Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
938/15.0T8VRL-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: NULIDADE DO DESPACHO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SIGILO PROFISSIONAL
INCIDENTE DE DISPENSA DE SIGILO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

No âmbito da presente acção instaurada pela Autora, SOCIEDADE X LDA, contra os Réus V. F., N. – COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS UNIPESSOAL LDA e 13 CASA AGRÍCOLA A. F. LDA, vieram estes últimos arrolar como testemunha a Sra. Dra. Sofia, a qual se escusou a depor, invocando o sigilo profissional.

Os réus insistiram no seu depoimento, tendo sido solicitado parecer à ordem dos Advogados sobre a legitimidade da escusa.

Após, foi proferido despacho que, com fundamento na argumentação aduzida no parecer emitido pela Ordem dos Advogados, considerou legítima a escusa da senhora advogada para depor como testemunha.

Inconformado com tal decisão, apelam os Réus, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

PRIMEIRA CONCLUSÃO
Notificados que foram do requerimento, através do qual a Exma. Senhora Doutora Sofia, Ilustre Advogada, arrolada como testemunha pelos recorrentes, havia requerido, legítima escusa em prestar o depoimento dela, os recorrentes requereram, à Meritíssima Senhora Doutora Juíza de 1ª instância, que, uma vez consultada que fosse a Ordem dos Advogados sobre a questão, determinasse não ser legítima tal escusa, nomeadamente por os factos sobre os quais se pretendia a prestação do depoimento em causa, não estarem abrangidos pelo segredo profissional dos advogados.

SEGUNDA CONCLUSÃO
Ou, se assim não acontecesse, rectius, se assim não fosse entendido, que aquela Ilustre Magistrada de 1ª instância, suscitasse a intervenção do Tribunal da Relação de Guimarães, para que esse Tribunal, decidisse da prestação do testemunho que tem vindo a ser referido, com quebra do sigilo profissional.

TERCEIRA CONCLUSÃO
Ouvida que foi a Ordem dos Advogados, esta manifestou-se pela legitimidade da escusa em causa, o que mereceu a concordância da Meritíssima Senhora Doutora Juíza a quo.

QUARTA CONCLUSÃO
Que, no entanto, não só não suscitou, a pelos recorrentes requerida intervenção do Tribunal da Relação de Guimarães, como nem sequer se pronunciou sobre essa suscitação.

QUINTA CONCLUSÃO
Infringindo assim o artigo 608.º-3, do CPC 2013, infração esta produtora da nulidade do despacho sob recurso (artigos 613.º-3 e 615.º-1-d), os dois do CPC 2013)

SEXTA CONCLUSÃO
Tendo pois o despacho recorrido, violado, directamente, o artigo 608.º-3, do CPC 2013, o que determina a nulidade de tal despacho, face ao comandado nos artigos 613.º-3 e 615.º-1-d), ambos do CPC 2013, e, indirectamente, os artigos 417.º-3-c) e 4 e 497.º-3, os dois do CPC 2013 e 135.º-3, do CPP

SÉTIMA CONCLUSÃO
Motivos pelos quais, e muito embora sem que isso possa representar, nem represente, qualquer desprimor, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com a Exma. Senhora Doutora Juíza que o prolatou, deverá ser declarado nulo, ou então anulado, o despacho sob crítica.

OITAVA CONCLUSÃO Prolatando-se, em substituição de tal douto despacho, não menos douto acórdão, que, determine que o Tribunal da Relação de Guimarães, decida da prestação do testemunho da Exma. Senhora Doutora Sofia, com quebra do sigilo profissional, o que se peticiona a V. Exas.
*
O Apelado não apresentaram contra alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da existência de nulidade por omissão de pronúncia.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:

(…)
=CLS=
Indicada como testemunha pelos réus, veio a Sra. Dra. Sofia escusar-se a depor, invocando o sigilo profissional.
Os réus insistiram no seu depoimento, pelo que foi solicitado parecer à ordem dos Advogados sobre a legitimidade da escusa.
Tendo em conta o parecer emitido pela Ordem dos Advogados, que aqui dou por reproduzido para todos os efeitos legais, considero legítima a escusa da senhora advogada para depor como testemunha.
Notifique.
(…)

Fundamentação de direito.

A questão suscitada pelos Recorrentes relativa à nulidade do despacho proferido, tem de ser apreciada, naturalmente, com prevalência sobre as demais, pois que a sua eventual procedência implica, de facto, a nulidade da decisão proferida, conforme é por eles sustentado.

Invocam os Recorrentes a violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C., que abrange o caso de nulidade por omissão de conhecimento.

Tal causa de nulidade consiste no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer.

Quanto a este aspecto e como é consabido, tem constituído posição pacífica na doutrina a que vai no sentido de relacionar este vício da sentença com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, havendo, assim, de, por ele, ser integrado.

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

Daqui decorre que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.

Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou se pronunciar sobre qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretendem os Recorrentes.

Alegam os Recorrentes em síntese que, para a hipótese de, após consulta da Ordem dos Advogados, vir a ser considerada a existência de legitima recusa da testemunha arrolada, Dra. Sofia, por eles foi requerido que se suscitasse a intervenção do Tribunal da Relação de Guimarães, para que esse Tribunal, decidisse da prestação do testemunho que tem vindo a ser referido, com quebra do sigilo profissional.

Sucede ouvida que foi a Ordem dos Advogados, esta manifestou-se pela legitimidade da escusa em causa, o que mereceu a concordância do tribunal de primeira instância, o qual, contudo, não só não suscitou, a requerida intervenção do Tribunal da Relação de Guimarães, como nem sequer se pronunciou sobre essa suscitação.

E assim sendo, infringiu o disposto no artigo 608.º-3, do CPC 2013, infracção esta produtora da nulidade do despacho sob recurso, nos termos do disposto nos artigos 613.º-3 e 615.º-1-d), do mesmo diploma legal,

Com estes fundamentos conclui que, uma vez declarado nulo ou anulado tal despacho, e se decida da prestação do testemunho da Exma. Senhora Doutora Sofia, com quebra do sigilo profissional.

Ora, analisado o conteúdo do despacho proferido à evidência resulta que tendo sido considerada a existência de legitima recusa da testemunha arrolada, não foram proferidas quaisquer considerações sobre a requerida intervenção do Tribunal da Relação, pelo que, à evidência se conclui que nele se não materializa qualquer análise desta questão suscitada pelos Recorrentes como fundamento da sua manifestada pretensão de que aludida testemunha viesse a ser ouvida, resultando, assim, com linear clareza, uma efectiva omissão que, obviamente, acarreta a nulidade de tal despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1, do artigo 615.º e do n.º 3, do artigo 613.º, ambos do CPC.

E assim sendo, dúvidas não restam, pois, de que, em face do estatuído no artigo 615, nº 1, alínea d), do C.P.C., o despacho recorrido se encontra afectado por vícios que originam a sua nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

Assim sendo, e na procedência da apelação, anula-se o despacho recorrido, determinado seja substituído por outro que determine que o Tribunal da Relação de Guimarães, decida da prestação do testemunho da Exma. Senhora Doutora Sofia, com quebra do sigilo profissional.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.Civil.

I- A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, na procedência da Apelação, e, anulando-se o despacho recorrido, determina-se seja substituído por outro que, determine que o Tribunal da Relação de Guimarães, decida da prestação do testemunho da Exma. Senhora Doutora Sofia, com quebra do sigilo profissional.

Sem custas.
Guimarães, 05/ 04/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes