Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3625/20.4T8VCT.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DEVER DE ALIMENTOS
FIXAÇÃO
PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Quem pretende a alteração da prestação alimentar deve demonstrar que as circunstâncias atuais são distintas das existentes à data em que foi fixada a pensão.
II- A obrigação legal de prestar alimentos tem por finalidade proporcionar a quem deles necessita a possibilidade de viver com autonomia e dignidade, sendo de considerar no caso de alimentos devidos a menor que os mesmos não visam apenas satisfazer as suas necessidades básicas, indispensáveis à sua sobrevivência, não estando em causa apenas o estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável ao seu desenvolvimento integral.
III- Na fixação dos alimentos devidos à criança pelo progenitor, deve encontrar-se o equilíbrio da prestação, não devendo o cumprimento da obrigação de alimentos privar o obrigado dos meios necessários à sua própria subsistência, mas devendo os pais proporcionar aos filhos um nível de vida semelhante ao seu.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

R. B., em representação de sua filha menor B. B., veio instaurar processo tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra P. J. pedindo se determine que a menor fique a residir com a mãe, seja fixado regime de visitas e que a título de alimentos o pai pague à filha montante nunca inferior a €250,00 e ainda metade de despesas escolares, extracurriculares, médicas e medicamentosas.
Para tanto, alegou, em síntese, que se alteraram as circunstâncias em que foi acordado em 2015 o exercício das responsabilidades parentais pois a menor está, desde junho de 2019, a viver consigo e não apenas em semanas alternadas, impondo-se também a sua alteração.
Regularmente citado, o Requerido constituiu mandatário, tendo sido designada data para realização da conferência de pais na qual estes estabeleceram por consenso a residência junto da progenitora, a atribuição a esta das responsabilidades quanto à vida corrente e um esquema de contactos, de alargamento gradual, com normalização no Verão deste mesmo ano, com estadias junto do Requerido em fins-de-semana alternados e em metade das férias escolares, não tendo chegado a consenso quanto à questão da prestação de alimentos.
Foi fixada a título provisório uma prestação mensal de €120,00 a título de alimentos.
Ambos os pais apresentaram alegações, nas quais o Requerido conclui pela justeza do valor estabelecido provisoriamente, e a Requerente reafirma a justeza da mensalidade por si proposta inicialmente no montante de €250,00, coincidindo ambos na partilha, em idêntica proporção, das despesas médicas e medicamentosas e extracurriculares.
A Requerente invoca em síntese novos gastos com a menor, decorrentes da idade, de ter a menor despesas de bem mais do que €240,00 mensais já antes da separação, de ter ela, encargos mensais de €791,00 e outros gastos, ter vencimento de €900,00 e o Requerido ter rendimento superior a €1.200,00.
O Requerido alega a impossibilidade de suportar quantia superior a €120,00, auferir €918,00 e ter outras despesas que atingem €778,00 mensais e ter novo agregado, a companheira e filha desta.

Realizou-se a audiência final com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Decisão
Não atendemos à pretendida condenação da Rte como litigante de má-fé.
Atento o disposto no artigo 42° RGPTC, consideramos parcialmente a pretensão da progenitora e condenamos o Rdo a prestar mensalmente, a título de alimentos, o montante de cento e vinte euros (€120).
Custas pelos progenitores, em partes iguais”.

Inconformada, apelou a Requerente R. B. concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES:

I- SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

1. A título de nota prévia, na reapreciação da matéria de facto impugnada os poderes da segunda instância ficaram reforçados com a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.
2. O Tribunal a quo deveria ter sido dado “por provada” a matéria de facto vazada no ponto 3 do “Teor das alegações não comprovado”, alterando a alínea e) dos factos dados como provados da seguinte forma:
“A R.te apenas vive com a menor e tem encargos mensais com a renda da casa, no montante de €500,00. E de €58,62 com água.”.
3. E, ainda, como provado, na alínea m) dos factos dados como provados que:
“A R.te tem vencimento líquido entre os 1000 e os 1100 euros, sendo de €1.205,08 o salário de bruto de início da carreira de enfermeiro.”
4. Basta ouvir a prova produzida, para não merecer dúvidas a resposta positiva a dar.
(cfr. depoimento da testemunha S. A., gravado através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio) desde o n.º 00.00.00 a 00:27:16, rotação 00:01:45 a 00:06:41, rotação 00:07:28 a 00:19:23;
-declarações prestadas pela requerente, ora recorrente, gravado através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio) desde o n.º 00.00.00 a 00:28:22, rotação 00:03:54 a 00:09:17, 00:09:40 a 00:18:25, 00:18:41 a 00:25:29;
-declarações prestadas pelo requerido, ora recorrido gravado através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio) desde o n.º 00.00.00 a 00:19:26, rotação 00:10:49 a 00:13:13)
5. Analisados os depoimentos, declarações e documentos juntos aos autos, de forma conjugada e crítica, segundo as regras da lógica, da experiência comum e do normal acontecer, considerando a sua contextualização, deveria ter ficado o Tribunal convencido quanto aos factos supra mencionados, fixando, a final, uma pensão de alimentos de montante sempre superior à quantia de €120,00.
6. Com efeito, no que à matéria da alínea e) dos factos provados, directamente relacionado com ao ponto 3 do “Teor das alegações não comprovado” o tribunal a quo fundamenta da seguinte forma a sua convicção:
“Admite-se que a R.te vive em casa tomada de arrendamento, existe cópia de contrato datado de 22 de Janeiro último, surgindo aí a R.te como uma de dois arrendatários, ela e D., sendo este por ela identificado como companheiro no estado de solteiro, que passa algum tempo em Viana com ela, constando do texto que o local se destina à habitação dos arrendatários. Não há, fora a declaração da própria, qualquer outro elemento que funde a convicção de que só um inquilino pague a totalidade da renda.“
7. Sucede que a recorrente celebrou o contrato de arrendamento em apreço em 22.01.2021, com início a 01.02.2021.
8. A recorrente explicou, claramente, qual o motivo pelo qual o seu companheiro consta como inquilino no contrato de arrendamento, isto é, que foi para facilitar a deslocação entre concelhos no período de confinamento.
9. Resulta clarividente à saciedade do depoimento da testemunha e das declarações da recorrente que esta vive sozinha com a menor e que o seu companheiro vive e trabalha na Trofa.
10. É lá que faz vida, tanto mais que tem a seu cargo a sua filha, em regime de guarda partilhada.
11. O companheiro da recorrente vem, alguns dias por mês, pernoitar a casa da recorrente e nesses dias contribui com bens alimentares para fazer as suas refeições em conjunto com a recorrente.

12. Não existe nos autos qualquer indício que possa levar a concluir que não é a recorrente que paga, sozinha, a renda da sua habitação.
13. As mais elementares regras da experiência comum dizem, sem sombra de dúvida, que é a recorrente que paga a totalidade da renda da casa onde reside com a sua filha.
14. É desprovido de qualquer sentido uma pessoa que vive e trabalha noutra cidade, pagar, seja em que proporção for, uma renda de uma casa que não habita, apenas lá pernoita, de vez em quando, com a namorada/companheira.
15. O tribunal a quo não valorou o depoimento da testemunha S. A. que descreveu a situação profissional e financeira da recorrente, da qual tem conhecimento directo, que, de forma livre e espontânea, declarou saber qual a actual profissão da recorrente, qual o rendimento desta e quais as suas despesas talqualmente descritas nas alegações apresentadas.
16. A testemunha e a recorrente admitiram que a primeira auxiliou financeiramente esta última nos momentos mais difíceis durante esta pandemia, o que revela um conhecimento aprofundado da situação financeira da recorrente, seus rendimentos e suas despesas.
17. Face a toda a prova produzida nos presentes autos, deveria, s.m.o., o Tribunal recorrido ter decidido que i) a renda de €500,00 é paga, integralmente, pela recorrente, ii) que o salário da recorrente é do montante líquido entre €1.000,00 e €1.100,00 e iii) que não é suficiente para fazer face às despesas da menor a quantia mensal total de €240,00.
18. No que à despesa da água apresentada pela recorrente diz respeito, considerou o tribunal a quo que: “O valor indicado para o consumo de água não corresponde a encargo mensal. Os referidos 68m3 respeitam a quatro meses, sendo explicito que o consumo corresponde a “121 dias”.”
19. A factura n.º 202100124162, de 25.01.2021, tem como período de facturação o correspondente a 30 dias – de 16.12.2020 a 14.01.2021 – e como período de consumo o correspondente a 121 dias – 16.09.2020 a 14.01.2021.
20. Significa, portanto, que, se somarmos todos os documentos por regularizar constantes da conta cliente ali discriminada (€88,19 + €132,76 + €12,07 + €58,62) e dividirmos pelos meses de consumo a que tais quantias diz respeito (4), dá uma média mensal da quantia de €78,92, montante que, contudo, poderá ser superior à despesa normal da recorrente face a todos os condicionalismos da emissão das facturas em apreço.
21. A fundamentação da sentença padece de um erro na análise da despesa da água da recorrente, devendo ser dado como provado que a recorrente tem, de facto, uma despesa mensal média referente a água do montante de €58,62.
22. O Tribunal a quo não pode fazer um juízo de apreciação de que a pensão de alimentos peticionada no montante de €250,00 é de valor superior à capacidade do obrigado, nem tampouco decidir que a quantia fixada de €120,00 é adequada às possibilidades do mesmo, pois sabe-se, apenas, que a retribuição líquida daquele no mês de Janeiro foi do montante de €931,25 e não foi dado como provado o valor concreto que o recorrido tem com despesas da sua vida corrente e com propinas.
23. Seguindo o fio condutor de raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados e não provados colidem com a fundamentação da decisão, no sentido de que nunca poderiam levar a concluir que a pensão de alimentos adequada à menor em apreço seria da quantia de €120,00.
24. A douta sentença ora recorrida, não fez a mais acertada integração do direito na situação de facto apurada nos autos, não fazendo uma correcta apreciação do interesse da menor, como impõem os art.ºs 1905.º e 1906.º do CC e 40.º RGPTC.
25. Foi, assim, violado pelo tribunal recorrido o normativo consagrado no art.º 607.º n.º 4 CPC.

II-DA PENSÃO DE ALIMENTOS CONCRETAMENTE FIXADA

26. O Tribunal a quo não condenou o recorrido a pagar, além da pensão de alimentos do montante de €120,00, as despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias, nem tampouco as actividades extracurriculares em que tenha dado o seu acordo.
27. Tal decisão afecta, gravemente, a satisfação das necessidades básicas da menor, pois que a quantia fixada terá, até, que ser suficiente para pagar as despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias.
28. O alcance do dever de alimentos devidos a menores suplanta a dimensão dos alimentos em geral, já que, para além de englobar tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreende, ainda, a instrução e a educação do alimentado. (Art.º 2003.º n.ºs 1 e 2 CC)
29. O cálculo da pensão de alimentos deve considerar os custos médios das despesas da menor, segundo a sua condição social, o seu sustento, a sua educação, o lazer.
30. O cálculo efectuado nos presentes autos com vista a fixar a pensão de alimentos da menor B. B. não teve em consideração as reais e efectivas despesas da menor, de acordo com todas as suas variantes e condicionantes concretas.
31. Atenta a idade da B. B. – 11 anos –, o seu género (feminino), a condição sócio-económica dos pais, a educação, instrução e cultura que os progenitores sempre lhe deram, e pretendem continuar a dar (pelo menos a mãe), resulta clarividente que a quantia arbitrada de €120,00 mensais para assegurar os alimentos e as despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias da menor é manifestamente insuficiente.
32. Tal pensão fixada não permite manter o mesmo nível/qualidade de vida da menor enquanto os pais viviam em economia comum.
33. Desde que a menor se encontra a residir com a progenitora, pelo menos, desde Junho de 2019, o progenitor, entregou, apenas, à progenitora, em Abril de 2020, cerca de €50,00.
34. As circunstâncias actuais, de tal modo diferentes das existentes à data em que foi homologado o acordo (Maio de 2015), impõem que ora seja fixada uma quantia consideravelmente ao montante então fixado de €75,00.
35. E facto é que o montante de €120,00, isto é, mais €45,00 do que o fixado no ano de 2015 não permite prover ao sustento da menor, tendo em conta a sua idade de pré-adolescência, ser do sexo feminino, a sua educação e instrução, permitindo-lhe alcançar uma vida estável e com conforto.
36. As circunstâncias, à data em que o acordo foi estabelecido entre os progenitores, alteraram-se, porquanto, além da menor se encontrar, desde Junho de 2019, a residir exclusivamente com a mãe, é esta que faz face a todas despesas relativas à sua filha, todos os dias do ano por não ser cumprido pelo progenitor, ora recorrido, até à presente data, um regime de visitas, seja ele qual for, inclusive o fixado por acordo no pretérito dia 03.02.2021.
37. A recorrente tem a menor sempre a seu cargo, ao contrário do que vertido vem na sentença que considera que cabe ao recorrido substituir-se à recorrente numa parte significativa de tempo (fins-de-semana, aniversário, Natal, Páscoa, férias escolares), provendo ao sustento desta nesse período, o que, objectivamente, não acontece e deverá ser tido em linha de conta no apuramento da pensão de alimentos a fixar.
38. De facto, ficou demonstrado que o recorrido não convive com a filha, escusando-se às suas responsabilidades, não exercendo cabalmente as suas funções de pai.
(Art.º 1878.º n.º 1 e 1885.º n.º 1 CC)
39. O recorrido, não pode ter qualquer espartilho ou limitação na sua função de custear as despesas com a filha, sendo que os encargos da menor incluem tudo o quanto é fulcral para a satisfação das suas necessidades básicas e essenciais mas, ainda, para a sua educação sócio-afectiva, formação escolar e cultural.
40. Tal obrigação não é incumbência única e exclusiva da mãe, ora recorrente, mas cabe também ao pai, ora recorrido, velar para que tal ocorra.
41. A recorrente tem encargos médios mensais de renda de casa (€500,00), luz (€50,41), água (€58,62), seguro de saúde (€27,66), telecomunicações (€79,42), seguro do carro (€64,07), seguro de acidentes de trabalho obrigatório (€138,28 anuais), alimentação (€300,00), num total de €1.091,70.
42. A essa quantia acresce, obviamente, a higiene e cuidados pessoais (cremes para o acne, pensos higiénicos, cabeleireiro e esteticista), vestuário e calçado da recorrente e da menor, bem como o combustível necessário para ambas se deslocarem.
43. A menor, durante o período escolar, gasta cerca de €2,00 por dia em alimentação na cantina da escola, sendo que não foi junto qualquer comprovativo por, desde o início do mês de janeiro 2021 a até ao presente mês, a menor não ter aulas em regime presencial.
44. A menor (em tempos que não os pandémicos) aprecia fazer um lanche ou ir ao cinema com os amigos, custo que, uma vez mais, fica a cargo, única e exclusivamente, da recorrente.
45. Basta um simples cálculo aritmético de divisão do montante total de alimentos fixado para ambos os progenitores (€240,00) pelos trinta dias do mês para perceber que que a recorrente apenas poderia despender com a menor a quantia de €8,00 por dia.
46. O montante total de €240,00 por dia nem sequer para a alimentação da menor é suficiente, quanto mais para as demais despesas comuns, além das imprevisíveis ou extraordinárias.
47. A recorrente vive sem a ajuda económico-financeira do seu actual companheiro.
48. O companheiro da recorrente não contribui para o pagamento da renda mensal, nem tão pouco faz parte do agregado familiar daquela e da menor.
49. O recorrido, ao contrário da recorrente, vive em economia comum com a actual companheira, partilhando com esta casa e todas as despesas da mesma.
50. O recorrido, indirectamente, provê ao sustento da filha menor da companheira, atento que paga integralmente o empréstimo bancário onde a mesma reside e, de acordo com os documentos por aquele juntos, todas as despesas habitacionais e de alimentação são suportados por este e pela sua companheira, na proporção de metade.
51. O recorrido não pode suportar mais do que €120,00 por mês de alimentos para a filha, mas pode, em bom rigor, pagar todas as despesas da filha da companheira na proporção de metade como se de uma filha se tratasse.
52. A manter-se a pensão de alimentos fixada quem continuará a sacrificar-se para prover ao sustento, educação e formação da menor será a mãe, ora recorrente.
53. O recorrido tem capacidade económica, financeira e emocional para, querendo, sustentar e melhorar a qualidade de vida da sua única filha, não tendo de colocá-la numa situação de carência ou de impedimento de acesso ao que precisa, nem forçar a recorrente a pedir ajuda a terceiros para fazer face às despesas que, em bom rigor, são responsabilidade de ambos.
54. Resulta provado nos presentes autos que o recorrido i) aufere uma retribuição líquida mensal da quantia de €931,25, ii) paga de crédito à habitação o montante de €275,96, iii) o seu agregado familiar é composto por si, pela sua companheira e pela filha desta e, portanto, não suporta sozinho os encargos normais da vida corrente.
55. Por sua vez, a recorrente i) aufere como enfermeira a quantia líquida mensal de €1.039,23, ii) vive numa casa arrendada pela qual paga a quantia de €500,00 e iii) suporta sozinha, durante todo o ano, todas as despesas da vida corrente suas e da sua filha menor.
56. Por seu turno, resulta também provado que a menor i) tem onze anos de idade, ii) necessita de se alimentar, vestir, calçar, fazer a sua higiene, iii) de se deslocar de e para a escola, de ter acesso à internet, de adquirir bens que contribuem para a sua educação e formação.
57. A decisão do montante de pensão de alimentos a pagar pelo recorrido deve ser tomada tendo em consideração o critério preponderante e norteador da regulação das responsabilidades parentais: o superior interesse da criança.
58. E tal superior interesse da criança está, indubitavelmente, posto em causa com a fixação do montante de €120,00 mensais a título de pensão de alimentos, por se revelar um valor bastante diminuto, atenta as necessidades da menor e as possibilidades do recorrido e da recorrente.
59. Considerando a factualidade provada, deve ser fixada, a título de pensão de alimentos à menor, quantia mensal nunca inferior a €250,00, acrescida de metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias e actividades extracurriculares com que o recorrido tenha concordado”.
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que fixe a pensão de alimentos a cargo do recorrido em €250,00 mensais à menor.
O Ministério Público contra-alegou pugnando pela fixação do valor da pensão de alimentos num valor situado entre os €150,00 e os €180,00/mês e ainda na condenação do Requerido no pagamento de 50% das despesas de saúde da menor e despesas extraordinárias de início de ano lectivo.
O Requerido apresentou contra-alegações sustentando que não deve ser admitida a junção aos autos do documento respeitante ao contrato de trabalho e aceitando a alteração da alínea m) dos factos provados propugnada pela Recorrente e que seja alterada a decisão recorrida no sentido de pagar metade das despesas médicas, medicamentos e escolares extraordinárias, bem como das actividades extracurriculares a que tenha dado o seu acordo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***
III. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:

1- Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso;
2 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos dos factos provados;
3 - Saber se deve ser alterada a prestação alimentar mensal a cargo do Requerido, e em que montante.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

a) B. B. nasceu em - de agosto de 2009 e é filha de P. J. e de R. B..
b) Por ocasião do divórcio entre P. J. e R. B., a 27 de maio de 2015, foi homologado acordo de regulação.
c) Do acordo consta o seguinte:
“1ª...
2- A guarda da menor será partilhada ... ficando ... a residir ... uma semana com cada um ...
4ª…
1- ... metade das ... férias com cada um dos progenitores ...

1- Os progenitores fixam as necessidades de alimentos da menor em €150,00 ...
2- Os progenitores comparticiparão na proporção de €75,00 ... cada um, para as necessidades de alimentos da menor, acordando em que nenhum transferirá para o outro esse montante ...
3- Todas as despesas médica, medicamentosas e escolares que a menor tenha que despender serão comparticipadas pelos dois progenitores, na proporção de metade cada um ...”
d) Quando vai à escola, B. B. gasta dinheiro em alimentação. (7°)
e) A Rte tem encargos mensais com renda de casa. (13°)
f) Em fevereiro de 2021 a Rte teve encargo de €50,41 com electricidade. (13°)
g) A Rte tem encargos com o abastecimento de água. (13°)
h) A Rte, trimestralmente, tem encargos de €83,00 com seguro de saúde. (13°)
i) A Rte teve encargos de €59,90 em fevereiro de 2021, com TV, internet e telefone. (13°)
j) A R.te, trimestralmente, tem encargos de €192,23 com seguro automóvel. (13°)
k) A Rte, semestralmente, tem encargos de €69,14 com seguro de acidentes de trabalho. (13°)
1) A Rte exerce como enfermeira desde princípios de 2021.
m) A Rte tem vencimento entre os 1000 e os 1100 euros, sendo de €1.205,08 o salário de início da carreira de enfermeiro.
n) Anteriormente estava estabelecida como manicura, havendo declarado rendimento da prestação de servições de €1l.033,16 relativamente a 2019 e de €2.337,00 relativamente a 2018. (14°)
o) A Rte tem gastos com combustível, vestuário, calçado, alimentação, higiene. (16°)
p) Com P. J. vive a companheira e criança desta. (14)
q) P. J. tem despesas com habitação, electricidade, água, vestuário, supermercado, refeições, cabelo, comunicações, combustível, viatura. (15)
r) Em fevereiro de 2021, P. J. suportou €275,96 do crédito habitação.
s) P. J. trabalha em centro de inspecção de automóveis. (19)
t) Anteriormente tinha ainda part-time como instrutor de condução.
u) P. J. tem a retribuição mensal de €918,00 e em janeiro de 2021 declarou o total de €1.133,89 de abonos, aí se incluindo €173,52 de cartão refeição e €42,37 de horas extra; após os descontos (TSU e IRS) o vencimento líquido atingiu €931,25. (20)
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

A menor durante o período escolar gasta cerca de €2,00 por dia em alimentação na cantina da escola.
Quando viviam em comum, R.te e R.do gastavam com os alimentos da menor bem mais do que €240.
A R.te tem encargos mensais de €500, com renda de casa. E de €58,62 com água.
A R.te é presentemente manicura e tem vencimento de €900.
O R.do tem rendimento superior ao montante de €1.200,00.
P. J. gasta a quantia média mensal de €778, OO.
P. J. tem despesas com propinas.
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3.2. Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso

A Recorrente apresenta com as suas alegações documentos.
Vejamos então a admissibilidade da apresentação dos documentos com as alegações de recurso.
Resulta do preceituado no artigo 651º nº 1 do Código de Processo Civil que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Temos para nós como inquestionável que a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, Almedina, p.191).
Quanto à junção de documentos prevê o artigo 425º do Código de Processo Civil que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, resultando do artigo 423º do mesmo diploma que os documentos deverão “ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (nº 1), ou “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” (nº 2), ou até ao encerramento da discussão, desse que a sua “apresentação não tenha sido possível ate aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (nº 3).
Assim, e havendo recurso, como acontece no nosso caso, em face do preceituado nos artigos 425º e 651º n.º 1 do Código de Processo Civil, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações assume caracter excecional e ocorre apenas em duas situações: a) se a junção do documento não foi possível até àquele momento, isto é, nos casos de impossibilidade objetiva ou subjetiva de junção anterior do documento ou b) se a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
A parte que pretenda juntar documentos, designadamente com as alegações de recurso, deve justificar o carácter superveniente da junção, seja ela de ordem objetiva seja ela de ordem subjetiva (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit, pág.191). Quanto à impossibilidade objetiva a mesma decorre de o documento só ter sido produzido após o prazo-limite previsto no artigo 423º n.º 2 do Código de Processo Civil e a prova da impossibilidade da sua junção aos autos pela parte até àquele prazo limite decorre naturalmente da análise do teor do próprio documento; quanto à impossibilidade subjetiva a mesma decorre da parte só ter tido conhecimento da existência do documento ou dos factos a que o mesmo se reporta após o decurso daquele prazo limite, apesar do documento respeitar a factos anteriores ao decurso desse prazo e poder ser anterior ao mesmo; nesta, a prova da impossibilidade da junção do documento no prazo previsto no referido artigo 423º n.º 2 não se basta com a mera alegação que a parte só teve conhecimento da existência do documento após o decurso do prazo, antes deverá ser alegado e provado que o desconhecimento em relação à existência do documento não ficou a dever-se a negligência da parte, uma vez que a impossibilidade pressupõe que o desconhecimento da existência do documento não derive de culpa sua.
Relativamente à junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem mesma como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar.
Por isso, se o documento era necessário para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância e se esta se baseou nos meios de prova com que as partes razoavelmente podiam contar (depoimentos ou declarações de parte, declarações das testemunhas, documentos, prova pericial ou por inspeção judicial, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas neste caso, em momento processual em que ainda era possível às partes juntar o documento) não se pode dizer que a junção aos autos do documento com as alegações ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância.

É pois de concluir que deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (neste sentido os Acórdãos do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, página 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, página 103 e seguintes onde se afirma que “Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redacção, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B actual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)”, os quais mantêm actualidade em face da redacção dos preceitos do actual Código de Processo Civil).
No caso concreto a Recorrente junta um recibo de renda electrónico datado de 28/04/2021, respeitante ao imóvel localizado na Rua …; dois talões de vencimento referentes aos meses de fevereiro e março de 2021 e um “Contrato de Trabalho a Termo Resolutivo Incerto” datado de 08/02/2021.
Considerando que nos presentes autos a Recorrente juntara já aos autos com as suas alegações, após a conferência de pais, o contrato de arrendamento habitacional, que as alegações foram apresentadas em 18/02/2021 e a audiência final decorreu em 24 de março de 2021, e ainda que o tribunal a quo se baseou quanto ao rendimento da Recorrente nas declarações da testemunha Sónia, sua amiga e também enfermeira mas também na tabela salarial da carreira de enfermagem de 2021 (disponível em https://www.sep.org.pt/files/uploads/2017/06/sep_22022021_TS_valor-hora.pdf), tal como consta da motivação da decisão recorrida, não se pode afirmar que a junção dos documentos que agora pretende ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância e nem que se mostre justificado o carácter superveniente da junção. Não pode, por isso, a Recorrente juntá-los agora pois que a decisão recorrida não contem a este propósito elementos de novidade, no sentido de ter sido surpreendente e inesperado em face dos elementos de prova constantes do processo, ainda que a Recorrente possa não concordar com a apreciação efetuada e a decisão proferida.
Do exposto decorre não ser de considerar justificada a junção dos documentos apresentados pela Recorrente não se admitindo, por isso, a sua junção aos autos e determinando-se sejam os mesmos desentranhados e restituídos, após trânsito em julgado deste acórdão.
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3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

Sustenta a Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto à alínea m) dos factos provados a qual deve ter a seguinte redação: “a Requerente tem vencimento líquido entre os 1000 e os 1100 euros, sendo de €1.205,08 o salário de bruto de início da carreira de enfermeiro”; e ainda quanto ao ponto 3 do dos factos não provados devendo alterar-se a redacção da alínea e) dos factos dados provados da seguinte forma: “a Requerente apenas vive com a menor e tem encargos mensais com a renda da casa, no montante de €500,00. E de €58,62 com água”.

Vejamos se lhe assiste razão.

Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
In casu mostram-se cumpridos pela Recorrente os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
A prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, página 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, página 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Obra Cit. página 655); o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (P. J. Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
De facto, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.

Vejamos então os pontos impugnados.

A alínea m) dos factos provados tem a seguinte redação: “A Rte tem vencimento entre os 1000 e os 1100 euros, sendo de €1.205,08 o salário de início da carreira de enfermeiro”.
A Recorrente pretende que seja dada a seguinte redação: “A Requerente tem vencimento líquido entre os 1000 e os 1100 euros, sendo de €1.205,08 o salário de bruto de início da carreira de enfermeiro.”
O Recorrido nas contra-alegações aceita expressamente a alteração pretendida pela Recorrente, concordando com a redacção propugnada.
Na verdade, a divergência encontra-se apenas na menção a que o vencimento entre os 1000 e os 1100 euros é líquido, e que o valor de €1.205,08 de início da carreira de enfermeiro é o do salário bruto; considerando as declarações prestadas pela testemunha S. A. e a tabela salarial da carreira de enfermagem de 2021, bem como a posição do Recorrido, será efectivamente mais correta a redação da alínea m) pretendida pela Recorrente pelo que se altera a mesma nos seguintes termos:
“m) A Requerente tem vencimento líquido entre os 1000 e os 1100 euros, sendo de €1.205,08 o salário de bruto de início da carreira de enfermeiro.”
Quanto ao 3º ponto dos factos não provados e à alteração da redacção da alínea e) dos factos dados provados está em causa, no essencial, o facto do tribunal a quo ter dado apenas como provado que a Recorrente tem encargos mensais com renda de casa, julgando não provado que apenas vive com a menor, que o encargo mensal com a renda da casa é no montante de €500,00 e com a água de €58,62.
Quanto ao encargo mensal com a água importa precisar que se encontra dado como provado na alínea g) que a Recorrente tem encargos com o abastecimento de água; apenas não se mostra concretizado o respectivo montante.
A Recorrente alegou ter como encargo mensal médio a quantia de €58,62, sendo este o valor constante do documento (factura) que juntou aos autos (fls. 45); porém, tal como consta da motivação da decisão recorrida o valor indicado para o consumo de água não corresponde ao encargo mensal, mas a um consumo correspondente a “121 dias” (16/09/2020 a 14/01/2021). Aliás, a própria Recorrente não refere tal montante mensal como despesa a título de água nas declarações que prestou, como se constata na própria transcrição que efectuou.
Quanto ao encargo mensal com a renda de casa resulta dos autos que a Recorrente mora em casa arrendada em conformidade com o contrato de arrendamento que juntou aos autos, onde consta a renda mensal de €500,00 nos dois primeiros anos; a questão que se suscita é se tal encargo é totalmente suportado pela Recorrente ou não e se o actual companheiro também reside consigo no imóvel arrendado, uma vez que no contrato de arrendamento constam como arrendatários a Recorrente e o companheiro e que o local arrendado se destina à habitação dos arrendatários e respectivo agregado familiar.
O tribunal a quo não formou convicção de que a Recorrente suporte exclusiva e integralmente a despesa mensal da renda de casa e justificou-o da seguinte forma:
“Admite-se que a Rte vive em casa tomada de arrendamento, existe cópia de contrato datado de 22 de janeiro último, surgindo aí a Rte como uma de dois arrendatários, ela e D., sendo este por ela identificado como companheiro, no estado de solteiro, que passa algum tempo em Viana com ela, constando do texto que o local se destina à habitação dos arrendatários. Não há, fora a declaração da própria, qualquer outro elemento que funde a convicção de que só um inquilino pague a totalidade da renda”.
É certo que a testemunha S. A., confirmando que o D. mencionado no contrato de arrendamento, é namorado da Recorrente, afirmou que o mesmo não mora na casa e nem comparticipa nas despesas da casa, água e luz; no mesmo sentido foram as declarações prestadas pela Recorrente. Porém, tais declarações não encontram sustentação no contrato de arrendamento celebrado, conforme já referido, e a justificação apresentada pela Recorrente, de que a inclusão do namorado no contrato de arrendamento por causa da pandemia e da possibilidade de circulação entre concelhos, nem sequer foi coincidente com a apresentada pela referida testemunha que, não confirmando tal justificação, indicou ter sido uma exigência do senhorio.
Assim, analisada a prova produzida, e considerando o teor do contrato de arrendamento, não vemos que deva ser alterada a redacção da alínea e) e nem considerada provada a matéria do 3º ponto dos factos não provados.
De todo o exposto decorre que, com exceção da alteração da redação da alínea m) dos factos provados, não resulta fundamento para alterar a decisão recorrida quanto à matéria dada como provada e não provada.
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3.4. Da alteração da prestação alimentar a cargo do recorrido.

Importa agora apreciar se deve manter-se a decisão quanto à pretendida alteração da prestação de alimentos.
A Recorrente instaurou o presente processo tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais pedindo se determinasse que a menor fique a residir com a mãe, que fosse fixado regime de visitas e que a título de alimentos o Requerido pague à filha montante nunca inferior a €250,00 e ainda metade de despesas escolares, extracurriculares, médicas e medicamentosas.
Na conferência de pais foi estabelecido por acordo a residência junto da progenitora, a atribuição a esta das responsabilidades quanto à vida corrente e um esquema de contactos, de alargamento gradual, com estadias junto do Requerido em fins-de-semana alternados e em metade das férias escolares da menor, não tendo sido possível obter consenso apenas quanto à questão da prestação de alimentos.
A título provisório foi fixada uma prestação de alimentos mensal de €120,00 e na sentença recorrida foi o Requerido condenado a prestar mensalmente, a título de alimentos, o mesmo montante de €120,00.
A Recorrente sustenta que o montante fixado é manifestamente insuficiente e coloca em causa o superior interesse da criança; pretende a alteração no sentido do Requerido progenitor ficar obrigado ao pagamento da prestação alimentícia mensal nunca inferior a €250,00, acrescida de metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias e actividades extracurriculares.
Vejamos.
Decorre do preceituado no artigo 1901º do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC) que na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais (n.º 1) e que os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação (n.º 2).
Quanto ao exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, tal como consta do n.º 8 do artigo 1906º do Código Civil, o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha e de responsabilidades entre eles.
É inquestionável, por isso, que qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais terá de se nortear, e de ter como critério orientador, o interesse do menor (cfr. artigos 40º n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1905º n.º 1 e 1909º, ambos do CC), sendo certo que o interesse dos progenitores apenas terá e deverá ser tido em consideração na medida em que se mostre conforme ao interesse do menor (v. entre outros os Acórdãos desta Relação de 04/12/2012, Proc. 72/04.1TBBNC-D.G1, 04/02/2016, Proc. 1233/14.8TBGMR.G1, 20/04/2017, Proc. 287/14.1TMBRG-C.G1, e 02/11/2017, Proc. 996/16.0T8BCL-C.G, todos disponíveis em www.dgsi.p).
A lei, contudo, não define o que deve entender-se por “interesse do menor”, pelo que estamos perante um conceito aberto, que deve ser entendido “…em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolve os legítimos anseios, realizações e necessidade daquele e dos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E esse interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes” (v. o citado Acórdão desta Relação de 20/04/2017, onde se citam os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/04/2004, 14/06/2007 e de 08/07/2008).
Não suscita também qualquer dúvida que a regulação do exercício das responsabilidades parentais tem por objecto decidir, na parte que agora releva, a fixação dos alimentos que são devidos e a forma da respectiva prestação: é inerente às responsabilidades parentais o dever de prover ao sustento do filho menor. Tal constitui desde logo imperativo constitucional, conforme decorre do disposto no artigo 36º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa: “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Trata-se de um dever fundamental que tem por beneficiários imediatos os filhos e que vincula o progenitor que não tem a guarda do filho ao dever de prestar alimentos.
Decorre também do estabelecido no n.º 1 do artigo 1878º do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, estando os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação (cfr. artigo 1877º do CC) e ficando os pais desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação apenas na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos” (cfr. artigo 1879º do CC).
Assim, prescreve o artigo 1874º do CC que “pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência” (n.º 1), compreendendo o dever de assistência “a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar” (n.º 2).
Por responsabilidades parentais deve, pois, entender-se o “conjunto de situações jurídicas que, normalmente, emergem do vínculo de filiação e incumbem aos pais com vista à proteção e promoção do desenvolvimento integral do filho menor não emancipado”, sendo que “os deveres paterno filiais perduram ao longo de toda a relação de filiação, não cessando com a maioridade ou a emancipação do filho. Contudo, a sua projeção não é uniforme. Estão “encobertos” durante a menoridade do filho pelas responsabilidades parentais. Evidenciam-se na altura da “segunda adolescência”. Perdem intensidade quando o filho sai de casa para organizar a sua própria vida de um modo independente. E ressurgem, com força, sobretudo ao serviço dos pais, quando estes envelhecem” (Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, páginas 210 e 219).
E, por alimentos, tudo o que se achar por necessário e imprescindível para o sustento, habitação e vestuário e relativamente a filhos menores, ou maiores que estejam a estudar, os alimentos abrangem ainda a sua educação e instrução (v. artigo 2003º do CC).
Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, estabelece o 1905º do CC, que os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação, sendo a homologação recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor; e, na falta de acordo, haverá que requerer a fixação de alimentos, nos termos dos artigos 45º a 47º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Estabelece o artigo 2004º do CC que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (n.º 1) e que na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (n.º 2).
Quanto ao progenitor que não tem o filho consigo, o seu contributo será feito mediante uma prestação de alimentos que se traduz, em regra, numa prestação pecuniária mensal pois que, tal como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 2005º do CC os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de excepção.
Por outro lado, considerando as alterações das necessidades dos filhos e as variações das possibilidades dos pais pode justificar-se a alteração dos alimentos fixados por acordo dos interessados ou pelo tribunal prevendo o artigo 2012º do CC que “[S]e depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los”.
A alteração da prestação de alimentos pode verificar-se mediante a sua redução ou o seu aumento; in casu a Recorrente pretende o aumento da prestação a cargo do Recorrido.
O aumento da pensão de alimentos pode justificar-se quer no caso de o alimentando piorar de circunstâncias e de o devedor dispor de recursos suficientes, quer quando as necessidades do alimentando não encontrem satisfação cabal e o obrigado tenha beneficiado de um acréscimo patrimonial.
Assim, o progenitor, não onerado com a obrigação de alimentos, que pretenda o aumento da prestação alimentar, “deve demonstrar que se alteraram as necessidades do alimentando (importando mais despesas) e/ou as possibilidades do obrigado à prestação de alimentos (que este se encontra numa situação económica melhor em relação àquela em que se encontrava à data em que a pensão foi fixada). Se estiver em causa a redução da prestação alimentar, o obrigado deve demonstrar que se encontra numa situação pior em relação àquela em que se encontrava à data em que a pensão foi fixada e que essa nova situação não lhe permite pagar o valor anteriormente fixado” (v. Acórdão da Relação de Guimarães de 29/10/2020, Processo n.º 480/19.0T8BRG.G1, também disponível em www.dgsi.pt).
A obrigação legal de prestar alimentos tem por finalidade proporcionar a quem deles necessita a possibilidade de viver com autonomia e dignidade, sendo de considerar no caso de alimentos devidos a menor que os mesmos não visam apenas satisfazer as suas necessidades básicas, indispensáveis à sua sobrevivência, mas proporcionar ao menor tudo o necessário para usufruir de uma vida conforme à sua condição, ao seu estado de saúde e à sua idade, tendo em vista o seu desenvolvimento intelectual, físico e emocional, em condições idênticas às que desfrutava antes da rutura familiar; não está em causa apenas o estritamente aferindo à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável ao seu desenvolvimento integral.
Como referia já Vaz Serra (RLJ, Ano 102º, 1969-1970, n.º 3398, página 262) por alimentos deve entender-se “tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentando, para o que bastará dar à palavra “sustento” um significado largo ou atribuir carácter exemplificativo ao disposto nos referidos artigos. O que é essencial é que o alimentando careça de alimentos para as necessidades da vida, de harmonia com a sua posição ou condição”.
A este propósito consideram Helena Bolieiro e P. J. Guerra (A Criança e a Família – Uma questão de direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, páginas 228 e 229) que está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional”, visando a obrigação de alimentos “tutelar não só o direito à vida e integridade física do alimentando, mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio ou da ruptura da convivência de facto, de forma a que as alterações no seu estilo de vida e no seu bem-estar sejam o mais reduzidas possíveis”.
À fixação dos alimentos preside um critério de proporcionalidade, devendo atender-se às possibilidades de quem os deve prestar e à necessidade de quem os deve receber, sendo, por isso, a medida da prestação alimentar determinada pelo binómio possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 05/11/2013, Proc. nº. 1339/11.5TBTMR.A.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Os alimentos terão, como primeira medida, as necessidades do alimentando que traçam o limite máximo da obrigação alimentar: esta não existe para lá das referidas necessidades (n.º 1 do artigo 2004º do CC) mesmo que as possibilidades do devedor sejam mais que suficientes para ir além de uma tal medida (v. Acórdão da Relação de Guimarães de 04/06/2020, Proc. n.º 928/18.8T8VCT-A.G1); mas, as necessidades do alimentando devem ser conjugadas com a medida das possibilidades do obrigado.
E a medida das possibilidades do progenitor obrigado deve ser encontrada na sua capacidade de prover às necessidades do seu filho, sendo certo que “as necessidades deste sobrelevam a disponibilidade do progenitor, no sentido de que o conteúdo da obrigação de alimentos que lhe compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar ao filho um pouco do que lhe sobra, mas antes no de que se lhe exige que assegure as necessidades do filho menor com prioridade sobre as próprias e se esforce em obter meios de propiciar ao filho menor as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento” (cfr. o citado Acórdão desta Relação de 04/06/2020). A mesma tem por base essencialmente os rendimentos que o obrigado aufira de forma reiterada (periodicamente ou não) do trabalho ou do capital, devendo ainda levar-se em linha de conta os seus encargos; o cumprimento da obrigação de alimentos não deve privar o obrigado dos meios necessários à sua própria subsistência (cfr. o citado Acórdão desta Relação de 29/10/2020) mas devendo os pais proporcionar aos filhos um nível de vida semelhante ao seu.
De referir ainda que ambos os progenitores estão obrigados a contribuir para o sustento dos filhos; contudo, o princípio da igualdade dos cônjuges (cfr. artigo 36º da Constituição da República Portuguesa) não significa, no que concerne à obrigação de alimentos, “que cada progenitor contribua com “rigorosamente metade” do necessário ao sustento e manutenção dos filhos. Sobre cada progenitor impende o dever/responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição – cada um deles deverá contribuir em função (proporção) das suas capacidades económicas” (Desembargadora Maria Amália Pereira dos Santos, “O dever (Judicial) de Fixação de Alimentos a Menor”, JULGAR on line – 2014, página 20).
A lei não pretende que “que cada progenitor contribua com metade do necessário à manutenção dos filhos, antes se visa que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como a instrução e educação do menor (alimentos civis)” (Acórdão da Relação do Porto de 27/03/2008 Proc. n.º 1087/08-3, disponível em www.dgsi.pt.).
A contribuição de cada um dos progenitores será fixada proporcionalmente aos seus rendimentos e proventos de modo a assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento dos filhos menores.
No caso dos autos o tribunal a quo entendeu (e não vem questionado no presente recurso) que inexiste motivo para alterar a participação por igual de ambos os progenitores nas despesas da filha, tal como fora acordado em 2015.
Conforme resulta da matéria de facto provada, por ocasião do divórcio entre a Requerente e o Requerido, a 27 de Maio de 2015, foi homologado acordo de regulação, do qual constava que a guarda da menor seria partilhada, ficando a residir uma semana com cada um dos progenitores e metade das férias também com cada um, tendo sido fixadas as necessidades de alimentos da menor em €150,00, comparticipando os progenitores na proporção de €75,00 cada um; ficou ainda acordado que todas as despesas médicas, medicamentosas e escolares que a menor tivesse que despender seriam comparticipadas pelos dois progenitores, também na proporção de metade para cada um.
Dos autos resulta ainda de forma inquestionável a efectiva alteração de circunstâncias pois a menor passou a viver com a Recorrente, não apenas em semanas alternadas; assim, na conferência de pais foi estabelecida por consenso a residência junto da progenitora, a atribuição a esta das responsabilidades quanto à vida corrente e um esquema de contactos, com estadias junto do Requerido em fins-de-semana alternados e em metade das férias escolares, apenas não tendo chegado a consenso quanto à questão do montante a fixar a título de prestação de alimentos.
Na sentença foi fixada uma prestação mensal de €120,00, insurgindo-se a Recorrente contra este valor, por entender ser manifestamente insuficiente, colocando em causa o superior interesse da sua filha, e ainda contra a ausência de condenação do Recorrido a pagar, além da pensão de alimentos, as despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias, e actividades extracurriculares que tenha dado o seu acordo.
Relativamente às despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias, e actividades extracurriculares em que tenha dado o seu acordo, veio o Recorrido nas contra-alegações aceitar expressamente a correção da decisão recorrida no sentido de as pagar; sustenta apenas ser de manter o montante fixado a título de pensão de alimentos.
Analisada a sentença recorrida consta da mesma que “o regime homologado em Maio de 2015, estabeleceu que as despesas médicas, medicamentosas e escolares, seriam suportadas por igual entre ambos os progenitores. A regra permanece”; contudo, cremos seguramente que por lapso, na parte decisória nada ficou a constar quanto ao pagamento pelo Requerido de tais despesas.
Entendemos que efectivamente tal regra deverá permanecer, tal como referiu o tribunal a quo, é pretendido pela Requerente e expressamente aceite pelo Requerido, pelo que será de alterar a sentença recorrido no sentido de passar a constar da mesma a condenação do Requerido a proceder ao pagamento de tais despesas, na proporção de metade.
Quanto ao montante da prestação de alimentos importa começar por salientar que, considerando desde logo a idade da menor (vai fazer doze anos no próximo mês de agosto), não resulta provada qualquer factualidade donde decorra que a mesma pode prover à sua subsistência, sendo de concluir pela necessidade de alimentos a satisfazer pelos seus progenitores.
Importa então fixar o montante mensal a pagar pelo Requerido.
Resulta da matéria de facto provada que a Recorrente deixou a actividade de manicura e passou a ser enfermeira e que tem um vencimento líquido entre os 1000 e os 1100 euros e que o Requerido tem a retribuição mensal de €918, tendo, com horas extra e cartão de refeição, alcançado o total de €1.133,89 de abonos no mês de janeiro de 2021, correspondendo a €931,25 líquidos.
Quanto ao rendimento de que os mesmos dispunham em 2015 não resulta demonstrado, sabendo-se apenas que o Requerido anteriormente tinha ainda part-time como instrutor de condução.
Em 2015, quando foi homologado o regime de guarda partilhada, tendo a menor cinco anos de idade, foi estabelecido que as restantes necessidades da menor correspondiam a €150,00 por mês, cabendo a cada um dos progenitores suportar €75,00; contudo, não resultam quantificados os gastos atuais da menor, resultando apenas da matéria de facto provada que quando vai à escola, a menor gasta dinheiro em alimentação.
Quanto aos encargos mensais suportados pelos progenitores resulta da factualidade provada que a Requerente tem encargos mensais com renda de casa, em fevereiro de 2021 teve encargo de €50,41 com electricidade, tem encargos com o abastecimento de água, trimestralmente, tem encargos de €83,00 com seguro de saúde, teve encargos de €59,90 em fevereiro de 2021, com TV, internet e telefone, trimestralmente, tem encargos de €192,23 com seguro automóvel, semestralmente, tem encargos de €69,14 com seguro de acidentes de trabalho e tem gastos com combustível, vestuário, calçado, alimentação e higiene.
Quanto ao Requerido ficou provado que vive com a companheira e criança desta, tem despesas com habitação, electricidade, água, vestuário, supermercado, refeições, cabelo, comunicações, combustível e viatura e em fevereiro de 2021 suportou €275,96 do crédito habitação.
Não resultam, assim, também totalmente quantificados os encargos mensais suportados pelos progenitores, designadamente pelo requerido.
Tal como se afirma na decisão recorrida é razoável atender-se a um “incremento de despesas devido à idade e à fase do desenvolvimento em que entra a menor, com maior atenção a roupas e apresentação, necessidade de produtos de higiene, maior autonomia e vida social”, devendo, por isso considerar-se, um aumento das suas necessidades com relevo na fixação dos alimentos.
Entendemos ser de reconhecer, relativamente às necessidades da menor, que a mesma entrará numa fase do seu desenvolvimento em que o aumento de despesas se faz sentir com mais intensidade, quer ao nível da instrução e educação, quer ao nível de vestuário, calçado e alimentação, resultando também das regras da experiência que à medida que o menor vai crescendo e desenvolvendo a sua personalidade, vão aumentando as exigências de formação e socialização, o que se traduz no facto das despesas para a satisfação das suas necessidades tenderem efectivamente a aumentar.
Não podemos, contudo, deixar de referir que tais necessidades terão de se manter dentro dos limites da capacidade económica que os progenitores são capazes de propiciar à filha.
Concordamos ainda com o tribunal a quo quando afirma que a fixação da residência junto de um dos progenitores não isenta o outro da realização de despesas com a menor, mas “aos fins-de-semana, no aniversário, no Natal, na Páscoa e nas férias escolares, durante parcela significativa do tempo, caberá ao Requerido substituir-se à Requerente e providenciar pelo sustento da menor e, naturalmente, efectuar compras para aquela”, sendo certo que da factualidade provada não resulta que a Recorrente tem sempre a menor a seu cargo, em particular nos referidos períodos de tempo conforme a mesma alega. Aliás, na conferência de pais foi estabelecida por consenso não só a residência junto da progenitora, como um esquema de contactos, de alargamento gradual, com normalização no verão e com estadias junto do Requerido em fins-de-semana alternados e em metade das férias escolares da menor.
Por outro lado, também é de considerar que para além da prestação mensal de alimentos ficará ainda a cargo do Requerido o pagamento metade de parte dos gastos da menor respeitantes a despesas com a saúde e a escola: despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias, e ainda actividades extracurriculares em que o Requerido tenha dado o seu acordo, que são suportadas de forma independente da mensalidade.
Ora, ponderando tudo o que vem de se explicitar, em particular a idade actual da menor e os reflexos do seu crescimento e desenvolvimento ao nível do aumento das suas necessidades (quer ao nível da instrução e educação, quer ao nível de vestuário, calçado, higiene e alimentação), e a situação económica dos pais, mas também que as despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias, e ainda as actividades extracurriculares em que o Requerido tenha dado o seu acordo, são suportadas de forma independente da mensalidade, entendemos como justa e equitativa a fixação da prestação alimentar na quantia de €170,00, a que acrescerá a comparticipação em metade das referidas despesas.
Tal valor configura-se como adequado, equilibrado e consentâneo quer com as necessidades atuais da menor, atenta a sua idade, quer com as possibilidades económicas do Requerido.
Em face de todo o exposto, e na parcial procedência da apelação, deverá ser alterada a decisão recorrida no sentido de ser fixada a prestação de alimentos no montante de €170,00, a que acrescerá a comparticipação em metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares extraordinárias, e ainda as actividades extracurriculares em que o Requerido tenha dado o seu acordo.
As custas são da responsabilidade da Recorrente R. B. e do Recorrido P. J., na proporção de metade para cada (artigo 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I - Quem pretende a alteração da prestação alimentar deve demonstrar que as circunstâncias actuais são distintas das existentes à data em que foi fixada a pensão.
II - A obrigação legal de prestar alimentos tem por finalidade proporcionar a quem deles necessita a possibilidade de viver com autonomia e dignidade, sendo de considerar no caso de alimentos devidos a menor que os mesmos não visam apenas satisfazer as suas necessidades básicas, indispensáveis à sua sobrevivência, não estando em causa apenas o estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável ao seu desenvolvimento integral.
III - Na fixação dos alimentos devidos à criança pelo progenitor, deve encontrar-se o equilíbrio da prestação, não devendo o cumprimento da obrigação de alimentos privar o obrigado dos meios necessários à sua própria subsistência, mas devendo os pais proporcionar aos filhos um nível de vida semelhante ao seu.
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V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:

a) em julgar a apelação parcialmente procedente, e em consequência em revogar a decisão recorrida, fixando a prestação alimentar a cargo do Requerido P. J. no montante de €170,00 (cento e setenta euros) mensais, contribuindo ainda o Requerido com metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares extraordinárias, e das atividades extracurriculares em que tenha dado o seu acordo;
b) em determinar, após trânsito em julgado deste acórdão, o desentranhamento e a devolução à Recorrente dos documentos que apresentou com as alegações de recurso.
Custas a cargo da Recorrente R. B. e do Recorrido P. J., na proporção de metade para cada, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Guimarães, 13 de julho de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)