Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3046/17.6T8VNF-E.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O erro na forma de processo decorre da circunstância de o autor ter usado uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão e importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
II- Estamos, por regra (só não será assim nos casos em que é insanável), perante um vício não irá determinar a nulidade de todo o processado.
III- O erro na forma de processo na ação executiva apenas pode ser invocado até à oposição à execução; isto é, o executado apenas pode invocar a nulidade decorrente do erro na forma do processo até deduzir a oposição à execução mediante embargos de executado, podendo fazê-lo neste articulado.
IV- A idoneidade da forma de processo afere-se “em função do tipo de pretensão formulada” ocorrendo erro “quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão”.
V - Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não podendo a Relação conhecer de questões novas, não suscitadas na 1.ª instância, e que não são de conhecimento oficioso.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

CAIXA ..., S.A. instaurou execução sumária para pagamento de quantia certa fundada, em escritura pública de mútuo com hipoteca e em contrato de utilização de crédito, contra E. V..
Em 17/11/2017 a Executada deduziu oposição à execução mediante Embargos de Executado (Apenso A) na qual invocou a ilegalidade da liquidação e a inexigibilidade da quantia exequenda, alegando, em síntese, a prévia celebração de contrato entre Exequente e Executada ao abrigo do Procedimento Extrajudicial de Resolução de Situações de Incumprimento (PERSI), a alteração anormal das circunstâncias e a cobrança de juros usurários.
Em 12/11/2019 a Executada deduziu Oposição à Penhora (Apenso B) de parte do seu vencimento invocando a nulidade da penhora por violação do regime legal de ordem pública de protecção do consumidor de crédito bancário para aquisição de habitação própria permanente, estatuído no DL 74-A/2017, a nulidade da penhora por erro na forma do processo, a cobrança de juros usurários e a desproporcionalidade da penhora.

Nos autos de Oposição à Penhora foi proferido em 21/11/2019, na parte que aqui releva, o seguinte despacho:
“(…) No caso vertente a Executada alega os seguintes fundamentos para justificar a sua oposição à penhora:
1º - violação pela Exequente do regime legal de ordem pública de protecção do consumidor de crédito bancário para aquisição de habitação própria permanente, estatuído no DL 74-A/2017;
2º - erro na forma de processo executivo por haver sido empregue a forma sumária;
3º - violação do princípio da proporcionalidade por ser excessiva a penhora do seu salário.

Como é bom de ver, apenas a alegada violação do princípio da proporcionalidade pode servir de fundamento à oposição à penhora, por se reconduzir à hipótese da al. a) do art.º 784º, n.º 1 (Inadmissibilidade da penhora na extensão com que ela foi realizada).
O demais alegado pela Executada não constitui fundamento legal para a dedução da presente oposição à penhora, podendo, outrossim, ser fundamento de oposição à própria execução, a deduzir mediante Embargos de Executado, ou no que respeita ao alegado erro na forma de processo pode inclusivamente ser suscitado incidentalmente na própria execução.
Uma vez que o articulado foi deduzido em tempo (cfr. artigo 785º, n.º1, do Código Processo Civil); recebo a oposição à penhora, tendo-se em conta apenas em tão só o alegado pela Executada Oponente quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade na penhora do seu salário, por tal fundamento se ajustar com o estabelecido na alínea a) do n.º1 do artigo 784º do mesmo diploma legal e não ser manifestamente improcedente, em consonância com o preceituado no artigo 732º, n.º 1, “a contrario sensu”, ex vi 785º, n.º2, parte final, ambos do Código Processo Civil;
No mais, no que se refere aos demais fundamentos alegados pela Executada e que se prendem com a alegada inexigibilidade do crédito exequendo e com o alegado erro na forma de processo executivo e que não constituem fundamento para este incidente, não são os mesmos admitidos.(…)”
Na sequência do despacho proferido no apenso de Oposição à Penhora, a Executada E. V. veio, em 17/12/2019 invocar nos autos de execução sumária a nulidade do processado por erro na forma do processo por não estarem verificados os requisitos legais impostos pelo artigo 550º n.º 2 c) do Código de Processo Civil (de ora em diante designado apenas por CPC) para a execução poder ser tramitada sob a forma sumária, entendendo que face ao preceituado nos artigos 193º n.º 2 e 550º n.º 2 c) do CPC, a contrário e 805º n.º 1 do Código Civil, a forma do processo a seguir é a forma ordinária do processo.

Em 11/02/2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Ref.ª 9528450 e 9616815: Indefere-se a requerida arguição de nulidade decorrente de erro na forma do processo [art.º 193.º, 550.º, n.º 2, do CPC] na medida em que o que determina o emprego da forma (ordinária ou sumária) da execução para pagamento de quantia certa não é existência/inexistência de interpelação extrajudicial para o pagamento ou exigibilidade/inexigibilidade dos juros reclamados, mas a natureza do título executivo em que se funda a execução, o qual terá de coincidir os mencionados no art.º 550.º, n.º 2, do CPC.
No caso, considerando que a execução assenta, por um lado, numa escritura pública de mútuo com hipoteca [art.º 550.º, n.º 2, al. d); do CPC], e, bem assim, em contrato de utilização de crédito de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância [art.º 550.º, n.º 2, al. d), do CPC], obrigações alegadamente vencidas e em incumprimento em ambos os casos, é manifesto que a forme de processo sumário é a correta.
Notifique”.

Inconformada, apelou a Executada, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“III - Conclusões
I. A lei exige o vencimento da obrigação pecuniária que o Exequente vem cobrar na execução como requisito para esta poder tramitar sob a forma sumária
II. O artigo 550 do CPC determina a necessidade da divida se encontrar vencida e, consequentemente, ser tal facto alegado e provado logo no requerimento executivo.
III. A Exequente Recorrida não alega nem comprova o vencimento da divida, pelo que a decisão recorrida erra ao permitir a continuação sob a forma sumária saltando o despacho liminar em que um juiz efectua a triagem de causas que logo deitam por terra a Execução, desde logo por manifesta falta ou insuficiência do título dado á execução como sucede nos autos (art. 726 do CPC).
IV. A presente execução tem por base títulos executivos extrajudiciais, pelo que a obrigação pecuniária exequenda carece de estar vencida, o que a Caixa … sabe não estar, tocando a esta o cuidado de principiar a instância executiva por verificar tal dever ex vi art 713 e art. 724.º n.º 1, al. e) do CPC.
V. Salvo o devido respeito por opinião diversa, segue a forma ordinária a execução baseada em título extrajudicial de obrigação pecuniária, garantida total ou parcialmente por hipoteca, independentemente do valor do pedido, e que não se encontre vencida.
VI. Nos presentes autos a Exequente exige o pagamento da totalidade das prestações do crédito á habitação que contratualizou com a Executada avançando para a presente execução sumária com base no contrato de adesão de crédito á habitação permanente, tipo T30, desacompanhado do comprovativo da interpelação da Executada a tornar vencidas as prestações futuras ou vincendas, o que a fere de nulidade uma vez que a forma processual correcta é a ordinária (art.º 550.º n.º 2 al) c) a contrario.
VII. Assim, o tribunal a quo ao julgar pelo indeferimento do invocado erro na forma de processo sumário e nulidade do processado por diminuição das garantias de defesa da Executada Recorrente, violou o preceituado no art.º 550 nº 2 c) e d ) e do art. 724.º n.º 1, al. e) do CPC, assim como do artigo 820 do CC.
VIII. Acresce que um dos títulos executivos consiste num contrato de utilização de cartão de crédito, desacompanhado dos extractos que comprovam o efectivo uso/ movimentação do mesmo,
IX. .o que tem sido considerado pela doutrina e jurisprudência deste Tribunal ausência de título executivo.
X. A entender-se que até há título executivo, independentemente de terem ou não sido juntos os extratos de utilização do cartão de crédito, a verdade é que atendendo a que nos presentes autos foi indicado à penhora um imóvel, sempre a execução teria de seguir a forma ordinária.
XI. Pese embora se tenha presente que a forma sumária se aplica às execuções fundadas em qualquer título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, não garantida por hipoteca ou penhor, cujo valor não exceda o dobro da alçada da 1.ª instância (art.º 550.º n.º 2, al. d)).
XII. A verdade é que caso se pretenda a penhora de bem imóvel, como foi o caso dos autos, tal acto terá de ser precedido de despacho liminar.
XIII. Nestas situações, não obstante a execução ter sido instaurada sob a forma sumária, há lugar à citação prévia do executado proprietário do bem penhorado, precedida de despacho liminar, tal como decorre dos artigos 226.º nº 4, al) e) e 855.º n.º 5 do CPC.
XIV. Por conseguinte, a decisão recorrida viola o estatuído nos mencionados artigos 226.º nº 4, al) e) e 855.º n.º 5 do CPC.
XV. Salvo o devido respeito, da mera leitura do contrato de adesão de crédito á habitação tipo T30, dado á execução desacompanhado da interpelação da Recorrente pela Recorrida forçoso se torna que esta execução não pode tramitar pela forma sumária como erradamente defende a decisão recorrida.
XVI. A sentença recorrida viola o determinado na c) do nº 2 do art. 550 do CPC que exige o vencimento da obrigação constante do título executivo, como requisito para a execução poder tramitar sob a forma sumária, o que não se verifica.
XVII. O Tribunal Recorrido decide ao arrepio da doutrina e jurisprudência que de modo claro e harmonioso ensinam que, por inexistir a correspondente interpelação da mutuante Exequente/recorrida, nem a totalidade da dívida se pode considerar exigível, e que a interpelação é neste caso constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida, formando esta em conjunto com o contrato dado á execução um título executivo complexo que falha por insuficiência, na presente execução,
XVIII. .
Tribunal Recorrido deveria ter declaro o erro na forma sumária empregue pela Recorrida e nulo todo o processado por evidente diminuição das garantias da Executada Recorrente , ocorrendo violação do princípio da igualdade substancial das partes ,
XIX. e , no uso do poder dever expresso no art. 734 do CPC rejeitar a presente execução por manifesta insuficiência do título dado á execução- o contrato t30 sem interpelação da Recorrida - para cobrança da totalidade da quantia mutuada , que avança para a venda executiva da única casa de habitação da Recorrente.”
Pugna a Recorrente pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que que julgue errada a forma sumária e ordene a nulidade do processado.
A Exequente veio apresentar contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, é a de saber se ocorre erro na forma de processo que importe a nulidade de todo o processo.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

A questão a decidir no presente recurso, tal com já delimitado, consiste em saber se ocorre erro na forma de processo que importe a nulidade de todo o processado.
As incidências fáctico-processuais são as descritas no relatório e no despacho recorrido.
A execução movida pela Recorrida Caixa ... SA encontra-se a ser tramitada segundo a forma de processo sumário, aliás em conformidade com o indicado pela Exequente no requerimento executivo.
Em sentido contrário, entende a Recorrente que a execução deveria seguir a forma de processo ordinário e que o tribunal a quo deveria ter declaro o erro na forma de processo e nulo todo o processado.
Vejamos se lhe assiste razão.
O erro na forma de processo, que decorre da circunstância de o autor ter usado uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão (vide Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, página 245), encontra-se regulado na secção das nulidades processuais, estabelecendo o artigo 193º do CPC que o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
Trata-se, por isso, de um vício sanável mediante a prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada estabelecida pela lei; tal vicio só não será sanável quando não seja viável aproveitar os actos já praticados, sendo certo que não devem aproveitar-se os atos já praticados se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (n.º 2 do referido artigo 193º).
Daqui se conclui que estamos, por regra (só não será assim nos casos em que é insanável), perante um vício não irá determinar a nulidade de todo o processado.
Quanto ao regime de arguição, estabelece o artigo 196º do CPC que é do conhecimento oficioso e só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado (artigo 198º n.º 1 do mesmo diploma).
Conforme decorre do preceituado no artigo 551º do CPC são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.
Temos de concluir, dessa forma, que o erro na forma de processo na acção executiva apenas pode ser invocado até à oposição à execução; isto é, o executado apenas pode invocar a nulidade decorrente do erro na forma do processo até deduzir a oposição à execução mediante embargos de executado, podendo fazê-lo neste articulado (vide a este propósito Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, página 331).

Ora, no caso dos autos, a Recorrente deduziu em 17/11/2017 oposição à execução mediante Embargos de Executado (Apenso A), que se encontram pendentes, na qual invocou a ilegalidade da liquidação e a inexigibilidade da quantia exequenda, alegando, em síntese, a prévia celebração de contrato entre Exequente e Executada ao abrigo do Procedimento Extrajudicial de Resolução de Situações de Incumprimento (PERSI), a alteração anormal das circunstâncias e a cobrança de juros usurários.
A questão que agora a Recorrente suscita - erro na forma de processo - deveria ter sido invocada até esse momento, ou na oposição deduzida, o que não fez.
A arguição da nulidade por erro na forma de processo neste momento é, por isso, manifestamente extemporânea, pelo que sempre teria de improceder.
No entanto, ainda que assim não fosse, também não assistiria razão à Recorrente.
Vejamos.
Na nossa legislação processual civil o autor/exequente não tem liberdade para escolher a forma de processo que entende ser a que melhor serve os seus interesses pois se a sua pretensão couber dentro do âmbito de aplicação de determinada forma de processo é apenas essa aquela a que pode recorrer.

Estabelece o artigo 550º do CPC que o processo comum para pagamento de quantia certa, que é o que aqui releva, é ordinário ou sumário (n.º 1), empregando-se o processo sumário nas execuções baseadas em:

a) decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo;
b) requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória;
c) título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor;
e d) título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância (n.º 2).

Não é, porém, aplicável a forma sumária nos casos previstos nos artigos 714.º e 715.º, quando a obrigação exequenda careça de ser liquidada na fase executiva e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, quando, havendo título executivo diverso de sentença apenas contra um dos cônjuges, o exequente alegue a comunicabilidade da dívida no requerimento executivo; e d) nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário que não haja renunciado ao benefício da excussão prévia (n.º 3 do mesmo preceito).
A forma sumária é, por isso, delimitada com o âmbito especial que lhe é conferido por este artigo 550º n.º 2 e pelo determinado no n.º 2 do artigo 626º do CPC, relativamente à execução de decisão condenatória no pagamento de quantia certa.
Depois da reforma do processo civil em 2013 continua a vigorar a regra de que o processo comum de execução para pagamento de quantia certa corre com despacho liminar e citação prévia, o que corresponde à forma ordinária (cfr. artigos 724º e seguintes e do CPC).
Conforme decorre do preceituado no referido artigo 550º n.º 2, nos casos aí taxativamente elencados nas diversas alíneas o processo seguirá a forma sumária, em regra, sem despacho liminar e sem citação prévia à penhora.
Contudo, tais regras comportam exceções: na forma ordinária o juiz pode dispensar a citação prévia (cfr. artigo 727º do CPC), caso em que será aplicável o regime estabelecido nos artigos 856º e 858º do CPC, com as necessárias adaptações, e na forma sumária o agente de execução pode suscitar o despacho liminar do juiz (cfr. artigo 855º n.º 2 alínea b) do CPC), havendo sempre citação nos casos previstos no n.º 5 do artigo 855º do CPC.
Os pressupostos da forma sumária são afastados no caso de execução fundada em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância (alínea d) do n.º 2 do artigo 550º do CPC prevendo-se que a penhora de bens imóveis, de estabelecimento comercial, de direito real menor que sobre eles incida ou de quinhão em património que os inclua só pode realizar-se depois da citação do executado, em consequência da aplicação do disposto no artigo 726º (cfr. artigo 855º n.º 5 do CPC) e são ainda afastados, em geral, nas situações previstas no n.º 3 do artigo 550º do CPC onde se preceitua que não é aplicável a forma sumária nos casos previstos nos artigos 714º e 715º (diligencias preliminares de escolha e exigibilidade da obrigação), quando a obrigação careça de ser liquidada na fase executiva e a liquidação não dependa se simples cálculo aritmético (cfr. artigo 716º n.º 4), quando, havendo titulo executivo diverso de sentença apenas contra um dos cônjuges, o exequente alegue a comunicabilidade da divida no requerimento executivo (cfr. artigo 741º) e nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário que não haja renunciado ao beneficio de excussão prévia.
O elemento essencial para determinar a forma do processo é a da pretensão do autor: o processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre a pretensão formulada pelo autor.
A idoneidade da forma de processo afere-se, por isso, “em função do tipo de pretensão formulada” ocorrendo erro “quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 232).
No caso concreto a Exequente instaurou a execução para pagamento de quantia indicando a forma sumária e baseou a mesma em escritura pública de mútuo com hipoteca e em contrato de utilização de crédito.
O tribunal a quo considerou correctamente empregue a forma sumária e enquadrou os títulos executivos dados à execução nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 550º do CPC, considerando que a execução assenta numa escritura pública de mútuo com hipoteca e em contrato de utilização de crédito de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, obrigações alegadamente vencidas e em incumprimento em ambos os casos; entendeu ainda que o que determina o emprego da forma (ordinária ou sumária) não é existência/inexistência de interpelação extrajudicial para o pagamento ou exigibilidade/inexigibilidade dos juros reclamados, mas a natureza do título executivo em que se funda a execução, o qual terá de coincidir os mencionados no artigo 550º, n.º 2 do CPC.
Sustenta a Recorrente que este preceito determina a necessidade da divida se encontrar vencida e, consequentemente, ser tal facto alegado e provado logo no requerimento executivo entendendo que a Exequente não alegou e nem comprovou o vencimento da divida, pois para esse efeito devia ter apresentado o documento da interpelação do devedor de modo a tornar exigível a obrigação.
Na verdade, assiste razão à Recorrente quando refere que o artigo 550º n.º 2 do CPC estatui a necessidade da divida se encontrar vencida; é o que decorre do disposto nas alíneas c) (título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida garantida por hipoteca ou penhor) e d) (título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância).
Porém, já não lhe assiste razão quanto às consequências que extrai para o caso concreto e à arguida nulidade por erro na forma do processo.
É que, analisando o requerimento executivo e os títulos dados à execução, concluímos que a divida se encontra alegadamente vencida; e, para efeitos do erro na forma do processo, tal como já referimos, o que interessa é a pretensão do exequente: o processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre a pretensão formulada pelo exequente.
Ora, a Exequente funda a execução em escritura pública de mútuo com hipoteca e em contrato de utilização de crédito e no alegado incumprimento das obrigações decorrentes dos mesmos por parte da Executada.
Estamos perante obrigações com prazo certo e que, por isso, não dependem de interpelação.
Como refere Lebre de Freitas (A Ação Executiva – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, 2017, página 39 e seguintes) para que possa ter lugar a realização coativa de uma prestação devida “há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação”, o dever de prestar deve constar de um título, o título executivo (“pressuposto de carácter formal que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito”) e a prestação deve mostrar-se certa, exigível e liquida (“pressupostos de caracter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coativa da prestação”).
Aliás prevê o artigo 713º do CPC, sob a epígrafe de “Requisitos da obrigação exequenda”, que a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.
A prestação é exigível “quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do Código Civil de simples interpelação ao devedor”, não sendo exigível quando não tendo ocorrido o vencimento este não está dependente de interpelação (José Lebre de Freitas, ob. cit. página 100 e 101).
Podemos pois falar em prestação exigível nos casos em que a obrigação está vencida mas também nos casos em que o vencimento da obrigação depende de mera interpelação de devedor (cfr. artigo 777º n.º 1 do Código Civil; v. ainda Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª Edição, 2017, página 179), sendo que a prestação não é exigível quando não tendo ocorrido o vencimento este não está apenas dependente de mera interpelação; é o caso da obrigação de prazo certo quando o vencimento ainda não decorreu (artigo 779º do Código Civil), quando o prazo é incerto e a fixar pelo tribunal (artigo 777º n.º 2 do Código Civil), a constituição da obrigação fica sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou (artigo 715º n.º 1 do Código Civil) ou em caso de sinalagma quando o credor não satisfez a contraprestação. O conceito de exigibilidade não se confunde com o de vencimento e nem com o de mora do devedor (a este propósito vide Lebre de Freitas, ob. cit. página 101).
Ora, no caso concreto a obrigação tem um prazo certo de cumprimento, e alegadamente não foi cumprida.
Um dos casos em que a obrigação se tem que considerar vencida é quando a obrigação está sujeita a prazo certo (constante do próprio título executivo) e o prazo já decorreu; uma vez vencida a obrigação ela é exigível e exequível.
De todo o modo, se, ao contrário do que alega a Exequente, a Executada não incumpriu as suas obrigações e a divida não é exigível, ou não é totalmente exigível, a arguição de nulidade por erro na forma do processo não é o meio adequado para invocar a inexigibilidade da dívida exequenda, mas sim a oposição à execução mediante embargos de executado; aliás, um dos fundamentos previstos no artigo 729º n.º1 alínea e) do CPC é o da inexigibilidade da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução.
Ora, in casu a Executada deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, que se encontram ainda pendentes, sendo aí a sede própria para ter invocado a inexigibilidade da obrigação exequenda, e não a nulidade por erro na forma do processo.
A Recorrente sustenta também a inexistência de título de crédito quanto ao contrato de utilização de cartão de crédito por entender que a Exequente teria de ter junto os extratos de utilização do contrato.
Sustenta ainda que, mesmo a entender-se que até há título executivo, independentemente de terem ou não sido juntos os extratos de utilização do cartão de crédito, tendo sido indicado à penhora um imóvel, sempre a execução teria de seguir a forma ordinária pois caso se pretenda a penhora de bem imóvel, tal acto terá de ser precedido de despacho liminar.
Quanto a estas questões, não foram as mesmas suscitadas pela Recorrente no requerimento em que arguiu a nulidade e sobre elas não se pronunciou o tribunal a quo.
Ora, como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
De facto, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação. Por isso, constituindo tal matéria questão nova, e não sendo de conhecimento oficioso, nunca poderia ser apreciada (vide entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, Proc. n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, e de 17/11/2016, Proc. n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2, Relatora Ana Luísa Geraldes; também Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, página 92 e 93, afirma que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso”).
De todo o modo, a inexistência de título de crédito quanto ao contrato de utilização de cartão de crédito e a impossibilidade de penhora de imóvel por não ser precedida de despacho liminar, também não são determinantes da forma do processo, e não constituem fundamento da nulidade por erro na forma de processo (mas eventualmente de oposição à execução mediante embargos de executado e de oposição à penhora, respectivamente).
Por fim, cumpre apenas referir que os juros e o seu invocado carácter usurário também não são determinantes da forma do processo, sendo certo que a questão foi já suscitada pela Recorrente no lugar próprio, isto é nos embargos de executado que deduziu e se encontram pendentes.
Em face do exposto impõe-se concluir pela integral improcedência do presente recurso, não merecendo censura a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)

I - O erro na forma de processo decorre da circunstância de o autor ter usado uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão e importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
II - Estamos, por regra (só não será assim nos casos em que é insanável), perante um vício não irá determinar a nulidade de todo o processado.
III - O erro na forma de processo na acção executiva apenas pode ser invocado até à oposição à execução; isto é, o executado apenas pode invocar a nulidade decorrente do erro na forma do processo até deduzir a oposição à execução mediante embargos de executado, podendo fazê-lo neste articulado.
IV - A idoneidade da forma de processo afere-se “em função do tipo de pretensão formulada” ocorrendo erro “quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão”.
V - Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não podendo a Relação conhecer de questões novas, não suscitadas na 1.ª instância, e que não são de conhecimento oficioso.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 25 de março de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)