portugal – 24/4/2008), não se limitando tal classificação aos temas de carater político (Colaço Mestre c. Portugal – 26/4/2007 - em que estava em causa a corrupção no futebol ou o Caso Women On Waves e Outros c. Portugal - 03/02/2009) em que o assunto em discussão era a interrupção voluntária da gravidez). O TEDH considera que, quando estão em causa assuntos de interesse geral, existe o direito do público a receber a informação.

No que respeita ao uso da sátira como forma de expressão, salientou o TEDH no Acórdão proferido no Caso Wehsh e Silva e Cunha c. Portugal (17/09/2013) que a sátira é uma forma de expressão artística tão válida, em termos de liberdade de expressão, como qualquer outra. E que, detendo no seu âmago a intenção de provocar e agitar, qualquer ingerência neste registo e no contexto de assunto de interesse geral deveria ser avaliada com especial atenção.

Na senda do entendimento perfilhado nos referidos acórdãos do TEDH, verifica-se atualmente uma inflexão da jurisprudência portuguesa que, numa nova perspetiva, tem resolvido o conflito entre os valores em causa, vindo a aceitar de forma mais ampla a liberdade de expressão, desde que a crítica não seja gratuita ou desproporcionada (v. a título de exemplo Ac. do STJ de 30/06/11, Ac. STJ de 21/10/14, Ac. STJ de 13/07/17; Ac. R.L. de 23/5/13 e Ac. desta Relação de 5/03/18, todos in www.dgsi.pt ).

No Acórdão do STJ de 13/07/17 e já acima mencionado e com cujo teor concordamos refere-se que Este indispensável apelo à jurisprudência do TEDH é imposto, desde logo, no plano normativo, pelo valor reforçado que as normas da Convenção assumem no nosso sistema jurídico, caracterizado pela prevalência das normas internacionais, vinculativas do Estado Português, sobre as normas legais, sejam anteriores ou posteriores (CRP Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, 2017, pag. 133).

Existem, por outro lado, prementes razões de ordem prática a impor esse diálogo entre os Supremos Tribunais e o TEDH a propósito da interpretação dos princípios da Convenção: desde logo, o dissídio entre tais órgãos jurisdicionais acabará por se traduzir em condenações do Estado Português pelo incumprimento das normas convencionais, implicando em última análise que sejam suportadas pelo erário público –afinal, pelo contribuinte –as indemnizações arbitradas aos lesados pelos abusos de liberdade de imprensa que não suportem o ulterior confronto com o entendimento jurisprudencial prevalecente no TEDH; depois, porque, a partir da reforma do processo civil de 2007, passou a constituir fundamento de revisão a incompatibilidade do acórdão proferido na jurisdição interna com decisão definitiva de uma instância jurisdicional internacional, vinculativa do Estado Português – implicando este regime processual que, a posteriori, tenha de se proceder a uma análise e eventual reponderação dos fundamentos da decisão do órgão nacional, transitada em julgado, à luz da jurisprudência afirmada, no caso, pelo TEDH : ora, em vez de se proceder a uma tentativa de articulação ou compatibilização das orientações jurisprudenciais, interna e internacional, realizada apenas ex post, envolvendo eventual preterição do caso julgado e do princípio da confiança que lhe subjaz, é claramente preferível tentar realizar essa operação de eventual compatibilização ou concordância prática ex ante, evitando assim, na medida do possível, a sedimentação de conflitos insanáveis acerca da interpretação dos princípios e normas da Convenção.
É certo que não existe, no âmbito da Convenção, um mecanismo processual análogo ao do reenvio prejudicial, susceptível de permitir ao Tribunal nacional, chamado nomeadamente a resolver um conflito entre os direitos individuais de personalidade, alegadamente lesados, e o exercício da liberdade de imprensa, obter previamente do TEDH a resposta a dúvidas interpretativas razoavelmente suscitadas acerca do âmbito das normas convencionais: consideramos que a metodologia adequada a substituir esse inexistente mecanismo de reenvio consistirá em formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e actualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável à dos autos.”

Na verdade, estabelecendo o art. 696º, al. f) do C. P. Civil e a al. g) do nº 1 do art. 449º do C. P. Penal, como fundamento de revisão da sentença transitada em julgado, o facto de a mesma ser inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português e dispondo o art. 46º da CEDH que “As Altas Partes Contratantes se obrigam a respeitar as sentenças definitivas do TEDH nos litígios de que forem partes”, os Tribunais Portugueses podem ter de alterar as decisões por si proferidas em face de decisões do TEDH, como aliás já aconteceu em alguns casos, justificando-se, pois, que os Tribunais Portugueses respeitem a priori a referida jurisprudência europeia de forma a evitar condenações do Estado Português e subsequentes revogação ou anulação da decisão anteriormente proferida, consoante se esteja perante uma decisão cível ou criminal. (v. arts. 701º, nº 1 – b) do C. P. Civil e 461º, nº 1 do C. P. Penal).

A manifestação de pensamento não pode sofrer qualquer tipo de limitação a não ser em casos que caibam na previsão do art. 10º, nº 2 da CEDH, pois a aplicação de sanções no contexto do debate de ideias (políticas ou outras), pode dissuadir os jornalistas de divulgar/comentar assuntos com relevo para o interesse geral.

No caso concreto, embora os artigos publicados no jornal identificado nos autos atinjam o bom nome e o crédito dos Autores, contendo linguagem que se pode considerar chocante e ofensiva, podendo considerar-se que estão eivados de uma certa dose de exagero, são todavia, de manifesto interesse público pois versam sobre uma instituição bancária bem conhecida e sobre o seu Presidente do Conselho de Administração, ora A – que por via das suas funções nessa Instituição, deve ser considerado como figura pública -, tendo em conta os problemas que a Banca enfrentou e ainda enfrenta e a repercussão desses problemas na sociedade em geral.

Por outro lado, como se salienta na decisão recorrida “os textos em questão contêm referências ou indicações capazes de, objectivamente, de acordo com a perspectiva de um leitor médio, permitirem a sua identificação como um exercício da sátira.
Desde logo, surgem graficamente enquadrados por uma imagem que o sugere: a fotografia de um homem com a cabeça coberta por um lenço de pirata, com uma expressão trocista no rosto, a empunhar duas pistolas na direcção do leitor – trata-se, como é legítimo presumir que o leitor médio perceba, por ser do conhecimento geral, da imagem do famoso actor Johnie Depp, no papel do pirata ..., que desempenhou nos filmes da saga “Piratas das Caraíbas”. Por outro lado, os textos em causa são identificados com o título genérico “... / CRÓNICAS ...”.
Não se afigura que o leitor médio, posto perante tais indicações, interprete os textos que se seguem como autênticas notícias, contendo relatos verídicos de factos. Ou, sequer, que os encare como artigos de opinião inteiramente sérios: estes são habitualmente contidos em editoriais ou assinados por personalidades da vida pública ou determinada área do saber, identificados pelo nome e funções que exercem e, normalmente, por uma fotografia do rosto. Ora, nenhum Y reconhecerá ... como um seu concidadão, como uma personalidade do concelho, da região ou do País – reconhecerá, isso sim, a personagem de ficção.
Por outro lado, olhando aos textos na sua íntegra, constata-se que os mesmos empregam vários recursos estilísticos próprios do registo satírico, como sejam.
- A metáfora: “vamos desenterrar a parte do tesouro”; “pondo-se a cavalo dele”; “cabecinha de abóbora”; “pondo-se em bicos de pés até os tacões partirem”; “há muito lixo para limpares e bem vais precisar dos bombeiros para desinfectar a esquadra do PS”; “anda tudo a dormir”; “o circo continua”; “vai passar a insecto, tipo mosquito”; “já fervem as apostas”, “ficou a rir-se do «tiro no pé»”; “pôr-se em bicos de pés para ver a rede eléctrica passar”; “ter espetado a faca”; “gritos desesperados de virgens fiéis”; “A travessia no «deserto» está à porta”; “esfrangalhada manta de retalhos”; “«flic-flacs» à rectaguarda”; “o mofo e o cheirinho a naftalina”; “caminha sem exército”; “lá anda a lançar as suas «fogachadas»”; “saiu a taluda de Natal”;
- A atribuição de alcunhas aos visados, com uso de diminutivos e trocadilhos: “E. S.s”; “Inspector M. L.”; “…”; “…”; “…”; “Mr. …”; “…”; “…”; “…”; “Anónimo …”; “J. S. da Caixa”;
- O uso de hipérboles ou da ironia: “porque é o iluminado”; “é de «bradar aos Céus»”; “o iluminado e todo transparente”; “palmas para eles”; “Da política à arte é um passo…”; “a arte mexicana arrebatou o coração dos Ys”; “não falha a nenhuma procissão e acto público de relevo”; “Electrizante está o CDS-PP de Vila Verde”; “foi um ingrato”; “até coramos de vergonha de termos só um deputado que trabalha”; “Muitas actividades, muito frenesim, muita agitação e muito glamour”.
É patente o tom caricatural genericamente empregue ao longo dos textos em apreço, nos quais se abordam os mais variados assuntos e personalidades da vida pública do concelho.
Inserem-se, também, neste registo as seguintes referências, onde se recorre, mais uma vez, à metáfora, a jogos de palavras, à ironia e à hipérbole, enquanto roupagens próprias da sátira: “banqueiro privado de Vila Verde”; “Veja-se o caso flagrante do E. S., cangalheiro da Caixa ... segundo o principio do Peter «Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência»”; “as assembleias secretas da Caixa ... de Vila Verde…”; “a Caixa ... é uma sociedade secreta, dirigida por 3 velhotes… e para isso já nos chega o vinho do Porto”; “O J. S. da Caixa, o “coveiro” ou “banqueiro mor de Vila Verde”, continua a somar…”; “Afinal a arquiteta tem artes de banqueira como o pai e já agora como a mãe (…) É caso para dizer “mãe, filha e E. S.” todos a viver à custa dos depositantes!”; “E vamos ver quem vai pagar? Se mais um empréstimo da Caixa ...… ou a ausência de pagamento aos empreiteiros e credores do município… ou ficar a breve trecho como a Grécia, e o E. S., cangalheiro da Caixa ... a fazer de M. D. do BCE a injetar dinheiro dos depositantes nas empresas municipais e projetos da autarquia com os juros num corrupio que mais parece a montanha russa”; “Por isso, acho que o presidente A. V. foi um ingrato” “até coramos de vergonha de termos só udeputado que trabalha”; “Muitas actividades, muito frenesim, muita agitação e muito glamour”.
É patente o tom caricatural genericamente empregue ao longo dos textos em apreço, nos quais se abordam os mais variados assuntos e personalidades da vida pública do concelho.
Inserem-se, também, neste registo as seguintes referências, onde se recorre, mais uma vez, à metáfora, a jogos de palavras, à ironia e à hipérbole, enquanto roupagens próprias da sátira: “banqueiro privado de Vila Verde”; “Veja-se o caso flagrante do E. S., cangalheiro da Caixa ... segundo o principio do Peter «Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência»”; “as assembleias secretas da Caixa ... de Vila Verde…”; “a Caixa ... é uma sociedade secreta, dirigida por 3 velhotes… e para isso já nos chega o vinho do Porto”; “O J. S. da Caixa, o “coveiro” ou “banqueiro mor de Vila Verde”, continua a somar…”; “Afinal a arquiteta tem artes de banqueira como o pai e já agora como a mãe (…) É caso para dizer “mãe, filha e E. S.” todos a viver à custa dos depositantes!”; “E vamos ver quem vai pagar? Se mais um empréstimo da Caixa ...… ou a ausência de pagamento aos empreiteiros e credores do município… ou ficar a breve trecho como a Grécia, e o E. S., cangalheiro da Caixa ... a fazer de M. D. do BCE a injetar dinheiro dos depositantes nas empresas municipais e projetos da autarquia com os juros num corrupio que mais parece a montanha russa”; “Por isso, acho que o presidente A. V. foi um ingrato ao não reconhecer os dotes e capacidades da Menina E. S., arquiteta de formação e bancária de profissão, por ingratidão”; “J. S., o «Coveiro da Caixa», anda preso ao poder, de carro topo de gama e combustível para as férias (até faz arregalar os olhos ás chefias da Caixa Central), aumentos das senhas de presenças dos administradores e órgãos – e muitos «gatos escondidos»”; “Estejam atentos a estes «concursos privados»”

Por vezes esse tom satírico não é tão evidente – vejam-se, a este título, as referências aos estatutos da Autora, ao Direito Cooperativo, os alertas aos associados ou à população em geral. Todavia, tal insere-se sempre num discurso opinativo, de crítica sobre assuntos de interesse geral, onde o relato de factos concretos é secundarizado – são feitas alusões a acontecimentos que, todavia, são pouco concretizadas em termos factuais, predominando a formulação de juízos de valor.

Mesmo a frase com que se encerram todos os artigos – “qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência!” – traduz um jogo de palavras, que cria a habitual ambiguidade da sátira – que, como lhe é próprio, diz coisas sérias a brincar; a sátira não é apenas ficção, como não o eram as comédias de Aristófanes ou as “cantigas de escárnio e mal dizer”, que se referiam a pessoas e situações reais, no primeiro caso, inclusivamente, com uso de linguagem que pode ser considerada grosseira.”

Estão pois, os mencionados artigos, cobertos pela liberdade de expressão, não podendo considerar-se o comportamento dos Réus como ilícito, tal como se concluiu na decisão recorrida.

Acresce que os Autores poderiam ter usado do direito de resposta para defender a sua honra e crédito, no entanto, não o fizeram.

Confirma-se, assim, a decisão de 1ª instância.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes.
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Guimarães, 30 de janeiro de 2020

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira