Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1082/18.4T8PTL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
USUCAPIÃO
TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Quem pede a declaração de que é proprietário de uma fração autónoma quando não existe propriedade horizontal, com fundamento em usucapião, tem de formular em primeiro lugar o pedido de constituição da propriedade horizontal.
II- A causa de pedir dessa ação tem de ser preenchida com a alegação dos elementos descritivos no art. 1418º, n.º 1, do C. Civil, nomeadamente o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A. F. intentou acção declarativa materializada sob a forma de processo comum contra J. F. peticionando:

I. Reconhecer-se que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima.
II. O réu ser condenado a reconhecer que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima.
III. O réu ser condenado a abster-se da prática de actos que impeçam, disturbem ou diminuam o legítimo direito de propriedade do autor.

Subsidiariamente, se assim não se entender,
IV. O réu ser condenado a pagar ao autor pelo menos a quantia de € 19.700,00 (dezanove mil e setecentos euros) relativa às benfeitorias por este realizadas e pagas na parte correspondente ao rés-do-chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima.
V. O réu ser condenado a pagar ao autor a quantia de €19.420,00 referente às perdas salariais, gastos com água, luz, gás, telefone, medicamentos, transportes que suporte com o cuidado dos pais do réu até ao seu falecimento.

Contestou o réu o pedido e deduziu reconvenção contra o autor, formulando os seguintes pedidos: ser o A./Reconvindo condenado a reconhecer que o R./Reconvinte é dono e legítimo possuidor de todo prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na Rua ..., n.º ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia de ... sob o artigo n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o número .../20150608, da mesma freguesia;
Deve o A./Reconvindo ser condenado a abster-se da prática de actos que estorvem, impeçam, diminuam ou limitem o gozo e exercício do direito de propriedade do R./Reconvinte sobre a totalidade do prédio, devendo deixá-lo livre e desocupado de pessoas e dos seus bens.

Em 2.10.2019 foi proferido “saneador-sentença que conheceu do mérito de parte dos pedidos, absolvendo o réu dos pedidos deduzidos pelo autor sob os pontos I, II, III e V do pedido e julgando o pedido reconvencional procedente.

Ficou assim o objecto do litígio limitado ao conhecimento do pedido deduzido pelo autor em IV, ou seja, saber se o autor, como detentor precário, tem direito ao valor das benfeitorias que descreve e que realizou no prédio.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgou o pedido remanescente totalmente improcedente, absolvendo o réu do mesmo.

O autor, não se conformando com esta sentença, nem com o “saneador-sentença” previamente proferido, interpôs recurso dessas decisões, os quais foram recebidos como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

Apresenta o recorrente as seguintes conclusões:

Recurso interposto do Saneador-Sentença
I. Nos presentes autos foi proferido saneador – sentença parcial que determinou a absolvição do réu dos pedidos deduzidos pelo autor sob os pontos I, II, III e V do pedido e julgou procedente o pedido reconvencional deduzido.
II. É contra a decisão tomada quanto aos pedidos formulados sob os pontos I, II e III e quanto à procedência do pedido reconvencional que o recorrente não se conforma.
III. O tribunal a quo fundamenta a sua decisão, em suma, no facto do pedido formulado pelo recorrente não ser legalmente admissível, porquanto pretende o reconhecimento da aquisição por usucapião de partes especificados do prédio urbano sem que o mesmo se encontre constituído em propriedade horizontal ou sequer sem peticionar essa constituição.
IV. Analisados os arrazoados processuais apresentados pelo recorrente nestes autos (petição inicial, réplica e requerimento com a referência electrónica 31515932 principalmente o artigo 17), além de alegar a aquisição por usucapião do rés do chão do prédio urbano, alegou factos que permitem concluir – ou pelo menos que se proponha provar – que o mesmo é passível de constituição de propriedade horizontal.
V. Quer na petição inicial, quer na réplica, quer no requerimento com a referência electrónica 31515932, o recorrente faz sempre alusão e alegação da constituição da propriedade horizontal.
VI. Para tal pedido do recorrente ser reconhecido, e contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, não é necessário peticionar a constituição de propriedade horizontal, basta alegar factos que levam ou podem levar a essa constituição.
VII. Em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terremos que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no artigo 1344 do Código Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segunda a qual, incindindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, seno o destino jurídico da coisa unitário.
VIII. O regime da propriedade horizontal constituiu uma das excepções a este princípio, uma vez que permite que sobre o mesmo edifício de estrutura unitária se constituam distintos direitos de propriedade, com diferentes titulares, que incidem sobre fracções independentes desse prédio- artigo 1414 e seguintes do C.Civ.
IX. Daí que, tendo em consideração, por um lado, as limitações impostas pelo princípio da individualização, e por outro, o regime excepcional da propriedade horizontal, os tribunais têm vindo a afirmar que a posse, em termos de direito de propriedade, de parte de um prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal, não pode determinar a aquisição por usucapião dessa parte, sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em propriedade horizontal, a qual pode ocorrer por usucapião.
X. Embora se admita que, em determinados casos a simples posse de parte de um prédio possa conduzir à constituição indirecta da propriedade horizontal sobre todo o edifício, por usucapião, para que tal suceda é necessário demonstrar que dessa situação possessória resultou a divisão do prédio em fracções autónomas que sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública e que cumpram os requisitos para a aprovação de tal divisão pela entidade pública competente.
XI. O recorrente sempre alegou factos atinentes à prova da vontade de recorrente e recorrido quererem constituir a propriedade horizontal do prédio, os factos que se seguiram à autonomização das fracções de ambos, com entradas independentes e áreas comuns.
XII. O recorrente propunha-se provar a constituição da propriedade horizontal do prédio em questão e assim verificada, provar a posse da sua fracção e aquisição por usucapião.
XIII. Salvo o devido respeito que é muito, não podiam os pedidos I. II e III desde logo soçobrar, sem antes se realizar o julgamento, com a produção de prova requerida pelo recorrente de modo a demonstrar o alegado.
XIV. O recorrente alegou factos conducentes à posse de parte do prédio urbano objecto dos presentes autos (do rés do chão), e bem assim a realização de obras e o facto de terem partes comuns, entradas independentes, confrontação com a via pública e acesso a áreas comuns.
XV. Deveria ter sido dada possibilidade ao recorrente de provar, quer através da prova testemunha arrolada ou da prova pericial requerida, se, efectivamente, a constituição de propriedade horizontal por usucapião, considerando as características do prédio invocadas.
XVI. Não poderia o tribunal a quo decidir pela improcedência dos pedidos sem antes ter dado possibilidade ao recorrente de provar os factos que alegou que, contrariamente ao vertido na decisão recorrida, não são legalmente inadmissíveis.
XVII. É possível a constituição de propriedade horizontal por usucapião de um prédio e consequentemente a reivindicação por usucapião de parte desse prédio, sem que haja o pedido dessa constituição: basta a alegação dos factos atinentes, como assim fez o recorrente nos seus articulados.
XVIII. Não se pode apenas e só basear-se na petição inicial do recorrente, caso contrário, não faria qualquer sentido o tribunal a quo ter notificado para que procedesse à pronúncia quanto à matéria de excepção invocada pelo recorrido.
XIX. Só relegando para julgamento esta matéria, e determinando a realização de todos os meios de prova requeridos pelo recorrente, é que este conseguiria ilidir a presunção do registo do direito de propriedade do recorrido, nos termos do artigo 350 n.º 2 do Código Civil, isto é, com a demonstração de factos demonstrativos do contrário.
XX. Cremos, portanto, que a sentença de que se recorre é nula nos termos do artigo 615 d) do C.P.C. porquanto o tribunal a quo tomou conhecimento de questões que, nesta fase processual, sem produção de prova, não poderia tomar conhecimento.
XXI. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com a produção de prova requerida pelo recorrente em audiência de julgamento.

Recurso interposto da sentença final

1. O autor apresentou acção declarativa de condenação contra o réu, alegando em síntese, que havia realizado benfeitorias no prédio cuja propriedade, nestes autos, foi considerada propriedade integral do réu, pelo que, na qualidade de detentor precário, terá direito ao recebimento do custo dessas mesmas obras.
2. Não podemos aceitar a improcedência total do pedido formulado pelo autor, uma vez que, face á prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, e salvo o devido respeito por opinião diversa, crê-se ter sido provadas a realização de parte das obras relatas pelo autor no seu arrazoado, e bem assim o seu valor.
3. As alegações de recurso agora apresentadas pelo recorrente sindicam o processo lógico-dedutivo seguido pelo Tribunal recorrido quer para a aprova apurada, quer, sobretudo, para o respectivo exame crítico para a decisão em causa; em consequência, sindicam as consequências jurídicas que são depois extraídas dessa mesma análise.
4. Nos termos do artigo 640 n.º 1 alínea a) do Código Processo Civil, o recorrente considera os seguintes pontos de facto incorrectamente julgados: “1. O autor fez obras nas casas de banho, pintura, canalização, colocação de tectos e gesso e colocação de mosaico em espinha com as quais gastou €15.000,00”.
5. Nos termos do artigo 640 n.º 1 alínea b) do Código Processo Civil, considera o recorrente que a prova testemunhal produzida com as testemunhas H. M. ouvido na sessão de julgamento 04/12/2019, cujo depoimento de encontrava gravado sob o número 20191204121339_1494105_3994092, aos minutos 01:17 a 03:31; M. L. ouvido na sessão de julgamento 04/12/2019, cujo depoimento se encontrava gravado aos minutos: 01:10 a 05:37 e M. C., ouvida na sessão de julgamento 04/12/2019, cujo depoimento se encontrava gravado aos minutos 03:15 a 08:12 impunha uma decisão diferente.
6. No depoimento da testemunha H. M. ouvido na sessão de julgamento 04/12/2019, cujo depoimento de encontrava gravado aos minutos 01:17 a 03:31 começa a explicar quais as obras realizadas e qual o valor das mesmas.
7. A referida testemunha começa por esclarecer o tribunal as obras que realizou na casa de banho, designadamente que mudou parte da canalização, meteu fio e tubagem e aplicou as loiças na casa de banho (sanita, base e lavatório).
8. Mais acrescentou que a execução destes trabalhos havia sido pedida pelo recorrente, que foi o recorrente quem tudo tratou com ele e que este lhe havia pago, pelos serviços prestados, a quantia de €700,00 (setecentos euros).
9. Esclareceu ainda o tribunal a testemunha M. L. ouvido na sessão de julgamento 04/12/2019, cujo depoimento de encontrava gravado aos minutos: 01:10 a 05:37 começa a explicar quais as obras realizadas e qual o valor das mesmas.
10. Esta testemunha mencionou ao tribunal que renovou a parte de baixa da casa onde morava o recorrente, tendo colocado tectos em gesso tradicional, com execução de “desenhos”, afagou as paredes, uma vez que estavam todas areadas, e colocou mosaico. Que finalizou as obras com a pintura do interior de toda a parte de baixo da casa.
11. Mencionou ainda que estas obras não foram executadas todas de uma vez, mas antes tinham sido feitas por fases, sendo que o recorrente lhe pagou a quantia de €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros).
12. A existência destas obras e a sua realização por banda do recorrente foram também corroboradas pela testemunha M. C., ouvida na sessão de julgamento 04/12/2019, cujo depoimento se encontrava gravado, que aos minutos 03:15 a 08:12 começa a explicar ao tribunal que teve conhecimento que era intenção do recorrente (que já o era da falecida esposa deste) em fazer obras, porque a esposa do recorrente era modista, recebia pessoas…
13. Refere também esta testemunha que antes o chão era velho quase “tipo terra”, acrescentando que as obras foram feitas após o falecimento da esposa do recorrente, no pressuposto de que a parte de baixo da casa era do recorrente. Aliás, esta testemunha vai mais longe e diz até a madrinha do recorrente, a quem este apelidava de mãe e era considerado por aquela como tal, sempre disse que a casa seria para o recorrente.
14. O Meritíssimo Juiz a quo não lhes atribui qualquer relevância, referindo que as suas declarações terão sido pouco credíveis ou mesmo tendenciosas. Mais se afirma na decisão recorrida que o valor das obras invocadas pelo recorrente e pelo autor são irrealistas face ao tipo modesto de casa e o tipo muitíssimo modesto de obras.
15. Apesar de sabermos que existe um princípio de livre apreciação da prova por parte do julgador, a verdade é que esse princípio não implica a existência de um livre-arbítrio, razão pela qual, ao invocar que determinada testemunha não tem credibilidade, não pode o tribunal deixar de convocar os elementos que o permitiram concluir, isto é, fundamentar essa mesma falta de credibilidade.
16. No caso em apreço, a sentença recorrida limita-se a referir, num primeiro momento, as contradições do recorrente que se assume num primeiro momento como proprietário da casa, e depois não, e a falta de credibilidade das testemunhas pelo facto de considerar o custo irrealista das obras e a forma de pagamento absurda.
17. A importância da fundamentação, posto que, perante uma situação de recurso – como a que agora nos acompanha- e não estando o Tribunal de recurso vinculado, tampouco, á credibilização que tenha, ou não, sido dada a uma determinada testemunha, torna-se todavia impossível fazê-lo se não houverem sido discriminadas as concretas razões que levaram à conclusão de que aquele depoimento não é credível.
18. Os depoimentos das testemunhas M. L. e H. M. (testemunha que a sentença recorrida nem sequer refere) são isentos, não se podendo ignorar que são pessoas que trabalham no ramo da construção civil (um construtor, outro picheleiro) que fizeram as obras na casa referida pelo recorrente, que explicaram minuciosamente como, de que forma e quando as fizeram, e da maneira em que receberam o pagamento.
19. O recorrido não provou que estas obras não foram realizadas, apenas conseguiu provar que ele sim fez também obras na parte de baixo da casa onde reside o recorrente, mas que se cingiram à colocação de janelas – facto que não veio reivindicado pelo recorrente.
20. Não estamos a falar de quaisquer testemunhas, que vêm ao tribunal depor sobre aquilo que viu/ouviu; estamos, outrossim, a falar de profissionais do foro, e que pese embora não houvessem prestado o seu depoimento na qualidade de peritos, não pode o tribunal equiparar o seu depoimento ao de uma mera testemunha, pois que são testemunhas com um conhecimento privilegiado, em virtude da sua actividade profissional, do objecto em discussão.
21. O recorrente, ao longo dos anos, foi fazendo obras no caso que considerou ser sua após o falecimento das pessoas que o criaram.
22. Nessa medida, melhorou a casa para seu conforto, e comodidade, ao seu gosto, que se pode duvidar, mas não questionar.
23. É normal, neste tipo de obras, que as pessoas efectuam os pagamentos dos mesmos com dinheiro que amealham em casa, ao longo dos anos, daí o pagamento ser em numerário.
24. O recorrente fez o pagamento em numerário e nunca cogitou que um dia mais tarde se teria que preocupar em provar que, efectivamente, essas obras tinham sido feitas, por isso não guardou todos os documentos comprovativos de tal (até porque, á data da propositura da acção, os prazos de garantais já estavam esgotados).
25. Não pode o tribunal a quo vir dizer agora que considera o valor das obras irrealista, quando o próprio recorrido requereu a realização de uma perícia para a sua avaliação, e a mesma foi indeferida.
26. Com o devido e merecido respeito, com este entendimento de exigência de uma prova impossível ou diabólica ao recorrente, o tribunal está a beneficiar o recorrido, que além de não respeitar a vontade dos pais, registando o primeiro andar da casa a favor do recorrente, irá beneficiar de umas obras pagas por este. Mas sabemos que, feliz ou infelizmente, o tribunal não faz justiça moral.
27. As testemunhas M. L. e H. M. tiveram acesso á casa em questão, aí realizaram as obras, que descreveram ao pormenor ao tribunal (indicando até os materiais utilizados, contando como estava a casa antes das obras, e como ficou depois das obras), disseram o valor que cobraram ao recorrente pelas mesmas, a forma como pagou e em quantas vezes pagou.
28. Não está neste processo em causa como é que o recorrente obteve o dinheiro para pagar tais obras (apesar de ter exposto a sua vida financeira em declarações de parte e explicando ao tribunal de onde lhe veio o dinheiro).
29. Basta compulsar calmamente o depoimento daquelas testemunhas para se perceber com exactidão o alcance e pormenor evidenciado, pelo que, naturalmente, dúvidas não se poderiam suscitar.
30. Não se compreende o porquê do tribunal a quo não ter condenado o recorrido pelo menos no que toca a este valor.
31. Não podia a sentença recorrida ter dado como não provado que o autor fez obras nas casas de banho, pintura, canalização, colocação de tectos e gesso e colocação de mosaico em espinha com as quais gastou €15.000,00, devendo o mesmo passar a constar da factualidade dado como provada, nos termos supra expostos.
32. Em face da alteração da matéria de facto acima exposta – e objecto de recurso – também as conclusões jurídicas da sentença da primeira instância terão que ser alteradas, pois que se alteram as circunstâncias fácticas.
33. No que concerne à alteração do facto não provado 1, o qual como assim se demonstrou, deverá ser dado como provado, deverá ser julgada parcialmente provada e consequentemente procedente a acção intentada pelo recorrente, e ser o recorrente condenado a pagar-lhe a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros)
34. Nestes termos, e atento o descrito, deverá a parte decisória da sentença recorrida ser alterada nos termos que aqui se propõe:
“Pelo exposto, julga-se a acção na parte remanescente em apreciação ( pedido IV) parcialmente procedente pro provada, condenando-se o réu a pagar ao autor a quantia de quinze mil euros devida pelas benfeitorias pro aquele realizadas e pagas”.

O réu apresentou contra-alegações:

do primeiro recurso

1. Salvo o devido respeito, que é muito, atentos os fundamentos a que faz apelo, certo é que as alegações destinadas a pôr em crise a decisão de considerar como legalmente inadmissível o pedido de declaração do A. como proprietário, por usucapião, de parte de prédio não constituído em regime de propriedade horizontal como legalmente inadmissível, são destituídas de sentido, devendo ser rejeitadas liminarmente.
2. Com efeito, perante a total ausência de alegação de factos essenciais à declaração de constituição do prédio em regime de propriedade horizontal, que o A., aqui Apelante, nem sequer peticionou, a decisão do M.mo Juíz do tribunal “a quo” é a única que permite dar adequado cumprimento ao princípio, ínsito no artigo 130.º do Código de Processo Civil, que proíbe a prática, pelo julgador, de actos inúteis.
3. Contrariamente ao que pretende agora defender, nem na sua petição essencial nem em nenhuma outra peça processual por si apresentada a juízo, o Apelante alegou factos imprescindíveis à constituição da propriedade horizontal relativamente ao imóvel em causa nos autos,
4. Pelo que nenhum sentido faz insistir na defesa da tese que deveria ter a oportunidade de provar factos e circunstâncias que não invocou, sendo certo que aqui tem plena aplicação o princípio de que «o que não está no processo não está no mundo»…
5. Avisada foi igualmente a decisão do M.mo Juíz do Tribunal “a quo”, ao chamar à colação o disposto nos artigos 7.º do Código do Registo Predial e do artigo 1316.º do Código Civil para declarar a procedência dos pedidos reconvencionais, tanto mais que o próprio A./Apelante nem sequer tentou ilidir a presunção decorrente do registo do prédio a seu favor, excepção feita à peticionada aquisição por usucapião.

do segundo recurso

1. Não questionando toda a legitimidade do aqui Apelante em exercer o seu direito de não se conformar com a douta decisão judicial ora em crise, a primeira e inapelável conclusão a extrair de uma rigorosa análise da prova realizada é a de que o que merece clara censura não é essa decisão, mas a postura assumida pelo A., aqui Apelante, ao longo de todo este processo, uma vez que, ouvido em depoimento de parte, implicitamente admitiu que tudo o que expôs na sua petição, a título principal, não correspondia à realidade,
2. tendo confessado que o que os tios, pais do R./Apelado teriam apenas prometido era que a parte da casa que reivindicava “….quando morressem ficava para mim…” (assim a gravação do dia 4/12/2019, com início às 09 horas e 48 minutos e termo pelas 11 horas e 22 minutos, ao minuto 14.18), afirmação totalmente incompatível com a alegação de a ter adquirido por usucapião.
3. Não obstante pretender que na decisão ora em crise procedeu o M.mo Juiz da causa a uma incorrecta apreciação da prova, é notório que os elementos probatórios a que o Apelante faz apelo não são susceptíveis de sustentar o pedido formulado no ponto IV da p.i., não cumprindo o Recorrente o ónus probatório que sobre si recai.
4. Realce-se que nem mesmo as declarações referenciadas nas alegações de recurso são aptas a dar como provados os factos alegados na p.i., como decorre, por exemplo, do depoimento da testemunha H. M. aos minutos 4.38 a 6.42 da gravação áudio da sessão de julgamento ocorrida em 04/12/2019, que contrariam as conclusões a propósito extraídas pelo Apelante,
5. Tal como sucede com os depoimentos das testemunhas M. L., aos minutos 3.03 e 3.09 e 6.58 a 7.03 da gravação áudio, iniciada às 12h21 e com termo pelas 13h32 e M. C., na gravação dessa sessão de julgamento de 2019/12/04, com início pelas 15h43 e fim pelas 16h10, entre os minutos 4.44 e 4.57.
6. Também as declarações de parte do R., aqui Apelado, bem como o depoimento prestado pela testemunha J. A., contribuíram decisivamente para o esclarecimento do tribunal e para a declaração de improcedência da acção.
7. Em face de todos os factos e argumentos aduzidos, é nosso modesto entendimento que a douta Sentença procedeu a uma adequada valoração dos factos trazidos a juízo e interpretando e aplicando de forma irrepreensível o direito.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) deveria ter sido formulado pedido de constituição da propriedade horizontal
b) o autor alegou devidamente a causa de pedir subjacente
c) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto

III

Recurso da decisão interlocutória sobre o mérito da causa

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
O despacho saneador destina-se, além do conhecimento das excepções dilatórias e nulidades processuais, ao conhecimento imediato “do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”, nos termos do artigo 595.º, 1, alínea b) do Código de Processo Civil, o que se fará de seguida visto que os autos permitem desde já apreciar parcialmente do mérito da causa, no tocante ao peticionado pelo autor sob os pontos I, II, III e V do pedido e ao peticionado pelo réu/reconvinte sob as alíneas C) e D) do pedido reconvencional, razão principal do agendamento da presente audiência prévia.
Há factos que por força da contestação apresentada nos autos se mostram ainda controvertidos. Sucede que mesmo que esses factos vertidos na petição inicial provados ficassem, sempre a presente acção teria que improceder parcialmente.
De facto, justifica-se nos presentes autos um julgamento antecipado, pela evidente inutilidade de qualquer instrução e discussão posterior da causa, pois redundaria na prática de actos ilícitos, por inúteis, o que a lei expressamente proíbe na norma levada ao artigo 130.º do Código de Processo Civil.
É do seguinte teor o pedido que o autor deduz sob o ponto I do pedido: “Reconhecer-se que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua .... n.º ..., freguesia de ..., Ponte de Lima”.
Trata-se do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, freguesia de ..., sob o n.º .../20150608, constituído por r/c e 1.º andar (cfr. fls. 53).
A pretensão do autor é, portanto, a de se ver declarado proprietário de parte de um edifício, de parte de um prédio urbano.
Ora, como se disse já no processo 166/16.8T8PTL deste tribunal, no que tange aos princípios constitucionais do direito das coisas, importa chamar à colação os princípios da especialidade ou individualização e da tipicidade.
Relativamente ao primeiro, postula que “não há direitos reais sobre coisas genéricas (...), sendo necessária a especificação dessas coisas, que elas se tornem certas e determinadas, para que nelas incida um jus in re. É claro que, segundo a teoria das coisas, a especificação ou individualização jurídica não corresponde necessariamente a uma individualização física” [Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra Editora, 2012, 163]. Como também refere o mesmo autor [Ob. e loc. cit.], as partes componentes e as partes integrantes de uma coisa (art.º 204.º do Código Civil), encontrando-se estreitamente conexas com uma coisa diferente, não poderão sofrer a incidência de direitos reais diversos dos que incidem sobre esta, pelo menos até ocorrer a desafectação ou separação.
O princípio da tipicidade, por seu lado, assenta, essencialmente, na “tendência dos direitos das coisas para se oferecerem em tipos característicos” [Orlando de Carvalho, Ob. Ci., 178-179].
Ora, conforme refere o Ac. RC de 07.04.2016 [Proc.º n.º 421/13.9TBOHP.C1, relatora Sílvia Pires, www.dgsi.pt], “em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no art.º 1344º do C. Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário”. Ou seja, no caso de edifício não constituído em propriedade horizontal, a coisa objecto de relações jurídicas é o próprio prédio e não cada andar individualmente [L. M. Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, 2011, 320, nota 876].
A excepção é, precisamente a propriedade horizontal, como subtipo do direito de propriedade, observados que sejam os pressupostos legais da sua constituição (arts. 1414.º e ss. do Código Civil), “uma vez que permite que sobre o mesmo edifício de estrutura unitária se constituam distintos direitos de propriedade, com diferentes titulares, que incidem sobre fracções independentes desse prédio” [Ac. RC de 07.04.2016, loc. cit.]. Daí que se conclua que “os tribunais têm vindo a afirmar que a posse, em termos de direito de propriedade, de parte de um prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal, não pode determinar a aquisição por usucapião dessa parte, sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em propriedade horizontal, a qual pode ocorrer por usucapião” [Ac. RC de 07.04.2016, loc. cit.; Ac. RE de 14.06.2007, Proc.º n.º 796/07-3, relator Fernando Bento; e Ac. RL 31.05.2012, Proc.º n.º 5747/07.8TMSNT.L1-2, relator Pedro Martins, todos em www.dgsi.pt].
No presente caso, o autor pretende precisamente o reconhecimento da aquisição por usucapião de partes especificadas do prédio urbano descrito na petição inicial sem que o mesmo se encontre constituído em propriedade horizontal ou sequer sem peticionar essa constituição (artigo 1417º, 1 e 2 do Código Civil), para o que necessariamente deveria, para além de deduzir o pedido, alegar os pertinentes factos, concretamente, a subsunção de todas as fracções do edifício ao regime do artigo 1415.º do Código Civil, para o que a alegação levada ao artigo 24.º da petição inicial é não só insuficiente como conclusiva, sendo certo que a matéria levada à réplica não deve ser atendida como constitutiva dos direitos do autor, mas apenas impugnativa, impeditiva, modificativa ou extintiva das excepções deduzidas pelo réu.
Em face do exposto, o pedido deduzido em I pelo autor não se afigura legalmente possível, pelo que é manifesta a sua improcedência, o que, por sua vez, acarreta a improcedência dos que dele são dependência – pedidos deduzidos em II e III).
Há ainda outro pedido – o deduzido sob o ponto V – cuja improcedência se deve desde já declarar: sob o argumento da celebração com terceiros de um acordo verbal para promessa de transmissão de um bem imóvel (cfr. artigo 6.º da p.i.) ou mesmo transmissão de um imóvel (não se percebe bem - cfr. artigo 8.º da p.i.), peticiona o autor do réu, e em consequência do que alega sob os artigos 6.º, 18.º, 19.º e 20.º da petição inicial, a condenação no pagamento da quantia de €19.420,00.
Ora, não só em nenhum momento da petição inicial se invoca que o réu é único e universal herdeiro de A. F. e M. F. (invoca-se, sob o artigo 2.º da petição inicial, que o réu é filho único de ambos, mas quanto à existência de demais herdeiros, designadamente testamentários, nada se afirma; haverá, em princípio, perante a afirmação levada ao artigo 25.º da petição inicial de que o réu era o cabeça-de-casal da herança, outros herdeiros…), como é manifesto que a acção não é intentada contra o réu com o fundamento de que é este, por via da sucessão hereditária, obrigado ao pagamento de qualquer quantia ao autor por incumprimento contratual dos seus pais. Na realidade, o autor limita-se, perante a eventualidade da improcedência do primeiro bloco de pedidos, a pedir a condenação do réu em pagamento de quantia certa decorrente do incumprimento de uma promessa feita por terceiros (ou decorrente da invalidade do negócio por vício de forma – insiste-se que, em face do teor dos artigos 6.º e 8.º da p.i., não é clara a causa do pedido).
Mas, como é bom de ver, o réu não é parte nesse negócio e pela via do seu singelo incumprimento não lhe pode ser assacada qualquer obrigação (cfr. artigo 406.º, 2 do Código Civil).
E tanto basta para que também se deva ter este pedido como improcedente.
A inadmissibilidade do exercício (por parte do autor) de actos de posse sobre parte de coisa que é, afinal, indivisível (o que acarreta a impossibilidade de aquisição do direito de propriedade), permite desde já também, e perante a inscrição, na conservatória do registo predial, da aquisição do prédio urbano a favor do réu, o conhecimento dos pedidos reconvencionais deduzidos pelo réu/reconvinte.
Na realidade, na improcedência dos pedidos principais deduzidos pelo autor, sempre subsistirá o seguinte facto dado como provado, porque assente em documento autêntico cuja falsidade não foi invocada, e que dispensa a demonstração de tudo quanto o réu alega quanto à posse prolongada no tempo:

Facto provado:
Mostra-se, pela ap. 1156 de 2015/06/08, a aquisição, por sucessão hereditária, a favor do réu/reconvinte, do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../20150608, freguesia de ..., constituído por casa de rés-do-chão e primeiro andar.
Nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial (“o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”), o facto jurídico definitivamente registado faz presumir que o direito resultante do facto jurídico registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado.
Ora, uma vez que não ressalta dos articulados qualquer divergência quanto aos elementos da descrição predial e sua correspondência com a realidade física em disputa, nada impede que se tenha desde já por eficaz a presunção legal prevista no referido artigo 7.º do Código do Registo Predial e, em consequência, se declare ser o réu o proprietário do prédio em discussão nos autos (presunção que se retira do facto registado), direito que resulta da sua aquisição por sucessão por morte (o facto registado), que é uma das formas da aquisição da propriedade (artigo 1316.º do Código Civil).

Decisão (parcial)

Pelo exposto, e em consequência do que acima se disse, desde já:
-Se absolve o réu dos pedidos deduzidos pelo autor sob os pontos I, II, III e V do pedido;
-Se julga o pedido reconvencional procedente e, em consequência, se declara o réu/reconvinte proprietário do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., Ponte de Lima, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º .../20150608 da mesma freguesia; e, em consequência,
-Se condena o autor no correspectivo dever jurídico de se abster da prática de actos que estorvem, impeçam ou limitem o gozo e exercício do direito de propriedade do réu/reconvinte.
Custas da acção, nesta parte, pelo autor, que se fixam em 5/6 das da acção (artigo 527.º do CPC)”.

Conhecendo.

Cumpre averiguar se os pedidos I, II e III podiam ter sido logo decididos na fase em que o foram, ou se, como pretende o recorrente deveria o processo ter avançado para a audiência de julgamento e para a produção de prova.

Vejamos.
O recorrente não contesta a tese jurídica no centro da decisão recorrida, a de que devido ao princípio da especialidade que vigora em matéria de direitos reais, a posse, em termos de direito de propriedade, de parte de um prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal, não pode determinar a aquisição por usucapião dessa parte, sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em propriedade horizontal, a qual pode ocorrer por usucapião. É pacífico que “a usucapião, enquanto acto jurídico de aquisição originária de direitos reais, não opera validamente sobre coisa que, nesse domínio, se traduza em objecto legalmente impossível, nos termos do art. 280º, aplicável por via do art. 295º, ambos do CC”.

A divergência está em que, enquanto a decisão recorrida considerou que para obter vencimento de causa o autor deveria ter deduzido o pedido de constituição da propriedade horizontal e alegado os pertinentes factos, o que não fez, já o recorrente entende que alegou os factos necessários, na petição inicial, na réplica e no requerimento com a referência electrónica 31515932. Mais entende que fez sempre alusão e alegação da constituição da propriedade horizontal, e que para tal pedido ser reconhecido, e contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, não é necessário peticionar a constituição de propriedade horizontal, basta alegar factos que levam ou podem levar a essa constituição.

Quid iuris ?

Podemos desde já afastar aquilo que tenha sido alegado na réplica, pois esta peça processual serve, apenas e tão-só, para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção (art. 584º,1 CPC). Já não serve para acrescentar factos essenciais que ficaram por alegar na petição inicial.

Depois, é certo que o autor, para responder à matéria de excepção, apresentou o requerimento de 11.02.2019, no qual, com relevo para a solução, apenas vislumbramos o artigo 17º, com o seguinte teor: “aliás, das características do imóvel extrai-se precisamente que a constituição da propriedade horizontal sempre foi o acordado entre as partes, pois o rés do chão (propriedade do autor) e o primeiro andar (propriedade do réu) têm entradas independentes, com acesso a uma área comum e confrontação com a via pública”.

E na petição inicial, e para o que agora interessa, apenas vislumbramos o artigo 24º: “fazendo a ressalva que teriam que ser gerados dois artigos, um para a parte de baixo, outro para a parte de cima da casa, correspondendo respectivamente à parte do autor e do réu, sendo certo que há mais de vinte anos estas duas fracções estão materialmente divididas e têm entradas independentes”.

É ainda verdade que o autor não formulou qualquer pedido quanto à constituição da propriedade horizontal. Limitou-se a pedir o seguinte: “I. Reconhecer-se que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima. II. O réu ser condenado a reconhecer que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima. III. O réu ser condenado a abster-se da prática de actos que impeçam, disturbem ou diminuam o legítimo direito de propriedade do autor”.

Começando já por esta última parte, temos como pacífico que o autor tinha o ónus de formular o pedido de constituição da propriedade horizontal. Como está explicado na sentença recorrida, e o recorrente não contesta, “em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no art.º 1344º do C. Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário. No caso de edifício não constituído em propriedade horizontal, a coisa objecto de relações jurídicas é o próprio prédio e não cada andar individualmente. A excepção é, precisamente a propriedade horizontal, como subtipo do direito de propriedade, observados que sejam os pressupostos legais da sua constituição. Daí que se conclua que “os tribunais têm vindo a afirmar que a posse, em termos de direito de propriedade, de parte de um prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal, não pode determinar a aquisição por usucapião dessa parte, sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em propriedade horizontal, a qual pode ocorrer por usucapião” [Ac. RC de 07.04.2016, loc. cit.; Ac. RE de 14.06.2007, Proc.º n.º 796/07-3, relator Fernando Bento; e Ac. RL 31.05.2012, Proc.º n.º 5747/07.8TMSNT.L1-2, relator Pedro Martins, todos em www.dgsi.pt].

Esta jurisprudência é pacífica. Veja-se vg. o Acórdão do STJ de 4/10/2018 (Relator: Tomé Gomes), em cujo sumário de pode ler: “I. A aquisição originária de um bem imobiliário por usucapião só é legalmente possível se a posse recair sobre coisa imóvel ou parte de coisa imóvel susceptível de constituir objecto de direito real. II. A usucapião, enquanto acto jurídico de aquisição originária de direitos reais, não opera validamente sobre coisa que, nesse domínio, se traduza em objecto legalmente impossível, nos termos do artigo 280.º, aplicável por via do art.º 295.º, ambos do CC”.

Assim, sendo pacífico que o tribunal não pode condenar em algo diverso do peticionado, sob pena de nulidade (artigos 609º,1 e 615º,1,e CPC), é igualmente pacífico que o autor tinha de formular o pedido de constituição da propriedade horizontal, sob pena de manifesta improcedência. Aliás, basta ver que o próprio pedido formulado (“Reconhecer-se que o autor é dono e legítimo proprietário da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ..., Freguesia de ..., Ponte de Lima”) demonstra que o autor não teve presente esta característica dos direitos reais, e formulou o seu pedido como se o Tribunal pudesse declará-lo proprietário “da parte correspondente ao rés do chão da casa sita na Rua ..., n.º ...”, sem mais.

Aliás, decorre de tudo o que já ficou dito que há aqui uma precedência ou ordem lógica: primeiro devia ter sido pedida a constituição da propriedade horizontal, com todas as referências que isso implica, e só depois devia ser formulado o pedido de declaração de o autor ser proprietário de uma determinada fracção, identificando correctamente a mesma. E repare-se que, como refere o recorrido nas suas contra-alegações, o autor nem sequer foi capaz de identificar o imóvel em causa, com referência aos seus números de inscrição matricial e de descrição na Conservatória do Registo Predial. Não assiste de todo razão ao recorrente quando afirma que para que o seu pedido seja reconhecido, “e contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, não é necessário peticionar a constituição de propriedade horizontal, basta alegar factos que levam ou podem levar a essa constituição”.

Assim, nesta parte confirma-se a sentença recorrida, não assistindo razão ao recorrente.

E bastaria a não formulação do necessário pedido de constituição da propriedade horizontal para chegarmos à conclusão que o recurso, nesta parte, improcede na íntegra, independentemente de saber se estava devidamente alegada a causa de pedir subjacente.

Mas, não obstante, vejamos também essa parte do argumento do recorrente: afirma este que alegou os factos necessários ao preenchimento da causa de pedir subjacente à constituição do prédio em propriedade horizontal.

Porém, assim não é.

Dispõe o art. 1415º CC que só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
E nos termos do art. 1417º,1 CC a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.
Quanto ao conteúdo do título constitutivo, rege o art. 1418º: “no título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
Ora, como igualmente está sumariado no acórdão do STJ acabado de citar: “VI. Face ao disposto do artigo 1417.º, n.º 1, do CC, a propriedade horizontal pode ser originariamente constituída por usucapião, mas tal constituição tem de assentar em exercício de posse usucapível sobre prédio urbano, ou porventura parte dele, que reúna, desde logo, as características exigidas pelos artigos 1414.º e 1415.º do CC, mormente sobre fracções em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas entre si com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. V. Só assim poderão ficar a constar da sentença de reconhecimento da constituição da propriedade horizontal por usucapião as especificidades obrigatórias a que se refere o artigo 1418.º, n.º 1, do CC. VII. No âmbito das pretensões de reconhecimento da constituição da propriedade horizontal por usucapião, a causa de pedir deverá integrar duas vertentes essenciais, a saber: i) - a factualidade respeitante ao exercício da posse usucapível do prédio urbano ou parte dele sobre que se pretende o reconhecimento da propriedade horizontal; ii) – a descrição das características quer físicas, estruturais e funcionais, quer técnicas do objecto sobre que incide essa posse em termos de corresponder ao que é legalmente exigível para o reconhecimento de uma situação factual de propriedade horizontal, em especial no que se refere à concreta individualização e especificação das fracções autónomas, de harmonia com o disposto nos artigos 1414.º e 1415.º do CC e ainda com a regulamentação aplicável das edificações urbanas”.
Ora, a única coisa que o autor alegou nestes autos, para preencher este segmento da causa de pedir foi, na petição inicial: “há mais de vinte anos estas duas fracções estão materialmente divididas e têm entradas independentes”; e em requerimento autónomo: “o rés do chão (propriedade do autor) e o primeiro andar (propriedade do réu) têm entradas independentes, com acesso a uma área comum e confrontação com a via pública”.
Esqueceu-se de alegar, pois, o autor, os elementos descritos no art. 1418º,1 CC: o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio. E mesmo a especificação das partes do edifício correspondentes às várias fracções não está correctamente feita, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas: por exemplo, não estão identificadas as partes comuns.
E não se diga que no caso se justificaria um convite ao aperfeiçoamento (art. 590º,2,b,4 CPC), pois como já vimos, a não formulação do necessário pedido de constituição da propriedade horizontal condenou inapelavelmente esta parte da acção ao insucesso.

Assim, concluímos que o recurso interposto da decisão interlocutória sobre o mérito da causa improcede na íntegra.

IV
Recurso da sentença final

Recordemos que apenas ficou para a sentença final a questão das benfeitorias.

Concretamente, o autor pretendia ser indemnizado do preço das benfeitorias que realizou no prédio cuja propriedade foi já declarada a favor do réu.

A sentença recorrida ponderou que “a indemnização prevista no artigo 1273.º do Código Civil por realização de benfeitorias (que estão definidas no artigo 216.º, 3 do Código Civil) é, em princípio, aplicável ao mero detentor, de que o réu é exemplo (na mesma medida em que é exigível pelo comodatário, que é equiparado a possuidor de má-fé – artigo 1138.º, 1 do Código Civil). Sucede que o autor não demonstrou o pagamento de qualquer benfeitoria, útil, necessária ou voluptuária. Não tem, portanto, e consequentemente, direito a receber do réu qualquer quantia”. E daí a absolvição do réu também deste pedido.
O recorrente vem questionar o julgamento da matéria de facto, por entender que face à prova testemunhal produzida na audiência de julgamento deveria ter-se dado como provada a realização de parte das obras relatas pelo autor no seu arrazoado, e bem assim o seu valor. Ou seja, entende que o facto não provado nº 1 deveria converter-se em provado.
O seu teor é o seguinte: “1. O autor fez obras nas casas de banho, pintura, canalização, colocação de tectos e gesso e colocação de mosaico em espinha com as quais gastou €15.000,00”.
Consideramos que o recorrente respeitou os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto, constantes do art. 640º CPC: apresentou conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b), especificou nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a), especificou na motivação, os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, indicou as passagens da gravação em que se funda, e indicou qual o resultado pretendido com a impugnação.
Vamos pois, sem mais, conhecer desta parte do recurso.
E fazendo-o, a improcedência da mesma é total.
O recorrente alega que face à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento foi provada a realização de parte das obras relatadas pelo autor no seu arrazoado, e bem assim o seu valor.
Ora, o Tribunal e o recorrente ouviram a mesma prova. A pretensão que o recorrente vem agora expor é a de que o Tribunal recorrido interpretou erroneamente os depoimentos testemunhais.
Convém começar por registar que quer a prova testemunhal, quer a prova por declarações de parte, estão sujeitas à regra da livre apreciação (arts. 466º,3 e 607º,5 CPC).
Nesta parte, temos de ter presente algumas limitações (1) com que esta Relação se depara, que não existiram no julgamento feito na primeira instância.
Primeiro, “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (video) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador” (2).
Ou seja, o registo audio da prova não permite captar aquilo que a psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si testemunhos divergentes sobre os mesmos factos essenciais, essa comunicação não-verbal assume uma importância determinante na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos.
Sucede ainda que o Juiz da causa, como os autos documentam, deslocou-se ao local para fazer uma inspecção judicial, e pode aperceber-se com um grau de imediação que esta Relação não tem, das características do mesmo. É intuitivo que a presença do julgador no local permite uma apreensão de todas as circunstâncias do mesmo que o respectivo auto, por mais completo que seja, jamais permitirá igualar.
Assim, a priori, numa situação destas, um recurso da decisão sobre matéria de facto assente apenas no entendimento do recorrente, necessariamente divergente do entendimento do Tribunal, estará, na esmagadora maioria dos casos votado ao fracasso. Para obter vencimento, o recorrente tem de demonstrar que houve erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido, e não apresentar apenas a sua interpretação da prova.

Por todo o exposto, resta analisar a decisão e sua fundamentação, para verificar se dessa análise ressalta a existência de algum erro manifesto, contradição, ou alguma incoerência ou implausibilidade, que coloque sérias dúvidas sobre a justeza da decisão.
E a resposta é que não se vislumbra qualquer erro. Da audição da prova resulta o extremo cuidado do Juiz a quo ao interrogar as partes e as testemunhas, não deixando passar respostas incoerentes ou demasiado “convenientes”, tendo mesmo oficiosamente decidido fazer uma inspecção ao local, como a acta documenta.

A fundamentação da decisão da matéria de facto é do seguinte teor:

O autor, em requerimento que atravessou nos autos a 2.12.2019, justifica a inexistência de documentação comprovativa do custeio das obras com o argumento de que estaria a fazer obras em casa própria e que, por isso, não encontraria motivo para a guardar, nomeadamente para prova do custo (achando, provavelmente, que a prova do prazo da garantia da obra ou da quitação de pagamento constituirá assunto irrelevante para o comum dos proprietários…). Mas escassos dois dias depois, a 4.12.2019, em plena audiência, confessa factos que demonstram, de forma absolutamente inequívoca, que nunca se tomou como proprietário da casa onde ainda viveu com o falecido e ainda vive, seu tio/pai do réu. Foram deste tipo as contradições em que também caiu aquando da sua inquirição. Não só foi incapaz de convencer, por total ausência de coerência e detalhe do seu relato, pela realização de parte das obras que disse ter feito (como em inspecção ao local se pôde observar e como, de forma muito clarividente, o réu, em declarações contrapôs) como, acima de tudo, foi incapaz de demonstrar que custeou, com dinheiro próprio, qualquer uma das obras que invoca. Foi, nomeadamente, incapaz de justificar por que razão não foi o seu tio, o proprietário da habitação, a custear as obras da casa, nomeadamente tendo em conta um seu traço de personalidade – o seu feitio orgulhoso – que, de forma tão esclarecida e reveladora, dele deixando exemplos, o réu deu a conhecer.
Para além do mais, o valor das alegadas obras invocado tanto pelo autor como pelas testemunhas que se aventuraram a justificar a sua realização e preço, em especial a testemunha M. L. (que avançou com preços de obra que no local se não encontraram e com métodos de pagamento do autor profundamente irrealistas), é – dizemo-lo sem a mínima hesitação – um completo e absoluto absurdo(!!), em especial para o tipo muito modesto de casa e, acrescenta-se, para o tipo muitíssimo modesto de obras que, sem convencimento do tribunal, se afirmaram ter sido feitas.
As demais testemunhas arroladas pelo autor ouvidas foram ou irrelevantes (M. C.) ou tendenciosas, como por exemplo L. L., companheira do autor, que, incrivelmente, sem saber se recordar de valores de obras, acerta em alguns dos avançados pelas testemunhas e procura convencer que o autor era proprietário do local, pois convidou-a para lá viver sem pedir autorização ao falecido (deixando, portanto, no ar a possibilidade de o autor pedir autorização ao seu tio para a realização de obras em casa mas não para que ela passasse a ser a habitação de terceiros…); ou como A. M., filha do autor, que afirma que o dinheiro da obra era do pai mas não soube referir nem o custo das obras nem a proveniência do dinheiro, ainda que, confrontada com o preço reclamado, correctamente afirme que a obra é “um bocado tristonha”.
A testemunha S. arrolada pelo réu esclareceu que os conflitos com o autor apenas começaram quando o réu lhe afirmou que, quanto à casa, teria de tomar uma posição: ou de a comprar ou de dela sair.
Por fim – e cereja no topo do bolo das inconsistências do autor – a testemunha J. A. (pedreiro e não operário fabril como erradamente aparece identificado em acta) contou de forma perfeitamente natural que, em 2014 e 2015 fez, por indicação e pagamento do réu, não só obras no andar de cima como ainda mudou duas janelas pequenas na parte de baixo, a tal que o autor, com esta acção, reivindicou para si…
Nada do alegado pelo autor, ficou, portanto, provado”.

Este Tribunal da Relação, depois da audição da prova produzida, só pode acompanhar esta leitura feita pelo Tribunal recorrido. Acompanhamos a mesma não só quanto às incoerências e implausibilidades das declarações do autor, como quanto à credibilidade reduzida das testemunhas arroladas pelo autor, ao contrário das do réu, que foram globalmente credíveis.
São reveladoras as contradições entre o que foi afirmado pelo autor e suas testemunhas sobre as obras feitas na casa e aquilo que pode ser observado na visita ao local (cfr. acta da audiência final).
Registámos também que apesar de o autor ter dito que a obra na casa de banho incluiu a colocação de canalização no exterior, e não no interior das paredes, a testemunha H. M. começou logo por dizer que “remodelámos a canalização, havia uma fuga, abri roços, meti a tubagem”. Foi-lhe feita expressamente a pergunta se a canalização foi interior ou exterior, mas conseguiu não responder.
E acrescentamos ainda um pormenor que nos parece muito revelador, no depoimento da testemunha M. L.. Quando lhe foi perguntado: “quem é que acompanhou as obras ?”, respondeu: “bem, quem acompanhou as obras era quem me pagava. O tio não dizia nada, não mandava, fazia sempre a vontade do sobrinho, concordava sempre com o sobrinho”. Este zelo inexcedível em fazer passar a ideia de que o tio (dono da casa) não mandava nada, quando nem sequer isso lhe tinha sido directamente perguntado, parece-nos um caso patente de lição demasiado bem estudada.
Finalmente, é de todo estranho e implausível que uma quantia que ronda os € 20.000,00, seja paga em numerário, e não haja qualquer prova documental de tal pagamento.

Assim, sem necessidade de mais elaboração, a decisão da matéria de facto não padece de qualquer erro ou vício, pelo que a confirmamos integralmente.

Uma vez que o recorrente não coloca em causa a apreciação jurídica da causa, mas apenas na sequência da alteração da matéria de facto provada, o que não sucedeu, o recurso improcede na íntegra.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra as decisões recorridas.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 15/4/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


1. Que, apesar de tudo, não são impeditivas de uma reapreciação total da prova com vista à formação da convicção do Juíz da Relação.
2. Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286.